segunda-feira, 6 de junho de 2011

Entrevista: Leonardo Boff

'A Igreja é um pedaço do mundo medieval' Fonte: opopular.com.br 03/06

Sua fala é mansa e doce, mas suas ideias são contundentes. Aos 82 anos e prestes a publicar mais um livro - O Cuidado Necessário, que sai ainda este ano pela Editora Vozes -, o teólogo Leonardo Boff ministra hoje em Goiânia a palestra Saber Cuidar, no cine Lumière do Shopping Bougainville, às 10h, em evento promovido pela Unipaz Goiânia. Mesmo se recuperando de uma cirurgia, Boff fez questão de vir. Para o homem que foi condenado a ficar em silêncio pelo Vaticano em razão de sua defesa da doutrina da Teologia da Libertação, no início dos anos 1980, falar é primordial. Ele conversou com O POPULAR assim que chegou a Goiânia e não se absteve de emitir opiniões fortes sobre temas que conhece bem, como ecologia, Igreja Católica e dogmas. Nesta entrevista, Leonardo Boff, que deixou a vida eclesiástica em 1992, quando foi ameaçado de receber outra punição do Vaticano por suas pregações, diz que o debate em torno do Código Florestal só teve viés econômico, aponta para o risco de a Amazônia ser internacionalizada e acusa a Igreja Católica de ter ficado mais retrógrada e de não ter "acertado o passo com a modernidade". Ele revela que sente tristeza ao ver o papa Bento XVI - o mesmo cardeal Joseph Ratzinger que conduziu seu julgamento quando Boff se sentou na cadeira que fora ocupada por Galileu Galilei 400 anos antes -, critica os padres cantores e midiáticos e afirma que é preciso respeitar o amor entre pessoas do mesmo sexo e reconhecer os direitos dos homossexuais.

Saber Cuidar é o nome de um de seus livros. Estamos sabendo cuidar do mundo, do próximo?

Uma das deficiências maiores em nossa cultura e no mundo inteiro é o cuidado. O aquecimento global é fruto da falta de consciência dos seres humanos. Para mim, o cuidado é tão essencial que, se daqui em diante, não cuidarmos do clima, do solo, do ar, teremos uma catástrofe humanitária e ambiental. Há uma tradição filosófica, retomada pelo maior pensador do século 20, Martin Heidegger, de que a maior característica do ser humano é o cuidado. O ser humano precisa ser cuidado e sentimos em nós a necessidade de cuidar. Assim é o planeta inteiro. Se não o cuidarmos, ele não fornece os bens que precisamos para a vida. O planeta não cuidado pode entrar num processo de enfermidade e diminuir a bioesfera para poder sobreviver, equilibrar os seus climas, com a consequência de que milhares vão desaparecer, não excluída a própria espécie humana.

A votação do novo Código Florestal no Congresso virou objeto de disputa política. Como o senhor avalia esse episódio?

O enfoque é totalmente equivocado. O enfoque está sendo econômico quando deveria ser ecológico, o da floresta em pé. Seria um benefício para todo o sistema Terra. Mantendo a floresta em pé, pelas mil formas de extrativismo e o racional aproveitamento da madeira, o que poderíamos produzir, que seria muito mais que todo o gado e toda a soja. A Amazônia equilibra todos os climas da Terra e lá está a maior biodiversidade e a maior reserva de água. Nosso Parlamento agiu de forma totalmente irresponsável nessa questão. Em momento algum houve essa dimensão ecológica, mas apenas a dimensão econômica. Quanto poderiam ganhar e quanto poderiam perder. E viram a Terra apenas como um baú de recursos que nós podemos usar. Hoje, toda a ciência diz que a Terra é um organismo vivo que se autorregula e nós somos filhos desse organismo. Esse discurso, nem os mais progressistas suscitaram no Parlamento.

Estamos assistindo a uma nova onda de eliminação de líderes camponeses na Amazônia. Isso ocorre desde os anos 1960, passou por Chico Mendes e permanece hoje. Por que esse quadro não muda?

A tragédia não acaba porque, por trás, há grandes corporações nacionais e internacionais interessadas no agronegócio de exportação. O gado dá dólar, vida humana não dá dólar. Por isso, todas as pessoas que a Comissão Pastoral da Terra indica que estão ameaçadas de morte, já que elas denunciam quem desmata, são eliminadas porque prejudicam o negócio. O Estado brasileiro fica impotente, dadas as dimensões da Amazônia. Ele não consegue nem controlar o desmatamento. Já foram desmatados 700 mil km². Isso corresponde a São Paulo e Minas Gerais juntos, equivale a metade da Europa. Quase metade dos deputados e senadores está ligada ao agronegócio, à soja, ao gado e não tem nenhum interesse em preservar essa herança que recebemos. Não temos os meios de fiscalizar essa extensão imensa de florestas para enfrentar esses verdadeiros assassinos da vida. Há o risco de que, com o aumento da consciência mundial e da importância das florestas, a Amazônia seja declarada de interesse vital mundial e o Brasil não tenha mais a soberania completa sobre ela. Isso está muito presente em grupos internacionais de que participo, com ativistas e políticos, que dizem que a região amazônica é vital para o planeta e que os sete países que nela estão não têm políticas de cuidá-la, sem tecnologia e fundos suficientes para isso. Eles querem, então, gerenciá-la para o bem da humanidade. Perderemos, assim, mais da metade de nosso País.

Quando houve o assassinato da missionária Dorothy Stang, militante das Comunidades Eclesiais de Base, houve o debate se, por uma postura mais conservadora da Igreja, trabalhos como o dela não teriam ficado mais desprotegidos. O senhor concorda com essa avaliação?

Quem acompanha as comunidades de base se dá conta que elas têm uma grande vitalidade e presença nas bases da sociedade. Ocorre que elas não têm mais a visibilidade que tinham antes. Na época da ditadura, nenhum grupo poderia se reunir, só as comunidades de base, que se reuniam sob a proteção da Igreja. Elas continuam lá e muitas delas estão no interior da Amazônia, aqui no Cerrado e são muito fortes no Norte e Nordeste, onde a Igreja é institucionalmente mais fraca. Agora, elas assumiram uma consciência ecológica que não tinham antes. Eu fui um dos que insistiram para que as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) passassem a ser Comunidades Ecológicas de Base. Elas se colocam como guardiãs da floresta e denunciadoras de quem desmata, de quem queima. Não é que a Igreja não proteja; ela também é ameaçada, bispos, padres. A situação é tão grave que o próprio Estado brasileiro se sente impotente e, quando atua, atua esporadicamente e, pouco tempo depois, tudo volta ao que era antes. Isso é uma tragédia.

O seu livro mais conhecido e polêmico é A Reinvenção da Igreja . O senhor acha que a Igreja vai se reinventar um dia?

Eu acho que devemos distinguir a Igreja hierárquica, do papa, dos bispos e dos padres, da Igreja comunidade, onde há grandes intelectuais. A Igreja institucional e hierárquica ainda não acertou as contas com a modernidade. É um pedaço do mundo medieval que subsiste em meio ao mundo moderno, que mantém ideias fundamentalmente contra a vida, porque ela proíbe a utilização dos contraceptivos, da camisinha, o que na África é uma tragédia. Eu creio que duas coisas são importantes. Primeiro, os bispos e a CNBB precisam aprender a viver numa democracia, que significa não ter o monopólio da palavra e da moralidade. A Igreja é uma força entre outras na sociedade e precisa respeitar outras opiniões. Que ela tenha a sua opinião e a diga, é seu direito, mas ela não pode coagir e manipular os fiéis e sua consciência em favor de seus interesses. Segundo, a Igreja tem de escutar a realidade e não repetir dogmas. Ela tem de escutar o povo. A Igreja institucional é monossexual, só é feita de homens. Os bispos e padres não têm mulheres e filhos. É uma visão reduzida que os tornam insensíveis e, às vezes, cruéis em face dos dramas humanos da sexualidade, dos homossexuais e todas essas expressões que devemos reconhecer como fato, respeitá-las e criar um quadro de legalidade para que vivam em sociedade sem serem discriminados e perseguidos. Essa missão civilizatória deveria ser a da Igreja, mas ela reforça o outro lado, como o preconceito e a perseguição, que é contra a mentalidade de Jesus, que era aberto a todos e que disse uma frase extraordinária: "Se alguém vem a mim, eu não mandarei embora." Poderia ser um herege, uma prostituta, um homoafetivo. E digo mais: se entre os homossexuais há amor, há algo misterioso e que tem a ver com Deus, porque Deus é amor. Esse discurso civilizatório deveria ser o da Igreja, para aproximar as pessoas e não afastá-las e torná-las agressivas quanto ao próximo.

O senhor acredita que estejamos vivendo um contra-ataque conservador diante de direitos que começam a ser reconhecidos?

No mundo inteiro há um retrocesso das igrejas, não só da Igreja Católica. Elas voltam à grande tradição doutrinária do mundo, rompem o diálogo com a modernidade, rompem o diálogo com outras igrejas, que era pacificador. À força desse afastamento do mundo, a Igreja está perdendo os pobres, os intelectuais e se transformando em um bastião de machismo, de reacionarismo, de medievalismo. É lamentável. Está havendo uma emigração das melhores inteligências leigas da Igreja e um esvaziamento enorme dos cristãos. As pessoas se sentem cristãs, seguidoras do Evangelho, mas já não sentem a Igreja como um lar. Esses cristãos são substituídos por movimentos carismáticos, conservadores, como a Canção Nova, que fazem da missa um show, esses padres cantores que se promovem mais a si mesmos com o aparato da vestimenta e cantos que nunca falam daquilo que era realmente importante para Jesus, que é o pobre, a justiça, a convivência, a fraternidade. Isso é cantar as rosas e esquecer o jardineiro que está sendo explorado, é falar de Deus, o Pai-Nosso, e dançar diante Dele, mas esquecer do Pão-Nosso, que falta na boca de milhões. Nesse retrocesso, a Igreja deixa de cumprir uma missão mais humanitária, ajudando o ser humano a ter mais alegria, mais sentido de viver, defendendo o fraco e o discriminado, aquele que é invisível.

Quando vê o papa Bento XVI, o que o senhor sente?

Eu sinto profunda tristeza porque ele era meu amigo, me apoiou na minha teologia, publicou minha tese doutoral e tínhamos grande diálogo como teólogos. Eu vejo que ele foi retrocedendo cada vez mais até ser um dos papas mais conservadores que tivemos na Igreja nos últimos séculos. Ele ressuscitou aquela velha ideia medieval de que fora da Igreja não há salvação e que as religiões do mundo são braços estendidos ao céu, mas sem a certeza de que Deus os atenda; de que as demais igrejas não são igrejas, tendo só elementos eclesiais. Essas são formas de diminuir, difamar, caluniar os outros e eu lamento profundamente a atitude regressiva dele, que deixou de ser um teólogo pensador para ser um burocrata de um grande aparato, que é a Cúria Romana, o Vaticano.

E a lembrança do julgamento que o hoje papa conduziu, quando o senhor se sentou na mesma cadeira em que Galileu Galilei ficou para ser julgado?

Aquela foi uma brutalidade que eu deixei morrer no século passado, porque se ela fosse contada nos dias de hoje, seria inacreditável. Só faltou a fogueira. Os métodos foram os mesmos da Inquisição. A mesma instância acusa você, a mesma instância julga você, a mesma instância o pune. Eu dizia ao então cardeal Ratzinger que até os países ateus, como a Rússia, tinham a divisão das instâncias para preservar a Justiça. Uma instância acusa, outra defende, outra pune e o acusado deve ter um advogado. Eu não tive advogado e fui punido nessa velha e medieval forma de tratar as questões conflituosas dentro da Igreja, o que revela que ela não deu o passo para a modernidade e não entrou na era dos direitos humanos. Ela ainda está na era dos privilégios.

A punição que o senhor recebeu foi o silêncio obsequioso. O que significa ter a voz cassada?

Um teólogo, um escritor só tem a palavra como instrumento, a falada ou a escrita. Quando lhe cassam esse instrumento, ele fica totalmente desarmado. Quando dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo e que foi meu professor, disse ao papa João Paulo II que ele havia feito comigo o que os militares faziam no Brasil, cortando a palavra, o papa, espantado, disse: "Eu, como os militares? Absolutamente. Libertem agora mesmo o frei Boff para que continue falando, ainda que tenhamos de vigiá-lo pela doutrina. Eu não sou um ditador como os militares latino-americanos." O silêncio obsequioso, que era por tempo indefinido, demorou 11 meses. Eu me recordo bem que na missa da meia-noite de Páscoa, de 1985, o secretário do papa telefonou pessoalmente ao cardeal Arns para que ele me dissesse que eu poderia falar, fazer homilias, que estava livre. Por um lado, João Paulo II era vigilante e conservador, mas era uma pessoa humanitária, que entendia o sofrimento do outro, invalidando uma medida que escandalizou o mundo inteiro.

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LUIZ FELIPE PONDÉ

Jantares inteligentes

Escolas "inteligentes", de esquerda, discutem o modelo econômico de Cuba a R$ 2 mil por mês Fonte: folha.uol.com.br 06/06

VOCÊ JÁ foi a um jantar inteligente? Jantares inteligentes são frequentados por psicanalistas, artistas plásticos, músicos, atores, jornalistas, publicitários (com a condição de falar mal da publicidade), médicos (esses porque, como é sempre chique ser médico, não se dispensa médicos nunca), produtores, "videomakers", antropólogos, sociólogos, historiadores, filósofos.

Administrador de empresa não pega bem (a menos que tenha um negócio sustentável). Engenheiros, coitados, só vão se forem casados com psicanalistas que traduzem pra eles esse mundo de gente inteligente. Advogados podem ir porque é sempre necessário um cínico inteligente em qualquer lugar. Pedagogas, só se casadas com esses advogados e por isso talvez consigam bancar amizades chiques assim.

Ricos são sempre bem-vindos apesar de gente inteligente fingir que não gosta de dinheiro. Pobre só se for na cozinha, mas são super bem tratados. Claro, tem que ter um amigo gay feliz.

Essa gente é descoladíssima. Seus filhos estudam em escolas de esquerda, claro, do tipo que discute o modelo cubano de economia a R$ 2 mil por mês.

Quando viajam ficam em lugares que reúne natureza "pura", tradição (apenas como "tempero do ambiente") e pouca gente (apesar de jurarem ser a favor da democracia para todos, só gostam de passar férias onde o "povo" não vai).

Detalhe: é essencial achar todo mundo "ridículo" porque isso faz você se sentir mais inteligente, claro.

Quanto à religião, católica nem pensar. Evangélicos, um horror. Espírita? Coisa de classe média baixa. Budista, cai muito bem. Judaica? Uma mãe judia deixa qualquer um chique de matar de inveja. Judaísmo não é religião, é grife.

Mas o que me encanta mesmo são as "atitudes" que se deve ter para se frequentar jantares inteligentes assim. Claro, não se aceita qualquer um num jantar no qual papo cabeça é o antepasto.

Quer saber a lista de preconceitos que pessoas inteligentes têm? Qualquer um desses "gestos" abaixo você pode ter, que pega bem com comida vietnamita ou peruana.

1) A Igreja Católica é um horror e o papa Bento 16 é atrasadíssimo. Claro que não vale ter lido de fato nada do que ele escreveu;

2) Matar Osama bin Laden sem julgamento foi um ato de violência porque terroristas são pessoas boazinhas que querem negociar a paz em meio a criancinhas;

3) Ter ciúmes é coisa de gente mal resolvida;

4) Se algum dia um gay lhe cantar e você se sentir mal com isso, você precisa rever seus conceitos porque gente inteligente nunca tem mal-estar com coisas assim;

5) Se seu filho for mal na escola, minta. Se alguém descobrir, ponha a culpa na professora, que é mal preparada pra lidar com crianças como seus filhos, que se preocupam com as baleias já aos 11 anos e discutem a África no Twitter;

6) Caso leve seus filhos à Disney, não conte a ninguém, pelo amor de Deus!;

7) Acima de tudo, abomine os Estados Unidos, ache Obama ótimo e vá à Nova York porque Nova York "não são os Estados Unidos";

8) Não seja muito simpático com ninguém porque gente simpática é gente carente e gente assim procura "eye contact" em festas. Um conselho: olhe sempre para um ponto no horizonte. Assim, se alguém falar com você, ela é que é carente;

9) Ache uma situação para dizer que você conhece uma cidadezinha no sul da Itália e lá ficou hospedado na casa de uma amiga brasileira casada com um italiano que defende o direito dos imigrantes africanos e odeia Silvio Berlusconi;

10) O ideal seria se você tivesse passaporte italiano também;

11) Se alguém falar pra você que não dá para pagar direitos sociais e médicos para imigrantes ilegais na Europa, considere essa pessoa um "reacionário de direita", mesmo que você não aceite sustentar alguém que não seja você mesmo e sua família (no caso da família nem sempre, claro);

12) No conflito israelo-palestino, não tenha dúvida, seja contra Israel, mesmo que morra de medo de ir lá e não tenha lido uma linha sequer sobre a história do conflito;

13) Se você se sentir mal com a legalização do aborto, minta;

14) Deixe transparecer que só os outros transam pouco;

15) Seja ateu, mas blasé.

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Cinema descobre classe C e cresce 51% em 3 anos

PRESIDENTE DO CINEMARK DIZ QUE SALAS NO BRASIL DEPENDEM EXCLUSIVAMENTE DA EXPANSÃO DOS SHOPPINGS CENTERS Fonte: folha.uol.com.br 06/06

Depois de anos de estagnação, o público do cinema nacional cresceu 51,4% entre 2008 e 2010, quando foram vendidos 134,9 milhões de ingressos. Ascensão da classe C, tecnologia 3D, além de uma boa safra de sucessos de bilheteria têm contribuído para que o cinema seja incorporado ao lazer do brasileiro.

Mas, na opinião de Marcelo Bertini, presidente da Rede Cinemark Brasil, exigências legais como meia-entrada e cota de tela (reserva de mercado para o cinema nacional), além dos custos para se investir em cinema de rua limitam o crescimento potencial da indústria.

Folha - O cinema vive um bom momento no Brasil?

Marcelo Bertini - Essa é uma indústria que não controla o que exibe. E o ano passado foi muito consistente em termos de produto. Tivemos Avatar, bons produtos no verão americano, e o maior sucesso da história recente do cinema nacional, que foi Tropa de Elite 2.

A classe C está indo ao cinema?

Entre os anos de 2006 e 2008, enquanto a economia cresceu movida pelo crédito para a classe C, nós ficamos estagnados, com 89 milhões de ingressos vendidos. A gente não crescia pois a renda da classe C estava comprometida com o primeiro celular, primeiro carro, primeira geladeira.

Mas agora acredito que a classe emergente está aprendendo a equilibrar o orçamento e sobra mais dinheiro para lazer.

O preço do ingresso não é uma barreira?

A gente não percebe isso. Tirando atividades patrocinadas pelo governo, o cinema é talvez o entretenimento mais barato do Brasil. O que é que custa R$ 16, R$ 18 o preço cheio? Ingresso de futebol custa R$ 30. Considerando a meia entrada, o preço médio real da indústria é R$ 9. Mas infelizmente a meia-entrada não beneficia só estudantes, mas também pessoas que há tempos não vão à escola.

O setor ainda briga para acabar com a meia-entrada?

Tivemos uma briga com as empresas que comercializavam as carteiras e ganhamos na Justiça. Hoje precisamos coibir a falsificação. Para isso é preciso regras, definir que tipo de curso, qual horário.

Defendemos a adoção de um documento de fé pública, emitido pela Casa da Moeda.

A meia-entrada é um custo imposto pelo Estado para o empresário, sem nenhum tipo de contrapartida. Além dos impostos que a gente já paga, é como se essa fosse a minha participação no desenvolvimento cultural do país. Esse tipo de conceito não vale a pena questionar.

Mas queremos que a carteira seja regulamentada.

Qual o peso da meia-entrada?

De 60% a 65% de todos os ingressos vendidos.

Outros países também adotam meia-entrada.

Poucos. A França tem, mas é patrocinada pelo governo. EUA e México não têm. O México tem o dobro do número de salas do Brasil, recebe o dobro do público e tem a metade da população.

Mas o ingresso no México é muito mais barato.

Sim, pois não há meia-entrada.

Dá pra atribuir o preço baixo no México só à meia-entrada?

Dá. No Brasil, nosso preço mais baixo é em Porto Alegre. Lá a meia entrada é regulamentada de fato. Há um desconto menor no fim de semana e maior durante a semana.

O preço cheio lá é menor do que no resto do país, mas o médio é o mesmo. O resultado é um entretenimento mais barato e mais abrangente. E Porto Alegre tem um dos maiores números de salas por habitante do país.

Como competir com TV HD, home theater, downloads?

A migração da projeção de 35mm para o digital, com a tecnologia 3D é uma alternativa que nos coloca em pé de igualdade para competir não só com novas tecnologias, mas com novos conteúdos.

O 3D é capaz de fazer as pessoas saírem de casa?

O que faz sair de casa continua sendo o cinema. E um filme 3D não é necessariamente um filme vencedor.

Mas dependendo do público que você quer atingir -garotada que gosta de filme de ação, famílias-, o 3D potencializa o desejo do cliente sair de casa. Estamos fazendo grandes investimentos na compra de projetores digitais. Das 433 salas que temos hoje, 117 já contam com projetores digitais.

Como o sr. vê o potencial do mercado nacional?

É enorme, mas poderia ser maior. Não conseguimos viabilizar aqui o que nos EUA foi o propulsor da indústria: cinema fora de shopping.

Por que não se investe em cinema de rua?

Terreno caro, péssimas condições de financiamento de longo prazo para terreno e investimento. E ainda tem um custo adicional de infraestrutura, como estacionamento e segurança. Sem falar nas exigências de prefeitura, bombeiro, taxas.

O setor então depende do crescimento dos shoppings?

A indústria de shoppings fala em 90 novos empreendimentos até 2015. Se isso se confirmar, serão 600 salas. Sairemos de 2.200 salas para 2.800. É pouco perto do México, que tem 4.100.

Qual a sua avaliação sobre a produção nacional?

Não julgo qualidade, falo em termos comerciais. O que temos observado é que ao menos uma parte de nossos diretores e produtores está finalmente começando a tratar a indústria como negócio. Começando a entender o que de fato interessa ao público.

Acertamos nas comédias românticas ou genuínas. Tirando Tropa de Elite, as grande bilheterias têm esse viés.

Essa produção é suficiente para cumprir a cota de tela?

Ih! A cota de tela dá uma entrevista à parte. No Brasil são lançados de 70 a 90 filmes por ano. Só uns 5 interessa ao mercado assistir.

Dá para cumprir a cota com esses títulos?

A produção não é suficiente para cumprir a cota de forma rentável. Cumpro com sala vazia. Em 2010, em função do sucesso de Tropa, não foi o caso. Mas na maioria dos anos, sim. De cada seis ou sete salas, sou obrigado a dedicar uma a filmes nacionais.

E vocês exibem só esses 5?

Mais do que isso. Entendemos que muitos filmes têm o seu público. Também temos festivais, projetos, como o Projeta Brasil, um dia inteiro dedicado ao cinema nacional com ingresso a R$ 2. Essa renda retorna para a indústria, com premiações em festivais.

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Entre tapas e beijos

Dossiê de críticas sobre espetáculos de Nelson Rodrigues revela como o dramaturgo caminhava pela tênue linha que separa o amor do ódio Fonte: correioweb.com.br 06/06

Paulo Francis estava lá, sentadinho na tumultuada temporada de O beijo no asfalto, no Teatro Ginástico, em 1961. O texto escrito por Nelson Rodrigues, sob encomenda para Fernanda Montenegro e o Teatro dos 7, irritava o público conservador por conta de um simples beijo entre homens. Tinha gente que interrompia a sessão aos gritos enquanto outros aplaudiam a ousadia do autor do festejado Vestido de noiva (1942). Em meio ao fuzuê, um elenco de arrancar suspiros. Com direção de Fernando Torres, estavam lá Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Sergio Britto, Oswaldo Loureiro, Zilka Salaberry, Thelma Reston e Mario Lago. Juntos, narravam como a imprensa sensacionalista tinha o dom de derrubar vidas inocentes ao chão.

O olho crítico de Paulo Francis, que tempos depois se transformaria em comentarista televisivo de voz cadenciada, entediou-se com o que viu. Classificou a montagem como um “melodramazinho”. Insinuou que Nelson Rodrigues viu Chá e simpatia, encenada pela Companhia Sérgio Cardoso, tamanha semelhança com o tema tratado no palco. Dos atores, só salvou Oswaldo Loureiro e Suely Franco. Mesmo assim, sugeriu que a atriz, hoje uma das damas do teatro, procurasse uma escola.

— A impressão que tenho é que Nelson Rodrigues fez uma peça para agradar a gregos e troianos. Não me admira que a censura não tenha reagido contra o texto. O texto é um dos mais mansos do autor. O que ele tem a dizer sobre a imprensa e a polícia não ameaça nem de longe subverter a ordem. Dentro das bravatas obscenas, há um coração ansioso de aceitação e aplausos. E a julgar pelas noites de estreia, os aplausos não faltaram”, observa o crítico do extinto Diário Carioca.

As críticas de Paulo Francis sobre O beijo no asfalto ocupam seis páginas e meia do Especial Nelson Rodrigues — Folhetim, publicação do Teatro do Pequeno Gesto, que completa 20 anos de atividade. Ao todo são 430, contendo resenhas, artigos feitos por especialistas, como Fernando Marques (dramaturgo e professor da UnB), e uma entrevista de Antunes Filho, diretor que tem mergulhado, sem folclore, na obra daquele que é considerado historicamente o maior dramaturgo brasileiro. Um dossiê precioso para quem deseja entender como Nelson Rodrigues foi absolvido pelo seu tempo a partir do ponto de vista da recepção. O livro será lançado no Anfiteatro 9 da UnB, em 7 de julho, uma quinta-feira, às 12h30.

— Esse dossiê foi elaborado como um quebra-cabeças montado com o que estava disponível nos arquivos, em bom estado de conservação para propiciar uma leitura fidedigna, e que nos parecia interessante para o estudo e recepção da obra de Nelson”, observa Fátima Saadi, tradutora e dramaturgista da Companhia Teatro do Pequeno Gesto.

Incontestável objeto de pesquisa, a edição especial da Folhetim traz, aos olhos do leitor, a angústia de se estar diante da obra de Nelson Rodrigues, sobretudo, nas críticas dos espetáculos que lançaram os textos dramáticos do autor. Tanto na forma, ali, muitas vezes, com a mão firme de Ziembinski, como no conteúdo, com temas ásperos à moral da época. Noves foras as resenhas de elogios rasgados, hoje sem valor histórico, os textos de estranhamento são os que apontam o rico contexto da época.

— O teatro de Nelson Rodrigues tem suscitado em nossos meios artísticos as mais desencontradas manifestações. Elogios amplos, totais, de uns. Combate, guerra feroz de outros. Dividem-se, assim, em duas correntes inteiramente opostas os julgadores da obra desse escritor patrício. Agora com sua volta ao cartaz, apresentado, terça-feira última, no Phoenix, Doroteia, farsa trágica, é de se esperar que as duas facções surjam nas colunas dos jornais. Virá com seus louvores, uma, com seus apupos, outra, na apreciação do espetáculo que está em cena no teatro da Av. Almirante Barroso. E o público, atônito, cotejando os “prós” e os “contras”, fará certamente como o incrédulo São Tomé, indo ver o que causa tanta divergências”, escreve magistralmente Jota Efegê no Jornal dos Sports, em 11 de março de 1950.

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DIREITOS HUMANOS

À espera de proteção

Programa federal que atende ativistas com a vida ameaçada aguarda aprovação de legislação específica no Congresso e sofre com a baixa execução orçamentária Fonte: correioweb.com.br 06/06

A luta — e a vida — de lideranças envolvidas na preservação dos direitos humanos está em risco. Sem uma legislação específica, o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos cobre hoje apenas cinco estados brasileiros (Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Pernambuco) e só atende 150 pessoas. O marco legal está em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2008 e já foi aprovado em todas as comissões. Falta, agora, a análise pelo plenário. O governo trabalha pela aprovação da lei até o fim deste semestre. No entanto, o próprio Executivo tem demonstrado, segundo especialistas, falta de interesse no programa.

“A lei tem o poder de institucionalizar e de atrair os estados com a garantia de que é um programa permanente. Nossa meta é estar presente em todas as unidades da Federação”, afirma a titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário. A ministra viaja hoje com os colegas da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Defesa, Nelson Jobim, para o Norte do país. A ideia é tentar conter os assassinatos de lideranças do movimento agrário. Nas últimas duas semanas, houve uma escalada da violência na região. (veja Memória)

Pesquisador da Justiça Global, ONG que faz parte da coordenação-geral do programa do governo federal, Rafael Dias destaca que a proteção aos defensores de direitos humanos é uma conquista da sociedade organizada. “Conseguimos, mostrando a necessidade de resguardar essas pessoas, que o governo construísse esse programa. Nesse sentido, há muito o que ser comemorado. Entretanto, o projeto ainda carece de uma formalização, que virá com uma lei aprovada no Congresso prevendo orçamento, funcionamento e parceiros”, explica o especialista.

A falta de regras definidas e chanceladas por normas reconhecidas faz, segundo Dias, com que as polícias nos estados não se sintam na obrigação de colaborar quando chamadas para atuar na proteção de um defensor ameaçado. Ele cita o ex-vereador Manoel Mattos, que acabou assassinado em janeiro de 2009, apesar de haver uma medida cautelar da Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) determinando que ele fosse protegido devido aos atentados que sofria por denunciar grupos de extermínio. O caso foi federalizado, numa decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deixando de tramitar na vara estadual da Paraíba.

Seis atentados

O problema da falta de policiais é vivenciado por Alexandre Anderson de Souza há anos. Vítima de seis atentados desde que começou uma campanha contra a construção de um gasoduto da Petrobras em Magé, no Rio de Janeiro, o presidente da Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar) conta com a proteção do programa federal. Atualmente, as responsabilidades são compartilhadas com a Secretaria Estadual de Ação Social e Direitos Humanos, por meio de um convênio. Alexandre já esteve em Brasília pedindo um reforço na segurança, que chegou a se restringir a uma ronda da Polícia Militar em sua rua. “Tinha dia que eles nem passavam”, conta.

Depois de muitas queixas e vários atentados — ele foi alvo de quatro tiros dias depois de assassinarem o tesoureiro da Ahomar, em 2009 —, Alexandre conta com dois policiais militares na porta de sua casa. Os agentes o acompanham onde ele vai, mas se revezam a cada duas horas. “Não existe um treinamento nem critério para mandar o policial. Já tive casos de agentes que estavam presos e, quando soltos, foram mandados para cá. Outros fazem segurança privada para a Petrobras. É complicado, porque não havendo regras mínimas de seleção dos profissionais, às vezes a gente fica ainda mais inseguro”, queixa-se Alexandre, que hoje é presidente do Sindicato de Pescadores Profissionais e Artesanais do Rio de Janeiro (Sindpesca).

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DINHEIRO PÚBLICO

Exército de pensões

Governo gasta por ano quase R$ 4 bilhões com pagamentos vitalícios a filhas de militares. Mesmo tendo companheiros, muitas continuam solteiras Fonte: correioweb.com.br 06/06

Os cofres públicos bancam pensões de 87.065 filhas de militares das Forças Armadas. Só em dezembro, essas pensões, criadas há cinco décadas, custaram aos cofres públicos R$ 327,29 milhões, que representam em torno de 8,3% do total gasto com a folha de pagamento de pessoal (R$ 3,91 bilhões) do Ministério da Defesa. Considerando essa média mensal, o governo gasta, por ano, R$ 3,927 bilhões com essas pensionistas. Coincidência ou não, muitas das beneficiárias são solteiras convictas. Casadas perdem o benefício.

Medida provisória (MP) editada em 31 de agosto de 2001 extinguiu a regra instituída em 4 de maio de 1960 que dava às herdeiras solteiras, ainda que maiores de idade, o direito de receber a pensão vitalícia. Entretanto, a MP não acabou completamente com esse benefício. Somente estabeleceu que, para garantir a pensão vitalícia à família, os militares teriam de contribuir com 1,5% do soldo. Foi um alívio para filhas dos funcionários das Forças Armadas que sonhavam em concretizar o casamento. Isso porque os pais que passaram a pagar essa contribuição as livraram da possibilidade de ficar sem o benefício a partir da união civil. Pelas novas regras, o direito à pensão depende da contribuição e não está condicionado ao estado civil dos familiares beneficiados.

Parte das mulheres que não tiveram essa sorte, até hoje, mesmo morando com os parceiros — algumas delas mães de família —, prefere se privar do casamento formal a abrir mão da pensão. O advogado especializado em direito previdenciário Lásaro Cândido da Cunha explicou que, a partir da MP de 2001, a cláusula que limita a pensão às filhas solteiras passou a valer apenas para as filhas que tinham adquirido o direito ao benefício antes da publicação da medida. Para as filhas de militares que optaram pela contribuição, a pensão vitalícia vale também após o casamento, apesar de os impactos da medida não terem sido medidos, ainda de acordo com o advogado. “Na época, não foi feito um estudo para estabelecer a alíquota”, afirmou.

Achar uma entre as 87.065 beneficiárias que admita publicamente que não se casa para não deixar de receber a pensão vitalícia não é uma tarefa fácil. O Correio entrou em contato com 10 filhas de militares que recebem o benefício, mas nenhuma quis dar declaração aberta à reportagem. Na condição de que não fosse identificada, uma delas, de 45 anos, saudável, moradora de Belo Horizonte, contou que vive com o companheiro há 10 anos e recebe uma pensão no valor de R$ 6 mil. Ela até chegou a se casar no religioso, mas não concretizou a união em cartório para não perder a pensão. Para cuidar melhor dos dois filhos, ela optou por não trabalhar. Seu pai morreu pouco depois da edição da medida provisória e, pelas regras, ela já havia adquirido o direito ao benefício, desde que fosse solteira, já que ele não chegou a pagar a alíquota de 1,5% do soldo.

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MENOS RIGOR

Mais impunidade no país da impunidade

Mudanças em legislações diversas aprovadas ou em análise no Congresso amenizam punições para políticos, anistiam desmatadores e criam medidas alternativas à prisão no Código Penal Fonte: folha.uol.com.br 05/06

No lugar da cassação, parlamentares julgados no Conselho de Ética da Câmara poderão ser punidos com penas alternativas, como suspensões ou censuras provisórias. Em vez de multas, produtores e fazendeiros que desmataram ilegalmente áreas de proteção ambiental poderão ter seus delitos perdoados. E, nos tribunais e varas criminais, as prisões em flagrante e os pedidos de prisões preventivas poderão ser substituídos por medidas cautelares, como a proibição de frequentar determinados lugares ou o recolhimento durante a noite. Essas três mudanças foram aprovadas no mês passado no Congresso e tornam punições previstas na lei menos rigorosas.

No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei Ficha Limpa não vale para as eleições do ano passado e está para decidir se a inelegibilidade poderá retroceder para punir condenados antes da entrada em vigor da legislação. Tentativas de prefeitos para amenizar as penas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal são recorrentes.

O abrandamento das penas para superar problemas estruturais do sistema prisional e contornar a falta de fiscalização do Poder Público é visto como incentivo à impunidade no meio jurídico e até entre parlamentares que aprovaram as mudanças.

Aprovada em abril pelos deputados federais e sancionada no início de maio pela presidente Dilma Rousseff (PT), a Lei n° 12.403/2011, que revê o Código Penal, está no rol das que dão uma colher de chá ao acusados de crimes. Entre as novas regras está a restrição da prisão em flagrante e substituição da prisão preventiva pelas medidas cautelares. As novas regras se aplicam a acusados de crimes considerados menos graves — como furto, porte ilegal de arma, homicídio culposo (sem intenção de matar), lesão corporal e receptação — para evitar a superlotação das cadeias e, segundo o Ministério da Justiça, permitem que o juiz avalie se o acusado é ou não perigoso para a sociedade.

Nova York

O promotor de Justiça do Paraná Giovani Ferri — que divulgou manifesto contrário à lei — acredita que o resultado será o aumento de impunidade para criminosos. “Trabalho na área criminal há 15 anos e fiquei extremamente desanimado com a nova lei. Na prática, essas mudanças serão um desastre, não se assuste se encontrar na rua o assaltante que entrou armado, o ladrão que roubou seu carro, o bandido que estava circulando com arma de fogo ou o criminoso que desviou milhões de reais dos cofres públicos. Serão garantidas para crimes como esses as medidas cautelares, que o Estado não tem como fiscalizar efetivamente. Percebo no Brasil uma inversão de valores totalmente contrária ao que desejamos”, afirma Giovani.

O promotor cita exemplos de adoção de medidas opostas que levaram a bons resultados. “Temos os casos de Nova York e Bogotá, que viviam situações difíceis no combate ao crime e adotaram regimes de tolerância zero, conseguindo ótimos resultados. É uma decepção saber que a lei foi aprovada no Congresso. Vamos pagar caro por ela”, diz.

Já para o professor de direito penal da PUC Minas Maurício Campos, o abrandamento da legislação não deve ser visto como um atraso. Segundo ele, a lei é um recado ao sistema judiciário, determinando que as punições aplicadas pelos tribunais devem ser acompanhadas de sentenças definitivas.

Apesar de aprovada na Câmara, a lei recebeu críticas dos parlamentares. O vice-presidente da Comissão de Segurança-Pública, deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), considera a medida cautelar um dificultador para a ação policial. “Diminuímos a capacidade de atuar em flagrante que a polícia pode fazer. Quando cheguei à comissão, o projeto já tinha passado. Até tentamos rever a lei antes de ser sancionada, mas não deu. Infelizmente, o Congresso legisla em causa própria em alguns temas. E com muitos parlamentares respondendo a processos, a proposta foi bem aceita e houve retrocesso no Código Penal”, lamentou.

Ficha limpa

Duas leis que podem ser decisivas para o futuro do país estão na corda bamba. No campo da política, a Ficha Limpa, projeto de origem popular que contou com o apoio de 1,6 milhão de eleitores, que barra a candidatura de políticos condenados na Justiça, pode sofrer um revés. Sua retroatividade está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda há dúvida se ela poderá ou não ser aplicada para pessoas condenadas antes de sua entrada em vigor. Para dirimir toda dúvida, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com ação direta de constitucionalidade para garantir que a lei seja aplicada nas eleições municipais do ano que vem e que alcance todos os condenados.

Na área ambiental, para a qual se voltam os olhos de todo o mundo, a impunidade também aparece entre as novas regras do Código Florestal, aprovadas por ampla maioria na Câmara dos Deputados. A anistia a produtores que desmataram até 2008 é o ponto nevrálgico do texto aprovado e está na mira dos ambientalistas e do governo federal, defensor de regras mais rígidas que as aprovadas pela Câmara.

Ética

Há duas semanas, foram aprovadas mudanças no regulamento do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que permitem a recomendação de penas alternativas aos parlamentares que receberem pedidos de cassação. A nova regra garante a adoção de penalidades mais brandas, como suspensão de prerrogativas na Casa para discursar em plenário ou relatar projetos. A votação do novo regulamento furou a fila de projetos que tramitavam na Casa e previam ampliar o enquadramento como quebra de decoro parlamentar.

“Caso o Conselho não continue agindo de maneira corporativa como agiu até hoje, podemos até ter resultados positivos com as mudanças, já que a divulgação de penas, mesmo que mais brandas, pode marcar a carreira dos políticos”, opina o cientista político Malco Camargos.

Para o presidente do Conselho de Ética da Casa, deputado José Carlos Araújo (PDT-BA), as críticas que as novas regras receberam não fazem sentido. Para ele, a perda dos direitos políticos é uma medida extrema e, por isso, mais difícil de ser adotada. “Muitas vezes tivemos parlamentares que não receberam qualquer punição no Conselho só porque a cassação era uma pena excessiva para o parlamentar. As mudanças vão permitir que punições aconteçam, mesmo que sejam menores”, argumenta o deputado.

FACILIDADES LEGAIS

Leis mais brandas e flexíveis aprovadas

ou em análise no Congresso Nacional

REVISÃO

DA LEI CRIMINAL

(Lei nº 12.403/2011)

Situação

» Aprovada no Congresso em abril e sancionada pela presidente em 4 de maio. Entra em vigor 60 dias depois de promulgada, em 6 de julho.

O que fica mais brando

» Ampliação das possibilidades de aplicação das medidas cautelares como alternativa à prisão. As medidas cautelares preveem: comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso a determinados lugares; proibição de manter contato com determinada pessoa; proibição de ausentar-se da comarca; recolhimento domiciliar no período noturno; suspensão do exercício da função pública; internação provisória do acusado quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável; fiança nas infrações que a admitem e monitoração eletrônica.

» Uso de prisão preventiva apenas em casos restritos, que não aceitem a substituição pelas medidas cautelares.

NOVO CÓDIGO FLORESTAL

Situação

» Aprovado na Câmara em 24 de maio. O projeto será votado no Senado em data ainda não definida e, para entrar em vigor, deve ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

O que fica mais brando

» Anistia para quem desmatou até julho de 2008. As multas aplicadas por desmatamento até a data serão suspensas caso o produtor faça adesão ao Programa de Regularização Ambiental.

» A Emenda nº 164, de autoria do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), estabelece que caberá aos estados definir o que pode ser cultivado nas Áreas de Proteção Permanente (APP).

» Permissão para o plantio de algumas culturas nas APPs.

Pequenos produtores que já desmataram APPs em margem de rio poderão recompor a área em 15m a partir do rio. Os demais devem recompor em 30m.

REGRAS DO CONSELHO

DE ÉTICA

Situação

» Aprovado na Câmara dos Deputados em 26 de maio. As novas regras passam a valer a partir da publicação da proposta no Diário Oficial da União.

O que fica mais brando

» Modifica o Código de Ética e Decoro Parlamentar. Cria punições alternativas à cassação de parlamentares, como suspensões e censuras temporárias.

» Admite mudanças na aplicação da pena indicada na representação, com base nos fatos apurados no processo.

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MARCELO GLEISER

Lixo pode virar arte

Temos que limpar o mundo sem depender dos governos. Se milhões de pessoas se juntarem, a situação irá mudar Fonte: folha.uol.com.br 05/06

SEMANA PASSADA tive o privilégio de participar do 4º Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade em Belo Horizonte. Mais de 2.000 pessoas lotaram o auditório para ouvir ideias sobre ambiente, educação e o que pode ser feito para mudarmos nossa relação com o planeta. Entre os participantes estava o genial Tião Santos, presidente da associação dos catadores do Aterro de Jardim Gramacho, o maior do mundo em volume de lixo.

Catadores são as pessoas que transitam pelos aterros coletando materiais recicláveis, que são revendidos para a indústria. Com isso, não só ganham seu sustento, como diminuem o volume absurdo de dejetos nos aterros. Só em Jardim Gramacho são mais de 2.500 deles.

Talvez muitos de vocês já conheçam o Tião, por sua participação no premiadíssimo documentário "Lixo Extraordinário" ou pelas aparições na mídia nacional.

Outra presença no painel era o também genial Rainer Nolvak, que arquitetou a limpeza da Estônia inteira em apenas um dia com a participação de 50 mil voluntários. Saí do evento inspirado.

"O momento em que algo se transforma em outra coisa é um momento mágico," disse Vik Muniz em "Lixo Extraordinário". É ele o artista plástico brasileiro que foi até Jardim Gramacho com o intuito de transformar lixo em arte. No processo, transformou vidas também. Com a colaboração de vários catadores, Vik criou obras de arte de grande beleza, restituindo dignidade a esses seres humanos com quem poucos se preocupam.

No entanto, é deles que vêm as lições que precisamos aprender. Parafraseando Tião: "Lixo é o que ninguém quer, o que as pessoas acham que não pode ser reutilizado. Mas na natureza o que vemos é que nada é descartado, sem uso. Somos nós os parasitas, os criadores de lixo. E não precisa ser assim".

Ele tem toda a razão. Praticamente tudo o que é produzido pode ser "desproduzido". Por exemplo: eletrônicos. Existem alguns centros, embora poucos, que recebem estes produtos para reciclagem. Foi sugerido no painel que a responsabilidade maior deveria ser dos fabricantes. Se eles criam e vendem os produtos, podem reabsorvê-los, reutilizando muito dos materiais.

Cada celular tem aproximadamente R$1 em ouro. Não é muito, mas quando consideramos que existem em torno de 5 bilhões de celulares no mundo (só no Brasil são mais de 200 milhões), isso muda.

A iniciativa de Nolvak de limpar o mundo está crescendo. Hoje é a vez do Rio, no programa Limpa Brasil! Let's Do it! (www.limpabrasil.com). Fico orgulhoso de ver o Ri tomando a iniciativa: é a primeira metrópole mundial a fazê-lo. A Europa deve fazê-lo no ano que vem.

Temos que limpar o mundo sem depender dos governos. As pessoas podem inspirar os políticos. Se milhões se juntarem, a situação irá mudar, até no nível corporativo. Afinal, até o McDonald's está servindo comida orgânica! As mudanças começam pequenas, em casa, nas escolas, nas comunidades. Mas com o poder da mídia social, logo a mobilização se espalha e mudanças de larga escala tornam-se possíveis. Em meio a tanto pessimismo, são ações assim que mostram que o mundo está mudando para melhor.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro Criação Imperfeita

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Por Copa, Lei de Licitações pode mudar

Considerada "inferno ao infinito", lei mudaria para facilitar caminho das obras para 2014 e para a Olimpíada de 2016

Hoje, há recurso em toda fase; se projeto for aprovado, recursos irão para o final e só poderão ser feitos de uma vez Fonte: folha.uol.com.br 05/06

Chamada por críticos de "inferno ao infinito", a lei nº 8.666 (Lei de Licitações) está no centro de um bombardeio que deverá ter seu capítulo final nas próximas semanas, quando o governo federal tentará aprovar a maior mudança no seu texto desde a criação, em 1993.

A mudança na Lei de Licitações é mais um capítulo nas tentativas do governo de facilitar o caminho para as obras da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016.

A Caixa Econômica Federal, por exemplo, está assinando contratos para obras de infraestrutura sem que eles tenham projetos básicos.

A lei orçamentária de 2012 deverá conter artigo em que os recursos para o projeto não precisam ser autorizados pelo Congresso.

Há também projeto em maturação para reduzir as restrições ambientais.

Os 126 artigos da Lei de Licitações são considerados por muitos especialistas como o maior avanço no país em matéria de controle dos gastos públicos.

Contudo, no decorrer de quase 20 anos, muitos também acreditam que a legislação precisa ser atualizada.

Lucas da Rocha Furtado, procurador-geral do Ministério Público no TCU (Tribunal de Contas da União), afirma que as mudanças previstas no atual projeto são boas porque incorporam boas práticas que já vêm sendo utilizadas no serviço público, entre elas o pregão eletrônico.

Uma das práticas que passarão a ser usadas se o projeto for aprovado é a inversão de fases de recursos.

Pela legislação atual, para cada fase do processo licitatório existe a possibilidade de alguém impor recurso administrativo. Esse é um dos motivos do apelido da lei, que vem do número 666 (considerado da besta), mais o número oito (que, deitado, simboliza o infinito).

MENOS RECURSOS

Se o novo texto for aprovado, os recursos vão para o final e só podem ser feitos de uma vez. Outra boa mudança é que apenas a documentação do vencedor tem de ser analisada, o que agiliza o processo licitatório.

O presidente da Infraero, Gustavo do Vale, disse, em recente audiência pública, que somente essa mudança faria com que o tempo médio estimado das licitações do órgão para a Copa caísse de cinco para dois meses.

Mas a grande polêmica na mudança é o chamado regime de obras. A Lei de Licitações determina que o governo contrate obras por preço unitário de cada item.

Com isso, é possível aos órgãos de controle fiscalizar se uma licitação está superfaturada porque podem comparar tanto o preço do item como a quantidade estimada que vai ser gasta.

Há um limite para aumentos de quantidade (50% para reformas e 25% em obras novas).

Se a mudança for aprovada, o sistema muda para a empreitada. Nele, o vencedor da licitação dá seu preço. E o preço não pode ser alterado, a não ser por determinação do governo.

O risco, segundo Eduardo Dodd, presidente da Auditar (União dos Auditores Federais de Controle Externo), é que haja aumento no preço das obras pela má qualidade dos projetos que o governo tende a apresentar.

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Partes do cérebro sentem prazer quando recebemos elogios, mesmo se forem falsos

Fonte: folha.uol.com.br 06/06

A cada instante nasce um otário - e nós já somamos quase 7 bilhões de pacóvios. Apesar da propaganda dos moralistas, mentir é um bom negócio e é por isso que golpes prosperam mundo afora.

O problema, como mostra o psicólogo especializado em mentiras Robert Feldman, é que o golpista já começa o jogo com enorme vantagem.

Nossos cérebros trazem uma série de vieses que operam em favor de esquemas como o da premiação. O mais simples é o viés de verdade.

O padrão é aceitar como verdadeiras todas as declarações que nos chegam à cachola. Na maioria das vezes, elas são mesmo (ou a linguagem não teria se desenvolvido), e o custo de duvidar de tudo seria demasiado alto.

Outro mecanismo valioso para vigaristas é o autoengano. Ele faz com que o cérebro, para pacificar contradições, reelabore a questão.

Quando venço no pôquer, convenço-me de que sou um jogador exímio; quando perco, tive azar. Construímos uma autoimagem positiva.

No fundo, todo mundo quer acreditar nos falsos cumprimentos que recebe.

Na verdade, partes mais primitivas do cérebro acreditam, e isso produz reações químicas que geram prazer. Até o mais desafinado se sente bem se elogiado por seu hipócrita professor de música.

Se o sujeito é um pouquinho mais vaidoso, como às vezes é o caso de médicos, envolvê-lo no jogo por um elogio é tão fácil como roubar doce de criança. Ainda que os centros do cérebro acionem o sinal de alarme, este será abafado pela lisonja.

Acrescente um cenário convincente e elasticidade nas fronteiras semânticas entre "comprar um prêmio" e "adquirir convites para o jantar" e o jogo está ganho.

Frequentemente, somos cúmplices voluntários da mentira que nos contam.

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