quarta-feira, 29 de maio de 2013

Justiça pela qualidade na educação.  Autor(es): Priscila Cruz
O Estado de S. Paulo - 29/05/2013

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Em qualquer sociedade do século 21, são inúmeras as demandas sociais, econômicas e culturais. Aqui, no Brasil, não é diferente. Apesar de muitos progressos, ainda temos enormes desafios pela frente.

De fato, é muito difícil falar em prioridade. Entretanto, não há estratégia mais vigorosa e sustentável para melhorar a vida dos brasileiros e elevar o patamar do País em diversas áreas do que garantir o direito da população a uma educação pública de qualidade.

Se existe uma área capaz de ir muito além de seus resultados diretos, essa área é a educação. Seu impacto na saúde, na segurança, no crescimento econômico, na redução da pobreza e das desigualdades e até na felicidade das pessoas está consagrado nas mais recentes e robustas pesquisas nacionais e internacionais.

Esse entendimento, aliás, existe há muito tempo em nosso país. Mais de 80 anos atrás, os chamados "Pioneiros da Educação Nova" assim abriram o seu Manifesto, de 1932: "Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação".

Além de entendermos todos os bons impactos da educação de qualidade na nossa vida, é preciso reconhecer que a educação básica é um direito constitucional - e que, portanto, se devem assumir claramente o dever e a responsabilidade de fazer com que esse direito seja cumprido.

Pois bem, então, de quem é a responsabilidade pela educação no País?

A nossa Constituição federal diz que é um dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade. Ao Estado cabe garantir o direito dos alunos ao acesso, à permanência e à conclusão dos estudos, em sistema público gratuito, com equidade e qualidade.

Os três Poderes fazem parte do Estado. No entanto, o primeiro que vem à mente do cidadão é o Poder Executivo (principalmente o Executivo federal). Depois, o Poder Legislativo e, com sorte, o Poder Judiciário. Porém todos os três Poderes têm o dever constitucional de garantir o direito à educação.

O Sistema de Justiça é espaço essencial para garantirmos condições mais justas de vida e de desenvolvimento dos brasileiros e do Brasil. Seus operadores - juízes, promotores, defensores públicos - são a chave para a garantia do direito à educação de qualidade para todos os brasileiros, tanto por se tratar de um direito humano fundamental quanto por ser essencial ao exercício dos demais direitos.

Ao lado do Executivo e do Legislativo, o Sistema de Justiça tem, portanto, a missão contemporânea de combater o maior erro histórico do nosso país: o descaso para com a educação. Por séculos, milhões de pessoas tiveram sua realização pessoal e sua capacidade de contribuir para uma sociedade melhor sacrificadas.

Em recente lançamento do livro Justiça pela Qualidade na Educação, publicação organizada pelo Movimento Todos Pela Educação e pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), o relator especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Educação, dr. Kishore Singh,  observou, de forma iluminada, que "o direito à educação não é um ideal ou uma aspiração, mas um direito legalmente executável".

O trabalho da Justiça, portanto, deve ser o de garantir que o direito à educação seja efetivado em suas diversas dimensões, com foco em soluções estruturantes - ainda que os pleitos específicos ou individuais também mereçam atenção. É preciso que o mundo jurídico e o educacional se encontrem e se articulem com o propósito de elevar a qualidade da educação para o aluno, pois ainda é muito comum que o desconhecimento mútuo leve a decisões judiciais que prejudicam a educação e ações educacionais fora dos limites legais.

Em 2001, o Sistema de Justiça mobilizou-se em torno da Justiça pela Educação, um apoio sem o qual o Brasil não teria dado o grande salto rumo à universalização do ensino fundamental, a etapa obrigatória na época. E isso significou um avanço importante: em 2012, chegamos a 98,2% de crianças e jovens de 6 anos a 14 anos na escola.

Não há dúvida, no entanto, de que a mobilização pela qualidade da educação é a maior necessidade contemporânea brasileira, uma vez que, mesmo tendo avançado nesse sentido nos últimos anos, esse avanço ainda é lento.

Portanto, a ideia de aproximar mais as duas áreas - a da educação e a do Direito - para buscar ajudar o Brasil a dar esse imprescindível novo salto educacional não significa a judicialização da educação. Ao contrário, a ideia é fazer com que, juntas, essas áreas possam ajudar-se no entendimento sobre a questão da qualidade da educação, mais especificamente da garantia da aprendizagem dos alunos, e assim fazer com que a área educacional avance de maneira mais acelerada e persistente nos próximos anos.

O Poder Executivo, o Legislativo e o Sistema de Justiça podem, juntos, estabelecer uma estrutura de ações e articulações necessárias para a obtenção de resultados, com responsabilidades bem definidas de cada um dos entes envolvidos, buscando a efetivação do direito à educação de qualidade para todos.

A questão não é simples. Existem muitos consensos na área educacional, mas também muitas divergências. A aprendizagem dos alunos desde os primeiros anos na escola," no entanto, é um consenso e um direito deles, que deve ser assegurado.

Devemos ter em mente que não será qualquer educação que efetivará os direitos das crianças e dos jovens. Nem garantirá a sustentabilidade social e econômica do Brasil./ Diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação



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Dicas de português
por Dad Squarisi .  dadsquarisi.df@dabr.com.br.  CORREIO BSB 29.05

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Recado
“Quem cala consente.”
Povo sabido

           

Língua afiada
Nossa Senhora! Apesar da pane no site do MEC, o Enem bateu recorde. Mais de 7 milhões de estudantes se inscreveram no novo jeito de entrar na universidade. Com o sucesso, uma condição se impõe — pronunciar a palavra com respeito aos ouvidos. Recorde joga no time de concorde e acorde. São todas paroxítonas. A sílaba tônica é cor sim, senhores.


Sem limite
A tecnologia avança. Sofisticação e perfeição se dão as mãos e apresentam criações até há pouco inimagináveis. É o caso da tevê. Depois de LCD, LED e 3D, pinta novidade na praça. Trata-se de aparelhos com ultradefinição. A imagem por eles transmitida ultrapassa a perfeição. Ufa! A notícia despertou a curiosidade de gregos e troianos.

Questões pipocaram a torto e a direito. Uma delas: a grafia do mais recente objeto de desejo. Com hífen? Sem hífen? Ulta- obedece à regra que abarca a maior parte dos prefixos. Pede o tracinho quando seguido de h ou de a (letras iguais se rejeitam). No mais, é tudo coladinho como unha e carne: ultra-humano, ultra-avançado, ultradefinição, ultrarregrado, ultrassatisfeito.


Manhas latinas
Guarde isto: o latim dispensa hifens e acentos. Por isso, Corpus Christi se escreve assim — latinamente.


Em tempo
A maior dor de cabeça do governo? É a dor no bolso dos brasileiros. Trata-se da inflação. O preço dos alimentos está pela hora da morte. Com os mesmos reaizinhos, compra-se cada vez menos. Tão grave situação levou muitos a tomar decisão inédita — parcelar o valor registrado pelo caixa do supermercado.

E daí? Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, anunciou medidas. “Vamos agir tempestivamente”, disse diante de câmeras e microfones. Viva! O homem pode estar perdido na busca de saídas para a rebeldia dos preços. Mas sabe o significado de palavras. Tempestivamente pertence à família de tempo. Quer dizer em tempo, dentro do prazo.

Muitos confundem o vocábulo com temperança. Aí, metem os pés pelas mãos. Falam em “pessoa intempestiva” para classificar a criatura de pavio curto. Bobeiam. O adjetivo não tem relação com temperamento. Tem, isto sim, com oportunidade, prazo. Ação intempestiva quer dizer fora do tempo próprio, inoportuna.


Dizem por aí
Dilma chamou a trapalhada com o Bolsa Família de “boato falso”. Ouvintes ficaram intrigados. A questão: boato falso é pleonasmo? Não. Boato, segundo o Aurélio, é “notícia anônima que corre publicamente sem confirmação”. Pode ser falsa ou não.


Que vista!
Os brasilienses dizem que têm o céu mais bonito do mundo. Os nova-iorquinos são mais modestos. Afirmam que, em cinco dias, têm o pôr do sol mais bacana de Europa, França e Bahia. Entre 26 e 30 de maio, bola de fogo se vislumbra entre edifícios e… deslumbra. Ao divulgar o fato, o repórter vacilou na hora do plural. Como é mesmo? É assim: pores do sol.


Por falar nisso…
Pôr do sol ensina ensina duas lições. Ambas remetem à reforma ortográfica:

1. Pôr e pôde (passado do verbo poder) são as únicas palavras que conservam o acento diferencial. As demais ficaram livres e soltas — sem lenço, sem documento, sem agudos e sem circunflexos: Ontem ele não pôde pôr os livros na estante. Hoje pode.

2. Compostos com mais de duas palavras (ligadas por conjunção, preposição, pronome) perderam o hífen: pôr do sol, pé de moleque, tomara que caia, bicho de sete cabeças, maria vai com as outras e por aí vai.

A regra tem duas exceções. Uma: não abrange vocábulos pertencentes aos reinos animal e vegetal (joão-de-barro, cana-de-açúcar, castanha-do-brasil, castanha-do-pará). A outra: manteve o tracinho em pé-de-meia, água-de-colônia, cor-de-rosa.


Leitor pergunta

Quando posso usar o pra?

Anamaria Leopoldo, BH

A preposição pra — assim, sem acento — é forma descontraída de para. Abuse dela em textos informais — os que usam sandálias, camiseta e bermuda. Em textos formais, os que vestem terno e gravata, deixe-a pra lá.

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Por que produtividade baixa?
Diferentes indicadores revelam que o nível e a taxa de crescimento da produtividade brasileira são modestos para padrões internacionais e avançaram pouco nas últimas décadas. Esse padrão está por trás do crescimento médio anual do PIB per capita de 1,2% entre 1980 e 2012. VALOR ECONÔMICO 29.05

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Por que a produtividade é baixa? Ao menos seis explicações complementares nos ajudam a compreender o porquê. A primeira está associada às limitações internas das empresas, ou aos constrangimentos à produtividade relativos ao "chão de fábrica". Trata-se de restrições ao desempenho decorrentes, dentre outras, de gestão deficiente, pequeno engajamento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, acanhados investimentos em tecnologias da informação, novas tecnologias e treinamento profissional, e baixa qualificação da força de trabalho - nada menos que 27% da população em idade para trabalhar é analfabeta ou analfabeta funcional.

A segunda explicação está associada aos constrangimentos à produtividade relativos àquilo que fica do lado de fora do "chão de fábrica", ou produtividade sistêmica. Referem-se aos problemas externos às empresas que interferem, direta ou indiretamente, no desempenho individual e coletivo e nos retornos dos investimentos. Incluem-se nessa categoria, os elevados custos e restrições associados aos impostos, burocracia e juros e às deficiências dos serviços públicos e das infraestruturas. Instabilidade macroeconômica, insegurança jurídica, problemas de coordenação entre esferas de governo e internas aos próprios governos, legislações que desestimulam a competição, elevada presença de oligopólios e monopólios em vários setores, cultura que desencoraja a meritocracia e limitada abertura da economia para o resto do mundo também contribuem para constranger a produtividade sistêmica.



A terceira explicação é a contínua transferência de recursos de setores de produtividade mais alta para setores de produtividade mais baixa. Enquanto a participação da indústria no PIB passou de 33,4% para 14,4% entre 1980 e 2011, a participação dos serviços passou de 45,2% para 67,1%. O problema é que a produtividade média na indústria é 36% maior que nos serviços. No comércio, hotéis e restaurantes, o maior segmento do setor de serviços em termos de emprego, o hiato de produtividade em relação à indústria passa de 500%. Muito além da realocação de emprego entre setores, a maioria dos novos empregos gerados na economia está concentrada em setores de baixa produtividade. De fato, no início da década de 2000, o setor de serviços respondia por 26,6% dos novos postos formais de trabalho criados no setor privado. Em 2012, aquela participação já havia passado de 74%.

A quarta explicação é a baixa produtividade média das micro e pequenas empresas. A produtividade dessas empresas é substancialmente menor que a de congêneres do mesmo ramo, mas que operam em escalas produtivas maiores. O problema é que nada menos que 99% do total de empresas formais são micro e pequenas e 76% delas estão no setor de serviços.


A quinta explicação está associada à pobreza e à desigualdade de renda. Evidências empíricas mostram que pobreza e má distribuição de renda explicam baixa produtividade por meio de diversos canais de transmissão, incluindo limitado acesso dos pobres a crédito, tecnologias, mercados, educação de qualidade e qualificação profissional, e limitada ou nenhuma participação das atividades econômicas da população pobre em cadeias produtivas e nas exportações. Evidências empíricas também mostram que a melhoria da distribuição de renda tende a ser acompanhada por mudanças na composição da demanda por consumo e pela maior probabilidade de obtenção de consensos em torno de agendas de políticas públicas mais sustentáveis, que são críticas para o aumento dos investimentos e da produtividade.

Por fim, a sexta explicação está associada às elevadíssimas discrepâncias de produtividade entre as empresas e entre setores de atividade. O problema é que a interdependência entre as empresas só faz crescer através de cadeias de produção, terceirização e aquisição de toda sorte de serviços e infraestruturas, de forma que o desempenho de um fornecedor ou componente de uma determinada cadeia produtiva impacta, direta ou indiretamente, o desempenho dos demais componentes daquela cadeia de produção. Por isso, a elevada discrepância de produtividade individual não é neutra do ponto de vista coletivo. Empresas mais dependentes de cadeias produtivas, como é o caso daquelas da indústria manufatureira em geral, estão mais expostas às produtividades de terceiros que empresas da área de mineração, por exemplo, o que ajuda a explicar as diferenças de remuneração do capital e de competitividade entre os setores.

Como as causas da baixa produtividade do Brasil são variadas e complexas e as soluções requerem a participação de todos, para se avançar será necessária a construção de uma agenda concreta de ações, além de muita coordenação entre os envolvidos para implementá-la com sucesso. Na medida que o avanço da produtividade pode proporcionar enormes benefícios em termos de crescimento econômico sustentado, competitividade internacional e geração de bons empregos e renda, parece-nos razoável sugerir que essa agenda deveria ser elevada à condição de prioridade nacional.

Jorge Arbache é assessor da presidência do BNDES e professor da Universidade de Brasília. Este artigo não representa necessariamente as visões do BNDES e de sua diretoria. jarbache@gmail.com.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Millôr desenhista, por ruy castro
RIO DE JANEIRO - Um dia perguntei a Millôr Fernandes quem viera primeiro, o escritor ou o desenhista, ou qual nele se revelara mais cedo. Ele disse: o desenhista. Fiquei surpreso porque, para mim, se Millôr nascera para escrever, o desenho parecia algo que ele tivera de aprender. Eu ainda não sabia o suficiente de André François, James Thurber e Saul Steinberg para entender que gênios do desenho, como eles, dispensam a linha reta, a limpeza, o retoque.  FOLHA SP 27.05


Millôr me contou que, em sua memória mais remota, nunca se viu sem desenhar, ao passo que se lembrava de quando começara a ler e a escrever. Donde seu instrumento primordial era o lápis, não a caneta. Não será surpresa se o mergulho em seu acervo gráfico, a cargo de Ivan Fernandes, revelar que o artista Millôr foi tão grande ou maior que o escritor.

Seja como for, é esta última faceta que estará no monumento em sua homenagem a se inaugurar hoje no Rio, a um ano de sua morte: um banco de calçada, projetado pelo arquiteto Jaime Lerner, em que a silhueta recortada de Millôr, traçada por Chico Caruso para lembrar "O Pensador" de Rodin, atravessa uma placa de aço e permite ver o mar e o pôr do sol.

O banco fica no recém-batizado largo do Millôr, junto à pedra do Arpoador, um espaço que ele pisou todos os dias, em seus 58 anos de Ipanema, depois de correr ou caminhar em marcha acelerada pela areia dura, como o atleta que também era.


Desenhista, pensador, atleta. Mas só agora percebo que dois presentes com que me honrou tinham a ver com desenho: uma coleção de sua revista "Pif-Paf" (os oito números originais, de 1964, não a edição fac-símile, de 2008) e o guache com que ilustrou um artigo que escreveu em 1999 sobre meu livro "Ela é Carioca - Uma Enciclopédia de Ipanema", no qual seu verbete foi o mais difícil de fazer. Ele não cabia em verbetes.

terça-feira, 21 de maio de 2013



LRF, três letras e suas várias lições
Votação da lei, em 2000: até mesmo políticos que votaram contra, hoje no poder, temem qualquer mudança na lei, mesmo aquelas que possam aperfeiçoá-la. "Curso de Responsabilidade Fiscal - Direito, Orçamento e Finanças Públicas"
Weder de Oliveira. Editora: Forum. 1.175 págs., R$ 196,00. VALOR ECONÔMICO 21.05
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A maioria dos brasileiros habituou-se, nos últimos anos, a ouvir e a ler notícias sobre o superávit primário registrado nas contas públicas. Foram informados numerosas vezes que esse superávit é uma espécie de poupança que os governos fazem para pagar uma parcela dos juros de suas dívidas. Mas é quase certo que poucos sabem que até hoje não existe uma metodologia de apuração dos resultados primário e nominal definida pelo Congresso Nacional, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Uma mensagem da Presidência da República propondo essa metodologia dorme nas gavetas do Senado desde agosto de 2000.

Mesmo sem competência legal para isso, foi a Secretaria do Tesouro Nacional quem fixou, por meio de portaria, uma metodologia de apuração do resultado primário a ser seguida por Estados e municípios. E o mais inusitado: o modelo utilizado para os governos estaduais e prefeituras é diferente daquele adotado para a União. Para o primeiro caso, o resultado primário é apurado considerando-se a despesa liquidada. Para o governo federal, o resultado primário é calculado utilizando-se a despesa paga.

A diferença entre os dois regimes é enorme, pois uma despesa liquidada pode ou não ser paga no exercício em que foi realizada. O pagamento pode ser transferido para o ano seguinte, sob a forma de restos a pagar. Assim, quem apura o resultado primário pelo critério de despesa paga tem muito mais margem de manobra.

Essas são algumas das lições do "Curso de Responsabilidade Fiscal", lançado pela Editora Fórum na semana passada. O autor do livro é Weder de Oliveira, ministro-substituto do Tribunal de Contas da União (TCU), com prefácio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O livro faz uma análise detalhada da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que entrou em vigor em 2000, relatando as circunstâncias em que foi discutida e votada, o debate ideológico que provocou, acusada por algumas correntes políticas de ser uma espécie de ponta de lança do projeto neoliberal no país e uma imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao governo brasileiro. Essa discussão hoje perdeu o sentido e até mesmo aqueles políticos que votaram contra, atualmente no poder, temem qualquer mudança na lei, mesmo aquelas que possam aperfeiçoá-la.

A LRF tornou-se uma espécie de unanimidade nacional. Mas nem sempre é aquilo que as pessoas acham que é. O livro comenta cada uma das percepções que o público tem da LRF. Muitos garantem, por exemplo, que a lei impede que os governos gastem mais do que arrecadam. Outros acham que foi ela que definiu, pela primeira vez, limites para os gastos com o funcionalismo da União, dos Estados e dos municípios. Outros acreditam que estabelece limites para o endividamento público. Há também aqueles que dizem que a LRF obriga os governantes a prestar contas sobre quanto arrecadam e como gastam, além de resgatar o orçamento público como peça de planejamento e controle.

O livro demonstra os equívocos dessas percepções, que, no entanto, já foram incorporadas como "verdades" naquilo que se poderia chamar de "cultura da responsabilidade fiscal" no Brasil. A LRF, ensina o livro, aprimorou e consolidou normas fiscais já existentes e instituiu outras, para obter o equilíbrio intertemporal das contas públicas. Os objetivos eram reduzir rapidamente o déficit público, assegurar uma disciplina fiscal que evitasse déficits recorrentes e imoderados e estabilizar a relação dívida pública líquida/PIB. Na avaliação da equipe econômica que propôs a LRF, essas eram condições necessárias para consolidar a estabilidade de preços e permitir a retomada do desenvolvimento sustentável.

Como assessor do deputado Pedro Novais, relator do projeto da lei de responsabilidade na Câmara, Oliveira participou das discussões de cada aspecto da LRF. "Lembro-me que o autor era o mais novo dos consultores e logo lhe foi atribuída a tarefa de sistematizar sugestões de emendas e redações, operacionalizar as reuniões técnicas, preparar material legislativo para as audiências públicas e atualizar as sucessivas versões do texto", recorda Pedro Novais, na apresentação que faz do livro. Ao longo dos últimos 12 anos, Oliveira recolheu informações, documentos e acompanhou todas as polêmicas em torno da LRF.

O autor diz, no livro, que pretendeu apresentar a LRF "como foi pensada, discutida e aprovada pelo Congresso Nacional e pelo presidente da República". Sua intenção foi "perscrutar como está sendo aplicada e examinar a complexidade de implementação eficaz de seus artigos". E, sempre que possível, examinar casos concretos.

O livro é também um curso sobre o processo orçamentário brasileiro, apresentando em detalhes todas as normas legais que regem os três instrumentos básicos do peculiar arranjo institucional brasileiro sobre esse tema, no qual convivem, de forma não muito harmoniosa, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O constituinte de 1988 estabeleceu uma intricada relação entre essas três leis orçamentárias que, até agora, os administradores públicos não conseguiram levar a bom termo na prática.

Oliveira trata ainda de previsão e arrecadação de receitas, renúncia de receitas, geração de despesas, despesa obrigatória de caráter continuado, além da execução orçamentária, com destaque para o contingenciamento das despesas. Mostra que não há divulgação de informações sobre as programações que foram contingenciadas e diz que nem o Congresso nem a sociedade têm como saber, sem um exame profundo, demorado e especializado de documentos e informações de sistemas de execução orçamentária, qual é a programação que está sendo posta em execução e a que não está. "A publicidade dada na discussão e sanção da lei desaparece durante a execução", constata.

A peculiaridade deste livro reside no fato de que as normas legais e os conceitos fiscais são apresentados, analisados em detalhes, criticados e confrontados com suas aplicações práticas. O autor ainda aponta sugestões de aperfeiçoamento. O livro é imprescindível para estudantes, especialistas e para aqueles que desejam conhecer o processo orçamentário brasileiro.
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Cidadania não é consumo
José Garcez Ghirardi é professor da Direito FGV/SP VALOR ECONÔMICO 21.05


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Os sorrisos de Camila Pitanga e de Ronaldo Gianecchini nos comerciais da Caixa e do Banco do Brasil, respectivamente, abriram caminho para a notícia de que os dois bancos superaram, com lucros recordes, seus rivais privados em 2012. A conjunção de apelo popular e dirigismo econômico não é acidente e ilustra uma das escolhas políticas mais decisivas da gestão da presidente Dilma Rousseff.

Acreditando que a fórmula para avançar na agenda social sem desagradar os mercados é criar um país de classe média ("no mínimo", para usarmos os termos da presidente), o governo tem abraçado a ideia de inclusão via consumo. Críticas a esse modelo são sumariamente rechaçadas como fruto de ressentimento ou de má-vontade. Mas é preciso ter a coragem de fazê-las porque as contradições entre as demandas muitas diversas de inclusão e consumo, silenciadas neste momento, ameaçam a qualidade de vida futura de todos os brasileiros. E o que é pior: arriscam fragilizar, de modo particularmente cruel, justamente aqueles grupos mais vulneráveis, tornando efêmeras as conquistas atuais.

É preciso deixar claro, em primeiro lugar, que há vários modelos de países de classe média - a Suécia, a Austrália e o Canadá, são exemplos dessas diferentes versões - e várias formas de se pensar a relação entre consumo e bem estar social, assim como há vários modos de construir a regulação que tal relação solicita do Estado. Dizer "país de classe média" não significa dizer, portanto, sociedade justa ou funcional, nem tampouco primazia do interesse coletivo.

Agressiva ação para a compra de carro contrasta com as poucas iniciativas para melhorar o transporte público

No que tange aos pressupostos dessa premissa, não está dado que a expansão do consumo leve necessariamente à inclusão - a história recente dos Estados Unidos tem algo a nos ensinar nesse ponto. No que tange a questões mais diretamente econômicas - a pressão inflacionária, o crescente endividamento familiar, a fragilização estrutural do setor produtivo, apenas para citarmos alguns exemplos - não está dado que o modelo atual seja sustentável.

Além disso, e de modo mais grave, há uma diferença crucial entre estimular o consumo e referendar a lógica do consumismo - diferença que o atual paradigma de gestão parece desconsiderar. No primeiro caso, a ampliação do poder aquisitivo é objetivo atrelado à consolidação e melhoria dos bens coletivos. No segundo, há um sucateamento desses mesmos bens e uma ampliação dos espaços privados e individuais de consumo.

A recente opção do governo em relação à industria automotiva ilustra bem as implicações que resultam de uma escolha pelo segundo modelo. A agressiva ação governamental para que cada um adquirisse seu carro - por meio da longa e repetida redução de IPI e pela expansão do crédito- tornou mais evidente, pelo contraste, a timidez das iniciativas para efetivamente melhorar e ampliar a qualidade do transporte público.

A mensagem implícita é a de que o transporte é, em primeiro lugar, um problema individual e apenas residualmente um problema coletivo. Dentro dessa lógica, o melhor modo de saná-lo é transferir recursos (via crédito mais barato ou renúncia fiscal, por exemplo) para que cada um cuide do seu. O uso de ônibus, metrô e trem vai se tornando índice de falta de opção e não do seu oposto.

Esses meios coletivos de transporte atendem, em regra, àqueles que não podem adquirir seu veículo e, assim, livrar-se do desrespeito quotidiano de ter que submeter-se a condições muitas vezes desumanas para chegar ao trabalho e à casa. No processo, a qualidade geral de vida decai, e a locomoção nas cidades se torna cada vez mais lenta e cada vez mais desgastante.

O argumento do emprego que é tantas vezes utilizado para justificar tal opção, apenas confirma a tendência do consumismo de remediar o presente às custas do futuro. A manutenção e a ampliação sustentável do emprego, em médio e longo prazo, solicitam políticas mais complexas de inovação tecnológica e de qualificação profissional que não combinam com o afã imediatista do consumismo e do ganho político - sobretudo quando os próprios governantes tendem a absolutizar o hoje e a minimizar a importância de ajustes estruturais pregressos. Para quem promove esta agenda, a deterioração das cidades, o aumento dos custos mais básicos do dia a dia e o ataque ao meio-ambiente são secundários ao apoio político passageiro e ao fetiche da propriedade individual, em um movimento que revela o quanto têm em comum os imediatismos gêmeos do populismo e do lucro.

O trânsito, como já se apontou, é uma dos indicadores mais precisos para revelar as opções de fundo feitas pelas sociedades e seus governantes. A dinâmica quotidiana do transporte público espelha, sem disfarces, o desenho e a qualidade da convivência democrática nos espaços político e social. Viajando lado a lado, indivíduos com histórias, condições e interesses divergentes percebem que têm que saber construir juntos algo que sirva efetivamente a todos. Percebem que esta opção prevê regras de conduta e de cooperação, de respeito à diferença, de busca de aperfeiçoamento do que é coletivo, de zelo pelo que é patrimônio comum. Eles podem optar pela tarefa difícil de construir este espaço comum ou podem priorizar resoluções de cunho individual.

Se a alegoria do trânsito nos ajuda a refletir sobre questões mais amplas, a imagem que temos do país a partir da circulação nas ruas preocupa, e muito. Ela indica uma sociedade em que o individualismo consumista ganha força, em que o diálogo democrático se empobrece e em que grupos específicos têm excessiva capacidade de pressão junto ao governo, sendo capazes de impor agendas corporativas e de retardar agendas genuinamente coletivas. O legítimo desejo do país de ser uma nova potência, deve começar pela opção de ser uma potência nova. Isto requer criatividade e coragem para contrapor-se à lógica reinante que fomenta o reducionismo perverso de confundir consumo e cidadania.

José Garcez Ghirardi é professor da Direito FGV/SP VALOR ECONÔMICO 21.05

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Escritor Paul Theroux dá seu adeus literário à África
"Acho que escrevi tudo o que posso escrever de útil", afirma Theroux.   VALOR ECONÔMICO 21.05

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Paul Theroux deu seu adeus literário à África numa estação de trem em Luanda, Angola, cinco décadas após visitar o continente pela primeira vez como voluntário do Corpo da Paz. Em seu novo livro, "The Last Train to Zona Verde: My Ultimate African Safari" (O Último Trem para Zona Verde: Meu Derradeiro Safári na África, em tradução livre; ed. Houghton Mifflin Harcourt; importado), Theroux descreve uma viagem pela África do Sul, por Botswana, Namíbia e Angola que acabou na estação, quando ele não sentiu mais necessidade de prosseguir.

O livro, diz ele, representa o capítulo final de suas viagens na África. Seu primeiro livro sobre a África foi um romance. O autor se tornou um dos escritores de literatura de viagem mais influentes de sua era e relatou viagens pelo mundo em livros como "O Grande Bazar Ferroviário" (1975; ed. Objetiva), "The Old Patagonian Express" (O Velho Expresso da Patagônia; 1979) e "Dark Star Safari" (O Safári da Estrela Negra; 2002). Entre seus romances estão "Saint Jack" (1973) e "A Costa do Mosquito" (1981; ed. Alfaguara). Nesta entrevista, Theroux, que mora no Havaí e em Cape Cod, Massachusetts, fala sobre o papel do escritor de livros de viagem, perspectivas incertas da África e sobre como seria morrer fazendo o que gosta.

Fiquei na dúvida, quando li seu livro, se o senhor deu suas viagens por encerradas.

Paul Theroux: É um transtorno bastante grande tomar ônibus e trens, vans, táxis etc. para percorrer a África por terra. Quando, em Angola, cheguei ao ponto em que pensei que, na verdade, não vale muito a pena sofrer se você não está aprendendo alguma coisa, disse a mim mesmo 'Bom, este é o fim da linha'. Sempre viajarei pela África, mas acho que escrevi tudo o que posso escrever de útil.

Nas viagens ferroviárias, o que o faz dizer que poucas vezes ouviu um trem passar sem desejar estar a bordo dele?

Theroux: O prazer que elas proporcionam é indescritível. Você pode dormir, pode escrever, pode dar uma volta. São muito confortáveis, muito tranquilizadoras e, para um escritor, verdadeiramente maravilhosas.

O senhor descreve cidades sórdidas em seus relatos, mas também diz não ser pessimista em relação à África.

Theroux: Não sei o que vai acontecer com a África. A infraestrutura é muito pobre. É um castelo de cartas. Os governos são frágeis. Em geral, são corruptos. As cidades são grandes e horrorosas, mas o interior, a savana, está mais desabitada do que nunca. Ainda é cheia de possibilidades.

Que evolução o senhor notou nas viagens ao longo de sua carreira?

Theroux: Quando comecei a viajar havia muitos problemas para resolver. Agora não é muito difícil pegar um avião. O outro é a americanização do mundo. Todo mundo se veste igual. As pessoas usam camiseta e bermuda. O mundo inteiro usa boné. Quando eu viajava 50 anos atrás não se viam bonés na Índia. Nem na África.

Os escritores de livros de viagem ainda são importantes?

Theroux: O papel de um escritor de livros de viagem é revelar o mundo, conferir o que há por aí. É mais necessário do que nunca, porque a internet faz as pessoas acharem que podem conhecer tudo sem sair de casa. Mas elas não percebem como é o mundo na realidade: o quanto ele é pobre, como é maravilhoso [estar] em outros lugares, e quanto há para descobrir.

O senhor tem um procedimento de praxe para se preparar para as viagens?

Theroux: A pessoa tem que ser forte, otimista e conseguir cumprir as exigências de estar sozinha. Leio coisas práticas. Compro muitos mapas detalhados. Falo com as pessoas. Tento ler o mais possível sobre o lugar, não necessariamente antes de ir, mas depois. Quero descobrir coisas por mim mesmo. Não faço listas de pessoas para visitar. Prefiro ficar no hotel mais simples. Não gosto da obrigação social que ficar com pessoas me impõe.

O que o senhor lê em viagem?

Theroux: Livros que não têm nada a ver com o lugar em que estou. Ultimamente, tenho lido muita coisa de D. H. Lawrence. Faço um pequeno estudo de um escritor - leio os livros, os artigos sobre ele, e depois uma biografia, para conhecer o autor.

Viajar pode parecer corajoso, mas ao mesmo tempo é uma prática rotineira para a população local, pelos mesmos caminhos.

Theroux: Eles sabem para onde estão indo. Eu estou indo para um lugar que tenho de descobrir. Na minha idade [72 anos], assumo cada vez menos riscos. Mas é preciso ter certo grau de confiança. Os ônibus são velhos, a comida é ruim, o clima é terrível. Pode ser que você chegue ao destino e não encontre nada de novo.

Três pessoas sobre as quais o senhor escreveu no livro morreram logo depois. Qual foi o impacto disso?

Theroux: Foi um grande choque. Fez com que eu examinasse meus fatores motivadores e pensasse "Bem, e se eu morrer, será que estou fazendo o que eu gosto? Será que o que faço vale pôr minha vida em risco?". Morrer fazendo o que gosto seria estar tomando um [coquetel] "mai tai" na praia no Havaí e ser colhido por uma onda. Estaria fazendo o que adoro, apenas tomando um drinque com a minha mulher. Não seria num ônibus em Angola. (Tradução de Rachel Warszawski)


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Redescobrindo Aldir Blanc
Em Resposta ao tempo, o jornalista Luiz Fernando Vianna escaneia a vida e a obra do compositor e reveladetalhes de uma producente jornada atormentada. CORREIO BSB 21.05




“Mesmo que as pessoas não reconheçam o nome do Aldir Blanc, à primeira vista, é difícil encontrar alguém que não conheça O bêbado e o equilibrista, Mestre sala dos mares, De frente pro crime. São músicas que estão na memória coletiva de todos”. Quem afirma conhece. Luiz Fernando Vianna goza de uma amizade com o compositor carioca há exatos 20 anos.

Talvez, por isso, o recluso Aldir tenha ficado tão à vontade para abrir as portas e deixar o jornalista destrinchar os pormenores que permeiam sua turbulenta trajetória. Uma das filhas, Patrícia Ferreira, ficou incumbida da pesquisa e teve acesso irrestrito ao acervo do pai. O resultado, recheado de material inédito, aparece em Resposta ao tempo, recém-lançado.

A conduta informal na realização do livro foi fundamental para a extração de histórias pouco conhecidas e jamais esclarecidas. A ideia partiu de Patrícia e de um amigo do pai, que logo receberam impulso da editora. A escolha de Vianna foi intrínseca: “Eles são amigos desde 1993. Quando informei a Aldir quem faria o texto, ele vibrou. O processo foi muito mais confortável”, revelou Patrícia.

Conforto social é tarefa árdua para o letrista. Conhecido pela reclusão joão gilbertiana, Aldir Blanc quase não sai de casa ou concede entrevistas. Escreve eventualmente um artigo e vive, muito mal, à custa dos direitos autorais, que pouco lhe rendem. “Ele sonha com um ‘mensalão 3’ dentro do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Concorda com a manutenção do órgão, mas de uma forma mais transparente”, observou Vianna.

Trauma

Uma das respostas apontadas para a personalidade comedida de Aldir é um fatídico evento ocorrido em 1974 que o marcou de maneira irreparável. Naquele ano, as duas filhas gêmeas do compositor, nascidas prematuras, morreram. “A partir dali, ele larga a psiquiatria (era médico de formação) e se dedica somente à música. Somado a outros eventos — a mãe quase morre no parto dele, a adolescência conturbada —, tudo isso gerou um caldo de sofrimento e um olhar amargo sobre a vida que, junto ao humor inerente a ele, tornam-no o letrista peculiar que se tornou”, argumenta Vianna, que acredita que o episódio foi divisor de águas na carreira do autor.

Nem o acidente de carro, que lhe tirou parte do movimento de uma das pernas, em 1990, e rendeu 13 pinos no corpo contribuiu tanto para a faceta melancólica de Aldir Blanc. “Ele mesmo afirma que, depois da morte das gêmeas, as fobias cresceram amazonicamente”, conta o jornalista.

Apesar de  trágico, o período foi fértil. Os anos seguintes ao evento renderam clássicos da música brasileira e as celebradas parcerias com João Bosco e, posteriormente, com Guinga. Atualmente, Aldir Blanc dedica o cotidiano às amizades, à família, e, claro, às letras, embora em uma escala menos producente, devido aos 66 anos e à interrupção de uma das “terapias” favoritas: a bebida. Diagnosticado com diabetes, em 2010, o letrista foi obrigado a abandonar o hábito. A seu modo, talvez seja ele próprio a resposta ao tempo.

"Se Aldir Blanc não tivesse tido sofrimentos tão pesados e um humor tão forte, não conseguiria ser o letrista tão peculiar que ele é”
Luis Fernando Vianna, jornalista e escritor


650
Número provável de letras de Aldir Blanc


1946
Ano de nascimento do compositor


100
Letras inéditas publicadas no livro



Parcerias

A amizade de Aldir Blanc com João Bosco rendeu uma das mais exitosas parcerias da música brasileira. O bêbado e o equilibrista, Mestre sala dos mares, De frente pro crime, são todas da festejada dupla. Quando Aldir apareceu de Kombi, em Ponte Nova, município de Minas Gerais e cidade natal de Bosco, ainda não desconfiava que encontraria por ali seu mais fiel companheiro musical. Nos anos 1980, porém, especulações indicavam que brigas teriam afastado os compositores. “Não teve desentendimentos, nem traumas. Apenas interesses diferentes”, desmente Viana. A relação foi reatada posteriormente e, hoje, os dois “conversam diariamente pelo telefone”.

Outro expoente da obra de Aldir Blanc foi o carioca Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, mais conhecido como Guinga. Juntos compuseram clássicos modernos como Catavento e girassol e Nítido e obscuro. Mais uma vez, há quem jure que os dois romperam. Para não restar dúvidas, Vianna eslarece: “Eles não compõem juntos há cinco anos. Não houve uma briga, e sim um afastamento. Guinga começou a não gravar algumas músicas dele. Aldir segurou um pouco a parceria com o Guinga”. A produção, que era intensa, minguou. E nada mais. Assim parece já que, no lançamento do livro no Rio, Guinga deu as caras. João Bosco também e, mais impressionantemente, o próprio Aldir Blanc surgiu em carne e osso.




Quatro perguntas // Patrícia Ferreira (pesquisadora e filha de Aldir Blanc)

Ainda há muito material inédito do seu pai?
Tem muita coisa ainda que não veio à tona. Muitas composições ele mesmo cortou. Da parceria com o Guinga, por exemplo, faltam muitas músicas que se perderam. Letras que não foram publicadas nos discos principais de Guinga ou que foram gravadas por cantores que ficaram sem registro. Acho que o acervo de Aldir merece um tratamento ainda maior. Pensei em um site, mais para frente. O livro traz material valioso, mas é enorme a quantidade de coisas que ficou de fora. Precisaríamos de muito tempo para tentar rastrear tudo.

Ele chegou a se surpreender com a pesquisa?
Tivemos uns momentos ótimos. Ele pegava os manuscritos e páginas datilografadas e dizia: “Eu escrevi isso?” Até porque muitas letras não foram musicadas e acabaram ficando só no papel. Ele não lembrava. Tive que mostrar a assinatura dele em algumas para ele acreditar (risos). Isso aconteceu com algumas parcerias com o Luiz Cláudio Ramos e com a Sueli Costa.

O fato de ser filha dele não influenciou no resultado?
Poderia, mas não. Sou pesquisadora há muitos anos. É o meu trabalho. Conversei com meu pai sobre isso, para deixar claro que quando uma biografia é feita a vida inteira emerge. Disse: “Prepara-se porque as coisas vão aparecer”. Afinal, não haveria como editar fatos. A pesquisa precisava ser transparente. Ele entendeu e me deixou bem à vontade. Fiquei sozinha com o material, no meio daquele monte de fotos, manuscritos e documentos. Não poderia ser diferente já que o livro passa a ser uma referência para pesquisadores, especialistas. Aqueles que se debruçam sobre a obra de Aldir. Em se tratando dele, em especial, se fosse um outro pesquisador talvez não conseguisse cavar tanto, vide a personalidade reclusa e o jeito mais fechado do meu pai.

O convívio com seu pai oportunou encontro com personalidades da música?
Ah sim! Moacyr Luz, Nei Lopes, Leila Pinheiro, todo mundo. Já passei mal! (risos). João Nogueira, gente! Meu Deus! Aquele dia falei: “Dá para avisar que é o João Nogueira?” (risos). E eu com uma roupa de dormir. O Hermínio Bello de Carvalho, que é um querido de Aldir, foi várias vezes. Eu ficava meio de tiete atrás deles, sem conseguir falar, achando o máximo de eles estarem ali. Minha mãe me apresentava e eu gaguejava! Mas, depois aproveitei. Fui a todos os shows. Andei com toda essa boemia.


           

Resposta ao tempo
De Luiz Fernando Vianna. Editora Casa da Palavra. Páginas: 352. Preço médio: R$ 55.