MEIO AMBIENTE
Código Florestal sem pressa
Dilma prorroga prazo para regularização de áreas de preservação por 180 dias. Com isso, senadores ganham tempo para votar o projeto. Fonte: correioweb.com.br 10/06
A aprovação e sanção definitiva do novo Código Florestal Brasileiro têm grandes chances de ficar para 2012. Numa tentativa de criar um ambiente favorável para a discussão do código no Senado, depois da ampla derrota na Câmara, a presidente Dilma Rousseff assinou ontem um decreto que amplia o prazo para os produtores rurais regularizarem áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal. A medida será publicada hoje no Diário Oficial da União e prorroga por 180 dias, até dezembro deste ano, o prazo dado em outro decreto para a regularização ambiental. A data final para a adequação seria amanhã, o que foi alterado pela presidente. Assim, a apreciação do Código Florestal no Senado será feita sem pelo menos um dos instrumentos de pressão em jogo. Se o texto for alterado pelos senadores, as mudanças precisarão retornar à Câmara. Isso joga a discussão para o próximo ano.
A maioria dos produtores rurais ignorou o prazo dado no Decreto nº 7.029, editado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2009, para averbar reservas legais e definir APPs em suas propriedades. A expectativa desses produtores era pela aprovação do novo Código Florestal, que institui um programa de regularização ambiental e, na prática, torna inválido o decreto de Lula. O novo código passou na Câmara, mas chegou ao Senado a poucos dias do fim do prazo do decreto. O governo, como forma de pressão, ameaçou não prorrogar a data para a regularização ambiental. A dois dias do fim do prazo, porém, a presidente Dilma decidiu atender a um pedido dos senadores pelo adiamento da data final.
Os produtores terão mais seis meses para regularizar as áreas de reserva legal. Nesse período, a base do governo tentará reverter a derrota sofrida na Câmara. Os deputados aprovaram a permissão de toda atividade agropecuária em APPs, por meio da Emenda nº 164, do PMDB; a isenção de reserva legal em pequenas propriedades; a anistia a desmatadores, desde que se cadastrem num programa de regularização ambiental; e outras mudanças consideradas pelo governo como estímulos a novos desmatamentos (é o caso da exclusão de manguezais de áreas de preservação). A expectativa da presidente Dilma é reverter as perdas no Senado, sem precisar fazer uso do poder de veto.
Pedido dos líderes
O ganho de tempo para as negociações, como desejavam senadores da base aliada, pode não garantir uma vitória do Planalto. Os dois relatores da proposta no Senado, Jorge Viana (PT-AC) e Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), têm propostas diferentes para o relatório. A base tenta garantir um texto único, de consenso, mas em pelo menos um ponto Jorge Viana e Luiz Henrique discordam completamente. O petista, relator na Comissão do Meio Ambiente, é contra a transferência aos estados da atribuição de regularizar APPs. O peemedebista, responsável pela relatoria na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Agricultura, é um ferrenho defensor dessa atribuição. Como governador em Santa Catarina, Luiz Henrique sancionou o Código Ambiental do estado, contestado no Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos defenderam a prorrogação do prazo do Decreto nº 7.029.
“A presidente Dilma acolheu a solicitação dos líderes do Senado. O prazo foi prorrogado para que haja mais tempo para a discussão política”, disse ontem a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Segundo ela, o novo prazo levou em conta o exato tempo pedido pelos senadores: 180 dias. “O governo continuará buscando um texto de consenso, que não crie insegurança jurídica, não comprometa APPs e não induza novos desmatamentos.” Presidente da Comissão de Meio Ambiente, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) afirmou que o relatório será aprovado pelo Senado até o fim do ano. “Não dá para discutir um tema como esse preso numa camisa de força. Foi por causa da falta de tempo, em razão do decreto, que o debate na Câmara se radicalizou.”
O decreto da presidente Dilma também prorroga o prazo para a regularização de reservas legais por 180 dias. Os produtores poderão, a partir daí, ser notificados por órgãos de fiscalização. Multas só poderão ser aplicadas após mais seis meses, prazo final para a averbação.
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Espetáculo discute abuso de poder no mundo corporativo
"O Contrato" evoca o teatro do absurdo para criticar a tênue fronteira existente entre vida pública e privada
Peça de Zé Henrique de Paula expande reflexão para a "perda de humanidade na vida contemporânea" Fonte: folha.uol.com.br 10/06
A devastação acontece dentro de um cubo branco vazado. Ele escancara uma sala de escritório, na qual mesa, cadeira, tudo é transparente. Inclusive a vida privada de uma funcionária.
Em "O Contrato", peça que estreia hoje, fechando o 15º Festival da Cultura Inglesa, Emma tem sua vida dissecada por seu superior.
Dirigida por Zé Henrique de Paula, a obra apresenta ao país Mike Bartlett, expoente da nova dramaturgia inglesa. Critica acidamente a tênue fronteira existente entre vida pessoal e privada na contemporaneidade.
"O Contrato" é dividido em 14 cenas bastante similares. A sensação de repetição está presente inclusive nas falas secas e sintéticas com que o gerente usa seu pequeno poder para invadir de forma progressiva a intimidade de sua funcionária.
Ele humilha, manipula e chantageia a subalterna, que a tudo resiste em nome do salário. "O personagem segue a política da empresa, mas sente um profundo prazer neste ato", diz Sergio Mastropasqua, que contracena com Renata Calmon.
O diretor aposta sobretudo na atuação para apresentar esse jogo que evoca o teatro do absurdo e, com o passar do tempo, deixa de ser patético para se tornar grotesco.
"Em "O Contrato" a discussão sobre abuso de poder na vida profissional se expande para uma reflexão sobre a perda da humanidade no mundo contemporâneo", diz Zé Henrique.
Com a movimentação dos atores, exacerba códigos que enquadram comportamentos-padrão na vida corporativa. Busca uma intersecção entre realismo e uma teatralidade quase coreográfica.
"Quis que a codificação ficasse visível nesses corpos que estancam em determinadas posições", explica. "É uma formalidade pseudo-gentil, muito comum no ambiente profissional do mundo hoje", fala Mastropasqua.
Como consequência, os personagens surgem um tanto desumanizados. "Inicialmente existe vida ao redor de Emma. Ela tenta resistir, mas em um momento não aguenta e sucumbe", fala Renata.
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Quilombolas e padres fazem greve de fome no MA Fonte: folha.uol.com.br 10/06
DE SÃO PAULO - Dois padres da CPT (Comissão Pastoral da Terra) no Maranhão e 17 quilombolas entraram em greve de fome ontem. O protesto é uma forma de pressionar pela presença da ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) para tratar sobre a questão da violência contra líderes quilombolas no Estado.
Desde a sexta-feira passada, cerca de 40 comunidades de remanescente de quilombo do Maranhão ocupam a sede do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em São Luís.
"Estamos há dois dias tentando falar com a ministra e não conseguimos", disse o padre Inaldo Serejo, coordenador da CPT no Estado. O outro padre que aderiu ao protesto é Clemir Batista da Silva.
Segundo a CPT, a lista de quilombolas ameaçados de morte no Maranhão aumentou de 52 para 59 nesta semana. A entidade diz que "pelo menos duas lideranças quilombolas no Estado sofreram tentativas de assassinato".
O padre Serejo ressalta ainda que as últimas reuniões realizadas com representantes do Incra não avançaram. "A presidente Dilma deveria dar uma ordem à ministra para vir discutir a questão da segurança aqui, que piora a cada dia."
Ainda de acordo com Serejo, a greve de fome não tem data para acabar. "Vamos avaliar a situação de cada um, mas não vamos parar enquanto não conseguirmos conversar com a ministra."
A assessoria de imprensa da Secretaria de Direitos Humanos informou que há uma equipe em Brasília cuidando do caso. Disse, ainda, que a ministra já sabe do protesto, continuará tratando a situação com prioridade e, se for preciso, irá até o Maranhão.
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Justiça desfeita EDITORIAL FSP
Supremo liberta Cesare Battisti e mantém decisão de Lula de não extraditar condenado na Itália pelo assassinato de 4 pessoas Fonte: folha.uol.com.br 10/06
Com a decisão final sobre o caso Battisti, o Supremo Tribunal Federal (STF) caiu na armadilha que montou para si próprio.
No final de 2009, quando podia ter atuado como freio e contrapeso ao excesso discricionário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo escolheu abrir mão do papel de último árbitro em questões de extradição. Não lhe restava, pois, mais que referendar a autoimposta limitação.
Cesare Battisti entrou ilegalmente no Brasil em 2004 e foi preso em 2007. Ex-militante de um grupo de extrema-esquerda nos anos 1970, o PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), havia sido condenado à prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas, na Itália, em julgamento à revelia (estava foragido de seu país desde 1981).
Uma vez preso, aqui, despertou uma solidariedade fora de época e de propósito entre ex-militantes de esquerda e antigos adeptos da luta armada, alguns deles guindados ao poder com a eleição de Lula. Então ministro da Justiça, o petista Tarso Genro concedeu-lhe refúgio, nos termos de uma lei de 1997 que previa, na hipótese, o término do processo de extradição.
A alegação de Genro, quase risível, era que Battisti sofreria perseguição política na sua pátria. Como se a Itália não fosse uma democracia plena desde os anos 1940, e dotada de um Poder Judiciário independente, ou como se a sentença do extremista não tivesse transitado em julgado.
Por outro lado, o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, determina que cabe exclusivamente ao STF decidir se pode ser considerado de natureza política um crime atribuído a extraditando. Nesse caso, a lei brasileira não autorizaria prosseguir com a extradição.
Diante da dúvida sobre as competências, o Supremo se propôs a afastá-la. Por maioria de um voto, rejeitou a tese de crime político e sustentou a extradição, de acordo com o tratado sobre o tema que o Brasil firmou com a Itália.
O STF culminou o julgamento, porém, com adendo surpreendente: a palavra derradeira, em matéria de extradição, caberia ao presidente da República. Na prática, transferiu ao comando do Executivo o papel de instância julgadora que a Constituição reserva ao Supremo na questão. Dali em diante, e não só no caso Battisti, a decisão final seria sempre do Planalto.
Lula não se fez de rogado. No último dia de seu governo, lamentavelmente, tomou a decisão que todos temiam: recusou de novo a extradição e permitiu que Battisti ficasse no país como imigrante. O governo italiano recorreu ao STF contra o ato do presidente.
No seu quinto e derradeiro pronunciamento sobre o caso, o Supremo decidiu por seis votos a três que não poderia reverter a medida de Lula. Com isso, o criminoso ganhou a liberdade, e a justiça mais uma vez deixou de se cumprir.
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Processo penal mais eficiente e humano
MÁRCIO THOMAZ BASTOS e PIERPAOLO CRUZ BOTTINI
O processo judicial ainda precisa de mudanças, mas a lei sobre prisão preventiva é mais um passo em direção a sistema penal mais razoável Fonte: folha.uol.com.br 10/06
Recentemente, foi sancionada -após dez anos de tramitação- a lei nº 12.403/11, que trata da prisão preventiva e de outras cautelares penais, merecedora de atenção.
A legislação processual penal brasileira é antiquada. Além de contribuir para a morosidade das discussões, guarda resquícios de modelo autoritário, ultrapassado e pouco afeito a garantias individuais. A racionalidade e a eficiência na aplicação do direito penal exigem um novo marco legal, que evite a eternização dos debates e a impunidade pela prescrição, mas que, ao mesmo tempo, assegure direitos fundamentais e a dignidade daqueles que são acusados mas ainda não foram condenados.
A nova lei segue essa lógica ao regulamentar as medidas cautelares pessoais no processo penal.
Cautelares pessoais são aquelas decisões do juiz, tomadas durante o processo, para impedir que o réu destrua provas, intimide testemunhas ou impeça a execução da pena, sempre que existam veementes indícios desses elementos.
Até agora, para assegurar a ordem no processo, o juiz dispunha de uma única cautelar: a prisão preventiva. O sistema processual vivia uma medíocre dualidade: ou o juiz decretava a prisão do acusado ou não determinava medida alguma.
Muitas vezes, a simples apreensão de um passaporte seria suficiente para impedir a fuga do réu, mas o juiz não dispunha dessa alternativa -ou prendia o acusado ou não agia. Agora, o Código de Processo Penal possibilita o uso de várias outras medidas menos agressivas que a prisão para controlar a ordem processual.
Permite-se, dentre outras, a suspensão do exercício de função pública, a decretação de prisão domiciliar, a proibição de acesso a determinados lugares ou de manter contato com pessoas específicas e o monitoramento eletrônico, usado para controlar o cumprimento das medidas fixadas pelo juiz.
A prisão preventiva continua prevista, mas deixa de ser a cautelar única. Seu uso será limitado aos casos mais sérios, sempre que o juiz constate grave tumulto à ordem processual causado pelo réu ou quando as outras medidas tenham sido descumpridas.
Além de assegurar a proporcionalidade, a nova regra contribui para diminuir o impressionante número de presos provisórios no Brasil -32% dos 470 mil presos são provisórios, sendo que tal número cresceu 247% nos últimos dez anos.
Outra novidade que merece destaque e atenção é a salutar proibição da decretação de prisão preventiva nos crimes punidos com pena igual ou inferior a quatro anos.
A inovação faz todo o sentido. Os condenados por esse tempo de prisão não vão presos ao final do processo. Sua pena, pela lei, é substituída por restrição de direitos. Ora, se mesmo com a condenação o réu não será preso, não é lógico restringir sua liberdade durante o processo, antes da decisão final do juiz.
Em síntese, as novas regras não apenas concretizam direitos fundamentais como conferem racionalidade ao sistema processual. Evitam-se longas discussões sobre a qualidade das medidas cautelares, e, ao mesmo tempo, não se banaliza a prisão, reservada a casos mais graves, aos réus mais perigosos.
O processo judicial brasileiro ainda precisa de transformações, mas a nova lei é bem-vinda: ela é mais um passo em direção a um sistema penal mais célere, razoável e civilizado.
MÁRCIO THOMAZ BASTOS, advogado criminalista, foi ministro da Justiça (2003-2007).
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, advogado, é professor doutor de direito penal da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005-2007).
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CLÓVIS ROSSI
Indecências, públicas e privadas Fonte: folha.uol.com.br 09/06
SÃO PAULO - Indecência 1: é a do setor privado, das empresas que contrataram Antonio Palocci e mantiveram ensurdecedor silêncio durante a agonia do agora ex-ministro, mas sempre consultor.
Nenhuma delas teve a decência de vir a público para dizer algo como: sim, contratamos Palocci porque é um especialista de grande capacidade que nos ajudou muito em nossos negócios. Nenhuma.
Tampouco as entidades empresariais que enchem a boca para falar de "responsabilidade social" moveram os lábios. Só pode dar margem à suspeição de que a contratação de Palocci não se deu pela qualificação dele, mas pelos contatos que tinha -e tem- no poder.
Agora, mais que nunca, portanto, é indispensável conhecer a lista de contratantes de Palocci e, principalmente, dos negócios que fizeram, se fizeram, com o governo federal. Ah, também se contribuíram financeiramente para a campanha de Dilma Rousseff da qual o consultor era o coordenador.
Indecência 2 - A da presidente Dilma Rousseff. Líder que é líder só tem uma de duas atitudes a tomar numa situação do gênero: ou defende ferozmente o auxiliar posto na berlinda, se acredita nele, ou o afasta, ao menos provisoriamente, até que tudo se esclareça.
Dilma não fez nem uma coisa nem a outra. Deixou que o cadáver insepulto de Palocci desfilasse em praça pública até cravar-lhe a estaca de madeira no peito.
Indecência 3 - A do PT, cuja atitude foi ainda pior do que a de Dilma, salvo pouquíssimas exceções. Além de nem defender o acusado nem pedir a sua cabeça ainda brincou de corte borgiana, com punhais brilhando no escuro.
Apesar de serem indecências visíveis a olho nu, aposto que tudo estará rapidamente esquecido. Afinal, estamos no Brasil. Nem a oposição quer, de fato, a lista das contratantes do ex-ministro. Como diz aquela propaganda de seguro: vai que.
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Artigo
Um homem experiente em derrotas
Washington Novaes
Fonte: opopular.com.br 08/06
Noticia o jornal O Estado de S.Paulo (20/5) que o Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma) vai publicar um livro de ensaios sobre o escritor e crítico de arte Mário Pedrosa, falecido em 1981. O livro incluirá entre 60 e 70 textos, alguns inéditos, do próprio Mário. E o Moma tomou a iniciativa porque "não temos hoje alguém que possa trabalhar em tantas esferas diferentes, como a crítica, a política e ainda erguer museus".
É um projeto importante para o Brasil. Como diz a filósofa Otília Fiori Arantes, Mário Pedrosa "foi o principal responsável pela modernização de nossas artes na segunda metade do século 20". Ou, como assinala o crítico Paulo Herkenhoff, "na década de 20 ele partiu do modernismo e chegou ao contemporâneo, sendo ainda um pioneiro do pós-modernismo, interessado no imaginário, na luta pela liberdade". Por isso mesmo, pode-se acrescentar, foi também uma extraordinária cabeça política, com forte influência no seu tempo, influenciando vários movimentos, inclusive a fundação do PT.
O autor destas linhas teve o privilégio de conviver com Mário Pedrosa nas décadas de 1960 e 1970, no Rio de Janeiro. De vê-lo, já andando com dificuldade, mas na primeira fila dos que acompanhavam ao túmulo, em 1968, o corpo do estudante Edson Luís, morto pela polícia em meio a um protesto contra a ditadura. Depois, testemunhou, com tristeza, Mário refugiado no consulado do Chile, ocupando o quarto de empregada em companhia de um líder sindical. E o viu seguindo para o exílio - um enorme desperdício de talento num país tão carente -, sob a acusação de que fazia parte de um movimento que divulgava no exterior notícias de torturas a presos políticos no Brasil (era considerada crime a divulgação, não a tortura).
No Chile, Mário foi o criador do Museu da Solidariedade, com obras doadas por artistas do mundo inteiro, a começar por seu amigos Picasso e Calder. Mas com a deposição do presidente Salvador Allende, teve - perseguido de novo - de refugiar-se outra vez em embaixada e seguir para o México, depois para a França, onde ficou até o final da década de 70. Ao chegar, assediado por jornalistas que lhe perguntavam sobre o que estava acontecendo de novo, de mais importante, nas artes plásticas no mundo, Mário deixou-os todos assombrados, ao dizer que eram "a arte plumária, as esculturas em madeira e a cerâmica dos nossos índios". E não era "blague", era convicção mesmo.
Logo que chegou, fomos - o psicanalista Hélio Pellegrino e este escriba - visitá-lo em seu modesto apartamento de Ipanema, no Rio. E Mário, já quase com 80 anos, contou emocionado que poucas horas antes, ao atender à campainha de sua casa, encontrara um jovem desconhecido e barbudo, mal vestido, que lhe pediu desculpas por incomodá-lo. Mas explicou: "Eu sou do movimento estudantil e fui encarregado de ouvi-lo, porque, como vamos de derrota em derrota, achamos que seria importante escutar a palavra de uma pessoa experiente em derrotas como o senhor".
Mário Pedrosa contou isso chorando, muito emocionado de haver sido procurado por tratar-se de uma pessoa "experiente em derrotas". Também por isso, seria interessante que se reeditassem hoje obras suas como A Opção Imperialista e A Opção Brasileira , que a editora Civilização Brasileira publicou em 1966, escritas "ainda sob o impacto da derrubada de João Goulart" e da implantação da ditadura militar. São livros em que ele analisa o processo de formação da "política imperial" dos Estados Unidos, suas tentativas de ampliar a influência na América Latina através de programas como a Aliança para o Progresso, os caminhos que privilegiavam a manutenção de países como o Brasil atados apenas ao setor primário - barrando por um tempo o caminho da produção industrial e da exportação de seus bens.
É pena que, na atual balbúrdia do setor político brasileiro, não se tenha aqui Mário Pedrosa para analisar, por exemplo, os caminhos trilhados no poder pelo partido que ajudou a fundar e do qual era entusiasta - e os lugares a que chegou. Como seria interessante ouvi-lo sobre a trajetória do PMDB, força motriz dos movimentos pela restauração do regime constitucional, hoje mergulhado nos mesmos dramas. Ou a aliança entre os dois partidos, com enormes concessões aos caminhos que Mário analisou em seus livros. Mais ainda, "experiente em derrotas", poderia ajudar os interessados na escolha de outras possibilidades - já que parece evidente o esgotamento das trilhas que desembocaram nos atuais impasses. O País está precisando disso. Não pode seguir com os formatos em que parece cada vez mais evidente o descolamento entre a imensa maioria da corporação política e a sociedade em geral - com os cidadãos mergulhados no que tem sido chamado neste espaço de "retórica da indignação" (com o descaso, a incompetência, a corrupção), mas incapazes de se reunir, de discutir e formular novos projetos políticos.
Só uma certeza: Mário surpreenderia com a resposta, tal como aconteceu com a opinião sobre a arte dos índios, em sua volta do exílio.
Washington Novaes é jornalista
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