terça-feira, 12 de abril de 2011

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OPINIÃO

Cinema nacional seguiu a receita do sucesso

Filmes brasileiros de grande bilheteria deixaram de ser exceção, mas permanece o embate entre mercado e arte

TALVEZ AQUI, COMO NO MUNDO, ESTEJAMOS A PONTO DE FAZER A DISTINÇÃO ENTRE O CINEMA "DA ELITE" E O "DO PÚBLICO"

Fonte: folha.uol.com.br 12/04


Se passou a última década do século passado se recompondo do golpe desferido pelo governo Collor, o cinema brasileiro entrou no século 21 disposto a seguir a receita de Daniel Filho: comunicar é o negócio.
E não se pode dizer que ela não funcionou. Nos últimos anos, os "brazilian blocksbusters", com muita frequência apoiados pela Globo Filmes, deixaram de ser a exceção que "Cidade de Deus" (2002), "Dois Filhos de Francisco" (2005) ou "Carandiru" (2003) pareciam configurar há apenas alguns anos.
Passaram a emplacar em sequência, como se a receita tivesse enfim sido compreendida. O próprio Daniel Filho fez alguns filmes de sucesso, apenas obscurecidos pelo êxito de "Tropa de Elite", a surpresa, e "Tropa de Elite 2", o fenômeno, o filme que quebrou o recorde de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976).
"Tropa", em particular, trazia ainda uma novidade: uma dramaturgia rompida, surpreendentemente, com o padrão da Rede Globo desde os tempos de Oduvaldo Vianna Filho (1936 -1974) e Dias Gomes (1922-1999), ou seja, uma espécie de humanismo derivado do velho CPC.
"Tropa" introduzia outra linguagem -talvez melhor, talvez pior, mas em todo caso outra: o desejo de lei e ordem, a necessidade de não compreender em nada os problemas sociais ou psicológicos do banditismo, a urgência em combatê-lo, o desprezo pela corrupção.
É difícil discordar quando Gustavo Dahl afirma que "Tropa de Elite" tirou nosso cinema da insignificância.
Por uma vez, políticos sentiram a necessidade de ir atrás de um filme brasileiro, buscar respostas, entender a mensagem: existe no Brasil uma luta pelo poder entre o Estado, por um lado, e o tráfico de drogas, de outro.
Atrás, ou ao lado, de "Tropa" vêm "VIPs" (2011), "Bruna Surfistinha" (2011), "A Mulher Invisível" (2009), "Meu Nome Não É Johnny" (2008) etc.
Basicamente, tudo que os críticos entendem não acrescentar grande coisa ao cinema. Cinema de massa? Pode ser. Mas é o que o público vai ver. Quer queira, quer não.
Enquanto isso, a presidente da República assiste "É Proibido Fumar"(2009), que com a atriz Glória Pires e tudo não chegou nem aos cem mil espectadores.
A situação é estranha: tomamos enfim uma parte considerável do mercado interno, como sempre se desejou; chegou-se ao público de classe média, como sempre se preconizou.
Mas há no ar a sensação de processo partido, ainda incompleto, de incompreensões mútuas e profundas entre duas formas de compreender essa arte.
Talvez aqui, como no resto do mundo, estejamos a ponto de, muito breve, fazer a distinção entre o cinema "da elite" e o "do público". Seria lamentável. O que é certo: continuamos tateando.

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Cinema com novo foco

Mostra repassa dez anos de produção e tenta entender que Brasil os filmes nacionais forjaram; espiritismo surge como gênero Fonte: folha.uol.com.br 12/04

Em 2010, os filmes nacionais venderam 25,2 milhões de ingressos. Em 1995, o número era 1,2 milhão. Enquanto no ano passado 135 longas-metragens brasileiros chegaram às telas, em 1995 foram 12 os lançamentos.
Os números, por si, justificariam uma investigação sobre o que aconteceu com o cinema brasileiro na última década. Como saímos da terra arrasada da década dos anos 1990 para chegar a "Tropa de Elite 2", que quebrou o recorde de público de "Dona Flor e Seus Dois Maridos", intocado por 35 anos?
Muitos já foram os textos e debates que, a partir de questões ligadas à produção e ao financiamento, procuraram compreender essa mudança de patamar. Poucos se detiveram, porém, sobre a estética e o país que daí saíram.
Pois é isso que se propõe a fazer o evento Cinema Brasileiro: Anos 2000, 10 questões, que acontece em São Paulo (de amanhã a 1º de maio) e no Rio de Janeiro (de 26 de abril a 08 de maio).
A exibição de cerca de 60 títulos será completada por uma série de debates.
Como anotam os curadores Eduardo Valente, Cléber Eduardo e João Luiz Vieira, não se trata de reunir os "melhores" ou "mais significativos" filmes. O que a mostra faz é agrupá-los a partir das dez questões propostas.

BRASIL SEM SAÍDA
A primeira pergunta que, no catálogo da mostra, Cléber Eduardo se coloca é: que imagem do país esses filmes forjaram? "Não é bom [o país] em nenhum dos filmes. Não possui saídas", responde, norteado pelo olhar amargo de "Baixio das Besta", "Quanto Vale ou É por Quilo" ou "O Signo do Caos".
Eduardo Valente observa, por sua vez, que o gênero da década foi a comédia derivada da TV. E, apesar de ser o chamariz de títulos como "Se Eu Fosse Você" ou "Os Normais", o sexo tende a aparecer de maneira "sanitizada".
"Suas tramas tratam de dilemas amorosos e sexuais da classe média, a partir de resoluções infantilizadas", diz.
Não deve ter sido coincidência, portanto, o fato de que comédias que não seguiram o beabá da TV, como "Bendito Fruto" e "É Proibido Fumar", apesar do aparente potencial, tenham decepcionado nas bilheterias.
Valente indica, ainda, o documentário biográfico musical como um subgênero relevante. E destaca o gênero que, no fim da década, mostrou-se imbatível: o dos filmes espíritas, puxado por "Bezerra de Menezes" e coroado com "Chico Xavier".
Os curadores confirmaram ainda o que já era apontado em textos críticos: a ditadura tornou-se tema recorrente e os atores -Selton Mello, Matheus Nachtergaele e Wagner Moura à frente- passaram a ser parte fundamental do processo de criação.

POUCO PRESTÍGIO
Ao mesmo tempo em que busca entender o que é nosso cinema popular, a mostra tenta dar conta da imagem dos filmes no exterior.
E parece que o sucesso de público, aqui, não ecoou no estrangeiro. Apenas "Cidade de Deus" conquistou, de fato, relevância internacional.
Apesar de Fernando Meirelles, Walter Salles e José Padilha terem conseguido colocar os pés na cena internacional, a cinematografia nacional, segundo Valente, "não goza de grande prestígio lá fora". Em dez anos, apenas dois longas, "Carandiru" e "Linha de Passe", competiram em Cannes.
Ao olhar para trás, a mostra refresca nossa memória e nos ajuda a resgatar imagens que, em meio ao excesso, ficaram submersas.


CINEMA BRASILEIRO: ANOS 2000, 10 QUESTÕES
QUANDO a partir de amanhã, às 13h; até 1º de maio
ONDE Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (r.Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/3113-3600)
QUANTO grátis



EXECUTIVO

Prevenção a passos lentos

Apenas 1,5% dos recursos federais previstos em 2011 para evitar novas tragédias decorrentes de chuvas foi aplicado. Sistema nacional de alerta contra desastres naturais ainda não chegou à Casa Civil Fonte: correioweb.com.br 12/04

A tragédia que resultou em mais de 900 mortos na Região Serrana do Rio de Janeiro, ocorrida há três meses, serviu para que o governo federal acelerasse o ritmo de repasses para ações emergenciais, mas praticamente congelou os recursos previstos em prevenção a novos episódios, como a construção de barragens, reservatórios e a canalização de rios. Só 1,5% dos R$ 237 milhões previstos para 2011 foi aplicado (veja quadro).

O projeto de implementação do sistema nacional de alerta e prevenção de desastres naturais, prometido pelo governo em janeiro, caminha a passos lentos. O Ministério da Ciência e Tecnologia deve apresentar nas próximas semanas o projeto executivo do sistema à Casa Civil. Só depois o dinheiro começa a pingar. A expectativa da pasta e do Palácio do Planalto é que no próximo verão o sistema esteja funcionando em parte.

Ontem, em esforço para discutir o novo papel da Defesa Civil frente aos problemas cada vez mais recorrentes no país, um evento internacional sobre gestão de riscos e desastres foi iniciado. O presidente em exercício, Michel Temer; o ministro da Integração, Fernando Bezerra; e o presidente do Banco Mundial para o Brasil, Makhtar Diopp, que emprestará recursos para o país investir em prevenção, falaram sobre o tema.

“O Brasil não é imune a novas tragédias. Temos que começar com o plano. Não podemos esperar o próximo ano, as próximas chuvas”, afirmou o secretário de Políticas e Programas de Pesquisas e Desenvolvimento do MCT, Carlos Nobre, responsável pelo sistema de alerta nacional.

Até o fim do governo da presidente Dilma Rousseff, o governo estima que seja possível obter redução de 80% do número de vítimas dos desastres naturais para áreas cobertas pelo sistema. Para o restante do Brasil, a previsão é reduzir em 50% o número de vítimas e, em 10 anos, a menos de 20% em relação aos números atuais.

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CONGRESSO

Gabinete de peixes e sereias

Modelo, dentista e ex-goleiro amador estão entre os auxiliares parlamentares de Romário na Câmara. Até agora, o deputado federal do PSB contratou 16 pessoas, 11 delas com expediente previsto para o Rio de Janeiro Fonte: correioweb.com.br 12/04

O deputado Romário (PSB-RJ) nomeou para seu gabinete, na última sexta-feira, a modelo e atriz Bella Rodrigues e o ex-goleiro amador Luiz Cláudio Henriques. Bella participou de novelas e seriados de três emissoras de televisão. Ao Correio, ela admitiu que “ainda não começou a trabalhar” como secretária parlamentar, apesar de a nomeação já ter ocorrido. Já Luiz Cláudio é amigo de infância de Romário e jogou com o ex-atleta no time Estrelinha, criado pelo pai do deputado fluminense, Edevair de Souza Farias. É atribuído a Luiz Cláudio o apelido de “Peixe” que o ex-jogador carrega.

Na lista de funcionários do escritório parlamentar do Rio de Janeiro também está a dentista Edianne de Abreu. A odontóloga hospeda nas redes sociais da internet fotos em que demonstra proximidade com Romário. Os registros foram feitos em festas, boates e na praia. A nomeação de Edianne é de 15 de fevereiro e ela mantém registro ativo no Conselho de Odontologia.

Romário contratou 16 pessoas, até agora, com a verba de R$ 60 mil que a Câmara concede para os deputados usarem na montagem do gabinete em Brasília e nos escritórios de apoio. Onze dos 16 funcionários do mandato do deputado do PSB dão expediente no Rio de Janeiro, de acordo com o chefe de gabinete de Romário, Marco San.

Bella afirma que ainda não sabe se cumprirá expediente no Rio ou na Câmara. “Fui convidada, mas ainda não comecei a trabalhar. Vai ter uma reunião na próxima semana para saber se vou trabalhar no Rio ou em Brasília”, disse, na tarde de ontem.

O amigo de infância de Romário, Luiz Cláudio, relata que é uma espécie de assessor particular do ex-jogador. Em depoimento registrado na biografia do ex-atleta, ele revela que já dirigiu o carro da mãe e da irmã de Romário e recusou convite para acompanhar o ex-jogador na Holanda e trabalhar no Café do Gol, casa noturna que pertenceu ao deputado.

“Tenho uma empresa de sonorização, faço eventos e alugo equipamento de som para festas. Romário sempre me chama para sonorizar festas para ele ou para o aniversário dos filhos. Normalmente, quando tem um feriado prolongado, deixo um equipamento menor com ele. Não cobro nada e nem poderia cobrar dele. Não me sinto no direito de cobrar de uma pessoa que sempre foi minha amiga. Não existe isso entre a gente”, conta na biografia de Romário.

Horário
O chefe de gabinete afirma que, apesar de a modelo, a dentista e o profissional de sonorização exercerem atividades paralelas às funções de assessores, os três cumprem horário e atuam na “articulação” política do mandato. “Todas essas pessoas já ajudaram a gente antes da campanha, em contatos, em articulações. Cada um tem seu valor, sua expertise política. Todo mundo pode trabalhar em política. Independentemente da especificidade de cada um, são pessoas que estão trabalhando com a gente na construção do mandato, naquilo que convém para a gente, nas articulações do dia a dia.”

Sobre a dupla jornada da modelo e atriz, o chefe de gabinete explica que ela afirmou que ainda não estava trabalhando porque formalmente só foi nomeada sexta-feira e que as atividades artísticas não são em tempo integral. “A Izabella, na verdade, faz ponta. Ela quer ser atriz, já fez teatro. Eventualmente faz uma ponta. Ela vem aqui no escritório, cumpre as atividades que determino como chefe de gabinete. Ela foi nomeada sexta-feira, vem trabalhando politicamente com a gente. Eu vou acelerar mais as atividades dela, mas a formalidade foi feita na sexta-feira.”

A dentista concilia, segundo Marco San, atividades odontológicas com as de assessora parlamentar. “Ela, eventualmente, de vez em quando, fazia também (trabalhos como dentista), porque determinados horários ela tenta conciliar. Mas ela faz um trabalho político para a gente em Nova Iguaçu. É uma pessoa importante para nós nesse quesito. Cumpre horários, as coisas que têm que ser cumpridas, a carga horária. Fora desses horários é a vida de cada um”, afirma o chefe de gabinete.

O Correio procurou os nomeados para o gabinete de Romário, mas não encontrou a dentista e o amigo de infância do parlamentar. O contato com a atriz foi feito por meio da agência de modelos que faz sua divulgação. Coube ao chefe de gabinete informar a função dos funcionários não encontrados.

Nas telinhas
No currículo da atriz e modelo Bella Rodrigues, lotada no gabinete de Romário (PSB-RJ) como secretária parlamentar, estão participações na novela Poder Paralelo, da Record, no papel da personagem Cleonice; ponta na novela América, da Rede Globo, e no humorístico A Turma do Didi. A modelo também atuou na novela Floribela, da Bandeirantes.

Controle subjetivo
Os deputados têm R$ 60 mil para contratar até 25 secretários parlamentares para atuarem no gabinete de Brasília ou no escritório de apoio dos estados de origem. Com o recurso, a média salarial do gabinete de Romário é de R$ 4 mil. Os servidores que dão expediente na Câmara precisam se submeter a mecanismos de comprovação de frequência. No Rio, cabe ao chefe de gabinete atestar a presença.

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Trauma e problema mental podem ter motivado massacre no RJ

Ódio generalizado marcou o crime que matou 12 crianças em uma escola municipal. Tragédia se assemelha a casos chocantes ocorridos em outros países Fonte: UnB.br 12/04

Em abril de 1998 ocorria nos Estados Unidos uma tragédia no Instituto Columbine, quando dois alunos entraram na escola armados e deixaram 13 mortos e 21 feridos. No mesmo mês, 12 anos depois, o Rio de Janeiro viveu situação parecida: um ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira matou 12 adolescentes. Em ambos os casos, os responsáveis pelos massacres cometeram suicídio no local. Para quem presenciou os crimes, as marcas vão além das manchas de sangue espalhadas pela escola.

Os vários eventos que ocorreram nos Estados Unidos e no resto do mundo tinham um histórico conhecido de bullying. Lídia Weber, pós-doutora em Psicologia pela UnB, explica que no caso de Columbine dá para perceber características de uma cultura armamentista. “Qualquer um pode comprar arma no país”, diz. “A violência de um modo geral é incentivada. Em metade das escolas ainda é permitido usar punição física contra as crianças, completa”. Para a pesquisadora, a tragédia de Tasso da Silveira parece ainda mais grave por ocorrer no Brasil. “O grande choque é que aqui isso nunca aconteceu”.

Ainda é cedo para um diagnóstico da motivação e do quadro mental do assassino. Mas a professora Ângela Branco, coordenadora do Laboratório de Microgênese nas Interações Sociais da UnB, acredita que a combinação entre um desequilibro mental e um histórico de humilhação na escola pode ter sido o estopim. “Sem dúvida, o rapaz é uma pessoa descompensada mentalmente”, diz. “O exemplo de hoje é o pior efeito que o bullying pode causar. É o máximo que a gente pode encontrar”, afirma a professora.

“Por que ele escolheu a escola? Podia ter ido para a rua, para o shopping, para um ônibus. Ir para a escola tem um sentido”, afirma. “Com certeza existiu alguma coisa na escola que o incomodou. Se fosse um problema com uma pessoa específica, seria muito pouco provável que ele saísse matando todo mundo. Tinha um ódio generalizado”, sustenta.

Ângela acredita que o papel da escola, hoje em dia, está reduzido. “A escola se vê responsável quase que especificamente pelo desenvolvimento intelectual das crianças. Fica preocupada com os índices de aprovação, notas e vestibular”, explica. A professora afirma que o discurso de educar de fato, formando cidadãos, acaba perdendo para uma visão exclusiva do conteúdo. “Não é problema só da escola, é da sociedade como um todo, que empurra para a instituição o papel de educar moralmente”, completa.

“As crianças passam uma grande parte da vida na escola. E convivem num contexto que está muito mais orientado para a competição e não para a socialização”, argumenta a professora. Ela afirma que nem sempre os professores se comportam de maneira exemplar a acaba prevalecendo um clima de descaso em relação a fatores como respeito, moral, tolerância, compreensão, solidariedade e justiça.

RETORNO – As especialistas afirmam que deve haver um trabalho de reestruturação do ambiente escolar, para que as aulas sejam retomadas da melhor forma possível. “Evidentemente que essa escola não vai poder esconder o sol com a peneira”, diz Ângela. “Por um tempo vai ser muito traumático. Vai ter de haver um trabalho conjunto no sentido de levar as crianças a refletir, a conversar”, explica. A professora ressalta a importância dos alunos não guardarem a sensação de que foram amaldiçoados ou que o problema está na escola.

“Será necessário apoio psicológico, da família, dos amigos que ficaram, dos professores”, diz Lídia. Ela explica que, ao entrar na escola novamente, os alunos e professores se lembrarão, inevitavelmente, do episódio. “Isso se chama condicionamento respondente. É quando as sinapses, no cérebro, vão associar duas coisas: a escola como um lugar bacana e como um lugar de tragédia e morte”. Para que a imagem do crime seja retirada da mente de quem estava ali, é necessário associar de novo a escola com coisas boas.

Para isso, Lídia acredita que é importante que a comunidade de Tasso da Silveira viva um período de luto. Ela explica que é importante, também, que as atividades não demorem muito a voltar ao normal. “O processo de despedida é importantíssimo. Despedir-se e homenagear as pessoas é o primeiro processo”, diz. “Depois, é importante ir retomando, mesmo que seja gradual. Tem que conversar com as crianças, reaproximá-las de forma positiva do ambiente de ensino”, completa.

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LITERATURA

Invasão portuguesa

Editora Babel chega ao Brasil com obra de Padre Antonio Vieira e Mensagem, livro de Fernando Pessoa

Fonte: correioweb.com.br 12/04

Quando o Padre Antonio Vieira publicou os dois volumes de Sermões, entre 1679 e 1682, achou por bem realizar um guia de leitura e fez, ele mesmo, um índice remissivo para cada ideia central discutida nos sermões. O volume ficou conhecido como Indice das cousas mais notáveis, mas não ganhou o alcance das pregações do padre. Pois foi com o tal índice que a Babel, unidade editorial portuguesa que reúne nove selos, decidiu dar os primeiros passos no mercado brasileiro.

A edição de luxo em formato correspondente aos livros editados no século 17 — com 48cm de altura —, tem capa em serigrafia e composição artesanal para abrigar os verbetes organizados em ordem alfabética que retomam o trabalho original de Vieira. “Esse índice é o que consta, mas só como índice, da primeira edição dos Sermões, publicada quando o Padre Antonio Vieira ainda era vivo. O original está na Biblioteca Nacional de Portugal, é um volume de 1679”, avisa Vasco Silva, editor da Babel em Portugal. “Quisemos fazer uma obra moderna, contemporânea, mas evocativa da tipografia que se fazia na época. Escolhemos as cores da tipografia daquele tempo, preto e vermelho, fizemos a entrada do livro com as partes que copiamos da primeira edição, com dedicatórias, autorizações, licença do Santo Ofício. Essa parte foi rigorosamente transcrita da primeira edição e depois fizemos com um tipo de época e uma mancha gráfica evocativa da tipografia seiscentista.”

Silva não diria que todo o pensamento do padre está contido nos verbetes, mas eles funcionam como uma introdução aos sermões. “Para quem nunca leu é mais fácil começar com as partes mais significativas de cada sermão”, acredita. “Padre Antonio Vieira não cabe em índice nenhum nem em livro nenhum. O pensamento dele não sei nem se cabe em uma biblioteca inteira. Mas uma parte significativa e essencial está neste livro.”

A Babel também escolheu o único livro publicado por Fernando Pessoa ainda em vida para estrear no Brasil. Fez o que chama de uma edição clonada de Mensagem, reunião de poemas editada em 1934, um ano antes da morte do poeta português. Os pesquisadores da editora fotografaram a última prova recebida da gráfica por Pessoa antes de dar o aval final para a edição. O original foi vendido à Biblioteca Nacional de Portugal, em 1960, pelo dono de um sebo de livros e é conservado como preciosidade.

Pátria
As 102 páginas do volume aparecem marcadas por anotações a lápis do próprio Pessoa e um detalhe chama a atenção. Logo no início, o poeta riscou o título original, que deveria ser Portugal, e substituiu por Mensagem, como ficou conhecida a reunião de poemas dedicados à pátria do autor. Para o lançamento, a Babel reproduziu capa e papel utilizados originalmente. “Escolhemos a melhor gráfica de Portugal e, como o livro não pode sair da Biblioteca Nacional, mandamos uma equipe e fotografamos página a página. É um papel muito semelhante, é a mesma imagem, mas é fotografado, tudo que tem ali é ilusão”, conta Vasco Silva, que atribuiu às tecnologias digitais a possibilidade de editar a obra.

A Babel chega ao Brasil de olho no mercado editorial crescente e com a intenção de se tornar um braço brasileiro do grupo português. “Somos uma editora de língua portuguesa e não uma editora portuguesa”, avisa Paulo Teixeira Pinto, fundador. “Portanto, não seria normal não estarmos no Brasil”, conclui.

Fernando Pessoa: uma (quase) autobiografia
De José Paulo Cavalcanti. Record, 736 páginas. R$ 79,90.

Índice das cousas mais notáveis
De Padre Antonio Vieira. Babel, 140 páginas. Preço indefinido.

Mensagem
De Padre Antonio Vieira. Babel, 140 páginas. R$ 200

Fernando Pessoa e outros pessoas
De Guazzelli. Editora Saraiva, 80 páginas. R$ 34,90.

Multiplicação poética
O poeta português também é tema de dois outros lançamentos editoriais. A Record acaba de lançar Fernando Pessoa: uma (quase) autobiografia, do pernambucano José Paulo Cavalcanti. O livro de 736 páginas foi escrito com ajuda de depoimentos e pesquisas para compilar as frases do biografado. Cavalcanti insiste na classificação de autobiografia porque diz ter utilizado tantas frases e citações do poeta que o texto parece escrito pelo próprio.

A biografia é a primeira escrita por um autor brasileiro e a terceira a chegar ao mercado. Entre as novidades acrescidas por Cavalcanti está a descoberta de alguns heterônimos desconhecidos. O autor defende terem sido 127, e não 67.

Pessoa também inspira uma HQ com pretensão de guiar o jovem leitor pela obra do escritor. Lançamento da Saraiva assinado por Guazzelli, Fernando Pessoa e outros pessoas tem como cenário a mesma Lisboa citada e enaltecida em versos do poeta. São seis histórias, cada uma contada por um heterônimo como se empreendesse um passeio pela capital portuguesa.

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Os mesmos, os outros e o CNJ

Ruitemberg Nunes Pereira

Professor e doutorando em Direito Internacional (Uniceub/DF)

Fonte: correioweb.com.br 11/04

Abstraídas eventuais faltas e excessos, cumpre reconhecer que a mais promissora instituição judiciária criada no Brasil depois da Justiça Eleitoral chama-se Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Assim como a Justiça Eleitoral nasceu de um movimento antissistêmico que buscava reduzir os caminhos da corrupção atávica do sistema político-eleitoral brasileiro, alçando-nos ao atual patamar de modernidade, eficiência e segurança, o CNJ exsurge como a possibilidade concreta de transformação real do Judiciário nacional, sem a qual não poderá sair do seu momentoso estado de letargia, que mais lembra o do artrópode da metamorfose kafkiana.

Se considerarmos o que fora realizado pelo CNJ, em menos de uma década de atuação, e se tivermos em conta as suas potencialidades para o futuro próximo, é possível compreender a sua notável importância republicana, assim como é possível entender as razões por que os movimentos sistêmicos das estruturas oligárquicas do Judiciário nacional se opuseram tão veementemente à sua criação e ainda revelam tanto desconforto diante de sua presença incômoda.

Antes do CNJ, o Judiciário nacional representava, em larga medida e poucas (mas reconhecidas) exceções, um arquipélago de pequenas autocracias tradicionais, onde as elites judiciárias se refestelavam, livres de qualquer forma de controle real, em sua juissance privada e obscena, baseada na (i)lógica da colonização, feudalização e privatização dos espaços e funções públicos; da sublimação das possibilidades de participação coletiva; do controle aniquilador e mortificante do pluralismo político crítico e radical; da economia de trocas simbólicas alheias à sociedade e à ordem jurídica; da ineficiência das estruturas orgânicas; das práticas extravagantes e abstrusas de administração.

Neste cenário vítor-nunes-leálico, a forma de vida predominante exaltava os laços tradicionais entre “elites cordiais”, partners da mesma cultura antirrepublicana que institucionalizou e instrumentalizou a ineficiência, a corrupção multifacetada, o nepotismo e as fórmulas medievais da burocracia administrativa, numa partilha feudal da coisa pública, e cujos reflexos ainda se vêem, recônditos ou explícitos, a revelar a própria incapacidade de autorregeneração de um sistema judicial decrépito e imobilizado, mastodôntico, engolfado nas suas ilhas quiméricas, infenso a críticas, mudanças e controles.

Esse velho Judiciário inventou a própria moralidade, uma moral sem ética en petit comité, interiorizada, privatizada, dissimulada e incontrolável, alheia à “realidade do real”. Nesta “sociedade de Cortes”, as posições jurídicas eram pensadas e hierarquizadas em termos de benefícios pessoais partilhados cordialmente, num sistema conservador que combinava a inclusão dos partners e a exclusão dos pariahs como forma de perpetuação.

Nesse ambiente, a menor oposição ou crítica era suficiente para justificar ações violentas (não apenas no sentido hannaharendtiano), não raramente sob a forma perversa da censura e da imposição de anonimato, pois nada mais intolerável aos olhos dos que têm poder (não autoridade) do que o crime de lesa-cortesia, a memorar o cenário machadiano descrito em O país das quimeras.

Invocando Lévinas, pode-se dizer que o Judiciário pré-CNJ só conhecia uma sociedade, a société intime dos Mesmos, das elites judiciárias, dos donos do poder, dos disciplinadores das posições e das ideias, dos controladores da palavra adversa e rebelde, senhores da “última palavra”. Fora dessa sociedade viviam os Outros, uma sociedade desfigurada e sem rostos, que divagava num espaço vazio de identidades anônimas, um mundo exterior de não-lugar dentro e fora dos muros internos da Justiça.


Essa “sociedade anônima” e externa, para deixar de ser anônima, carecia do surgimento do Terceiro, único capacitado para trazer um pouco de justiça à relação entre os Mesmos e os Outros. Como Terceiro, o CNJ materializa as possibilidades éticas dessa société externe e simboliza o implemento de balancings políticos em que os checks jurídicos sempre se mostraram mistificadores e inaptos a corrigir as históricas assimetrias intersubjetivas.


O Terceiro representa o ponto de Arquimedes de onde o novo Judiciário nacional poderá dar o salto rumo à Totalidade e ao Infinito, superando a (i)lógica da ação biopolítica conservadora dos Mesmos. Sem o Terceiro, o destino dos Outros era a sobrevivência como vivos-mortos ou mortos-vivos (na acepção psicanalítica de Slavoj Zizek), excluídos de qualquer possibilidade de ação transformadora. O CNJ é a justiça que vem de fora e, como dizia Lévinas, num ambiente de violência intersubjetiva, a justiça somente pode vir de fora “pela porta”.

O fenômeno social mais marcante a partir da institucionalização do CNJ é precisamente esse poderoso abalo das estruturas da société intime das elites judiciárias nacionais. Apenas essa circunstância já seria suficiente, ainda que em termos simbólicos, para nos permitir sonhar com a emergência de um novo Judiciário, dotado de infinitas possibilidades sociais reais.

Nesse ambiente de renovação que o CNJ simboliza, é possível crer que no arquipélago de autocracias possa surgir uma verdadeira e combativa sociedade externa, desmesmificada, crítica, participativa, intimorata (porque instrumentalizada com os recursos do Terceiro), ávida por democracia, ética, eficiência e transformação social no e por meio do Judiciário, e desejosa de contribuir para que nele se cumpram os objetivos verdadeiros e fundamentais da República, sobretudo o de construir uma sociedade interna e externamente livre, republicanamente solidária e sobretudo justa.


Cabe a esta sociedade externa de Outros impedir a mortificação do Terceiro, que a vivifica, sob pena de continuarmos a assistir a um Judiciário que se move à semelhança do artrópode kafkiano.

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