segunda-feira, 16 de maio de 2011

Recanto das letras

A 3ª Flipiri terminou com saldo positivo: apresentou autores regionais, possibilitou a visita de escritores a escolas de povoados distantes e aproximou a cidade da comunidade literária Fonte: correioweb.com.br 16/05

Pirenópolis — A 3ª Festa Literária de Pirenópolis, que terminou sábado, parece ter cumprido seu papel de integrar comunidade e literatura nos mesmos espaços, uns como espectadores e outros como visitantes ilustres, mas todos atentos a cada palavra dita, a cada verso declamado. Se Piri era conhecida até então — ou até a criação da Flipiri — como refúgio de belezas naturais e de um passado conservado em ruas, esquinas e casas, agora seu nome também soa como recanto das letras, paraíso dos livros. E onde poemas e pipas são donas do mesmo céu. “Antes, tinha que fazer um esforço. Desta vez, a vinda de todos foi espontânea. As pessoas já esperam pela festa, já sabem o que é a Flipiri. E perceberam que a festa traz benefícios para a cidade”, comemora Gedson Oliveira, secretário de Cultura. Ele estima que 12 mil pessoas participaram dos quatro dias de evento.

Na primeira gestão à frente da pasta, Oliveira diz que a festa despertou o interesse de mais patrocinadores ao longo dos últimos anos. E o governo de Goiás inseriu o evento no calendário oficial. “Vamos ter ajuda institucional”, ressalta. Segundo ele, a ideia é fazer de Pirenópolis destino essencial para quem gosta de cultura. “Escolhemos um público específico de turistas para atingir. Queremos seguir pelos caminhos do turismo cultural. Por causa disso, não vamos fazer micareta, carnaval fora de hora. Se trouxermos esse público que gosta de cultura, eles terão prazer de conhecer a cultura daqui. E vão comprar obras de arte, livros, artesanato.”

Outro aspecto relevante da festa, diz Oliveira, é que ela representa uma oportunidade de apresentar a moradores, escritores e visitantes um pouco da produção local e regional. “Este ano, tivemos Felipe Batista, com um livro que surpreendeu a Casa de Autores de Brasília. E Waldetes Resende, que mora em Lagolândia, zona rural, e fez um livro contando a história de Santa Dica”, destaca.

Vera Lúcia Dias, escritora que lançou livro durante a revoada de pipas, na tarde da última quinta-feira, vai além: define a festividade quase como uma investigação do que se tem produzido em literatura e poesia no Centro-Oeste. “A gente não tem ideia de quantos cantadores e escritores existem no interior. É como se a gente estivesse correndo atrás de algo que não tinha visto ainda”, opina a vice-presidente da Casa de Autores.

Entre os cerca de 50 escritores que participaram da Flipiri, as mulheres foram destaque. Na noite de abertura, Elisa Lucinda encantou o público com recital poético (e cômico) no palco da Praça Central. Vicência Bretas Tahan, filha da poetisa Cora Coralina, a homenageada da edição, divertiu o público com palavras simples e francas — ela sabe rir de si mesma —, risadas estimulantes e citações carinhosas da obra da mãe.

Público brasiliense
Encontrar carros com placas de Brasília ladeando as calçadas não é tarefa difícil, mesmo em época de baixa temporada. Mas no último fim de semana, os brasilienses viajaram até Pirenópolis com intenções mais literárias do que turísticas. Nilva Monteiro e Ademir da Silva, juntos há dois anos, foram para a Flipiri pela primeira vez. E adoraram o que viram. “É tipo quintal de casa. Uma coisa tão simples, tudo muito artesanal. Acho que é isso que está faltando em Brasília. Se a gente pudesse pegar um pedacinho daqui e levar para Taguatinga…”, delicia-se Nilva, pedagoga e contadora de histórias que levou a mãe, Nilza, e os dois filhos, Gabriel e Pedro Luiz, para aproveitar as atividades em família.

O sonho do casal é organizar um evento literário em Taguatinga. “Tem pouco disso em Brasília. Tem a Feira do Livro, mas é elitizada. Não tem nada nas satélites. Nós temos riqueza em Planaltina, Brazlândia, Taguatinga. É importante resgatar o que é nosso”, acredita Ademir, diretor de teatro. “O contato com a arte faz a gente ter contato com o outro. Você entende o outro a partir da arte”, acrescenta.

Johnatan Razen e Laura Papa, estudantes da UnB, chegaram à cidade interessados na programação de recitais e encontros com escritores. “Eu acho a iniciativa o máximo. Não existe consumo de valores da poesia e da literatura da região”, afirma Razen, 21 anos, aluno de direito. Laura, 19, do curso de museologia, gostaria de ver algo parecido na capital federal: “Deviam ampliar a Feira do Livro. É restrita àquele espaço do Plano Piloto. Poderiam tentar investir em coisas assim. Brasília tem muito espaço legal para isso”.

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FERREIRA GULLAR

Quanto mais livre, mais arbítrio

Até o final do século 19, a função do acaso, por ser menor, era pouco percebida pelos pintores Fonte: folha.uol.com.br 15/05



NO LIVRO "O Roubo da Mona Lisa" (ed. Campus), Darian Leader levanta uma série de questões relacionadas com a criação artística a partir desse fato inusitado que chocou o mundo artístico.
O roubo ocorreu no dia 22 de agosto de 1911 e foi perpetrado por Vincenzo Peruggia, pintor de paredes italiano que disse, assim, recuperar para seu país a obra-prima que lhe havia sido tomada por Napoleão Bonaparte. Um equívoco, já que o quadro foi levado para a França pelo próprio Da Vinci, quando para lá se mudara a convite de François 1º.
Aquela terá sido uma desculpa inventada por Peruggia, já que, mais tarde, tentou vender o quadro, em Florença, ao antiquário Alfredo Geri, por meio milhão de liras. Este o denunciou à polícia, que encontrou a famosa obra-prima dentro de um baú velho, envolto em roupas sujas e junto com dois pares de sapatos.
Além desse episódio, há no livro observações instigantes e informações que o induzem a refletir sobre os mistérios da criação artística. Sucede que, como psicanalista que é, tende a explicar esses mistérios a partir das teorias de Freud e Lacan, de que resultam interpretações que nem sempre têm a ver com questões estéticas propriamente ditas.
Como se sabe, Leonardo da Vinci deixou algumas de suas obras por terminar. Na visão psicanalítica, esse fato decorreria do mau relacionamento do artista, quando menino, com seus pais; a verdade, porém, é que o pintor teimava em usar, na realização dos afrescos, experimentos técnicos que não deram certo.
Como a pintura sobre barro fresco tinha que ser executada com rapidez, Da Vinci, interessado em efeitos sofisticados, que exigiam realização demorada, passou a misturar à tinta tradicional novos ingredientes que ou não deixavam a pintura secar ou faziam com que se apagasse em seguida. Foi o que ocorreu, por exemplo, com "A Batalha de Anghiari", cuja tinta não secava e a qual ele abandonou pela metade. O que os problemas de Leonardo com os pais teriam a ver com isso é difícil de entender.
Mas o livro aborda outras questões, às quais raramente os críticos dão importância, como o relacionamento de Picasso e Braque no início do cubismo, que não só os levou a pintar de modo tão parecido como ao fato de um perguntar ao outro se o quadro estava terminado. É sintomático que isso tenha ocorrido com os dois artistas responsáveis pela mais radical ruptura de que se tem notícia em toda a história da arte. É que essa ruptura pôs à mostra um fato decisivo inerente à criação artística: a importância do fator acaso.
Até o final do século 19, antes da ruptura da linguagem pictórica provocada por Paul Cézanne, a função do acaso, por ser menor, era pouco percebida pelos pintores.
É que o compromisso com a representação da realidade já por si limitava as opções possíveis. Quando Cézanne libera a pincelada do contorno figurativo, ela vira mancha e, assim, o grau de opções arbitrárias aumenta amplamente.
E aumentará muito mais ainda quando, na fase final do cubismo, a própria linguagem pictórica é implodida: a colagem de diversos materiais -de recortes de jornal a barbante e areia- se juntam às formas pintadas.
Os limites da linguagem da pintura se dissolveram e com eles as normas que orientavam o trabalho do pintor. Na execução do quadro, as probabilidades de realizá-lo são tantas e inesperadas que o artista mal sabe se ele está concluído. Por isso, talvez de brincadeira, Picasso e Braque pedem um ao outro que digam se o quadro está pronto.
O que significa essa piada? Que o próprio pintor já não domina sua expressão? Que não é mais possível ser mestre de sua arte? Ou, em face do número ilimitado de probabilidades, já não importa buscar a forma única e inevitável da obra?
Essas questões determinaram o surgimento do dadaísmo, que, por assim dizer, na sua expressão mais extremada, negou o fazer artístico (vide o urinol de Marcel Duchamp) e fez surgir, depois, a tendência conhecida como arte contemporânea.
No entanto, à parte do radicalismo dadaísta, a verdade é que, na realização da obra de arte, os fatores casuais sempre desempenharam papel essencial. O autor nunca sabe ao certo se a obra está pronta. Dá-la por terminada é uma decisão até certo ponto arbitrária.

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Tráfico de seres humanos: desafios no Brasil

JOSÉ EDUARDO CARDOZO e PAULO ABRÃO

O tráfico de pessoas é um dos grandes problemas a serem enfrentados pelas autoridades globais, pois afronta de forma direta a condição humana

JOSÉ EDUARDO CARDOZO, 52, é ministro da Justiça. PAULO ABRÃO, 35, é secretário nacional de Justiça. Fonte: folha.uol.com.br 15/05



O Senado acaba de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o tráfico nacional e internacional de pessoas no Brasil, em especial suas causas, consequências, rotas e responsáveis.
O tráfico de pessoas é um dos grandes problemas a serem enfrentados pelas autoridades em todo o mundo, não somente pelos métodos cruéis e pela complexidade do crime, mas pelo fato de afrontar diretamente a condição humana.
As vítimas, sejam elas mulheres, crianças, adolescentes ou homens, invariavelmente são transformadas em objetos e são privadas de liberdade, de autonomia e também de seus projetos de vida.
Trata-se de um drama de dimensão transnacional. O Brasil é um país de origem, de destino e de passagem para as rotas de tráfico internacional de pessoas. No âmbito nacional, a exploração é feita contra concidadãos. Esquemas criminosos são montados para alcançar pessoas em situação de vulnerabilidade com a finalidade de prestarem serviços forçados, de servidão, de exploração sexual ou para fins de remoção e circulação de órgãos e células humanas.
Para se viabilizar, o crime organizado globalizado apropria-se dos avanços tecnológicos, da ampliação dos fluxos migratórios, da miséria social, da vulnerabilidade das fronteiras e da precarização das relações de trabalho.
Ainda em 2001, o Brasil iniciou seu trajeto no combate a esse tipo de crime ao efetivar uma cooperação técnica internacional, assinada entre a Secretaria Nacional de Justiça e o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime.
A ratificação do Protocolo de Palermo, instrumento internacional de combate a esse crime, cuidou da inclusão e da previsão de ações e políticas públicas focadas em três eixos: a prevenção, a repressão e a proteção às vítimas.
Uma Política Nacional e um Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas estão vigentes e têm exigido uma ação integrada entre os ministérios da Justiça, da Saúde, do Trabalho e Emprego e as secretarias de Direitos Humanos e de Proteção à Mulher.
No âmbito do Ministério da Justiça, esforços são envidados pelos profissionais de segurança pública no aperfeiçoamento de técnicas de investigação, na capacitação de profissionais e na realização de operações de inteligência.
Recentemente, firmou-se um protocolo para ações prioritárias e conjuntas entre os ministros da Justiça do Brasil, da Argentina, da Espanha e de Portugal, que já estão sendo implementadas.
Os núcleos estaduais e os postos avançados de enfrentamento ao tráfico de pessoas, fruto de parcerias federativas entre Estados e municípios, atuam estratégica e diretamente na esfera de conscientização, mobilização, monitoramento, repressão ao crime e atenção às vítimas por meio de medidas articuladas com a sociedade civil.
Ainda assim, a barbárie se expande. Estimativas globais da ONU indicam que, a cada ano, cerca de 30 bilhões de dólares são movimentados e que mais de 2 milhões de pessoas são traficadas. Dessas, metade tem menos de 18 anos e 80% são exploradas sexualmente. Por esses motivos, a iniciativa do Senado é muito bem-vinda.
Neste momento, em ambiente investigativo republicano, a CPI é uma oportunidade privilegiada para gerar a necessária visibilidade a uma das piores lesões contra a humanidade, para alertar a sociedade e para ampliar reformas legais e o aperfeiçoamento das atuais políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

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ELIANE CANTANHÊDE

Nordeste cresce e aparece
Fonte: folha.uol.com.br 15/05



BRASÍLIA - A Telecom Italia fechou as portas na Alemanha, na Espanha e na Turquia, assim como no Chile, na Venezuela, no Peru, na Bolívia e em Cuba. Mas, em vez de sair ou de reduzir seus negócios no Brasil, só faz aumentá-los. Com um detalhe: 40% dos novos investimentos até 2013, de R$ 8,5 bi, vão para Norte e Nordeste.
Não é um fato isolado. Há meio século, Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília no Planalto Central pensando na integração física, política e econômica do país. O Nordeste, porém, manteve os estigmas, o flagelo da seca e os paus-de-arara rumo ao "sul maravilha".
Isso está mudando. Norte e Nordeste não escapam do ciclo virtuoso nacional de quase 20 anos. Com taxas de crescimento superiores à média, tornam-se mercados apetitosos e atraem investimentos.
A impressão é que o mundo está descobrindo um Brasil para além de Rio e São Paulo e mirando o Nordeste. Quem conversar com um, dois, três embaixadores, se prepare. Todos vão comentar o crescimento sobretudo nordestino e fazer mil e uma perguntas sobre a região.
O da Itália acaba de voltar do Pará e do Maranhão. O da Coreia do Sul, de uma maratona com empresários do seu país ao Nordeste. E, segundo o da Alemanha, boa parte dos 60 executivos que vieram com o presidente Christian Wulff tinham como foco projetos de infraestrutura no Nordeste.
Além disso, a Embaixada dos EUA teve ação decisiva para a abertura de voos entre capitais nordestinas e norte-americanas. E não só por causa do trânsito de turistas.
Se algum desavisado chegar a Fortaleza, Recife, João Pessoa... pode repetir o vexame de Lula na Namíbia: "Tão limpinho, nem parece o Brasil!". Isso é só um reflexo.
Atacada a desigualdade regional, é hora de aprofundar o combate estruturante à desigualdade social. Esta continua uma vergonha, não do Norte e do Nordeste, mas nacional. A luta continua!

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