quarta-feira, 1 de abril de 2020


Pandemia expõe que “governo não sabe o que é um pobre ou a economia real”


 CARTA CAPITAL 01.04.2020

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Para o economista Marcio Pochmann, País sairá em frangalhos das quarentenas e precisará do Estado mais do que nunca
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O governo propôs pagar 200 reais de renda emergencial a brasileiros pobres, depois que o coronavírus tornou-se pandemia global. O valor era baixo, e o Congresso, a quem cabia aprová-lo, decidiu aumentá-lo, e aí Jair Bolsonaro propôs 600 reais, em uma tentativa de ser ele a colher a glória política. Agora, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que os parlamentares precisam aprovar uma certa mudança na Constituição, antes de o dinheiro ser gasto, por razões técnicas.
Esse episódio resume algo que o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2007 a 2012, identifica na atuação do governo na pandemia: “Eles não têm a menor ideia do que é um pobre”. Como também não tem, diz, sobre o funcionamento da economia real, por ser dominado por pessoas ligadas ao sistema financeiro, a começar pelo ministro Paulo Guedes.
Para Pochmann, o governo tem agido de “forma muito vagarosa” propositalmente, a fim de criar um caos desejado por Bolsonaro. A economia, segundo ele, sairá destruída no fim das quarentenas, e o Estado será mais importante do que nunca para cuidar dos mais pobres e da reconstrução nacional.
A seguir, a íntegra de sua entrevista a CartaCapital, na qual ele critica os neoliberais neokeynesianos de ocasião, defende trocar a elite dirigente, comenta a disputa geopolítica e econômica entre Estados Unidos e China e faz alguns prognósticos sobre economia global depois da fase aguda do coronavírus.
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CartaCapital: O que acontece no Brasil e no mundo, agora na pandemia, que para o senhor é “socialismo dos ricos”?
Marcio Pochmann: No caso brasileiro, o montante de recursos federais agora na crise é de 1 trilhão e 500 bilhões de reais. Desse valor, 1 trilhão e 200 bilhões foram disponibilizados pelo Banco Central para o sistema financeiro, por isso não há sinais até agora de problemas nos bancos, nas corretoras.
A Bolsa de Valores caiu mais de 30% e não teve uma empresa quebrada, uma corretora quebrada. E se o quadro se agravar, o Banco Central vai comprar ações de empresas, de bancos. Então, de 1 trilhão e 500 bilhões, 1 trilhão e 200 bilhões já foi imediatamente liberado para os ricos.
É uma situação muito parecida com a que ocorreu, não no caso brasileiro, na crise de 2008, quando os governos, na Europa e nos Estados Unidos, liberaram recursos, compraram títulos podres e emitiram moeda para salvar o andar de cima, os ricos.
No plano de agora no Brasil, sobraram 300 bilhões de reais de fora desse “socialismo dos ricos”, recursos de antecipação do FGTS, de crédito para empresas pagarem salários, de garantia de renda aos mais pobres. E desse total, praticamente dois terços não saíram do papel ainda.
CC: E se na crise de 2008 o problema começou em cima, agora há uma necessidade mais imediata de salvar os mais pobres, atingidos de forma mais rápida e ampla agora do que em 2008, não?
MP: A questão não é o gasto do Estado, na verdade, é a reorganização do Estado. Como é que você vai administrar essa massa de pobres desempregados que nós vamos ter? Você precisa de um Estado estruturado, e nós não temos. A equipe econômica desse governo não está preparada para lidar com isso, não tem a menor ideia de como é que funciona a economia real. O governo federal não tem conexões com as periferias.
CC: Não tem conhecimento para lidar com a pobreza…
MP: Não tem a menor ideia do que é um pobre. E eles dizem que vão liberar recursos, mas como é que o dinheiro chega lá na ponta? Liberar crédito para as empresas não vai funcionar. O governo acredita que as empresas não vão demitir, porque vão poder ir ao banco pegar empréstimo para pagar salário.
E aí eu pergunto: as empresas estão enforcadas, quem vai se endividar mais, quem vai passar no critério de avaliação dos bancos? E ainda vão ter de pagar uma taxa de juros (básica da economia, definida pelo BC, a Selic) de 3,75%, altíssima para um quadro de uma economia em depressão.
Você teria que operar com juro negativo (menor do que a inflação), não com juro real positivo. As empresas não vão se endividar, não vai funcionar. Quem está tomando decisão em Brasília é gente que desconhece a realidade brasileira. A micro e pequena empresa está endividada, não vai contrair empréstimos. Nós vamos ter demissão em massa no Brasil, fechamento de empresas, uma coisa horrível o que nos espera.
CC: Até onde chegará o desemprego e qual será o tamanho do tombo do PIB este ano?
MP: É difícil chutar um número. Eu diria que nós não estaremos em recessão, estaremos em depressão. Recessão foi o que aconteceu em 2015, 2016 (anos em que, no fim do governo Dilma Rousseff, o Brasil encolheu 7%). É quando você mantém a sua capacidade de produção, só que reduz o nível de atividade. Você pode produzir 100 automóveis, mas produz 90, depois passa a 70, mas você pode voltar a ocupar essa capacidade ociosa gerada pela recessão. Então, recessão gera capacidade ociosa.
Depressão leva à redução da capacidade de produção. O que nós vamos ver no Brasil não é só a redução de atividade e aumento da ociosidade, é redução da capacidade. Por quê? Porque vai ter fechamento, quebra de empresas. O empresário parou, não sabe quando vai voltar, então fecha o negócio e guarda dinheiro na mão. De nada adiantará daqui um ou dois meses ter uma fábrica, se eu não vou conseguir reativá-la.
CC: O que achou de manifestações de alguns empresários bolsonaristas de que vai morrer pouca gente de coronavírus, o mais importante seria pensar nos impactos econômicos das quarentenas?
MP: Faz parte do egoísmo do dinheiro, é a salvação individual. A experiência de outros países na pandemia mostra duas medidas tomadas simultaneamente. A primeira, aparentemente sem alternativa, é o isolamento social: você faz uma parada técnica na economia, na produção e no emprego, para manter as pessoas isoladas.
Simultaneamente, você tem as políticas fiscal e monetária, para dar garantia de renda, de crédito e de condições mínimas de operação da economia. No Brasil, os governadores e prefeitos tomaram a iniciativa da paralisação, que gerou a parada técnica na economia.
Só que a segunda medida, que só pode ser tomada pelo governo federal – os prefeitos e governadores não tem capacidade de endividamento, não podem fazer política monetária e fiscal – tem sido feita de forma muito vagarosa. O cara que é um pequeno empresário, autônomo, trabalha por conta própria, pensa: “Tudo bem, vou ficar parado, mas e a minha renda de amanhã, de depois de amanhã?”. É o desespero entre a fome e o risco da contaminação.
CC: Essa demora tem potencial para criar caos social, na sua opinião? O presidente Bolsonaro fala em caos.
MP: Penso que é a estratégia de Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito para não governar, porque governar significaria dar continuidade ao que ele entende como um rumo ao comunismo. Portanto, é um presidente eleito para não governar, e de certa maneira a estratégia dele é criar o caos, pois só através do caos ele tem condições de se legitimar e de operar essa política.
Se a gente analisar o que foi o primeiro ano dele, foi um mandato de estímulo ao caos institucional: ele saiu do partido, criou vários problemas entre os partidos, entre os políticos da própria base dele, criou problemas institucionais com os poderes da República… Em suma, gerou um maior descrédito na política e nas instituições. Esse segundo ano acredito que será de coroamento do caos econômico e social. E o caos não trará democracia, dará em mais autoritarismo.