quinta-feira, 7 de julho de 2011

ELIANE CANTANHÊDE

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Repúblicas de bananas Fonte: folha.uol.com.br 05/07

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BRASÍLIA - Um estrangeiro poderoso é acusado de estupro por uma mulher negra, jovem e bonita da Guiné, camareira num hotel de muitas estrelas na cidade mais cosmopolita do mundo.

A reação na potência onde tudo se passa e nos seus satélites, mais ou menos diretos, é de euforia: um homem tão importante sucumbe diante da acusação de uma simples camareira. Já no país do réu impera a incredulidade.

O homem alega que foi sexo consentido, mas acaba exibido ao mundo como troféu da democracia e da justiça: preso, obrigado a pagar fiança de US$ 6 milhões, humilhado com uma tornozeleira eletrônica e posto em prisão domiciliar. Mais euforia na potência, mais esperneio no país do réu.

E eis que, num estonteante cavalo de pau, o réu passa a vítima, e a vítima, a ré. Na nova direção desse bólido policial-jurídico-político, a camareira é uma mentirosa que recebe sacos de dólares de bandidos.

E agora? O percurso está sendo refeito: Dominique Strauss-Kahn tira a tornozeleira, sai da prisão domiciliar, recebe os milhões da fiança de volta e evolui de vítima a ídolo na França, onde era -volta a ser?- pré-candidato à Presidência.

Nunca vai se saber exatamente o que ocorreu dentro daquele quarto de hotel, mas já se sabe o quão frágil é o limite entre justiça e injustiça mesmo em duas das democracias mais consolidadas do mundo.

As reações oscilam com os interesses de pessoas, corporações e países, e o dinheiro corre solto em nome da "justiça" (a camareira reclama US$ 5 milhões de indenização...), enquanto os votos dos eleitores, tal as decisões políticas de cúpula, ficam ao sabor do vento.

Culpado ou não, Strauss-Kahn perdeu irrecuperavelmente a direção do FMI para Christine Lagarde, que assume o cargo hoje. Só não perdeu a resoluta solidariedade da própria mulher, a milionária Anne. Talvez seja ela o grande personagem desse rali na lama.

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MUSEU, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO

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Almandrade (artista plástico, poeta e arquiteto) 07.07

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Originário do ato de colecionar e preservar, os museus chegaram ao século

XXI como instituições indispensáveis à vida e à memória das comunidades,

pelo menos em teoria. Inseridos na vida das cidades e amparados por

políticas públicas de cultura, muito bem argumentadas no papel, mas sem

atrativos para atrair o grande público que prefere o espetáculo dos

shoppings ou o paraíso dos templos evangélicos, que oferecem muito mais em troca de um pequeno dízimo: a memória do futuro, a esperança de vida eterna.

Precisamos do bom humor para falar de museu, como no personagem do romance

“O Nome da Rosa”. Hoje em dia, no Brasil, em particular na Bahia, falar de

museu, e nunca se falou tanto, corre-se o risco de cair no discurso da

reserva de mercado. Museus para que e para quem? Fala-se em democratização e

facilidade de acesso, mas campanhas publicitárias são dirigidas para a

divulgação de atividades reservadas aos profissionais da área em detrimento

de programas educativos para formação de público. Como patrimônio público,

qualquer cidadão tem direito de entrar no museu e ver o que tem dentro dele.

Mas é preciso despertar o desejo de ver, de conhecer, de mergulhar na

memória nele depositada.

Precisa-se que alguma coisa seja previamente dada para provocar o olhar, o

pensar e produzir conhecimento. Poucos são seduzidos pelo desconhecido, nem

se produz conhecimento sem olhar o passado. “Não se inventa idéias sem

retificar o passado”, (Bacherlard). Museu e Memória, um tema para se pensar

a reafirmação e a transformação da cultura e da arte. É um direito da

comunidade, conhecer e refletir sobre o passado, o presente e o futuro, e

decidir sobre a memória que deseja preservar.

Perdemos as referências do absoluto, e estamos às voltas com a pluralidade.

A memória como a realidade é construída em função de interesses, paixões e

desejos, e o que resulta, não é absoluto ou universal. Cada um vê o que está

no museu como lhe convém, da mesma forma que coisas, objetos e linguagens

chegaram ao museu por interesses e critérios que não são absolutos nem

indiscutíveis. Mas nem por isso deixam de ser um patrimônio à espera do

olhar clínico e crítico.

Os museus se modernizaram conceitualmente, ressaltando sua importância para

a sociedade e o direito à memória. Os de arte, a partir da década de 1960,

foram ideologicamente questionados pelas vanguardas artísticas, como o

Minimalismo, a Arte Conceitual e a arte contemporânea, mas sua estrutura não

foi abalada, ao contrário; foi reforçada. A autenticidade das experiências

artísticas depende da legitimação do museu.

Falar de museu de arte no Brasil é difícil não lembrar Mário Pedrosa. Vejam

a atualidade de seu pensamento, no texto “Arte Experimental e Museus”,

publicado em 1960: “Diferente do antigo museu, do museu tradicional que

guarda, em suas salas as obras primas do passado, o de hoje é, sobretudo,

uma casa de experiências. É um paralaboratório. É dentro dele que se pode

compreender o que se chama de arte experimental, de invenção.” Esse lugar de

experiências é também ocupado por um acervo, é um lugar privilegiado do

pensamento, da crítica e do lazer criativo para uma apropriação consciente

do patrimônio.

Um museu não é uma instituição de eventos culturais, o que nele é exposto

não deve ser uma experiência isolada de uma política pública de cultura, sem

a responsabilidade de um conselho curador, formado por especialistas da

área. O gestor deve ser uma espécie de maestro que rege uma orquestra de

intelectuais, críticos e técnicos especializados, para desenvolver

enunciados para ser praticados e estabelecer relações mais estreitas com a

comunidade.

Dentro de uma cidade existem várias cidades, habitam várias culturas e

várias linguagens artísticas, algumas até contraditórias. O museu, em

particular o de arte, no seu acervo e na sua programação, deve refletir essa

pluralidade, porque ele não é o lugar da exclusão, e sim; do confronto, do

diálogo com diferentes manifestações, compatível com a sua função e sua

especificidade. Ele guarda uma história, e sem o conhecimento da história, a

experiência vira entretenimento.

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A dor e a delícia de ter um teatro

Sem apoio governamental, os palcos particulares sobrevivem à custa do esforço dos artistas. As dificuldades não abalam o sonho de mantê-los abertos Fonte: correioweb.com.br 07/07

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Numa breve troca de figurinhas, antes de tomarem seus assentos, Guilherme Reis, dono do Espaço Cena, e Cláudio Chinaski, proprietário do Mosaico, dizem, com humor negro estampado em gestos e risos: “Se jogassem uma bomba aqui, o teatro de Brasília acabaria.” Em volta dos dois, outros três gestores de tablados particulares da cidade preparam-se para um bate-papo com a equipe do Correio. Sob uma luz de serviço, agruparam-se ainda André Amaro, do Caleidoscópio, e Maria Carmen e Marbo Giannaccini, do Goldoni. Os cinco artistas e empreendedores não têm dúvida: por mais que não sobre dinheiro em caixa no fim do mês ou que falte incentivo do governo, gerenciar um lugar próprio — onde é possível ensaiar e tocar as próprias atividades artísticas, sem ter que prestar reverência a interesses alheios — é a realização plena de um sonho.

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Um sonho que custou a fincar os pés na realidade, é verdade, mas que é tanto rebento de trabalho árduo quanto contribuição para a comunidade. “Os nossos teatros pequenos não sobrevivem com itinerância. Foram feitos para os grupos locais se exercitarem. Se o cara sai da faculdade e se apresenta na Martins Pena, enche e não vai ter mais público. Ele precisa fazer mais dias, tem que fazer temporada”, lembra Maria Carmen, que, desde dezembro de 1998, divide a administração do Goldoni (208/209 Sul) com o marido, Marbo.

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Os quatro palcos têm em comum: preferência por temporadas longas, acomodação de plateias pequenas (variando entre 40 e 100 pessoas, a depender do tipo de espetáculo) e estrutura para receber peças de baixo custo. E, sobre o último item, os cinco, em coro, avisam: não confundir com baixa qualidade. “Todos nós aqui talvez tenhamos a responsabilidade de ter espaços para desenvolver atividades teatrais. É sempre muito difícil para os artistas manter temporadas maiores, lugares para ensaio, fazer suas próprias atividades. O que nos motivou não foi ganhar dinheiro. Não somos empresários. Fazemos isso por sobrevivência. E tem um caráter lúdico na história: a gente quer ter o nosso laboratório de trabalho”, explica Guilherme Reis, que, além do espaço próprio (na 205 Norte) desde 2005, mantém o Festival Cena Contemporânea.

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Bem particular

Marbo identifica falhas no Fundo de Apoio à Cultura (FAC), que, genericamente, pode fornecer recurso para a manutenção de espaços culturais. “Não definem onde você pode aplicar o dinheiro. No serviço público, você tem investimento e custeio. Investimento é compra de material permanente ou construção, reforma. O custeio é pagamento de pessoal e serviços. Você faz um projeto agora, diz que vai pagar, por exemplo o contador, e o julgador do projeto acha que não, que não precisa”, analisa.

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André Amaro prefere ver o governo somente como parceiro e não como mantenedor. “Me incomoda cair nessa retórica de vítimas de um sistema opressor. Há muito tempo fico pensando como consigo me manter sem necessariamente depender do poder público. Meu produto é um bem público. Se não está sendo tratado assim por aqueles que estão no comando, vou começar a pensar no meu bem como bem particular”, reflete o dono do Caleidoscópio (102 do Sudoeste), aberto em 2002. “Os artistas do teatro não precisam pedir esmolas — com chapéu e pires na mão”, emenda Reis. Mas um mínimo de reconhecimento seria bem-vindo.

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Para Chinaski, com o Mosaico (714/715 Norte) em funcionamento há quatro anos, as ajudas governamentais — sobretudo o FAC — são insuficientes. “E (o FAC) é descontinuado. Você não pode contar todo ano com os prazos. O motivo pelo qual a gente não tem entrado é esse. A gente entra e o dinheiro não sai. E não dá para usar retroativamente. A gente começou a ter problema com os artistas, ser obrigado a cancelar pautas. Resolvemos buscar outras maneiras de captação de recursos, com projetos paralelos e outros patrocínios”, conta. Ele estima que cerca de 70% dos espetáculos deste ano devem ocorrer nos espaços particulares.

ONDE FICA:

Teatro Caleidoscópio

(Sudoeste, CLSW 102, Bl. C, Galeria; 3344-0444)

Espaço Cena

(205 Norte, Bl. C, Lj. 25; 3349-3937 e 3349-6028)

Teatro Goldoni

(208/209 Sul, Bl. A, entrada pelo Eixo L; 3244-3333 e 3443-0606)

Espaço Mosaico

(714/715 Norte, Bl. D, Lj. 16; 3032-1330)

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9ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY

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Michèle Petit diz que livro preenche o vazio em crises

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Curiosa com Paraty, antropóloga fala hoje na Flip sobre sua pesquisa com projetos de incentivo à leitura

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Francesa se surpreende com entusiasmo dos mediadores de leitura latino-americanos e com seu impacto social Fonte: folha.uol.com.br 07/07

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Primo Levi recitava Dante a seu amigo Pikolo, em Auschwitz. Marc Soriano contou que "Pinóquio" o ajudou a sobreviver a uma grave anorexia causada pela morte do pai e Montesquieu viu na leitura um remédio para os desgostos da vida.

Elencando exemplos históricos, mas sobretudo recolhendo histórias de pessoas comuns, a antropóloga francesa Michèle Petit ergueu sua conclusão: num cenário de adversidade, os livros podem "preencher o vazio" e ajudar o sujeito nas relações consigo mesmo e com o mundo.

Ela fala hoje na Flip na mesa "A Escrita e o Território" (leia programação ao lado). É sua terceira visita ao Brasil.

"Comecei como orientalista, me aproximei da geografia, mas faz 20 anos que venho trabalhando em torno dos livros e da leitura", disse em entrevista à Folha.

"Dizem que o objeto de pesquisa é uma autobiografia disfarçada do pesquisador. De fato, a leitura sempre exerceu um papel central na minha vida."

A pesquisadora conta que acompanhou projetos de incentivo à leitura em bibliotecas na periferia de Paris, material que lhe serviu para compor "Os Jovens e a Leitura" (editora 34), de 1998.

Nos últimos anos começou a seguir o mesmo tipo de iniciativa na América Latina, em especial na Argentina e na Colômbia. Descobriu que estas eram frequentes e podiam exercer impacto sobre a realidade social.

"É interessante. Encontrei nos mediadores de leitura latino-americanos um entusiasmo que me parece mais raro de se ver nos círculos literários franceses", avalia.

"Estou curiosa para ir a Paraty, pois me contaram que existe um projeto feito nas escolas, em parceria com a organização do evento, mas ao longo do ano todo. Além de falar da minha experiência, quero ouvir e aprender sobre o que está sendo feito ali."

Influenciada pela psicanálise, insiste na necessidade de um espaço "livre" para a experiência da leitura, longe do ambiente de sala de aula, "em espaços que não estejam preocupados em quantificar o desempenho".

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PASQUALE CIPRO NETO

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Um verbo enjoadinho

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Formas como "requisesse" ou "requiseram" não encontram abrigo no padrão formal da língua Fonte: folha.uol.com.br 07/07

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O QUE NÃO FALTA na caixa postal da coluna é pergunta sobre a conjugação de verbos complicados. A lista é grandinha e inclui "preciosidades" como "adequar", "precaver", "reaver", "requerer", "falir", "prover", "prever", "provir", "intervir", "satisfazer", "ver", "entreter" etc.

Embora muitos desses verbos sejam conjugados no dia a dia e em muitos escritos como se fossem regulares, nas modalidades formais da língua suas singularidades ou irregularidades continuam prevalecendo. Em outras palavras, isso significa que, ainda que frequentemente se ouçam e se leiam construções como "Se o ministro intervir" ou "Se ninguém se opor", gramáticas, dicionários, manuais e guias de uso continuam indicando como cultas as construções "Se o ministro intervier" e "Se ninguém se opuser".

Posto isso, vejamos a conjugação de alguns dos verbos citados, começando por "requerer". A conjugação desse verbo é particularmente delicada, a começar pela sua perigosa semelhança com o verbo "querer". Já na largada, ou seja, na primeira do singular do presente do indicativo, "querer" e "requerer" se separam: de "querer", temos "eu quero"; de "requerer", faz-se "eu requeiro".

Como acontece com 99,99% dos nossos verbos, o presente do subjuntivo do verbo "requerer" se apoia na primeira pessoa do singular do presente do indicativo. Moral da história: de "requeiro", faz-se "que eu requeira, que tu requeiras, que ele requeira, que nós requeiramos, que vós requeirais, que eles requeiram". Mas a coisa se complica mesmo no pretérito perfeito do indicativo e nos tempos que dele derivam, em que "querer" e "requerer" se separam de vez. Nesse tempo, "querer" é irregular ("eu quis, tu quiseste, ele quis, nós quisemos, vós quisestes, eles quiseram"), enquanto "requerer" é regular (nesse tempo, convém deixar claro): "eu requeri, tu requereste, ele requereu, nós requeremos, vós requerestes, eles requereram".

Como se sabe, são três os tempos derivados do pretérito perfeito do indicativo, mais especificamente do radical da segunda pessoa do singular desse tempo, que, no caso de "requerer", é "requere-" (esse radical resulta da eliminação da terminação "-ste", o que vale para 101% dos verbos da língua portuguesa).

O primeiro dos tempos derivados do pretérito perfeito do indicativo é o pretérito mais-que-perfeito do indicativo. Ao radical ("requere-") somam-se as terminações "-ra, -ras, -ra, -ramos, -reis, -ram": "eu requerera, tu requereras, ele requerera, nós requerêramos, vós requerêreis, eles requereram". O segundo desses tempos é o pretérito imperfeito do subjuntivo. Ao mesmo radical ("requere-", lembra?), somam-se as terminações "-sse, -sses, -sse, -ssemos, -sseis, -ssem": "se eu requeresse, se tu requeresses, se ele requeresse, se nós requerêssemos, se vós requerêsseis, se eles requeressem".

O terceiro tempo derivado do pretérito perfeito do indicativo é o futuro do subjuntivo. Ao mesmíssimo radical ("requere-") somam-se as terminações "-r, -res, -r, -rmos, -rdes, -rem": "se (ou "quando') eu requerer, se tu requereres, se ele requerer, se nós requerermos, se vós requererdes, se eles requererem".

Como se vê, diferentemente do verbo "querer" (que é irregular no pretérito perfeito do indicativo e, por conseguinte, nos três tempos que dele derivam -"eu quis", "eu quisera", "se eu quisesse", "quando/se eu quiser"), o verbo "requerer" é regular nesses quatro tempos. Moral da história: formas como "requisesse" ("Se ele requisesse os documentos hoje...") ou "requiseram" ("Eles requiseram o adiamento..."), embora comuns em alguns registros linguísticos, não encontram abrigo no padrão formal da língua. É isso.

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