terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ceilândia em alta
Com o longa A cidade é uma só?, o cineasta Adirley Queirós arrematou o principal prêmio da 15ª Mostra de Tiradentes. CORREIO BSB 31/01
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Cena do filme A cidade é uma só?: a Ceilândia sob o olhar de Adirley Queirós

Fosse o cineasta Adirley Queirós um cara vingativo, ele estaria por cima da carne seca: como sentiu desrespeito, no tratamento reservado aos diretores, no mais recente Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, preferiu retirar o longa A cidade é uma só? da Mostra Brasília. Deu o destino as suas voltas, e, pronto: o filme, exibido na 15ª Mostra de Tiradentes (Minas Gerais), levou o prêmio principal, despertando representantes da curadoria de eventos fílmicos como Cannes, Veneza e San Sebastián (Espanha).

“Abriu portas que a gente ainda nem tem noção”, comemora o “autêntico ceilandense” (nascido, na verdade, em Morro Agudo de Goiás). “Foi um filme que explodiu na tela. A coisa mais fantástica que já vivi. Algo parecido com a repercussão do curta Rap, o canto da Ceilândia, quando parou o Cine Brasília, na época. Fui aplaudido, em Tiradentes, por 800 pessoas do festival mais crítico do país”, observa o diretor de 41 anos.

Um ponta de vaidade aflora — ou melhor, de pertencimento, quando Adirley percebe que “a crítica começa a falar que existe um cinema diferente em Ceilândia, em relação ao cinema de Brasília”. Explica-se: A cidade é uma só? se atém a dado verídico, de cisão, “no filme, há a música tema que retirou Ceilândia de Brasília. Jogaram as pessoas para cá (Ceilândia), expulsaram”, como ele diz.

Alheia ao contexto socioeconômico da medida do governo, nos anos 1970, em que “crianças foram recolhidas em escolas públicas para integrar um coral que, pelo canto, deu base para aliviar a remoção”, uma menina acalentou o sonho de projeção, por meio da música. Nancy Araújo, do grupo Natiê, era a criança que agora dá depoimento para a fita de Adirley Queirós. Num misto de ficção e realidade, entram em cena os atores Wellington Abreu (do Hierofante) e Dilmar Durães. Feito pelo rapper Marquim (do grupo Tropa de Elite), um personagem marqueteiro completa a trama de A cidade é uma só?.

“Crio aquela confusão nos espectadores sobre quem são os atores”, explica, ao falar da trama que tem de candidato a distrital passando por corretor de lotes na periferia e apropriações fictícias de documentos verdadeiros. “Com o filme mostrado em Tiradentes, houve demanda muito grande de pessoas interessadas, lá fora. Para circular, vou ter que colocá-lo no suporte de película”, explica Queirós, em torno da produção que derivou de um projeto para a tevê (em edital que ofertou R$ 400 mil). Um ano e meio depois da fagulha inicial da fita, a perspectiva é a de que a versão abreviada seja exibida, via TV Brasil, em canal aberto, no aniversário de Brasília (em 21 de abril).

Tarantino
Atualmente, Adirley Queirós se aplica ao documentário (com pegada irreal) Branco sai, preto fica, em torno do popular baile Quarentão, uma referência da noite dos anos 1980. “Não será tão histórico, já que vai ter até ficção científica. A gente vai apostar na estética. A história traz pessoas amputadas que fazem o percurso de futuro para o passado”, adianta. Algo de Quentin Tarantino? “Não sei bem se é meu Tarantino. Centralizarei mais em perdas físicas, em pessoas, por exemplo, com pernas mecânicas que queiram reconstruir, buscar recuperação. Será uma metáfora de momento histórico, da amputação cultural de uma cidade. A minha geração foi amputada, em termos de valores de identidade”, pontua.

Saído de uma área rural próxima a Brazlândia, em 1977, Adirley Queirós chegou a Ceilândia, onde atua como agitador cultural, vez por outra, patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), “um privilégio para a classe artística do DF, em termos de política pública”. Uma meta para 2012 é a oficina, com duração de quatro meses, voltada a 20 ceilandenses interessados em formatar roteiro experimental.

No plano da cena cultural local, “um acúmulo histórico” incomoda o diretor: “Temos a necessidade de uma sala pública de cinema, em Ceilândia. Como a gente pode se conformar com o fato de um perímetro urbano que abriga Ceilândia, Samambaia, Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto não ter uma sala de cinema? Até temos o espaço do Sesc, mas que não passa filme aqui — passa uma mostra, de vez em quando”. Nos últimos cinco anos, aliás, a bandeira de um espaço para escoar a efervescência de “atores, diretores, músicos e escritores” tem sido uma constante. “O espaço público é intocável, e deve ser gerido pelo público”, conclui.

"Temos a necessidade de uma sala pública de cinema, em Ceilândia. Como a gente pode se conformar com o fato de um perímetro urbano que abriga Ceilândia, Samambaia, Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto não ter uma sala de cinema?”


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Novidade na escola.  (...)o uso de tablets nas escolas está disseminado em países com altos índices de leitura e investimentos maciços no ensino tradicional. Ainda é uma incógnita o impacto desse instrumento em realidades como a brasileira, com históricos problemas de acesso à educação  (...)   Correio Braziliense - 31/01/2012




Neste início de ano letivo, uma controvérsia agita o ambiente escolar: o uso de tablets em sala de aula. As instituições de ensino brasileiras, notadamente as particulares, reproduziram uma tendência nos países desenvolvidos e incluíram os equipamentos eletrônicos na lista de material didático. Há uma extensa lista de argumentos favoráveis ao uso dos aparelhos: os estudantes estariam dispensados de carregar pesadas mochilas com livros; haveria uma economia de papel na produção dos livros didáticos; as aulas se tornariam mais dinâmicas, com ampliação das possibilidades na aprendizagem. Uma questão, entretanto, permanece em aberto: os alunos aprenderão melhor com a novidade tecnológica?

Um dos impactos mais impressionantes proporcionados pelo avanço da tecnologia reside no acesso à informação. Qualquer internauta hoje tem ao alcance dos olhos uma quantidade incomparável de dados em relação a um cidadão comum de 150 anos atrás. A armadilha do mundo digital se revela, porém, no momento em que se analisa os supostos benefícios sociais trazidos pela nova realidade. É antiga a discussão sobre os riscos da internet, refúgio de toda ordem de criminosos e prática de delitos, da pirataria à pedofilia.

A popularização dos telefones celulares não necessariamente significa que a humanidade se expresse melhor. A humanidade tampouco aprendeu a fotografar melhor graças às máquinas digitais. É legítimo perguntar, pois, se um aparelho que utilize simultaneamente textos, sons e imagens representará o passaporte para a aquisição de conhecimento mais qualificado.

No universo infinito da rede mundial de computadores, constitui tarefa fácil acompanhar o debate sobre as características da geração digital. Vários autores acreditam que ela é mais antenada, faz conexões em diferentes níveis sobre determinado assunto, adquire conhecimento de forma multimídia. Outra corrente, no entanto, alerta para a superficialidade típica da geração que conhece tudo de computadores, mas estranha o hábito milenar de se concentrar na leitura. Especialistas alertam até mesmo para o fim do pensamento abstrato e da habilidade de atenção, características fundamentais a quem pretende evoluir nos estudos formais.

Outro aspecto merece reflexão:o uso de tablets nas escolas está disseminado em países com altos índices de leitura e investimentos maciços no ensino tradicional. Ainda é uma incógnita o impacto desse instrumento em realidades como a brasileira, com históricos problemas de acesso à educação e enormes desigualdades no ensino. Os tablets, no fim das contas, poderão apenas aprofundar os contrastes nos bancos escolares nacionais.

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Filmes chilenos saem com dois prêmios de Sundance
Longa sobre Violeta Parra ganha prêmio de melhor drama internacional
Diretora-executiva do festival diz ver boa perspectiva para o cinema independente no próximo ano.  FOLHA SP 31.01

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O Chile saiu com dois prêmios do Sundance Film Festival, evento que terminou no último domingo após a exibição de mais de cem filmes ao longo de dez dias.

"Violeta se Fue a los Cielos" (Violeta foi para o céu), um retrato da cantora folk chilena Violeta Parra (1917-1967), foi considerado o melhor drama internacional, enquanto "Joven y Alocada", (jovem e doida) sobre a vida de uma jovem blogueira do mesmo país, ganhou melhor roteiro de filme internacional.

"Nós crescemos num país durante a ditadura", disse Marialy Rivas, diretora e corroteirista de "Joven y Alocada", sobre as aventuras sexuais de uma garota criada numa família evangélica.

"Desde os sete anos, queria ser cineasta para escapar dessa realidade violenta. Todo filme é um ato de amor."

Andrés Wood, diretor de "Violeta se Fue a los Cielos" e "Machuca" (2004), não estava presente à cerimônia. O filme premiado foi feito em coprodução com Argentina, Brasil e Espanha.

Nas categorias para americanos, o júri escolheu melhor documentário "The House I Live In" (a casa em que vivo), de Eugene Jarecki, vencedor do mesmo prêmio em 2005 por "Razões para a Guerra".

No novo trabalho, o diretor analisa o combate contra as drogas nos EUA, que em 40 anos já levou à prisão 45 milhões de pessoas.

Entre os dramas, o vencedor foi "Beasts of the Southern Wild" (feras do agreste do sul), do diretor e roteirista Benh Zeitlin, 29, com uma história surreal de animais estranhos e uma garotinha que vive no fim do mundo.

CINEMA INDEPENDENTE

"Olhamos para o ano à nossa frente com um incrível otimismo para a comunidade do cinema independente, vendo o esforço de cineastas para atingir novas alturas no processo de contar histórias", disse Keri Putnam, diretora-executiva do Sundance Institute, grupo sem fins lucrativos responsável pelo festival.

"Beasts of the Southern Wild" foi comprado pela Fox Searchlight, que também distribuirá "The Surrogate" (o substituto), com John Hawkes. Outros acordos fechados levarão aos cinemas "2 Days in New York" (dois dias em Nova York), dirigido, coescrito e estrelado por Julie Delpy, e "Arbitrage" (arbitragem), com Richard Gere.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Ministério tenta evitar adiamento da 30ª Bienal
Contas da fundação foram bloqueadas FOLHA 28.01
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O Ministério da Cultura divulgou, anteontem, uma nota na qual afirma que busca um entendimento com a Fundação Bienal para evitar o adiamento da 30ª Bienal, programada para setembro, como noticiou a Folha, ontem.

"A direção do MinC tem mantido contato aberto e estreito para que não haja prejuízos à realização do evento. Diversas alternativas de encaminhamento já foram discutidas com representantes da fundação, sempre com a observância do interesse público", diz a nota.

Desde o dia 2, as contas da fundação foram bloqueadas no sistema do MinC, porque a instituição foi considerada inadimplente. Isso ocorreu a partir de 13 processos de malversação de dinheiro público, num total de R$ 32 milhões levantados pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Motivado pela auditoria da CGU e em atendimento às orientações, o MinC revisou, em 2011, 13 prestações de contas relativas a convênios firmados com a fundação. Entre as irregularidades, uma nota fiscal era apresentada como justificativa de despesas em distintos processos, durante a gestão de Manoel Francisco Pires da Costa.

O setor educativo da Bienal, por sua vez, divulgou nota aos seus parceiros afirmando que toda a programação do Educativo será mantida.
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Mostra | O Amor, a morte e as paixões.    Redenção pela poesia
Filme sul-coreano, um dos destaques do dia, enfoca drama de uma mulher que descobre um mundo novo pela poesia O POPULAR 29.01
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Fazer poesia com imagens é uma das tantas especialidades da sétima arte. Já falar de poesia no cinema é um caso mais específico. Pois é exatamente ela a personagem-título de Poesia, um dos seis filmes que estreiam hoje na programação da mostra O Amor, A Morte e as Paixões, no Cine Lumière (veja programa completo no quadro). Além dele, os novos destaques são Caro Francis, documentário sobre o jornalista Paulo Francis; Cartas do Kuluene, docudrama de Pedro Novaes, uma coprodução goiana, e os dramas europeus L'Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância, Luzes na Escuridão e As Flores de Kirkuk, este último coprodução iraquiana.

Nada mais propício do que um filme sobre poesia para, de certa forma, fazer jus ao nome da mostra em questão. No centro da trama sul-coreana, está Mija (Jeong-hie Yun), uma mulher que já passou dos 60 anos e descobre um novo mundo na poesia.

Ela herdou a responsabilidade de criar o único neto, um garoto-problema acusado de estuprar uma garota da escola ao lado de colegas. Dividida entre a luta contra o Alzheimer e trabalhos esporádicos que é obrigada a fazer para juntar dinheiro (a fim de contribuir para uma espécie de indenização à família da moça atacada, que se suicidou), ela se matricula em curso de poesia praticamente por acaso.

Em meio ao drama pessoal, Mija, no entanto, encontra na poesia uma espécie de escape para pôr para fora todo o horror pessoal que está vivendo. A referência a um clube de alunos interessados em poesia não deixa de remeter a Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989. Mas as comparações acabam por aí. Mija não é exatamente uma diletante romântica. É uma velha mulher que tenta lutar contra sua dor pessoal e ao mesmo contra ímpetos inerentes à condição humana.

Por essa escolha, o diretor Chang-dong Lee se exime de cair na armadilha de um filme que apela a emoções fáceis. Ganhador do prêmio de roteiro em Cannes com Poesia, o diretor se propõe a discutir o feminino e a velhice.

Na contramão, Caro Francis, um documentário de homenagem ao jornalista brasileiro morto em 1997, foca uma personalidade masculina, forte e polêmica. Mais conhecido em todo o País como comentarista do Jornal da Globo no início da década de 90,Paulo Francis era também afiado fora da telinha. Tanto que entre os muitos admiradores, conquistou também vários desafetos. Embora seja um documentário feito por um de seus maiores fãs, o diretor e jornalista Nelson Hoineff, o filme tem como trunfo o fato de também apresentar a versão de quem não gostava de Francis, como Caio Túlio Costa, ex-ombudsman da Folha de S. Paulo, jornal no qual também trabalhou. Francis trabalhou ainda no jornal O Estado de S. Paulo e também no GNT, no programa Manhattan Connection.

Jornada lírica

Na produção goiana Cartas do Kuluene, lançada no passado, o diretor Pedro Novaes também traz a linguagem documental, mas misturada à ficção. Jornada lírica e sentimental sobre o universo indígena, o longa faz um relato sobre o encontro com povos indígenas do Brasil.

A narrativa é costurada por meio da troca imaginária de cartas entre três personagens: o próprio diretor, cujo pai, o jornalista Washington Novaes, documentou os índios do Xingu, e dois nomes pouco conhecidos do indigenismo brasileiro: o anarquista francês Paul Berthelot, que se aventurou pelo Vale do Rio Araguaia, na primeira década do século 20, e Buell Quain, um antropólogo norte-americano que se suicidou no Maranhão, em 1939.

Nesses diálogos por meio das cartas, esses homens falam da experiência transformadora que tiveram ao ter contado com o mundo indígena, um universo com valores e visões de mundo radicalmente diferentes dos do homem ocidental. Diretor, produtor e roteirista, Novaes já dirigiu cinco documentários e dois curtas de ficção. Foi diretor de produção e assistente de direção da série Xingu – A Terra Ameaçada, patrocinada pela Natura e pela Petrobras e exibida pela TV Cultura e Rede Pública de TV. Seu primeiro longa, agora na mostra no Cine Lumière, tem feito uma carreira elogiada.
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Arte também é cultura.  O Globo - 30/01/2012
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"O mercado é um primo rico, ele cuida de si mesmo. A cultura é uma matriarca respeitada, ela cuida de si mesma. A arte é tão sutil quanto violenta, tão frágil quanto fundamental. Sempre precisa dos artistas para defendê-la." Este brado consta da carta aberta enviada pelo grande artista Domingos de Oliveira a mim e ao Ministério da Cultura, em que defende a arte dentro da cultura e a importância social da arte.

Aceita a provocação, cabe buscar seu motivo condutor. Quando as primeiras instituições públicas de apoio à cultura foram criadas, seu principal foco de atuação eram as linguagens artísticas. Nos últimos anos, porém, o MinC aproximou-se do conceito antropológico de cultura e trouxe para si a obrigação de fomentar outras esferas da atividade intelectual, a produção e preservação de bens imateriais e a continental diversidade de modos de viver do brasileiro.

Foi um inequívoco avanço, cujos resultados práticos apenas começam a ser percebidos, dentro e fora do país. A arte não é supérflua, ela funciona como motor da economia, gera empregos, serve de matéria-prima para a educação - esses são apenas alguns de seus efeitos positivos, que vêm sendo defendidos pelo ministério com a criação da Secretaria da Economia Criativa.

Uma política consistente para a valorização das artes deve considerar também a criatividade e a inovação artística como benefícios diretos para a vida de todos os brasileiros. Arte de qualidade desenvolve a subjetividade e o senso estético do indivíduo, e consolida os valores da sociedade. Mas, assim como a própria arte é intangível, também são os seus resultados. Não obstante, sabemos da sua capacidade de transformação. O sucesso de experiências como o projeto Interações Estéticas, que permite aos artistas desenvolver parcerias com os Pontos de Cultura, enfatiza tudo isso.

Defendo o apoio ao artista como ponto substancial de uma política cultural abrangente. O artista sem adjetivo (consagrado, iniciante, marginal, pobre, fora do eixo, independente, profissional ou amador) deve e necessita dividir nossa atenção com as demais manifestações culturais. A arte de excelência deve integrar a cesta básica do cidadão brasileiro. Não confundir excelência com consagração, pois são predicados que nem sempre andam juntos.

Não são poucos os desafios do gestor público que tem como missão o desenvolvimento das artes no país, mas talvez seja este o maior deles: encontrar um lugar ao sol para as linguagens artísticas num novo e sofisticado ambiente em que tudo é cultura. Árdua também é a tarefa de adaptar uma matéria tão subjetiva às normas da administração pública. A Funarte continuará de portas abertas a opiniões, críticas e ideias inovadoras que honrem sua história de principal agência de apoio ao artista brasileiro.

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Brasileiros exigem país que funcione.   Correio Braziliense - 30/01/2012
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O Brasil cresceu, em média, 4,4% nos últimos oito anos, distribuiu renda e engrossou a classe média em quase uma Argentina com 40 milhões de habitantes. Mas para o servente de pedreiro Luiz Matias, 62 anos, algo de muito errado está acontecendo. Ele não vê os investimentos necessários do governo e do setor privado para que o país dê o mínimo de dignidade aos mais pobres dos cidadãos. "Sinceramente, se o futuro chegou, ainda não me deparei com ele", diz.

As palavras de Matias podem até conter um certo exagero. Mas refletem o cansaço de suas brigas para ter acesso a um serviço básico — energia elétrica — de qualidade em pleno ano de 2012. Com endereço fixo a apenas 25 quilômetros do Palácio do Planalto, ele reclama da constante falta de luz. A mais recente delas durou seis dias e o resultado foram cinco quilos de carne apodrecidos na geladeira. "Minha compra do mês foi para o lixo", diz o piauiense, morador de um loteamento em Ceilândia.

Como ele, milhões de brasileiros, de todas as classes sociais, são vítimas do descaso e da incapacidade do país de tirar do papel obras que garantam energia elétrica 24 horas por dia. Em 2011, justamente pelos frutos do crescimento econômico, o Brasil passou o maior tempo no escuro — foram 20 horas de apagão. Não à toa, o sinal de alerta dos especialistas foi ligado. Eles indagam: se o país com os maiores recursos hídricos do planeta não conseguiu, até agora, mesmo com toda a propaganda governamental, universalizar o fornecimento de energia elétrica e evitar transtornos à população, conseguirá dar conta de realizar dois dos maiores eventos esportivos do mundo, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, sem passar por vexames?

Apesar do temor de fracasso, a maior parte dos analistas prefere dar um voto de confiança. Mas assinalam que os investimentos pelos quais o Brasil tanto anseia vão além dos eventos esportivos. O país precisa recuperar o atraso dos últimos 20 anos em áreas vitais, de estradas a aeroportos. "País desenvolvido é aquele que consegue transferir a renda para seus cidadãos e garantir serviços públicos de qualidade. É preciso transportar o sucesso econômico para o bem-estar da sociedade", alerta Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). "Somos grandes, mas ainda injustos, inclusive no que se refere à reversão dos impostos pagos pela sociedade em forma de bons serviços", endossa a professora Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Não há dúvidas de que as cobranças são por aeroportos modernos e distantes do caos que se viu nos últimos anos e estradas bem pavimentadas e sinalizadas. O consumidor quer ainda internet veloz de
verdade. Exige tarifa barata para o telefone e não admite mais os caladões. O Brasil pujante que desponta como potência econômica também precisa superar carências de serviços básicos, como água e esgoto tratados. Só recentemente, os investimentos em saneamento começaram a ganhar vulto — passaram de R$ 3,5 bilhões para quase R$ 8 bilhões entre 2003 e 2010.

Extremos
A expectativa é grande. Mas o Brasil ainda é uma nação de extremos. Tende a se tornar um dos maiores polos de produção e exportação de petróleo graças à tecnologia de prospecção nas águas ultraprofundas do pré-sal. A Abdib calcula que o país está recebendo investimentos de quase
R$ 150 bilhões ao ano em áreas como transportes, petróleo, energia elétrica, telecomunicações e saneamento. Contudo, diante dos anos de atraso, essa cifra não tem sido suficiente para atender às necessidades do país. O ideal seria elevar os gastos a R$ 200 bilhões anuais, estima Godoy.

Tal insuficiência pode ser medida pela taxa de investimento, que não passa dos 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Os emergentes asiáticos aplicam mais que o dobro. Na China, 40% de toda a riqueza acumulada anualmente vão para obras e novos projetos. Na Índia, são 32%. A média mundial gira em torno de 23%, informa a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

O problema brasileiro ainda é de onde tirar dinheiro para financiar o progresso. Ao contrário dos orientais, por aqui governo e cidadão não têm tradição de economizar. A taxa de poupança interna gira em torno de 19% do PIB. E, quando não se tem recursos para bancar o próprio crescimento, o risco é a dependência de investimentos externos, que tendem a secar em tempos de crise. Nas turbulências de 2008 e 2009, a falta de verbas foi compensada, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas, para isso, o Tesouro Nacional teve de se endividar em mais de R$ 300 bilhões para capitalizar a instituição.

"Que Deus olhe por nós", pede a vendedora Alcinda Pereira de Almeida, 37 anos. Para ela, já passou da hora de o governo fazer o possível e o impossível para atender as necessidades dos trabalhadores. O que Alcinda mais quer é, sempre que possível, deixar a modesta casa às margens da DF-095 e visitar, de avião, a família no Piauí. "Sei dos constantes atrasos nos aeroportos do país. Já sofri com eles. Mas não vou desistir", avisa.


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O CNJ como legitimador social do Poder Judiciário
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Correio Braziliense - 30/01/2012
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Procurador da Fazenda Nacional, é presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal

A Emenda Constitucional 45/04 alterou e acresceu à Constituição de 1988 diversos dispositivos, sendo nominada no meio jurídico como a Reforma do Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado no contexto dessa mudança para exercer papel de fiscalização e "(...) controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (...)", popularmente consagrado como controle externo do Judiciário.

Desde a criação, suas atribuições foram alvo de irresignações (naturais em ambiente democrático) que contribuíram para a pluralização do debate e evolução da interpretação constitucional. A diversificação argumentativa como mecanismo de legitimação da decisão é premissa defendida por Peter Häberle. Ele propõe a construção de hermenêutica constitucional que leve em conta as variáveis interpretativas da sociedade, permitindo a democratização do debate, o que convencionou chamar de sociedade aberta de intérpretes da Constituição.

O processo de debate é retomado após duas liminares concedidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Discutir e repensar o papel do CNJ é fundamental para o amadurecimento das instituições e do Estado Democrático de Direito. Nesse pormenor, fulcral analisar o CNJ como verdadeiro controle externo do Poder Judiciário. É certo que, para efetivar esse papel, impõe-se composição, no mínimo, igualitária. Isso porque o CNJ é presidido pelo presidente do STF e composto por nove membros advindos do Poder Judiciário e seis da sociedade.

Interessante observar que, na composição, deixou-se de incluir duas carreiras integrantes das funções essenciais à Justiça, Advocacia Pública e Defensoria Pública. O capítulo referente às funções essenciais à Justiça encontra-se no Título IV, Da Organização dos Poderes. A sistematização concretizada visa atender os preceitos modernos do Estado Democrático de Direito, em que o equilíbrio e harmonia entre os poderes serão efetivados, também, por meio desses órgãos.

Outrossim, o desígnio "Justiça" não teve alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do Estado, transparência, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de "Estado de Justiça". Por essas razões, é imprescindível a participação da Advocacia Pública e da Defensoria Pública na composição do CNJ até como forma de evitar que decisões sejam tomadas sob o crivo do corporativismo.

De outro giro, vive-se momento em que o Poder Judiciário interfere em quase todas as políticas públicas (fenômeno conhecido como ativismo judicial), legisla (vide o exemplo das decisões do Tribunal Superior Eleitoral em diversas matérias. Entre elas, número de vereadores e (in)fidelidade partidária. E, obviamente, presta a tutela jurisdicional, que deveria ser sua única função.

Esse fenômeno é relatado por Luiz Werneck Vianna no livro Judicialização da política e das relações sociais no Brasil como resultado da judicialização da política nacional. Necessita-se, portanto, resgatar o equilíbrio perseguido pelo constituinte. Para resguardar a congruência do ativismo judicial hoje existente, que muitas vezes transcende o que determina a lei, é necessário que o STF decida com coerência.

Entretanto, não é demais registrar que o art. 103-B, § 4.°, III da Constituição, ao disciplinar as atribuições do CNJ, além de permitir a reclamação por parte de qualquer cidadão, determina a competência disciplinar concorrente ao consignar sua função fiscalizatória e correicional. O Poder Judiciário é o único que não passa pelo crivo da sociedade, razão pela qual, para lhe resguardar a legitimidade, é inafastável a transparência, publicidade e eficiência dos atos, bem como sujeição aos princípios constitucionais administrativos.
Ante ao exposto, certo é que o esvaziamento das atribuições do CNJ poderá provocar enormes prejuízos à sociedade e aos magistrados comprometidos com suas funções. O poder de fiscalizar e punir juízes e servidores contribui para separar o joio do trigo, resguardando a imagem do Judiciário.