sábado, 16 de julho de 2011

Educação inferior

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Projeto relatado pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) elimina exigências mínimas de titulação acadêmica para professores universitários Fonte: folha.uol.com.br 15/07

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São ainda insuficientes e tímidos os esforços para melhorar a qualidade do ensino superior no Brasil. Pode-se, entretanto, dizer que, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, quando se introduziu o Provão, uma tendência para avaliar com mais rigor o desempenho de faculdades públicas e privadas vinha sendo mantida.

Naturalmente, o processo enfrentou resistências de todo tipo. Houve reações corporativas de parte do professorado e manifestações de sectarismo ideológico em setores do movimento estudantil. Com menos estridência, mas forte poder de pressão nos gabinetes, o lobby das faculdades particulares muitas vezes procurou, no Congresso e no Executivo, afrouxar os controles públicos.

Para algumas instituições de ensino superior, trata-se menos de construir alguma coisa relevante do ponto de vista educacional ou científico e mais de obter altos rendimentos com a oferta de produtos de péssima qualidade. É sem dúvida a esse tipo de interesses que vem atender projeto de lei na ordem do dia do Senado.

Pretende-se eliminar a exigência de 30% de doutores e mestres no corpo docente. Para qualquer padrão aceitável internacionalmente, o mínimo em vigor já seria bastante baixo: menos de um terço dos professores universitários com alguma titulação acadêmica. Não parece baixo o bastante, no entanto, para o relator do projeto, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

A modificação na lei havia sido proposta, inicialmente, pela Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado. Pretendia-se eliminar a exigência de mestrado ou doutorado para os professores em áreas de engenharia e tecnologia. O saber prático substituiria, no caso de profissionais de notória competência, os méritos da titulação acadêmica. A brecha se abriu para que, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o princípio fosse estendido a todos os cursos.

Mesmo que se admita a eventualidade de excelentes professores, com vasta experiência profissional ou importante obra intelectual, não contarem com mestrado ou doutorado, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) já lhes abre espaço para a carreira docente. Não se determina que todos os professores universitários tenham tal titulação. Bastam 30%.

O projeto do Senado esconde mal o verdadeiro propósito: atender aos interesses de faculdades sem compromisso com o ensino de qualidade, que poderão contratar a salário baixo professores alheios a qualquer padrão de excelência acadêmica.

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ELIANE CANTANHÊDE

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Mergulho providencial Fonte: folha.uol.com.br 15/07

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BRASÍLIA - Início de 2003 (bem antes do escândalo do mensalão), um jatinho com o deputado Valdemar Costa Neto, então do PL, hoje do PR, derrapou ao pousar em Congonhas e parou na rua. Ele só teve ferimentos leves, saiu andando.

O que mais chamou a atenção foi um detalhe: como Costa Neto, que não é banqueiro, empresário, herdeiro ou ganhador da loteria, podia voar por aí de jato executivo?

É que vão se desenhando as imagens públicas. Por isso, não houve surpresa quando ele foi pego em cheio pelo mensalão em 2005. A surpresa, na época, foi outra: do PT não se esperava isso. De Costa Neto espera-se qualquer coisa.

Mas o importante não é focar no personagem, e sim no enredo. Ele negociou a aliança do PT de Lula com o PL de José Alencar para concorrer à Presidência em 2002, ganhou uma bolada do esquema Marcos Valério para o seu partido (e para ele próprio?!), caiu no mensalão, renunciou para não ficar inelegível, disputou e ganhou a eleição seguinte e voltou para a Câmara.

Cumpre seu sexto mandato, às voltas com o processo do mensalão no Supremo. Responde por formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sujeito a uma pena de 9 a 35 anos de prisão.

E como pode ser deputado? É a partir do Congresso que ele comanda, na prática, o PR, nomeia o agora defenestrado Alfredo Nascimento no rico e permeável Ministério dos Transportes e, segundo a revista "Veja", participa de reuniões de assessores da pasta com empresários, apesar de não ter cargo no governo.

A cúpula do ministério caiu, o novo ministro assumiu, o PR ameaçou, Dilma desarticulou a bomba, Pagot foi um traque. E onde estava Valdemar, que é quem realmente manda? Escondido e mudo. Tanto o Planalto quanto o PR mandaram que submergisse, para não piorar as coisas -e as denúncias.

Mas logo Costa Neto emerge de novo. Tal como oito anos atrás, ele teve ferimentos leves, sai andando.

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Escândalos ficam banais

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Oh tempos!, oh costumes!, afirmaria o grande orador romano Cícero sobre tantos escândalos no cenário político brasileiro. E, pior ainda: tais escândalos provocaram uma banalização do mal-feito, de modo que parecem ser normais. Fonte: opopular.com.br 15/07 ( Hélio Rocha)

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Digamos a verdade, os que acompanham o processo político brasileiro desde o fim da ditadura militar e da volta do primado do poder civil: desde então, reconquistamos a liberdade, mas não a moralidade.

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Seria injusto deixar de dizer que essa espécie de regra teve uma exceção: a do curto período de governo chefiado pelo recém-falecido mineiro Itamar Franco, que tinha algumas esquisitices, mas não colecionou deslizes morais e nem acusações de corrupção. Ao contrário dos governos anteriores, o de José Sarney, principalmente, e o de Collor, que foi derrubado por irregularidades.

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Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, também se registraram o que o ex-presidente Lula chama de maracutaias, como no caso da privatização da telefonia, quando manipulações enriqueceram diversas pessoas.

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O caso do Ministério dos Transportes acrescenta agora o afastamento de mais um diretor, casado com a dona de uma empreiteira beneficiada com obras superfaturadas em Roraima. Engrossou, pois, o caldo, mas não se vê uma torrente nacional de indignação, pois esses escândalos se tornaram banais.

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O baile da Ilha Fiscal

Às vezes achamos que existe algum exagero quando se fala sobre o luxo do famoso Baile da Ilha Fiscal, no Rio, na noite de 9 de novembro de 1889, a seis dias da queda do Império. Mas não há exagero não. Para atender os cerca de 4 mil convidados, o menu de 12 páginas indicava 11 pratos quentes (entre eles jacutinga et pigeons sauvages à la Guanabara) ,15 pratos frios (entre eles galantine à la Province de Minas), 12 tipos de sobremesa (entre elas charllote russe), 4 tipos de champanhe, 23 espécies de vinho e 6 de licores, num total de 304 caixas dessas bebidas e mais 10 mil litros de cerveja. No preparo foram usado: 18 pavões, 25 cabeças de porco, 64 faisões, 300 peças de presunto, 500 perus, 800 quilos de camarões, 800 latas de trufas, 1,2 mil latas de aspargos, 1,3 mil galinhas, 50 tipos de maionese, 2,9 mil pratos de doces variados; 12 mil taças de sorvete, 18 mil frutas e 20 mil sanduíches, servidos por 150 garçons.

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Avez do Candango

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Com o sucesso em Paulínia do documentário sobre o rock da cidade, dirigido por Vladimir Carvalho, crescem as expectativas em torno do Festival de Brasília. Entre os concorrentes estão Trabalhar cansa e Meu país, que disputaram em São Paulo Fonte: correioweb.com.br 16/07

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“Ainda temos uma luta muito grande pela frente”, admitiu Vladimir Carvalho, pouco depois da vitória de Rock Brasília — Era de ouro, eleito o melhor documentário no 4º Paulínia Festival de Cinema. O diretor paraibano, uma das personalidades mais atuantes da cultura brasiliense, não fazia referência a música ou filmes. A “luta”, no caso, envolve um acontecimento muito específico: o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que chega à 44ª edição com mudanças significativas nos critérios de seleção de filmes. “Esse prêmio é muito importante, exatamente no momento em que acontece uma reorganização do nosso cinema. Isso é maior do que a minha trajetória pessoal”, afirmou o cineasta, cujo filme recebeu prêmio de R$ 100 mil. Febre do rato, de Cláudio Assis, foi o longa de ficção preferido do júri de Paulínia.

A premiação paulista, que consagrou o retrato de bandas candangas dos anos 1980, foi acompanhada com especial atenção pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal. A comissão organizadora do Festival de Brasília esperou a divulgação dos vencedores, concluída na madrugada de sexta-feira, para fechar a lista dos filmes escolhidos para a mostra de 2011. Isso porque, apesar do fim da exigência de ineditismo para os longas em competição, uma condição se impõe sobre as escolhas da comissão organizadora: produções vitoriosas como melhor filme em outros festivais não podem entrar na disputa brasiliense. No entanto, segundo o coordenador do festival, Nilson Rodrigues, o resultado não influenciou as decisões da curadoria de Brasília. “Tivemos um conjunto grande de inscrições”, afirma. “Nosso norte foi privilegiar os bons filmes.”

Ao todo, 624 títulos foram inscritos — 110 longas-metragens (56 inéditos), 415 curtas e 99 fitas de animação. O prêmio para o longa vencedor, não à toa, é o mesmo de Paulínia: R$ 250 mil. A reunião da curadoria, marcada para ir até o meio-dia de ontem, foi prolongada até as 16h. Quando o suspense chegou ao fim, a secretaria divulgou uma relação de seis longas que reprisa dois concorrentes de Paulínia: Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra (exibido em mostra paralela do Festival de Cannes), e Meu país, de André Ristum, estão na disputa pelo Candango. Além deles, a seleção exibirá As hipermulheres¸ de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, Hoje, de Tata Amaral, O homem que não dormia, de Edgard Navarro, e Vou rifar meu coração, de Ana Rieper.

Os longas foram escolhidos por uma comissão formada pelos cineastas André Klotzel, Cibele Amaral e Monica Schmiedt, o diretor e produtor Flávio Ramos Tambellini, e o jornalista e professor de cinema Sérgio Moriconi. O predomínio é de produções de São Paulo (que compõem 50% da lista) — não há longas brasilienses na contenda. Entre os curtas, a cidade aparece com Imperfeito, de Gui Campos, e Um pouco de dois, de Danielle Araújo e Jackeline Salomão, além da animação Ciclo, de Lucas Marques Sampaio.

Polêmicas

Há dois meses, o anúncio das mudanças no Festival de Brasília provocou discórdia entre cineastas locais e a produção do evento. Associações brasilienses alegaram que não foram consultadas pelo governo. De acordo com Nilson Rodrigues, as alterações na estrutura foram necessárias para combater um período de “decadência” da mostra — ofuscada, entre outros motivos, pela premiação parruda de Paulínia. “Queremos uma programação de alto nível, que movimente a cidade”, comentou, na ocasião, o secretário de Cultura, Hamilton Pereira.

Entre as novidades na tela, filmes em digital passam a concorrer nas mostras de curtas e longas. Além disso, a mostra competitiva terá sessões em Ceilândia, Taguatinga e Sobradinho, que exibirão os filmes simultaneamente às estreias no Cine Brasília. Além de uma seleção específica para fitas de animação, também foram criadas as mostras Mosaico (com produções de diversos estados do país), Primeiros Filmes e Filme para Celular, cuja programação ainda será definida. A Mostra Brasília permanece em atividade. O orçamento destinado à mostra em 2011 é de R$ 4 milhões — R$ 1 milhão a mais que em 2010.

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Um lugar para Jango

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João Goulart, que há 50 anos chegava à Presidência, é resgatado do limbo da memória do país em biografia que faz análise distanciada de paixões políticas Fonte: folha.uol.com.br 16/07

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Fraco, medíocre, demagogo. Fujão, covarde, traidor.

Direita e esquerda carimbaram vários adjetivos na imagem de João Goulart, o presidente deposto pelo golpe militar de 1964.

Esquecido, quase sem lugar nos livros de história, Jango tem em torno de si silêncio. Jorge Ferreira, 54, professor de história do Brasil na Universidade Federal Fluminense, busca desinterditar a memória desse personagem com "João Goulart, uma Biografia".

Nesta entrevista, ele fala do livro e diz que populismo não é um conceito teórico, mas uma desqualificação política. "Populista é sempre o outro, aquele de quem você não gosta", afirma.

Folha - Por que o sr. resolveu fazer esse livro?

Jorge Ferreira - Estudei Getulio Vargas e o trabalhismo, daí a curiosidade sobre João Goulart. Foram dez anos de trabalho. Creio que chegou o momento de retirar Jango do limbo da memória do país.

Ele foi um personagem importante, mas as análises sobre ele não se distanciam das paixões políticas. Ora é definido como demagogo e incompetente, ora como vítima de um grande conluio de empresários brasileiros com o governo norte-americano. Quis conhecer o personagem para compreendê-lo, e não julgá-lo.

O que encontrou de novo?

O livro é um relato biográfico, enfocando sua vida política e privada. Evitei enfoques sensacionalistas. Talvez a maior novidade seja lembrar à sociedade brasileira que um dia Jango foi líder político de expressão. Como diz o historiador inglês Eric Hobsbawm, o papel do historiador é lembrar à sociedade o que aconteceu no passado. Foi o que eu fiz.

Quais foram as influências sobre Goulart?

Goulart, assim como Brizola, era jovem quando Vargas instituiu a ditadura. Ele entrou para a política no período democrático. Em 1945 e 1946, a democracia liberal tinha grande prestígio. As esquerdas e o trabalhismo associaram os ideais democráticos com o nacionalismo, o desenvolvimentismo, as leis sociais e o estatismo.

Nos anos 1950, o Estado interventor na economia e nas relações entre patrões e empregados era um sucesso na Europa. Os trabalhistas observavam a experiência inglesa com o programa de estatizações e também o sucesso da industrialização soviética, com o Estado interventor e planejador da economia. Também culpavam os Estados Unidos pela pobreza da América Latina.

Por que há pouco dados sobre o empresariado em relação a Goulart e aos militares?

O golpe de 1964 não foi dado por empresários que usaram os militares. O golpe foi dado por militares com apoio empresarial. A Fiesp, em inícios de 1963, apoiou Goulart na efetivação do Plano Trienal. Ele teve apoio de setores conservadores, desde que estabilizasse a economia, controlasse a inflação e se distanciasse das esquerdas, sobretudo dos comunistas e dos grupos que apoiavam Brizola na Frente de Mobilização Popular.

Os grandes empresários, os políticos conservadores e a imprensa se afastaram de Goulart e passaram a denunciar o "perigo comunista" no segundo semestre de 1963, quando a economia entrou em descontrole e Jango se aproximou das esquerdas.

Com o comício de 13 de março de 1964, os golpistas crescem e se unificam. A revolta dos marinheiros foi a fagulha que faltava, desencadeando gravíssima crise militar. A crise do governo Goulart tem uma história. É preciso reconstituí-la, com documentos e provas, superando repetidos jargões.

No livro o sr. discute a questão do populismo. Por que populismo continua sendo um termo pejorativo?

Sou crítico em relação ao conceito de populismo. Populistas podem ser considerados Vargas e Lacerda, Juscelino e Hugo Chávez, Goulart e Collor, FHC e Lula.

Personagens tão diferentes, com projetos díspares, com partidos políticos distintos são rotulados sob o mesmo conceito.

Qualquer personagem político pode ser chamado de populista, basta não gostar dele. Populista é sempre o outro, o adversário, aquele de quem você não gosta.

Não se trata de um conceito teórico, mas de uma desqualificação política. Eu prefiro nomear os personagens assim como eram chamados na época: Jango era trabalhista, Lacerda, udenista, e Prestes, comunista.

Qual é o maior legado de João Goulart?

O governo Goulart foi o auge do projeto trabalhista, que começou com as políticas públicas dos anos 1930, em época de autoritarismo. Mas que se democratizou, se modernizou e se esquerdizou a partir da segunda metade dos anos 1950.

Seus elementos fundamentais foram o nacionalismo, o estatismo, o desenvolvimentismo, a intervenção do Estado na economia e nas relações entre patrões e assalariados, a manutenção e a ampliação dos benefícios sociais aos trabalhadores, a reforma agrária e a liderança política partidária de grande expressão. Creio que muitas dessas tradições inventadas pelos trabalhistas ainda estão presentes entre as esquerdas brasileiras.

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Obra expõe conceitos políticos e ambiguidades da época Fonte: folha.uol.com.br 16/07

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JOÃO GOULART, UMA BIOGRAFIA

AUTOR Jorge Ferreira

EDITORA Civilização Brasileira

QUANTO R$ 69,90 (714 págs.)

AVALIAÇÃO ótimo

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Houve no Brasil uma geração que defendeu o nacionalismo e a necessidade de mudanças profundas nas estruturas sociais e econômicas.

João Goulart (1919-1976) foi um expoente dela. Achava que poderia fazer as reformas de base a partir de pactos numa coalizão multiclassista.

Não conseguiu. Com esse pano de fundo, Jorge Ferreira constrói com vivacidade a biografia de Jango, que há 50 anos chegava à Presidência no olho de um furacão político, militar e econômico. Trata das ambiguidades do personagem, enfatizando o contexto daqueles tempos polarizados.

Jango entrou na política conversando com Getulio Vargas. Eram vizinhos perto da fronteira oeste do extremo Sul do país, em São Borja. Getúlio estava no ostracismo.

Jango já era um rico estancieiro, exímio negociante de gado. Encampou o "queremismo" e o trabalhismo.

Advogado, levado ao centro do poder por Getulio, aos 34, virou ministro do Trabalho. Segundo Ferreira, sua atuação nesse cargo chocou a elite: incentivou a ação de sindicalistas, aproximou-se da esquerda e pressionou pela duplicação do valor do salário mínimo. A direita, que o enxergava apenas como um playboy, passou a classificá-lo como um agitador.

Getulio deixou com Jango uma cópia da carta-testamento. Com essa herança, ele "revigorou o trabalhismo", agregando um perfil mais ideológico, na avaliação do historiador. "Getulio foi um nacionalista; Jango, um progressista". Foi vice de Juscelino Kubitschek (com mais votos). Depois, vice do traumático Jânio Quadros.

Com a renúncia, tomou posse na turbulenta implantação do parlamentarismo no país. Foi amparado pela surpreendente campanha da Legalidade de Leonel Brizola, que cindiu as Forças Armadas de forma inédita.

Um dos méritos do livro é expor muitos outros traços de Goulart, que teve sua história sempre encapsulada nos meses cruciais que antecederam a ditadura. Para ele, Jango "não propunha rompimentos, mas patrocinava compromissos". No ápice da crise, não reagiu por temer uma guerra civil.

Trazendo visões divergentes, o autor derrama os detalhes das articulações e pressões daquele momento: as atuações dos militares, das esquerdas, dos sindicalistas, dos empresários e dos EUA.

Trata das radicalizações. Das esquerdas embriagadas com a perspectiva de poder. Das insurreições militares. Das tramas arquitetadas por civis. Da atuação do governo norte-americano na derrubada da democracia.

"O medo do comunismo unificou as elites", escreve Ferreira. E levanta questões.

A acumulação capitalista precisava ali de autoritarismo? A esquerda estava à altura do desafio histórico? O golpe era inevitável? Por que o alardeado "dispositivo militar" não funcionou? Quais foram as diferenças do golpe de 64 em relação às outras rebeliões anteriores?

Para além do debate de fundo, Ferreira relata histórias da vida pessoal de Jango: a família, seus casos amorosos, o sucesso nos negócios, a depressão no exílio, a amargura por não ter um passaporte brasileiro (ganhou um paraguaio). Há passagens curiosas.

Numa delas, a mulher, Maria Thereza, conta como ficou surpresa ao preparar, na sua cozinha no apartamento em Montevidéu, carne mal passada para Jango e seu arqui-inimigo Carlos Lacerda. O político, que incentivara o golpe e se viu abatido por ele, procurou Jango para traçarem uma estratégia conjunta. "Como o mundo dá voltas", era o seu pensamento. (ELEONORA DE LUCENA)

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Avez do Candango

Com o sucesso em Paulínia do documentário sobre o rock da cidade, dirigido por Vladimir Carvalho, crescem as expectativas em torno do Festival de Brasília. Entre os concorrentes estão Trabalhar cansa e Meu país, que disputaram em São Paulo Fonte: correioweb.com.br 15/07

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“Ainda temos uma luta muito grande pela frente”, admitiu Vladimir Carvalho, pouco depois da vitória de Rock Brasília — Era de ouro, eleito o melhor documentário no 4º Paulínia Festival de Cinema. O diretor paraibano, uma das personalidades mais atuantes da cultura brasiliense, não fazia referência a música ou filmes. A “luta”, no caso, envolve um acontecimento muito específico: o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que chega à 44ª edição com mudanças significativas nos critérios de seleção de filmes. “Esse prêmio é muito importante, exatamente no momento em que acontece uma reorganização do nosso cinema. Isso é maior do que a minha trajetória pessoal”, afirmou o cineasta, cujo filme recebeu prêmio de R$ 100 mil. Febre do rato, de Cláudio Assis, foi o longa de ficção preferido do júri de Paulínia.

A premiação paulista, que consagrou o retrato de bandas candangas dos anos 1980, foi acompanhada com especial atenção pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal. A comissão organizadora do Festival de Brasília esperou a divulgação dos vencedores, concluída na madrugada de sexta-feira, para fechar a lista dos filmes escolhidos para a mostra de 2011. Isso porque, apesar do fim da exigência de ineditismo para os longas em competição, uma condição se impõe sobre as escolhas da comissão organizadora: produções vitoriosas como melhor filme em outros festivais não podem entrar na disputa brasiliense. No entanto, segundo o coordenador do festival, Nilson Rodrigues, o resultado não influenciou as decisões da curadoria de Brasília. “Tivemos um conjunto grande de inscrições”, afirma. “Nosso norte foi privilegiar os bons filmes.”

Ao todo, 624 títulos foram inscritos — 110 longas-metragens (56 inéditos), 415 curtas e 99 fitas de animação. O prêmio para o longa vencedor, não à toa, é o mesmo de Paulínia: R$ 250 mil. A reunião da curadoria, marcada para ir até o meio-dia de ontem, foi prolongada até as 16h. Quando o suspense chegou ao fim, a secretaria divulgou uma relação de seis longas que reprisa dois concorrentes de Paulínia: Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra (exibido em mostra paralela do Festival de Cannes), e Meu país, de André Ristum, estão na disputa pelo Candango. Além deles, a seleção exibirá As hipermulheres¸ de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, Hoje, de Tata Amaral, O homem que não dormia, de Edgard Navarro, e Vou rifar meu coração, de Ana Rieper.

Os longas foram escolhidos por uma comissão formada pelos cineastas André Klotzel, Cibele Amaral e Monica Schmiedt, o diretor e produtor Flávio Ramos Tambellini, e o jornalista e professor de cinema Sérgio Moriconi. O predomínio é de produções de São Paulo (que compõem 50% da lista) — não há longas brasilienses na contenda. Entre os curtas, a cidade aparece com Imperfeito, de Gui Campos, e Um pouco de dois, de Danielle Araújo e Jackeline Salomão, além da animação Ciclo, de Lucas Marques Sampaio.

Polêmicas

Há dois meses, o anúncio das mudanças no Festival de Brasília provocou discórdia entre cineastas locais e a produção do evento. Associações brasilienses alegaram que não foram consultadas pelo governo. De acordo com Nilson Rodrigues, as alterações na estrutura foram necessárias para combater um período de “decadência” da mostra — ofuscada, entre outros motivos, pela premiação parruda de Paulínia. “Queremos uma programação de alto nível, que movimente a cidade”, comentou, na ocasião, o secretário de Cultura, Hamilton Pereira.

Entre as novidades na tela, filmes em digital passam a concorrer nas mostras de curtas e longas. Além disso, a mostra competitiva terá sessões em Ceilândia, Taguatinga e Sobradinho, que exibirão os filmes simultaneamente às estreias no Cine Brasília. Além de uma seleção específica para fitas de animação, também foram criadas as mostras Mosaico (com produções de diversos estados do país), Primeiros Filmes e Filme para Celular, cuja programação ainda será definida. A Mostra Brasília permanece em atividade. O orçamento destinado à mostra em 2011 é de R$ 4 milhões — R$ 1 milhão a mais que em 2010.

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