sábado, 10 de março de 2012


CIBERATIVISMO.  Revolta egípcia, com ou sem twitter http://www.diplomatique.org.br/  ( 06/03)


O argumento de que as redes sociais têm influência no incitamento à rebelião costuma se basear na seguinte premissa: as mobilizações dependem da disponibilidade de informação que traga à tona uma verdade até então oculta. Portanto, as mídias on-line teriam um papel na tomada de consciência da população

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Em janeiro de 2011, o planeta acompanhou pelas telas o desenvolvimento da revolução egípcia. O levante foi transmitido ao vivo, como se câmeras, tweets e páginas do Facebook houvessem captado um thriller político protagonizado por milhões de atores. De estandartes em punho, tais atores organizaram manifestações para alertar as mídias e, através delas, a “comunidade internacional”. Não é de admirar que Wael Ghonim, jovem executivo do Google preso por um breve período durante as manifestações, tenha lançado a seguinte frase: “Se você quer uma sociedade livre, basta lhe dar acesso à internet”.1

Os acontecimentos no Egito oferecem um terreno ímpar para a verificação da validade dessa máxima: uma decisão de Hosni Mubarak, ainda no poder, foi uma experiência em escala natural para medir o peso político das mídias sociais.

Na manhã de 28 de janeiro de 2011, as autoridades do país decidiram interromper completamente as comunicações via internet e redes de telefonia móvel. Foi precisamente a partir desse momento que a mobilização popular decolou de verdade. A Praça Tahrir continuou coalhada de gente, enquanto outras cidades, como Alexandria e Suez, passaram a exibir manifestações. No Cairo, nossa análise de diferentes pontos de manifestação durante os dezoito dias do levante mostrou um aumento pronunciado e repentino de sua dispersão espacial:2 enquanto nos dias 25, 26 e 27 de janeiro de 2011 havia um local único de manifestação (a Praça Tahrir), no dia 28 eles saltaram para oito pontos. Ao cair da noite, nessa data, a multiplicação dos focos de protesto dificultou a tarefa da ordem.3 Por volta das 19 horas, o Exército foi chamado a colaborar, mas se recusou a intervir. Alguns dias depois, o regime de Mubarak, que durava trinta anos, ruiu.

O argumento de que as redes sociais têm influência no incitamento à rebelião costuma se basear na seguinte premissa: as mobilizações dependem da disponibilidade de informação que traga à tona uma verdade até então oculta. Portanto, as mídias on-line teriam um papel na tomada de consciência da população. No caso do Egito, elas teriam revelado a amplitude da opressão, levando as pessoas recém-informadas a passar para a ação.

Mas ocorre que as comunicações verdadeiramente insurgentes costumam permanecer invisíveis. Quando não é assim, a elite dominante as detecta e proíbe, em geral de maneira imediata. Aliás, a informação “revolucionária” nem sempre é confiável. Um exemplo disso pode ser buscado na Revolução de Veludo em Praga,4 quando falsos rumores sobre a morte brutal de um estudante de 19 anos colocaram lenha na fogueira. Outro, na queda do Muro de Berlim: pelo menos em parte, ela se deveu a uma declaração deturpada em uma coletiva de imprensa que, indo ao ar na Alemanha Oriental, incitou os manifestantes a passar livremente para Berlim Ocidental.5

Em tempos de agitação popular, portanto, o exagero e a falta de informação podem ser mais eficazes que detalhados relatórios dos abusos do poder. Se as mídias sociais favorecem a mobilização política, não é porque contribuem para a emergência da verdade.

A propaganda centralizada do Estado costuma ser chamada de “ópio do povo”. Mas, de maneira mais sutil, as novas mídias sociais também podem desencorajar a tomada coletiva de riscos. O que assegura a manutenção da ordem são menos o controle e a vigilância que o poder exerce sobre os indivíduos do que sua visibilidade aos olhos dos outros. Assim, o status quo não deriva necessariamente de uma coerção efetiva, mas da certeza de que ela ocorre. Quando esse conhecimento comum desaparece, a população é capaz de forjar uma concepção de risco independente do Estado.

Em um grupo composto de uma maioria que se opõe à tomada de riscos e uma minoria radical, injetar mais informação – mesmo não censurada – no interior da maioria não intensifica necessariamente a mobilização. Já a interrupção dos meios de comunicação habituais fissura a unidade dos grupos de cidadãos que se opõem à tomada de riscos. Novos laços se formam, o que dá mais peso aos radicais e lhes proporciona novas oportunidades de organizar as pessoas mobilizadas e descentralizar as manifestações, complicando o trabalho das forças da ordem.



O mundo “real”

No Cairo, em 28 de janeiro de 2011, o bloqueio dos meios de comunicação pelo regime forçou os egípcios a encontrar novas formas de propagar, coletar e talvez até produzir informação. Um exemplo: as pessoas que estavam preocupadas com seus entes queridos não tinham outra escolha a não ser sair para tentar obter notícias. Fazendo isso, engrossaram a multidão nas ruas. Durante os confrontos que eclodiram na cidade, muitos centros locais – praças públicas, prédios estratégicos, mesquitas – foram transformados em pontos de aglomeração.

Nos dias seguintes, apesar da fragilização do regime e do crescimento da multidão na Praça Tahrir, o retorno das redes de comunicação não levou a um novo aumento da dispersão das manifestações. Assim, podemos estimar que a interrupção dessas redes ajuda a explicar um fenômeno: o governo egípcio foi privado de um meio de intimidação eficaz, a possibilidade de sugerir que uma repressão mais dura responderia à mobilização. As informações sobre a possibilidade de tal repressão não poderiam proliferar nas redes sociais e dissuadir os manifestantes.

Desse modo, a perturbação das comunicações por internet e telefonia móvel no dia 28 de janeiro de 2011 teria exacerbado a agitação popular de três maneiras distintas. Em primeiro lugar, permitindo a mobilização de cidadãos que até então não acompanhavam os eventos com particular interesse ou não se importavam muito com isso. Em segundo lugar, reforçando os contatos “em carne e osso”, favorecendo a ocupação do espaço público. Por fim, levando à descentralização dos locais de revolta, por meio de táticas de comunicação híbridas, produzindo um atoleiro bem mais difícil de controlar do que uma multidão concentrada apenas na Praça Tahrir.

Um processo semelhante parece ter se dado em Damasco, em 3 de junho de 2011. Após várias semanas de repressão violenta, o governo sírio decidiu utilizar a mesma tática do regime de Mubarak. Na sexta-feira, 3 de junho, a internet foi cortada em todo o país por 24 horas, com o objetivo de impedir uma mobilização em massa. “As manifestações de sexta-feira parecem ser as maiores das dez semanas de revolta”, escreveu um correspondente da Associated Press que estava em Beirute. “Um grande número de pessoas se reuniu em cidades e aldeias que até então não tinham essa mobilização. Manifestantes também se reuniram em diversos subúrbios de Damasco, onde as manifestações se concentraram nas últimas semanas.”6 Proliferação das manifestações e aumento de sua dispersão espacial: mesmo cenário do Egito.

Devemos então concluir que a censura do Twitter é mais revolucionária que o Twitter?

Navid Hassanpour

Doutorando em Ciência Política na Universidade de Yale, Estados Unidos
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Cultura vai distribuir R$ 133 milhões até abril.  O Estado de S. Paulo - 09/03/2012


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O Ministério da Cultura anunciou ontem que distribuirá R$ 133 milhões, cerca 50% das verbas do Fundo Nacional de Cultura, até abril. A maior parte dos recursos será usada para financiar ações em convênios com Estados e municípios, como os chamados Pontos de Cultura - oficinas, cursos, produção de espetáculos e eventos culturais selecionados pelos governos locais -, que receberão R$ 48 milhões.

As 12 cidades que serão sede da Copa do Mundo de 2014 também serão beneficiadas. A intenção é financiar iniciativas de pequenas empresas que trabalhem com cultura.

A região da Bacia do São Francisco e o Pelourinho, em Salvador, vão receber R$ 16 milhões cada. No primeiro caso, para projetos culturais em 500 cidades; no segundo, para restauração de imóveis. Há recursos ainda para a criação de museus em cidades com até 50 mil habitantes, instalação de núcleos de cultura negra e incentivos a feiras do livro.

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DIREITO AMBIENTAL
Livro esclarece Lei dos Crimes Ambientais
Escrita pela advogada Gina Copola, a obra “A Lei dos Crimes Ambientais comentada artigo por artigo: Jurisprudência sobre a matéria” esmiúça a norma brasileira que define o que é considerado crime contra o meio ambiente no Brasil e quais as suas punições. O lançamento do livro acontece nesta terça-feira, 06/03, na cidade de São Paulo.  http://planetasustentavel.abril.com.br/ 06/03/2012
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Sancionada em 1998 pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, a Lei nº 9.605, conhecida popularmente como a Lei dos Crimes Ambientais, é o tema do livro A Lei dos Crimes Ambientais comentada artigo por artigo: Jurisprudência sobre a matéria, escrito pela advogada Gina Copola.

A obra, que já está em sua segunda edição, reúne comentários explicativos da autora a respeito de cada um dos artigos que constituem a Lei, que define o que é considerado crime contra o meio ambiente no Brasil e quais as punições cabíveis para cada uma dessas infrações.

Entre as práticas consideradas criminais na Lei estão:
- comercializar, aprisionar, transportar e matar animais silvestres, nativos ou em rota migratória;
- maltratar ou abusar de qualquer espécie de animal;
- realizar experiências dolorosas ou cruéis em animais vivos, ainda que para fins didáticos ou científicos, caso exista recursos alternativos;
- destruir ou maltratar plantas ornamentais;
- fabricar, vender, transportar ou soltar balões;
- pichar, grafitar ou sujar, de alguma outra forma, edificações ou monumentos urbanos e
- dificultar ou impedir o uso público das praias do país.

O lançamento da obra acontece nesta terça-feira, 06/03, às 19h, na Livraria da Vila, em São Paulo, com presença da autora, Gina Copola. Os interessados podem comprar o livro nas lojas especializadas de todo o país e, também, no portal da Editora Fórum, responsável pela publicação da obra.

A Lei dos Crimes Ambientais comentada artigo por artigo: Jurisprudência sobre a matéria
Autor: Gina Copola
Editora Fórum
2ª edição
205 páginas

Lançamento
Data: 06/03
Horário: 19h
Local: Livraria da Vila
Endereço: Alameda Lorena, nº 1731, Jardim Paulista - São Paulo/SP
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Instituto Chico Mendes sem comando.  O Globo - 10/03/2012
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Presidente do órgão pediu demissão por divergências com a ministra Izabella BRASÍLIA. Como se não bastasse o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar inconstitucional a criação do Instituto Chico Mendes (decisão que durou apenas 24 horas), o órgão está acéfalo. Desde o carnaval, o presidente do instituto, Rômulo Mello, entregou sua carta de demissão à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que a aceitou. A ministra entrega à presidente Dilma Rousseff uma lista com três nomes para substituí-lo na próxima semana. Até que a troca seja feita, a gestão das 310 unidades de conservação federais está nas mãos da interina de Rômulo, Silvana Canutto. A saída de Rômulo, que é funcionário de carreira do Ibama há mais de 20 anos, se deve a um desgaste na relação dele com Izabella. Desde que o órgão foi criado, em 2007, coube a ele a coordenação de um ninho de problemas incrustado nos parques, florestas e reservas ambientais do governo, que, somadas chegam a 75 milhões de hectares, 8,8% do território do país. Grande parte das unidades de conservação não conta com uma estrutura mínima, como fiscais e administrações, e sequer estão demarcadas. Além disso, o próprio Instituto Chico Mendes estima que metade das unidades está ocupada por posseiros que têm de ser retirados e indenizados, o que custaria aos cofres públicos R$ 30 bilhões, dez vezes o orçamento do órgão. O problema vem se acumulando desde que a primeira unidade de conservação foi criada, em 1937. O Parque Nacional de Itatiaia (RJ), o mais antigo do Brasil, foi criado naquele ano, e até hoje, tem dentro de seus limites gado e cerca de 150 colonos. Izabella já manifestou sua insatisfação com esse problema. Ela reclamava em público de Rômulo e cobrava mais criatividade para resolver a situação, que passa pela carência de recursos e pessoal. Outro ponto que contribuiu para a saída de Rômulo foi a dificuldade que o órgão enfrenta para gastar recursos da Compensação Ambiental, percentual que todo empreendimento que afeta unidades de conservação é obrigado a pagar ao governo. A cobrança foi parar na Justiça e só no final do ano passado o imbróglio foi resolvido, mas até hoje o gasto efetivo da verba é irrisório.
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Literatura:  Popvest.  Um malandro nacional
Memórias de um Sargento de Milícias é uma espécie de certidão de nascimento literária do jeitinho brasileiro
Manoel Antônio de Almeida: escritor morreu jovem, em um naufrágio
LIVRO:
Memórias de Um Sargento de Milícias
Ano de publicação em livro – 1854
Escola literária a que costuma ser vinculado – Romantismo O POPULAR/GO 09.03
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O ano de 1881 marca o início do realismo na literatura brasileira, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Se o marco fosse recuado em quase 30 anos, mais precisamente para 1855, com o aparecimento de um outro Memórias..., não estaria de todo errado – em que pese a opinião contrária de Mário de Andrade –, pois expressaria o embate em torno de uma obra que divide a opinião de críticos literários como Antonio Cândido, José Veríssimo, Darcy Damasceno, Josué Montello e o próprio Andrade. Assim, Memórias de Um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é uma dessas obras temporãs em relação às classificações dos estilos de época e escola literária, que evidenciam como essas fronteiras são diáfanas.
Curiosidades históricas envolvendo autor e obra não faltam. Nascido em 1831, no Rio de Janeiro, Manoel Antônio de Almeida é o segundo dos quatro filhos de um modesto casal de portugueses. Apesar das dificuldades financeiras da família, Almeida obteve êxito nos estudos, formando-se médico, profissão que não chegou a exercer. Aos 20 anos de idade estreava na imprensa, atividade que se revelaria uma grande vocação, escrevendo o artigo Civilização dos Indígenas. Neste trabalho, ataca rispidamente o projeto do historiador Francisco Adolfo Varnhagen, que propunha restabelecer o movimento das bandeiras para ocupar a terra dos índios e escravizá-los. Era a veia romântica do escritor, voltada para o indianismo que marcou importante segmento estético do romantismo brasileiro.

Em A Pacotilha, suplemento dominical do Correio Mercantil, Antônio de Almeida publica Memórias de Um Sargento de Milícias em capítulos que não são assinados. Isto ocorre no período que vai de 27 de junho de 1852 a 31 de julho de 1853. Em 1855, sairia pela Typografia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro o volume da obra, assinado ainda sob o pseudônimo de Um Brasileiro. Em 1858, é nomeado administrador da Tipografia Nacional, cargo em que deu oportunidade de trabalho a um tímido mulato, desconhecido à época, um certo Joaquim Maria Machado de Assis, que se tornaria o maior escritor brasileiro de todos os tempos na opinião de parcela significativa da crítica literária nacional.

Na manhã de 28 de novembro de 1861, Almeida morre no naufrágio do vapor Hermes, acidente ocorrido a algumas milhas da costa. Há quem afirme que antes de embarcar o escritor tivera um mau agouro em relação à viagem ao cruzar pelo caminho com um sacerdote católico.

Estudos clássicos

A narrativa de Memórias de Um Sargento de Milícias se passa à época de d. João VI, no começo do século 19 (que o vestibulando deverá grafar em algarismo romano). Leonardo Pataca e Maria das Hortaliças, pais de Leonardo Filho, o protagonista, se conhecem e passam a viver juntos a partir de uma viagem de navio para o Brasil. Já em terra, após o nascimento e o batizado do menino, “filho de uma pisadela e de um beliscão”, Pataca flagra a mulher com outro homem. Os amantes fogem para Portugal. Com a separação, o menino é criado por um padrinho.

Da infância à fase adulta, Leonardo desenvolverá um caráter totalmente despreocupado e voltado às travessuras, acabando por se dar bem na maioria das vezes. A sua malandragem atrai a simpatia de outras personagens. Sua experiência no mundo da vadiagem faz com que, finalmente, seja escolhido por Vidigal, o temido chefe de polícia da cidade, para ocupar o cargo na tropa de soldados. Ao final, Pataca Filho se tornará sargento de milícias por conta da influência de Maria-Regalada junto a Vidigal, com a promessa de uma futura união caso o major se mostrasse complacente com as faltas de Pataca.

Este enredo insólito para a estética romântica da época, com a presença do anti-herói que nega as qualidades do herói do romantismo tradicional, leva Mário de Andrade a concluir pela definição da obra como um romance picaresco, que se caracteriza pela presença do pícaro (malandro, bufão) que narra suas aventuras repletas de malandragens pelas diversas camadas da sociedade. Segundo Andrade, a verdadeira filiação de Memórias... é essa. Em seu ensaio sobre o romance de Manuel Antônio de Almeida, afirma Andrade de maneira até certo ponto contraditória: “Apesar desta preocupação antirromântica, não creio acertada a crítica nacional, ao repetir que o romance é realista e naturalista, não lembra obra estrangeira nenhuma anterior a ele, e é precursor do realismo e do naturalismo francês.”

Se a obra é precursora do realismo e do naturalismo francês, não há muita razão para que não possa ser considerada como sendo vinculada a estas estéticas, entendidas aqui como a representação artística própria dos movimentos realistas e naturalistas, que guardam relativa afinidade entre si. Mais que isto. A literatura brasileira novecentista andou sempre a reboque do que se fazia na Europa, principalmente na França, a grande matriz cultural do século 19. Mário de Andrade parece subestimar esse dado em seu estudo, uma vez que Manoel Antônio de Almeida, como precursor das estéticas realistas e naturalistas, representa um feito notável para as letras nacionais. De uma só pena, Almeida revela-se precursor não só do magistral Machado de Assis como também das duas importantes escolas literárias francesas.

Mais adiante, Andrade concluirá o seu estudo sobre Memórias... afirmando: “O seu falso realismo sarcástico é a consequência de uma concepção pessimista da vida, revoltada e individualista.” Em História Concisa da Literatura Brasileira, o crítico literário Alfredo Bosi endossará a filiação do romance almeidiano à escola realista, concluindo a sua análise nestes termos: “As Memórias... nos dão, na verdade, um corte sincrônico da vida familiar brasileira nos meios urbanos em uma fase em que já se esboçava uma estrutura não mais puramente colonial, mas ainda longe do quadro industrial-burguês.”

Um contraponto à posição de Mário de Andrade, escrita em 1941, é apresentada por Darcy Damasceno em 1956, que prefere classificar o romance de Almeida como de costume. A síntese da tese de Andrade, e da antítese de Damasceno, é apresentada por Antonio Cândido num clássico ensaio intitulado Dialética da Malandragem, publicado originalmente em 1970. Nesse trabalho que evoca a dialética hegeliana em sua metodologia expositiva, Cândido aponta o que é pertinente ou não nas análises de Mário de Andrade e Darcy Damasceno. E conclui que o romance de Manuel Antônio de Almeida, apesar de seus traços picarescos e realistas, está mais para uma “fábula realista composta em tempo de allegro vivace (animação)”.

Acerca do romance picaresco, de origem espanhola, Cândido assevera em Dialética da Malandragem que ele é narrado em primeira pessoa, o que não é o caso de Memórias de Um Sargento de Milícias, cujo foco narrativo é em terceira pessoa. O crítico aponta em seu estudo o contexto cultural em que Memórias... foi produzido: “De fato, para compreender um livro como as Memórias..., convém lembrar a sua afinidade com a produção cômica e satírica da Regência e primeiros anos do Segundo Reinado – no jornalismo, na poesia, no desenho, no teatro. Escritas de 1852 a 1853, elas seguem uma tendência manifestada desde o decênio de 1830, quando começam a florescer jornalzinhos cômicos e satíricos, como O Carapuceiro, do padre Lopes Gama (1832-34; 1837-43; 1847), e O Novo Carapuceiro, de Gama e Castro (1841-42). Ambos se ocupavam de análise política e moral por meio da sátira dos costumes e retratos de tipos característicos, dissolvendo a individualidade na categoria, como tende a fazer Manuel Antônio.”

Um consenso entre os críticos é que a obra de Almeida não se preocupa em apontar importantes fatores sociais da época, como a violência e o problema da escravidão, contextos fundamentais para a vida da então capital federal. Numa contextualização atual da obra, mesmo que correndo o risco da superficialidade, não dá para deixar de pensar em Memórias de Um Sargento de Milícias como uma espécie de certidão de nascimento literária do famoso “jeitinho brasileiro”, com todas as implicações desse malfadado jeito de ser tupiniquim. Neste particular, a saga com matizes picarescos de Pataca lembra em muito a vida política dos nossos dias, quando indivíduos totalmente despreparados para desempenhar funções públicas em qualquer escalão são guindados a postos-chaves por um repulsivo processo de apadrinhamento que atropela princípios civilizatórios básicos como o da meritocracia.

Assim, tanto no plano formal quanto no plano estético da historiografia literária, uma conclusão possível para Memórias de Um Sargento de Milícias – que está mais para uma confirmação – é que, de fato, as fronteiras que demarcam as escolas e os movimentos literários são mesmo muito fluidas.

Gismair Martins Teixeira é doutorando em Estudos Literários pela UFG e professor licenciado da Secretaria de Educação do Goiás, lotado no Colégio Estadual Waldemar Mundim



O autor

Manuel Antônio de Almeida (1931-1961) morreu antes de completar 30 anos. Mesmo com uma vida tão curta, ainda se formou em medicina, trabalhou na Tipografia Nacional e teve destaque na imprensa da época, sendo redator no jornal Correio Mercantil. Também deu aulas no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. No momento em que se preparava para ingressar na política, morreu no naufrágio do navio Hermes. Órfão desde os 13 anos de idade, passou por dificuldades financeiras e não chegou a exercer a profissão de médico. Sua única obra, além do romance Memórias de Um Sargento de Milícias, é a peça teatral Dois Amores, que veio a público no ano de sua morte.
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Presídios e hospitais Circe Cunha // circecunha.df@dabr.com.br CORREIO BSB 10.03
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Hospitais dão pouca importância ao doente. Primeiro a papelada e o questionário. Garantias de pagamento. A internação exige dinheiro ou cheque. Assinaturas em diversos documentos. Cartão de crédito, cheque caução. Consultam sobre fundos. Planos de saúde, mais trabalho. Fax, e-mail, telefonemas, formulários, aprovações. Há os hospitais com profissionais despreparados. Não informam o próximo passo fazendo com que o tempo para as soluções triplique. Atendem mascando chiclete ou discutem a escala enquanto a família aguarda notícias. Há os generosos e gentis. Chamam pelo nome e não “tio” ou “mãe”. Mas não dispensam que o paciente redobre a atenção e leia tudo o que assina, exija laudos, recibos e carimbos. Esse é o problema. Só quem sabe quanto vai custar o atendimento é quem está do lado de lá do balcão. Eles têm uma tabela particular. O doente só vai saber quanto tudo custou quando a conta chega. Pior de toda essa história é que os hospitais contam com a vulnerabilidade dos familiares em não falar em dinheiro quando o que está em jogo é a vida de um ente querido. (Circe Cunha)

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A cabeça de Salman Rushdie
Dois livros do controverso autor britânico são reeditados no Brasil e trazem sua leitura particular sobre a Índia CORREIO BSB 10.03
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Por uns bons anos, Salman Rushdie andou mais sumido que Salinger. Sua segurança era assunto de Estado no Reino Unido. Ele não dava entrevistas, não aparecia em público. Mesmo assim, seus livros ganhavam traduções e edições mil pelo mundo.

Quer dizer, pelo mundo ocidental. Claro. No mundo oriental, àquela altura, Salman Rushdie era um autor, no mínimo, controverso. Seu terceiro romance, Versos satânicos (1988), foi lido como blasfemo por importantes líderes muçulmanos. Rushdie teria tomado liberdades demais em cima de algumas passagens do Alcorão.

O aiatolá Khomeini, líder político-religioso do Irã, chamou para si a bronca e expediu uma sentença de morte contra Rushdie em fevereiro de 1989. A fatwa de Khomeini lançou o escritor em uma espécie de clandestinidade. Rushdie mudava de casa a cada par de semanas na Inglaterra e trocou a companhia da família pela de agentes do serviço secreto britânico.

           
O último suspiro do mouro De Salman Rushdie. Tradução de Paulo Henriques Britto. Editora Companhia das Letras, 504 páginas. R$ 29.

Outros líderes religiosos aproveitaram a fatwa e deram um gás na estória: uma recompensa de US$ 3 milhões pela cabeça de Rushdie. De modo que nem mesmo a morte de Khomeini, pouco depois, maio de 1989, fez com que a caçada sossegasse.

Rushdie parece já ter passado pelo pior. Aos poucos, foi deixando os abrigos. Hoje ele frequenta o jet set internacional, é amigo do Bono, faz pontinhas descoladas em filmes e séries de tevê, namora atrizes e modelos. Hoje é recebido por reis e rainhas, atende por Sir Salman Rushdie e se tornou um defensor internacional da arte e da liberdade de expressão.

Seu tradutor para o japonês não teve a mesma sorte: Hitoshi Igarashi foi esfaqueado à morte dentro da faculdade em que dava aulas de literatura.

Enfim. Salman Rushdie também não está livre de ainda ser tomado como alvo por um maluco qualquer. Por via das dúvidas, em janeiro cancelou sua participação em uma feira literária em Jaipur, na região do Rajastão, Índia. Informes da inteligência britânica alertaram que aquela não seria uma viagem segura.

           
Oriente, ocidente De Salman Rushdie. Tradução de Melina R. de Moura. Editora Companhia das Letras, 168 páginas. R$ 21.

Cidadão inglês de origem indiana, Salman Rushdie vive na Inglaterra desde jovem. Mas faz da Índia, e daquela mistura de etnias e culturas, o verdadeiro centro de sua obra. Como se pode ver em dois livros recém-relançados no Brasil. Justamente os dois livros por ele publicados ainda no momento de maior turbulência da fatwa.

O último suspiro do mouro (1995) foi o quarto romance de Rushdie, o primeiro após Versos satânicos. É uma aventura surpreendente, uma alegoria de fundo histórico e político e cultural que pode ser entendida de várias maneiras, inclusive como uma resposta à intolerância da qual foi vítima.

Oriente, ocidente (1994) é bem parecido, ainda que seja de outra ordem. Esta é uma coletânea de contos, a primeira da bibliografia de Rushdie. Todos foram escritos nos anos anteriores. Ou seja, escritos em subterrâneos, em bunkers da Scotland Yard, em endereços que não podem ser revelados.

Muitos desses contos foram feitos sob encomenda para revistas como Atlantic Monthly, New Yorker, Granta e London Review of Books. Ou seja, podem tanto ser lidos como mensagens lançadas ao mar quanto como demonstrações do enorme prestígio que este náufrago já alcançara, um prestígio que seguia intocado mesmo após uma polêmica religiosa sem precedentes.

Esses dois livros estão sendo reeditados pela Companhia das Letras a preços camaradas em sua coleção de bolso. A mesma coleção já contava com Versos satânicos em seu catálogo. Eles podem manter o leitor brasileiro ocupado enquanto Rushdie não libera seu aguardado livro de memórias, previsto para este ano ainda.

Prestes a romper
O último suspiro do mouro é uma aventura delirante. Como só poderia ser delirante uma estória que começa com os navegantes portugueses dando com os costados em terras da Índia. Lá acompanharemos quatro gerações de uma família portuguesa, descendente dos colonizadores, que conhecerá ascensão, declínio e uma mágica redenção ao longo das turbulências do século 20 na Índia.

Nosso guia por essa epopeia luso-indiana é Moraes Zogoiby, o tal mouro do título. Zogoiby tem sangue português, árabe e judeu. Zogoiby é filho de uma linda artista plástica. Mas ele é feio e defeituoso. Não tem a mão direita, a mão que sua mãe usa pra pintar. E envelhece com o dobro da velocidade que uma pessoa normal.

Aos vinte e poucos anos, Zogoiby já é um édipo quarentão que entra em conflito com os pais e acaba posto para fora de casa. Mas ele é também o último varão da dinastia Da Gama-Menezes...

Zogoiby assume a narração de O último suspiro do mouro para desenrolar o novelo. E não é pequeno esse novelo: são quase 500 páginas de cobiça & traição que se abrem com os tataravós de Zogoiby, prósperos comerciantes de especiarias. A primeira das quatro partes do livro é levada em um saboroso tom farsesco e dá conta da briga na família, que se divide ao meio, e divide suas terras ao meio, enquanto os britânicos e os estrangeiros seus aliados são gentilmente convidados a se retirarem da Índia.

Do surgimento de Mahatma Gandhi ao assassinato de Indira Gandhi, as convulsões políticas sacodem a estória. Quando ela passa da zona rural de Cochin para a cidade de Bombain, se torna menos tropical e mais cinzenta. Com um novo elemento: o convívio de artistas e intelectuais com o submundo corrupto da política.

O último suspiro do mouro, nesse ponto, assume um ar de palimpsesto — para aqui usar uma imagem trazida pelo próprio Salman. Um palimpsesto era um pergaminho que fora lavado ou raspado até que o texto que nele estava escrito fosse apagado, e ele pudesse ser utilizado novamente. Mas o texto nunca se apagava por completo.

E aqui é como se Rushdie escrevesse O último suspiro do mouro num palimpsesto. Um texto escrito sobre outro texto sobre outro texto. A narrativa de Zogoiby é verborrágica e digressiva, e se torna ainda mais caudalosa à medida que avança, dando a impressão de estar em ebulição, estar prestes a se romper.

Como um palimpsesto raspado até se tornar tão fino, tão frágil que se rompe no leve encostar do bico da pena. Quando a narrativa que lentamente ia caducando enfim se rompe, Salman Rushdie atinge uma excelência à Thomas Pynchon. E soa como uma versão anglo-indiana de Mario de Andrade, na qual o Zogoiby seria o Macunaíma de uma terra em permanente desassossego.

Entre dois mundos
É uma tentação, para muitos leitores, analisar uma obra a partir da vida pessoal de seu autor. No caso de uma vida como a de Salman Rushdie, então, a tentação passa dos limites do suportável. Por isso, a leitura que ainda hoje se faz de O último suspiro do mouro como um ensaio sobre a intolerância. E talvez seja mesmo por aí.

Pois O último suspiro do mouro pode ser pensado como uma alegoria sobre a Índia, uma nação dividida em várias. Apenas a harmonia e a tolerância podem desarmar essa bomba-relógio à indiana. Uma bomba que é biológica em Zogoiby e que avança num tique-taque acelerado demais.

Uma leitura assim, no entanto, pode dizer mais sobre quem lê do que sobre o que é lido. Uma leitura assim acaba por reduzir a obra a um só entendimento, e seria um crime empobrecer O último suspiro do mouro desse tanto.

Vale notar ainda que nesse livro Salman Rushdie estava a reafirmar, em larga escala, um sentido que Os filhos da meia-noite (1981) já trazia. Os dois romances compõem um mural, entre o fantástico e o real, da Índia segundo Rushdie. Seus personagens em igual medida belos e malditos, mergulhados num momento histórico mais forte que eles. Um mural que já começara a ser pintado bons anos antes da fatwa.

Oriente, ocidente confirma esse olhar humanista da literatura de Rushdie. O curioso deste pequeno e inspirado livrinho — nove contos em 160 páginas — é justamente sua aparência inofensiva e mesmo modesta diante de catataus como Os filhos da meia-noite, O último suspiro do mouro e Versos satânicos, todos alentados e ambiciosos.

Oriente, ocidente concentra a verve de Rushdie em tiros curtos e o efeito é por vezes sensacional, ainda que o resultado seja variável, como é costumeiro em compilações. Com a sem-cerimônia de quem cita Shakespeare e Maomé no mesmo fôlego, o ocidental/oriental Rushdie traz pequenas estórias em que os personagens estão em conflito no mundinho que lhes cabe.

Assim temos uma indiana feliz por não conseguir visto para o Reino Unido (“Bom conselho é mais raro que rubis”), um pobretão que sonha com Bollywood (“A rádio livre”), um escritor que descobre a trairagem do amigo suicida (“A harmonia das esferas”)... E voltamos até o século das grandes navegações para “Cristóvão Colombo e a rainha Isabel de Espanha consumam seu relacionamento”. Ali descobrimos com que espécie de argumentos o galanteador Colombo convenceu Sua Majestade a liberar aquelas caravelas...

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CONGRESSO »  Ameaça ao Código Florestal
Presidente da Câmara alerta que a aprovação do projeto depende do próprio governo. Votação do texto está marcada para a próxima terça-feira, mas Planalto precisa atender demandas represadas da base aliada Circe Cunha // circecunha.df@dabr.com.br CORREIO BSB 10.03
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Marco Maia disse ontem no Congresso que o PT também tem perdido espaço na Esplanada, como é o caso do Ministério da Pesca

Sob o fogo cruzado do embate entre o Palácio do Planalto e os partidos rebelados da base aliada, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), sinalizou ontem que a votação do projeto de lei que cria o novo Código Florestal, prevista para a próxima terça-feira, só vai caminhar se o governo se dispuser a atender as demandas represadas. “O próprio governo admite que há problemas de relacionamento com a base aliada. Quando o governo chega a reconhecer isso, a expectativa é que faça algo para melhorar essa situação”, disse Maia.

“Nós estamos acordados para votar o Código Florestal na próxima terça à noite, mas é público que há um clima ruim nas relações entre o governo e o parlamento. Vamos ter que avaliar nas próximas semanas quais serão os desdobramentos das decisões que foram tomadas”, afirmou o presidente da Câmara.

A rebelião tem como principal nome o PMDB, que chegou a divulgar um manifesto afirmando que o PT está usando a estrutura do governo federal na tentativa de superar o número de prefeituras peemedebistas, mas inclui entre os queixosos PDT, PSB e PR. O próprio Marco Maia protagonizou uma contenda recente com o Planalto, quando paralisou, no plenário, a votação do projeto que cria a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp). Ontem, além de cobrar acenos do governo, o presidente da Câmara saiu em defesa do PT.

“Não é verdade que o PT ocupa espaços de outros partidos. Nós também perdemos espaços, como o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério da Pesca”, disse Maia. “Mas é papel do governo construir mecanismos que permitam a participação dos partidos aliados nas suas decisões.”

Efeito direto do atrito com a base aliada, a presidente Dilma Rousseff sofreu uma dura derrota na última quarta-feira, quando o Senado, com a ajuda de governistas, rejeitou a recondução de Bernardo Figueiredo para o cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Alterações
Agora, é o Código Florestal que está na mira dos aliados. O governo quer manter sem grandes alterações o texto que foi aprovado no Senado, mas a resistência já começa no relator da matéria, o deputado Paulo Piau (PMDB-PR), que propôs 28 alterações ao projeto. Próximo à bancada ruralista, Piau admite, inclusive, recuperar em parte a notória Emenda nº 164, que promove uma anistia a desmatamentos ilegais feitos em áreas de proteção permanente (APPs) até 2008.

O Palácio do Planalto montou uma operação para tentar evitar surpresas na votação do Código Florestal. Escalou os dois ministros responsáveis diretos pelo debate do tema — Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Mendes Ribeiro (Agricultura) — para atuar na Câmara. Mas não é apenas o lado técnico que será trabalhado — eles terão também que atuar como militantes partidários para diminuir a tensão nas relações entre o PT e o PMDB e encontrar um texto equilibrado que não desagrade ruralistas e ambientalistas.

O governo sabe os riscos na votação do Código Florestal. A matéria, inclusive, foi a primeira grande derrota de Dilma, quando os peemedebistas aprovaram a Emenda nº 164 — que agora, tentam recuperar. “Isso não vai se repetir, o PMDB não vai apresentar uma emenda nova ao texto”, assegurou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Para um petista especializado nas relações com o PMDB, votações como essa são uma ótima oportunidade para expor as insatisfações. “Ninguém vai protestar votando contra os próprios princípios. No PMDB, a bancada ruralista é uma ótima desculpa para o PMDB trair o governo”, disse o petista.

Os entraves

Confira o que está dificultando a votação do Código Florestal na Câmara
» Em meio a uma crise com a base aliada, o governo trabalha para aprovar na íntegra a versão do projeto enviado pelo Senado. O relator da matéria, deputado Paulo Piau (PMDB-PR), fez 28 modificações no texto, em seu parecer.

» A bancada ruralista quer recuperar a Emenda nº 164, que permite uma anistia a desmatamentos ilegais feitos em áreas de proteção permanente (APPs) até 2008. O Ministério do Meio Ambiente resiste e quer liberar apenas atividades de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.

» O governo quer retirar a obrigatoriedade de recomposição ambiental de 20 metros quadrados para cada habitante nas chamadas zonas de expansão urbana, por causa do impacto da medida no custo de projetos sociais habitacionais. Ambientalistas defendem o item.

» Governo e ambientalistas defendem o estabelecimento de metragens variáveis na recomposição de APPs ao longo das margens do rio. Os ruralistas querem de volta o texto da Câmara, que estabelece uma metragem mínima para a recomposição, de 15 metros, e deixa limites maiores a critério da União e dos estados.
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Feito de palavras.  Paulo Henriques Britto, poeta, tradutor e professor, lança sua sexta antologia de versos
RAIO-X PAULO HENRIQUES
VIDA
Nasce no Rio, em 1951

CARREIRA
Estudou cinema e linguística; é mestre e doutor (por notório saber) pela PUC-RJ, onde leciona. É autor de um livro de contos e seis de poesia; por "Macau" (2003), ganhou o Portugal Telecom 2004 FOLHA SP  10.03

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"A vida consiste de afirmações sobre a vida."

A citação, do poema "Men Made Out of Words" -homens feitos de palavras-, de Wallace Stevens (1879-1955), poderia bem servir como epígrafe a "Formas do Nada", sexta antologia poética de Paulo Henriques Britto, 60.

"Uma palavra transcrita/ ou vírgula acrescentada:/ a súmula de uma vida/ (que, afinal, foi mais que nada).", diz "Apêndice", um dos cerca de 60 poemas que o carioca reuniu no volume, lançado nesta semana.

"Formas do Nada" é uma espécie de tratado sobre a finitude. Seus poemas podem ser lidos como uma coletânea de afirmações a respeito da vida -ou sobre o que há de comum à existência de todos.

O americano Stevens foi o primeiro poeta traduzido por Paulo Henriques, no começo dos anos 1970, e quase um patrono de sua poesia.

A atividade de tradutor, iniciada por gosto, se tornaria central na vida de Paulo Henriques, que é hoje o maior responsável por transpor a obra de autores de língua inglesa no país, além de ativo professor de seu ofício em cursos de graduação e pós-graduação da PUC do Rio.

"A melhor maneira de ler um escritor a sério é traduzindo-o", afirma ele à Folha, sentado na sala de seu apartamento na Gávea, a poucas quadras da universidade.

Levado isso em conta, Paulo Henriques "leu a sério" boa parte da produção mais relevante em língua inglesa na atualidade (Philip Roth, Ian McEwan e V.S. Naipaul são só uma minúscula amostra), além de um bom quinhão de anglófonos consagrados ao longo dos séculos.

A lista inclui nomes que vão do poeta romântico inglês Lord Byron ao romancista Henry James, passando por Elizabeth Bishop (ele acaba de ampliar as edições de prosa e poesia da americana, que viveu por anos no Brasil).

Com Bishop, Paulo Henriques partilha a fina ironia e o distanciamento, que permitem abordar com certo humor até a morte, num "trabalho de contenção da emoção".



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"Poeta não é profissão", afirma escritor
Paulo Henriques Britto conta que sua vocação se desenhou na infância, mas que se vê como tradutor e professor FOLHA SP  10.03
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Tradução o resgatou para a escrita poética, paralisada porque 'não havia mais o que escrever' após Cabral
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"Sempre tive vontade de escrever, desde garoto bem pequeno", recorda Paulo Henriques Britto.

Ainda assim, afirma que não é a poesia a porção da escrita que o define. "Poeta não é profissão. Tem gente que vive de poesia, acho incrível. Mas minha relação com a poesia é muito diferente. Sou professor e tradutor."

A mudança da família para os EUA, graças à transferência do pai, militar, semeou cedo sua futura profissão. Ele tinha entre nove e dez anos e, numa escola pública de Washington, tomou contato com o inglês e com a poesia.

"Aqui, me davam poesia infantil. Lá me deram Shakespeare, pegaram pesado."

Na volta, dois anos e meio depois, começou a ler "poesia séria, Drummond, Pessoa". E a escrever versos.

"Quando chegou por volta de 67, 68, eu ia muito ao Museu de Arte Moderna, àqueles debates, os concretistas brigando com os neoconcretistas, com o pessoal da poesia práxis, poema-processo."

O jovem poeta se viu deslocado no panorama.

"Eu, ouvindo aquilo tudo e interessado em aprender a escandir, a rimar, me disse: 'O que estou fazendo já não tem nada a ver'. Desisti. Comecei a escrever prosa e fui fazer cinema", resume.

O novo ofício o levou a um curso na Califórnia. Ao lado de roteiros e "uns dois filminhos", nasceram "dezenas de contos". Data do período em San Francisco, "por volta de 73, 74", o encontro definitivo com o poeta Wallace Stevens.

"Um amigo me deu para ler. Adorei e comecei a traduzir da minha cabeça." Era um novo recomeço para a poesia de Paulo Henriques Britto.

Os contos, esses ficariam na gaveta até os anos 2000, conformando, em 2004, "Paraísos Artificiais", seu único título de ficção, que já assinou como o reconhecido poeta de "Macau" (Prêmio Portugal Telecom naquele ano).

A tradução de Stevens deu cabo da paralisia que ele então sentia pela influência da obra de João Cabral de Melo Neto, "espécie de superego poético" de sua geração.

"Quando li 'Uma Faca Só Lâmina' fiquei achando que não podia escrever mais nada. Foi um trauma completo. Só voltei depois que comecei a traduzir o Stevens."

MÉTRICA E RIMA

De João Cabral, porém, admite ter aprendido o rigor, que se somou ao apreço notável, em toda a sua produção poética, pelas formas fixas -isto é, aquelas com esquema métrico e de rimas predeterminado.

"O que me salvou foi a língua inglesa. Enquanto o pessoal estava matando o verso aqui, eu estava acompanhando o trabalho de poetas como W.H. Auden, que não matou verso coisa nenhuma e que sempre foi reverenciado. Isso me ajudou a não entrar em parafuso com essa questão."

Uma forma fixa -o soneto, uma das favoritas de Paulo Henriques- "faz uma série de coisas". "Uma delas é a seguinte: como veta certas soluções e aponta outras, obriga você a sair do óbvio."

A metalinguagem é outro elemento constante. "Muito do que geraria poesia hoje resulta numa canção popular. Então o território que sobrou para a poesia foi o da reflexão sobre a linguagem" -que, no caso dele, se mantém ligada à defesa da dicção coloquial.

Tal reflexão sobre a linguagem demarca seu cotidiano, amarrando suas atividades numa unidade tripartite.

Na sala de aula, no dia seguinte à entrevista, o tradutor fluente e o poeta elegante se reúnem no mestre generoso, mas pragmático, a lembrar os alunos de graduação de que "não existe solução fácil". Ali, sobre o tablado, Paulo Henriques Britto é os três e é um. (FRANCESCA ANGIOLILLO)

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