ELEIÇÕES
Reforma corre contra o tempo
Para valerem em 2012, alterações precisam ser aprovadas até 7 de outubro. Lei eleitoral foi mudada em todos os pleitos da última década Fonte: correioweb.com.br 19/06
Deputados e senadores que estudam mudanças no sistema político para valer já no pleito de 2012 têm de correr contra o tempo para evitar que as eleições sejam realizadas em meio ao questionamento judicial sobre a validade da aplicação das novas regras. Se forem aprovadas depois de 7 de outubro, as alterações podem ser questionadas na Justiça, tomando como base o princípio da anualidade. Foi o que ocorreu nas eleições de 2010, com a Lei da Ficha Limpa. Aprovada a menos de um ano da disputa, a regra motivou reclamações e o caso acabou na Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, depois de proclamado o resultado eleitoral, que as novas regras só terão validade a partir de 2012.
Ficha limpa à parte, em todas as eleições da última década a Justiça foi acionada para se pronunciar sobre alterações de última hora que levantaram discussões sobre o princípio da anualidade, trazendo incertezas sobre os resultados dos pleitos. Em 2002, a polêmica girou em torno da verticalização. Com base no artigo 17 da Constituição, segundo o qual os partidos políticos têm caráter nacional, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) orientou no sentido de que as coligações partidárias nos estados seguissem as nacionais.
Na prática, o novo entendimento naquele ano mudaria o tradicional vale-tudo eleitoral das alianças. Quatro anos depois, porém, o Congresso aprovou uma proposta de emenda à Constituição acabando com a obrigatoriedade de verticalização das coligações. Tudo voltou ao que era antes, mas não naquele pleito: o TSE decidiu, diferentemente de 2002, que a emenda constitucional não seria aplicada nas eleições de 2006, pois estaria modificando a regra eleitoral a menos de um ano da disputa.
Vereadores
Em junho de 2004, a poucos meses das eleições, uma resolução do TSE reduziu 8.481 cadeiras de vereadores em todo o país a partir da tabela fixada pelo STF ao julgar uma ação envolvendo a Câmara Municipal de Mira Estrela (SP). Na ocasião, os partidos recorreram ao Supremo contra a aplicação da resolução naquele pleito, com o argumento de desrespeito ao princípio da anualidade. As ações foram julgadas improcedentes e o corte das vagas foi mantido.
“Já tivemos, entretanto, dois precedentes em que o princípio da anualidade não foi observado. O primeiro, em 1990, com a Lei Complementar n° 64. É uma norma de inelegibilidade com o mesmo conteúdo da Ficha Limpa, mas menos rigorosa”, lembra o coordenador das Promotorias Eleitorais de Minas Gerais, Edson Rezende. O segundo precedente, segundo ele, foi a Lei n° 11.300, de 2006, que alterou as regras da propaganda eleitoral já naquele pleito. “O TSE entendeu que não era o caso de observância da anualidade porque modificava só regras de propaganda”, completa Rezende.
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MUNICÍPIOS
Verba para a Educação fica nos cofres
Reserva de auxílio às localidades sem recursos para pagar o piso dos professores não teve sequer um centavo liberado Fonte: correioweb.com.br 19/06
Desde que o governo federal estipulou um piso salarial aos professores, em julho de 2008, gestões estaduais e municipais têm reclamado à União sobre as dificuldades para arcar com essas despesas. Por isso, em 2009, o Ministério da Educação (MEC) aprovou uma resolução separando verbas para ajudar as administrações a complementarem o valor. A liberação dos recursos é aprovada desde que critérios determinados pela pasta sejam cumpridos (veja quadro). Até hoje, no entanto, nenhum centavo saiu do orçamento federal e, mesmo com a alteração de um dos critérios, prefeitos e governadores não têm conseguido o dinheiro. Este ano, o piso é de R$ 1.187,97.
Até março, cinco tópicos serviam de pré-requisito para que o MEC concedesse a ajuda de custo aos governadores e prefeitos: a aplicação de 25% das receitas na manutenção e no desenvolvimento do ensino; o preenchimento do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope); o cumprimento do regime de gestão plena dos recursos vinculados para a manutenção e o desenvolvimento do ensino; a demonstração do impacto da lei do piso nos recursos do estado ou do município; e a apresentação majoritária de matrículas na zona rural, conforme a apuração no censo anual de educação básica.
Além desses quesitos, as localidades que pedem o benefício têm de fazer parte do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Em 2009, 29 municípios pediram a complementação, mas nenhum preencheu os requisitos. No ano passado, 40 solicitaram a ajuda, também sem sucesso. O MEC não divulga quais foram as localidades que tentaram conseguir o benefício. Este ano, 20 cidades pediram a ajuda ao governo federal, mas ainda aguardam a análise. Entretanto, 10 não são beneficiadas pelo Fundeb e, portanto, estão automaticamente eliminadas do processo.
Flexibilização
Em março, a pasta do ministro Fernando Haddad flexibilizou um dos critérios. No lugar do tópico que tratava de educação na zona rural, os técnicos do ministério colocaram uma norma que exige a apresentação de um plano de carreira para o magistério, com lei específica.
O MEC, como ocorria nas exigências iniciais, instituídas há dois anos, ainda avalia as finanças do governo local por meio do Siope e leva em conta a possível capacidade de qualificação para a complementação a municípios que ficam em regiões historicamente desfavorecidas. De acordo com informações do ministério, a pasta reservou cerca de R$ 850 mil para esses municípios e a Comissão Intergovernamental para o Financiamento da Educação de Qualidade delimitou os critérios para o recebimento da complementação.
Ainda segundo informações do MEC, um sistema on-line está sendo montado e será disponibilizado para facilitar a inscrição de novos pedidos de complementação para o pagamento do piso nacional.
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Coleção Folha lança a melhor gravação de "Tristão e Isolda"
Livro-CD traz versão feita em 1952 da ópera de Richard Wagner Fonte: folha.uol.com.br 19/06
Domingo que vem, a Coleção Folha Grandes Óperas traz a melhor gravação existente da maior obra-prima de Wagner. O maestro Furtwängler rege "Tristão e Isolda", volume 21 da coleção. O livro-CD chega às bancas em 26/6.
Uma das mais célebres narrativas da Idade Média, "Tristão e Isolda" foi transformada em ópera pelo alemão Richard Wagner (1813-1883), o compositor que revolucionou o século 19 com a ideia de que a ópera deveria integrar música, poesia, teatro e todas as manifestações artísticas de seu tempo.
Autor não apenas da partitura, mas também do libreto, Wagner atinge aqui o ponto culminante de sua imaginação harmônica, conduzindo o ouvinte por um labirinto de tensões e desejos.
Pela duração, pelo caráter visionário e revolucionário da obra e pela dificuldade técnica, "Tristão e Isolda" constitui um desafio para cantores e regentes, e a gravação da ópera presente na Coleção Folha já foi classificada como definitiva.
À frente da Philharmonia Orchestra, o mítico maestro alemão Wilhelm Furtwängler (1886-1954) manipula com carinho a sofisticada teia orquestral wagneriana nesta gravação feita em 1952.
Aclamada em seu tempo como "a voz do século", a soprano norueguesa Kirsten Flagstad (1895-1962) encarna Isolda, enquanto Tristão é cantado pelo tenor alemão Ludwig Suthaus (1906-1971).
Jovem na época, o posteriormente aclamado barítono Dietrich Fischer-Dieskau, 86, faz o papel de Kurwenal, amigo de Tristão.
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CARLOS HEITOR CONY
Contra meus hábitos Fonte: folha.uol.com.br 19/06
RIO DE JANEIRO - Como escrevi na crônica anterior, sou incapaz de extrair um recado na carta que dona Dilma dirigiu a FHC. Li considerações profundas a respeito, mas fiquei fiel à minha obtusidade hereditária e -como diria Nelson Rodrigues- vacum.
Considerei o documento digno e leal, uma vez que o ex-presidente, ao completar 80 anos, merece tudo o que dona Dilma disse sobre ele. E digo mais: nos oito anos de seu mandato, pelo menos duas vezes por semana eu o criticava, às vezes asperamente.
Mas sua conduta, após a Presidência da República, tem sido exemplar. Nem tudo o que ele faz e diz agrada aos adversários, mas, no geral, comporta-se com grandeza. Despojado agora da ambição eleitoral, ele reencontrou o tom acadêmico que o tornou famoso, com capacidade de motivar a sociedade em torno de temas polêmicos que exigem discussão aberta.
O caso da descriminação das drogas e da liberação da maconha revelou sua coragem e isenção. Considerando que o assunto ainda está verde para um debate no Legislativo, ele se jogou na campanha de esclarecimento social que poderá levar a discussão ao patamar legal e final, que é o Congresso, do qual não mais faz parte.
Louvo também o artigo de Janio de Freitas sobre "sigilo sem segredo", em que lembra o grande jornalista que foi Gondim da Fonseca, que revelava pesquisas proibidas na época, até mesmo alguns lances sigilosos que depunham contra a glória de Caxias. Gondim sumiu misteriosamente, até que foi encontrado num quartel sem julgamento formado, ou seja, foi sequestrado.
Ele foi o primeiro a ter uma seção na imprensa em que criticava os jornais, mas sempre com bom humor e boa causa. É autor, também, de uma excelente tradução do poema "O corvo", de Edgar Allan Poe, que o crítico Ivo Barroso lançou recentemente.
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Novo capitalismo do Brasil inspira receio regional
Sem condições de impor sua vontade à força na região, país tem que demonstrar ganhos para quem o seguir
A política regional da China, forçada a tranqUilizar vizinhos mais fracos, é exemplo inspirador Fonte: folha.uol.com.br 19/06
A expansão da economia brasileira na América do Sul está transformando o ambiente estratégico do país, que tende a ser mais temido e menos amado por seus vizinhos. O receio regional diante do novo capitalismo brasileiro conquistou adeptos e veio para ficar.
Nas capitais sul-americanas teme-se que o Brasil imponha as regras do jogo que mais lhe convém, aumentando ainda mais a assimetria entre as partes e assim aprofundando a dependência econômica.
Vendo seu ciclo econômico sincronizado com o brasileiro, esses países sentem uma perda real de espaço de manobra. Por isso, desconsiderar a preocupação deles como mera bravata é um equívoco de grandes proporções.
Ignorá-la pode custar caro para um Brasil cuja economia está cada vez mais exposta aos riscos de uma vizinhança que não controla.
O sucesso dos agentes econômicos brasileiros na região requer um ambiente estável e previsível. É essencial, portanto, ganhar a aceitação daqueles povos e governos. Para lidar com essa realidade o Brasil precisará desenvolver novos instrumentos.
No passado recente, por exemplo, bastava patrocinar instituições regionais que oferecessem aos vizinhos uma plataforma de negociação ou um balcão sobre o qual apresentar demandas.
Esses mecanismos hoje não dão conta do recado.
Não há alternativas fáceis. O Brasil não tem condições nem apetite para impor sua vontade à força.
Tampouco contempla ganhar o consentimento de seus vizinhos cedendo parcelas de soberania a entidades supranacionais, como o faz a Alemanha. A solução talvez passe por deixar claro que há ganhos para quem seguir o Brasil a reboque.
Para isso, seria necessário aumentar dramaticamente a oferta de cooperação técnica, promoção cultural e intercâmbio educacional.
Seria preciso estudar as opiniões públicas dos países onde há mais interesses em jogo e desenhar estratégias de comunicação que possam reverter o deterioro da imagem brasileira. A política regional da China, forçada que é a tranquilizar seus vizinhos mais fracos, oferece um exemplo que serve de inspiração.
Não se trata de adotar uma ªdiplomacia da generosidadeº nem de dobrar interesses brasileiros aos de terceiros.
Ao contrário, trata-se de atentar para as sérias implicações estratégicas inerentes ao nosso processo de ascensão.
Matias Spektor, doutor pela Universidade de Oxford, é coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV (http://cpdoc.fgv.br/ri)
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FERREIRA GULLAR
Às cegas
Esse tipo de partido imagina que basta tirar a burguesia do poder para resolver os problemas Fonte: folha.uol.com.br 19/06
FAZ ALGUMAS semanas, cometi o atrevimento de tentar demonstrar como o Lula e o PT terminaram por ocupar, na vida política brasileira, o lugar do partido que era o seu principal adversário, o PSDB. Não havia nada de desconhecido nessa metamorfose, faltava apenas enunciá-la, e foi o que eu fiz: demonstrei como Lula e seu governo, depois de combaterem ferozmente o governo FHC e seus programas, entenderam que, se insistissem nessa postura, jamais alcançariam a presidência da República. Mudaram e ganharam as eleições. E mais: ao assumir a chefia da nação, sem nenhum projeto, Lula viu que, se não seguisse o rumo do governo anterior, levaria o país ao desastre. E assim foi que, conforme disse naquela crônica, o lobo vestiu a pele do cordeiro, isto é, o PT virou PSDB. E a metamorfose continua, pois, agora, depois de satanizar, durante as últimas eleições, a privatização, Dilma decide privatizar os principais aeroportos do país.
Disso resultou que o PSDB não conseguiu fazer oposição de fato ao governo petista, já que para isso teria que se opor a tudo o que defendera e implantara no país. E essa situação se mantém, e de tal modo, que o PSDB, desde então, mergulhou numa apatia que vinha se agravando a cada dia. E, com a cara de pau que o caracteriza, Lula afirmou que isso ocorre porque o partido de FHC não tem programa...
A verdade é que Lula -e agora Dilma-, tendo se transformado em autores dos projetos e programas que combateram, aliaram às medidas saudáveis do governo anterior -que liquidaram com a inflação e mantiveram estável a economia- outras abertamente populistas, visando conquistar o maior número possível de pessoas carentes.
Com isso, Lula garantiu a seu governo e seu partido uma popularidade de que jamais gozariam se tivessem persistido na pregação radical que sempre os caracterizou. Além do mais, aparelhou órgãos e empresas estatais, pondo-os todos a serviço da propaganda oficial. De tudo isso resultaram o enorme crescimento do PT nas últimas eleições e a inabalável popularidade de Lula, que assim pôde eleger para a presidência uma senhora que jamais disputara qualquer pleito eleitoral. Ela governa o país, seguindo o mesmo plano populista de seu inventor, com ampla aprovação popular.
Que perspectiva viável terá um partido de oposição, como o PSDB, em face de semelhante situação? Essa pergunta de difícil resposta tem levado muitos opositores de Lula e do petismo à indecisão e à imobilidade.
É verdade que alguns fatos recentes deram certo alento à oposição, como a derrota do governo na votação do Código Florestal e, sobretudo, o escândalo que envolveu Antonio Palocci e resultou em sua saída da chefia da Casa Civil. Mas esses episódios, se revelam a verdadeira natureza do governo petista, não bastam para afirmar a oposição como alternativa de governo. Isso só acontecerá quando os líderes oposicionistas se dispuserem a refletir sobre a situação do país, visando construir um projeto de nação.
Para concebê-lo seria necessário entender que a estabilidade econômica, se é um fator positivo, não basta para definir o futuro e garantir a melhoria real da vida das pessoas, particularmente daquelas menos equipadas para crescer socialmente. Esse projeto, o PT não é capaz de criar.
E não o é porque ele não tem nem nunca teve plano de governo. Esse tipo de partido, por acreditar que todo o mal da sociedade decorre do domínio da burguesia, imagina que basta tirá-la do poder para resolver todos os problemas. Foi por isso que, para governar, o PT teve que transformar-se em PSDB. Mas continua sem projeto próprio.
Isso significa que, não o tendo, improvisa a cada dia um novo lance populista, como o recente Brasil sem Miséria, mais um slogan do que um programa de governo. Esses programas assistenciais não são capazes de alterar qualitativamente a vida das pessoas, especialmente dos jovens, cujo futuro depende da educação de qualidade.
São previsíveis os problemas que as novas tecnologias poderão criar em nosso país, no qual seu uso se estende de forma célere sem que a isso corresponda à formação de quadros técnicos aptos a fazê-lo funcionar. Enfim, o Brasil precisa de um projeto de nação.
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Escritor argentino Jorge Luis Borges morreu há 25 anos em Genebra, na Suíça FONTE: EL PAIS 18/06
A morte em Genebra, há 25 anos, do escritor argentino Jorge Luis Borges despojou a literatura hispano-americana provavelmente de seu mais célebre ícone. Sua popularidade e ascendência contavam então com poucos rivais. Curiosamente, o tempo jogou a seu favor. E hoje, quando se reedita na Espanha boa parte de seus livros, sua obra continua sendo um farol que ilumina as novas gerações. Sua maneira de escrever, tanto como sua maneira de ler, sua audácia na hora de apagar as fronteiras entre os gêneros, de fazer poemas-ensaios, contos-poemas ou ensaios-contos, de definitivamente passar por alto a dicotomia ficção-não ficção, o transformaram em um profeta do devir da literatura moderna.
Borges morreu em 14 de junho de 1986, aos 86 anos. Não foi uma casualidade ir a Genebra para morrer, cidade com a qual tinha laços desde a infância. Borges não quis voltar a Buenos Aires diante do temor de que sua agonia se transformasse em um espetáculo nacional. A ideia o aterrorizou de tal maneira que quando soube que estava doente de câncer, durante uma viagem pela Itália, pediu por favor a sua mulher, María Kodama, que não dissesse nada e que voassem para a cidade suíça. Ali comunicou sua intenção de ficar até o final. No entanto, sua reta final não foi a de homem resignado. Durante os meses que passou esperando a morte, dedicou-se a estudar árabe. Assim sua viúva lembrou aqueles dias, durante uma homenagem ao escritor realizada na Casa da América em Madri. Também participaram, entre outros, os escritores Ricardo Piglia e Alberto Manguel, o poeta Luis García Montero, o biógrafo de Borges Marcos Ricardo Barnatán e o crítico Ignacio Echevarría.
Borges foi um escritor enormemente midiático, provavelmente um dos primeiros a se transformar em celebridade literária, mas sua fama nunca foi correspondida em número de leitores. "Essa era uma sensação que ele já tinha e que infelizmente foi corroborada depois de sua morte", afirma Kodama. Entre as estratégias comerciais para ganhar leitores de Borges está a compra há um ano por parte da Random House Mondadori dos direitos dos 54 livros de sua obra. Sempre editado na Espanha pelas casas Emecé e Alianza, Borges passou assim, em bloco, para outras mãos depois de uma negociação capitaneada por seu agente, Andy Wylie El Chacal. "Também temos os direitos digitais, e isso em Borges será muito importante", indica um diretor da Random House que nega que Borges não seja lido: "Se vende muito, sobretudo duas ou três obras suas".
Enquanto na Argentina se optou por lançar as obras completas e a edição de bolso, na Espanha, por enquanto, foram editados os contos completos e a poesia completa (ambas pela Lumen) e, na Delbosillo, "Historia universal de la infamia", "Ficciones", "El Aleph", "El libro de arena", "Historia de la eternidad" e, em um só volume, "Inquisiciones" e "Otras inquisiciones". No outono se somarão "Miscelánea" e, em um estojo de três volumes, "Textos recobrados".
Paralelamente, outras editoras aderiram a essa onda de reedições a sua maneira. A Nórdica com "Kafka Borges", uma edição ilustrada tipograficamente que inclui vários relatos de Borges para os quais Kodama deu os direitos ou, na Alfaguara, "Cuentos memorables según Jorge Luis Borges", uma antologia inspirada em uma entrevista do escritor.
Mas a voz de Borges vai além do próprio Borges. Escritor de escritores, só entre as novidades dos últimos tempos se encontra "Help a él" (Periférica), essa sequela de "El Aleph" do recém-falecido Roberto Fogwill, escritor que poderia se apresentar como a nêmese do próprio Borges, ou "El hacedor de Borges. Remake", de Agustín Fernández Mallo (Alfaguara). Para o líder da chamada Geração Nocilla, Borges é "o grau zero da literatura". "Nele se concentra toda a literatura anterior, lançando uma nova literatura que chega aos nossos dias. Tem vida. Por seu caráter poliédrico, sugestivo. Pode ser estudado a partir das matemáticas, da astrologia, da semiótica. Li 'El hacedor' com 18 anos e me abriu um mundo desconhecido."
"Foi muito útil para nós o modo como resistiu ao estereótipo sobre que tipo de escritor era", afirma Ricardo Piglia. "Era muito latino-americano e muito pouco latino-americano ao mesmo tempo. Borges contista, Borges poeta, Borges leitor? É a mesma coisa, embora o dividamos para nos entendermos. Avançou em algo que mistura ficção e autobiografia, isso que hoje se encontra em Magris ou Sebald ou em muitos outros, e que ele fez nos anos 40." É o que Alberto Manguel denomina AdB e DdB. "Existe a literatura Antes de Borges e a literatura Depois de Borges. Borges criou sua obra na medida em que a ia lendo, e ia lendo na medida em que criava sua obra. Deu poder ao leitor, o poder de decidir o que é que estamos lendo."
Kodama e o inesperado estudante de árabe
Sabe-se pouco da intimidade de Borges e menos ainda da de seus últimos dias. A viúva, María Kodama, aproveitou nestes dias sua presença na Casa da América para revelar a uma legião de fiéis leitores borgianos alguns detalhes pouco conhecidos da estrofe final de seu marido. "Para Borges a intimidade era sagrada, ele se autodenominava um cavalheiro do século 19. E foi esse pudor que o levou a querer morrer em Genebra. Não queria ver sua agonia empapelando sua cidade [Buenos Aires]", relatou Kodama.
Como prova de seu insaciável e legendário apetite intelectual, Kodama lembrou que o escritor "passou os últimos dias estudando árabe". "Ele queria que continuássemos nossos estudos de japonês, mas não encontrei nenhum professor a domicílio. Buscando o japonês, vi o anúncio de um egípcio de Alexandria que ensinava árabe. Borges se animou com a ideia. Eu lhe telefonei logo, sem reparar que eram 11 horas da noite, que na Suíça são como 4 da madrugada no resto do mundo, e lhe dei todo tipo de explicação porque não podia ter um não como resposta. Eu estava desesperada. Marquei encontro no fim de semana no hotel.
Quando abri a porta e ele viu Borges, começou a chorar. "Por que não me disse?", perguntou entre soluços. "Li toda a obra de Borges em egípcio." Eu não lhe disse nada porque queria que fosse o destino que decidisse, não queria lhe dizer que as aulas eram para Borges, preferia que pensasse que eu era só uma mulher louca. Aquele professor lhe dedicou horas belíssimas nos últimos dias de Borges, desenhando em sua mão as preciosas letras do alfabeto árabe. Tomamos chá, conversamos. Passamos divinamente."
Borges morreu em 14 de junho há 25 anos. E agora sabemos que entre todos os saberes que se extinguiram com ele contava-se também um incipiente conhecimento de árabe.
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