domingo, 4 de março de 2012


Literatura engajada.  Ganhador do Nobel de Literatura, o nigeriano Wole Soyinka é o grande nome da 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em abril. Militância política e luta pelos excluídos se misturam em sua obra Correio BSB 04/03


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Wole Soyinka foi o primeiro e único africano negro a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Aconteceu em 1986, e somente em 1986. Desde então, não houve outro representante da literatura da África Negra na lista de laureados. Até hoje, Soyinka acredita que o prêmio foi mais importante para o resto do mundo do que para ele mesmo. Poeta, dramaturgo, militante e ex-guerrilheiro, o autor é conhecido como ativista político engajado em causas humanitárias e históricas. Soyinka lutou durante a guerra civil que sucedeu a independência da Nigéria, viu desfilar inúmeros governos militares, foi preso e nunca deixou da transportar para seus escritos, especialmente as peças de teatro, situações políticas relativas à história da terra natal.

Soyinka vai precisar contar tudo isso aos brasilienses em abril. O autor é um dos convidados da 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, de 14 a 23 de abril, e nunca foi traduzido por aqui. A Nigéria é berço de alguns dos melhores autores da África negra de língua inglesa. Pátria de Chimamanda Adichie e Chinua Achebe, ambos traduzidos para o português, produz uma literatura ancorada na tentativa de mesclar a tradição oral épica das grandes histórias africanas à narrativa contemporânea focada nos conflitos do continente nos séculos 20 e 21. Aos 78 anos, Soyinka defende a autenticidade de uma literatura que nem sempre circula à vontade pelo planeta.

Pragmatismo
O escritor mora em Abeokuta, cidade de menos de 1 milhão de habitantes no oeste da Nigéria, mas passa partes do ano em Los Angeles, onde dá aulas em uma universidade. Deixou os Estados Unidos há oito anos, mas manteve os compromissos acadêmicos. Soyinka é muito pragmático quanto ao futuro da Nigéria. O país enfrenta onda terrorista provocada por extremistas islâmicos do grupo Boko Haram. Em 2011, esses radicais foram responsáveis por mais de 400 mortes em atentados na região norte do país. Durante muitos anos, a maioria muçulmana e a minoria cristã conviveram harmonicamente, mas o fundamentalismo que se espalha do Oriente Médio à África fez estragos na última década e movimentos separatistas assombram a Nigéria, também machucada por sucessivas ditaduras.

Soyinka sempre fez questão de se pronunciar sobre essas situações e chegou a escrever peças, como King Baabu, para satirizar o autoritarismo das ditaduras africanas. Também publicou livros de ensaios sobre a literatura do continente que viraram referência para quem estuda o tema. Myth, litterature and the african world, Art, dialoque and outrage: essays on litterature and culture e The open sore of a continent são bons pontos de partida para entender o pensamento do escritor. Do Brasil, ele conhece a Bahia e Brasília. Soyinka visitou a capital há duas décadas. Na época, achou a cidade “pouco orgânica”. Pelo telefone, ele conversou com o Correio sobre o engajamento político como escritor e os problemas atuais da Nigéria.

A Nigéria está passando por situação complicada. Como o senhor avalia os recentes atentados?
A situação está realmente muito desoladora. O que está acontecendo é que estamos nos aproximando do vírus do extremismo religioso que infectou outras partes do mundo. O que acontece na Nigéria é que os políticos estão sendo manipulados pelas fontes que contestam o poder.

Seria algo próximo de uma guerra civil religiosa?
Não, de maneira alguma. O que está acontecendo é que alguns políticos utilizam como base de sustentação do poder soldados religiosos fanáticos. E a agenda desses políticos é bem diferente da visão desses terroristas que eles estão utilizando. Os terroristas estão, obviamente, motivados por uma visão religiosa extremista muito estreita e perigosa de uma sociedade islâmica. Antes disso tudo acontecer, a Nigéria já estava em situação difícil, com muitos muçulmanos sendo mortos no país. Temos cidades predominantemente muçulmanas, como Kano, e eles estão sendo violentamente atacados e bombardeados. E há, definitivamente, uma contestação intraislâmica acontecendo entre diferentes escolas do Islã. Não é uma guerra civil religiosa, é muito mais uma guerra política na qual alguns políticos estão usando a religião como instrumento. E, o que é pior, agora eles descobriram que os terroristas que estão lutando contra eles porque acham que eles não são muçulmanos puros o suficiente. É uma situação muito complexa e não tem muito a ver com os conflitos religiosos de outras sociedades.

O senhor acha que isso vai piorar? Como vê o futuro?
Sou muito pragmático. Sei muito bem que as pessoas sucumbem à força de um extremismo quando a sociedade está desintegrada e é isso que acontece na Nigéria. Eles não têm escolha e não têm uma luz no fim do túnel. Se eu vejo essa luz ou não, não é importante, o importante é que, para criar essa luz no fim do túnel, a cegueira precisa ser derrubada por uma nuvem branca que cruze a paisagem e traga educação, cultura, e até uma resposta militante, se necessário, para garantir uma vida comum.

A colonização africana tem algo a ver com isso?
Se você está falando da criação artificial e forçada de estados nações com elementos culturais muito diferentes que foram obrigados a ficar juntos, claro, olhando desse ponto de vista isso tudo que acontece hoje é uma consequência da política colonial. Mas o que está acontecendo hoje na Nigéria é largamente uma contestação do controle de uma nação por diferentes setores. E estamos falando de setores que lideram a corrupção, estamos falando dos efeitos de uma economia baseada na circulação do petróleo, o que faz o poder ser muito mais lucrativo e atrativo do que em outras nações. É uma situação muito complexa. Mas é claro que a imposição colonial está na origem dos problemas.

Acha que seria possível a África negra passar por algo como uma Primavera Árabe?
As pessoas falam da Primavera Árabe e não há dúvida do efeito desse despertar de pessoas que estiveram durante muito tempo mergulhadas em uma longa tradição de controle feudal de ditaduras seculares, de esquecimento de direitos humanos, esse despertar de uma sociedade incrivelmente anômala, da manipulação do poder por uma minoria, então sim, essa consciência inclui os países africanos.

Desde que o senhor ganhou o Nobel, nenhum outro autor da África negra ganhou o prêmio. Acha que olhamos pouco para a cultura e para a literatura africana?
Eu não acho que o Nobel deveria ser um objetivo, ou um selo da riqueza literária ou da arte de uma sociedade. Há uma infinidade de autores maravilhosos na lista do Nobel, autores de todos os lugares e todos os continentes. A África tem um excelente material de diversos autores contemporâneos.

Como a literatura pode falar pela África?
Simplesmente sendo verdadeira, recuperando a história, contestando os valores externos que se tem da África, sendo genuinamente fiel ao dar ao mundo um ponto de vista africano.

O que seria uma narrativa africana?
Se você for na tradição oral encontra muitas narrativas épicas que não estão contaminadas, como o griô tradicional. São narrativas que não estão distorcidas por narrativas ocidentais porque elas vêm de uma longa tradição passada de família para família. Se você partir daí, há autores como Mazisi Kunene que contam a autêntica história dos zulus, por exemplo. São autores que adotam essa metodologia: não repetem o que os griôs fizeram ao longo dos séculos, mas escrevem selecionadamente sobre parte desse material voltados para a vida contemporânea. São narrativas com o mesmo aspecto interior da tradição, mas levando em conta as distorções do mundo externo. Isso seria uma narrativa autêntica africana. Ela não ignora o contato com o mundo real africano, não ignora o fato de a África não ter permanecido em um estágio de não contaminação do discurso, mas leva em conta a vida real e atual dos africanos.

O senhor tem uma longa história de militância pelos direitos humanos. É uma causa?
É uma maneira de defender minha perspectiva do mundo. Não reconhecer o fato de que a humanidade nasceu com direitos é reduzir os homens a animais. Uma minoria muito pequena, a minoria que depende da perda de direitos humanos, reina suprema sobre seres humanos ditando para eles condições de animais domésticos. A falta de respeito aos direitos humanos reduz a humanidade a uma condição subumana. Para mim, é difícil não assumir um compromisso em relação a isso, não posso entender que direitos humanos sejam circunscritos, mesmo quando se trata de tradições seculares.
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Affonso Romano de Sant'Anna
"Não existe o 'personal' para tudo? Tenha uma pessoa para buscar o seu livro como um infatigável cão de caça"Como comprar um livro   >> www.affonsoromano.com.br O POPULAR/GO 04.03

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Tenho em casa um livro intitulado Como ler um livro. Parece piada, mas é um livro sério. Os autores são dois americanos (Mortinmer e Van Doren). Foi publicado nos anos 1940. É um livro prático, bem americano. No fim, há até uma lista de obras a serem lidas e sugestões de trabalho. Terminada a leitura, você se convence de que o título do livro era muito apropriado, porque mesmo a maioria das pessoas que sabe ler não sabe como ler um livro.

Há tempos que penso em escrever algo em torno de “Como comprar um livro”. Parece também um título de brincadeira. A primeira e instintiva resposta é: “Uai! Basta ter algum dinheiro entrar na livraria e pronto”.

Antes fosse. Vejamos. Suponhamos que você tenha o tal dinheiro para adquirir o livro. (Embora ter dinheiro pareça natural para alguns, para a imensa maioria dos brasileiros isso ainda é um problema.) Mas suponhamos que, tendo dinheiro, você pertença à minoria dos que leem livros. (Até hoje não se sabe ao certo se os que compram livros no Brasil são 10 ou apenas 1 milhão de pessoas entre os 200 milhões.) Mas digamos que você, leitor de jornal, queira comprar um livro. Aí tem duas alternativas: ou vai a uma livraria ou procura na internet. Se você pretende ir a uma livraria, vai ter alguns problemas. Se mora num bairro com várias livrarias, é, em princípio, uma pessoa de sorte. Se mora alhures, a coisa complica. Quando muito, terá alguma papelaria, não livraria. Se vive no interior, aí complicou de vez. A maioria das cidades brasileiras não tem livrarias. Há cerca de 6 mil municípios e temos só umas 3 mil livrarias, a maioria concentrada em certos bairros das grandes capitais.

Mas suponhamos que você tenha a sorte de entrar numa livraria. As maiores têm bares e restaurantes para atrair a clientela. Mas você está lá para comprar livro, não é? Você leu no jornal que o livro tal foi lançado. Mas como os jornais concorrem uns com os outros na pressa das notícias, o livro ainda não chegou à livraria. Se o livreiro for atento, pode anotar seu endereço e lhe avisar. Se você não for obsessivo, vai comer um sanduíche e esquecer o livro.

Se o livro que procura saiu há algum tempo, o atendente na maioria das vezes vai ao computador verificar. Metade das vezes ele diz que o livro está esgotado ou apenas no estoque. Isso nem sempre é verdade. Você pensa: depois eu volto. E não volta. Perdeu-se uma venda.

Portanto, sugiro: você tem que ter um livreiro de confiança como antigamente se tinha o contrabandista que lhe fornecia uísque. Não existe o “personal” para tudo? Tenha uma pessoa para buscar o seu livro como um infatigável cão de caça. As livrarias mais inteligentes têm que criar um serviço de entrega a domicílio, como pizzarias fazem com a pizza.

Mas você, contemporâneo da informática, mora no interior e resolve usar a internet. Todo mundo diz que é fácil, maravilhoso. Não é bem assim. Pode tentar na “Cultura”, na “Saraiva”. Mas a coisa mais complicada é comprar na “Estante Virtual”. Tentei várias vezes e desisti. Cheguei até a localizar o endereço da livraria no interior de São Paulo para encomendar diretamente o livro. Ou seja, comprar ingresso de cinema e teatro é fácil. É mais fácil até comprar os livros na “Amazon”, no exterior.

Outra alternativa é “baixar” o livro no seu Ipad. Mas isso funciona melhor para os livros estrangeiros, a lista de livros nacionais é pequena e, em geral, você tem que ser uma fera em informática, quase um engenheiro da Nasa, para ter êxito nessa operação de “baixar” algo.

Daqui a 10 anos, quando alguém ler esse artigo, vai se espantar, porque tudo será diferente. Melhor? Pior? Imprevisível. O que escrevo aqui hoje —“Como publicar um livro”— pode não valer para amanhã. Daqui a 10 anos não sei se haverá livrarias, se haverá editoras. Segundo uns pensadores franceses, o “autor” morreu há muito e apenas esqueceu de se deitar no caixão.
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MUITO PRAZER - Jô OLIVEIRA »  Cangaceiro do traço Como comprar um livro

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"Estou ferrado!", confessa o artista gráfico pernambucano/brasiliense Jô Oliveira, de 67 anos. Até junho, ele precisa entregar cerca de 400 desenhos da versão do Grande Sertão: Veredas em quadrinhos, com roteiro de Ziraldo. Ele já está com 60% do trabalho pronto, mas a editora Globo não liberou as imagens para divulgação. Jô é um pernambucano/brasiliense de dimensão internacional. Estreou com a história A guerra do reino divino, na revista Linus, da Itália, na época, a mais importante publicação do gênero. Ganhou por duas vezes o prêmio Asiago de melhor selo do mundo. Já ilustrou mais de 50 livros. Os cangaceiros das histórias foram traduzidos na Argentina, na Grécia, na Espanha, na Itália e na Dinamarca. Nesta entrevista, ele evoca a sua trajetória, fala sobre a versão do Grande Sertão: Veredas e sobre a leitura na era virtual.

Como começou a desenhar?
Eu nasci na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco. Mas os meus pais foram morar em Campina Grande, na Paraíba, quando eu tinha 5 anos. Certa vez, um vizinho desenhou e deixou um sulco no traço no papel. Fui lá, desenhei em cima e ele ficou impressionado.

Quer dizer, começou com uma mentira?
Exato, eu tinha 6 anos e, a partir daí, nunca mais parei de desenhar.

O que desenhava?
Eram bonecos, mas aí entraram os quadrinhos na minha vida. Vivíamos a penúria do pós-guerra, a gente juntava garrafas e conseguia o dinheiro para ir ao cinema. O grande lance eram aqueles seriados americanos horrorosos. A gente trocava gibis na porta do cinema e passava a semana inteira lendo.

Que gibis vocês liam?
Gibis americanos. Os primeiros brasileiros surgiram com o Mundo Ilustrado: O anjo, Jerônimo — O herói do sertão e, mais tarde, o Saci Pererê, do Ziraldo.

Havia preconceito dos seus pais em deixar o filho seguir uma profissão “sem futuro”?
Não, o desenho sempre foi a minha salvação, sempre abriu os caminhos. Ganhei lugar para morar e bolsa de estudos.

Em que momento encaminhou o gosto pelo desenho para uma profissão?
Quando tinha 15 anos, meus pais se mudaram para o Mato Grosso do Sul. Comecei a estudar, fiz um curso por correspondência pela Escola Panamericana de Arte. Eles tentavam conseguir alunos com uma história em quadrinhos engraçada. O último quadro era o cara sentado perto da piscina cercado por um bando de mulheres lindas. Depois, fui para o Rio de Janeiro, passei no vestibular para a Escola de Belas Artes, estudava de manhã e trabalhava nas Lojas Sears à tarde. Mas veio o AI-5, minha paixão era o desenho animado, gostava da produção dos países socialistas, pois era mais artística e crítica. Ganhei uma bolsa e fiquei seis anos estudando em uma escola muito boa da Hungria.

Quando Brasília entrou em sua vida?
 O primeiro contato que tive com Brasília foi em 1961, com a mudança dos meus pais do Mato Grosso do Sul para cá. Me apaixonei desde o primeiro momento. Para chegar levava três dias: primeiro era preciso viajar do Mato Grosso até Bauru; de lá, ia para São Paulo e, só então, vinha para Brasília. Não tinha nada, a gente viajava quilômetros sem ver uma casa, e, de repente, despontava Brasília no meio do cerrado. Era fascinante.

O que é fascinante em Brasília?
Primeiro, toda a mudança. O Brasil da minha infância era medieval e agrícola. Os filmes de destaque nos Estados Unidos e na Europa chegavam aqui muitos anos depois de lançados. Brasília é o retrato do desenvolvimento do país. O centro de Brasília é de Primeiro Mundo, o Brasil já chegou ao futuro, claro que com muita miséria em volta. Mas, antigamente, você saía do Recife e demorava 11 dias para chegar a Aquidauna, no Mato Grosso do Sul. Hoje, você faz a viagem em três horas. Então, veja a diferença que Brasília fez para o desenvolvimento do interior do Brasil.

O senhor estudou artes gráficas na Europa. Qual a maior riqueza do cordel de um ponto de vista internacional?
 O cordel nos liga à Europa medieval. Na época da minha infância, o Brasil ainda era muito medieval. Nossos vizinhos acreditavam que o mundo acabaria depois de três dias de escuridão total.

O que é interessante no cordel do ponto de vista visual?
O cordel me interessa pela narrativa, não sou escritor, mas sempre me interessei em contar histórias com as imagens. O nordestino se ligou, de uma maneira inexplicável, a uma tradição secular europeia e, ao mesmo tempo, reinventou essa tradição ao modo dele.

Qual a visão que teve do Brasil depois de morar na Europa?
 A gente percebe que não é o centro do mundo e isso é muito importante pela modéstia e, ao mesmo tempo, por estimular a vontade de mostrar o que temos de bom. Depois, percebemos que não somos uma ilha. Temos uma coisa maravilhosa de conviver com culturas diferentes. Sem querer, o Brasil é um país globalizado. Tudo que as pessoas pregam como bom ou ideal a gente já tem: o multiculturalismo, a miscigenação, a convivência da multipliciddade étnica. O Brasil começa a ser visto com outros olhos, não é mais república de bananas.

E como surgiu o projeto de fazer uma versão em quadrinhos do Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa?
É um convite do Ziraldo, tenho muita gratidão por ele. Me encontrei com ele, pela primeira vez, em Luca, na Itália e, a partir daí, ele publicou todas as histórias de cangaço que eu tinha desenhado na revista A guerra do reino divino, pela editora do Pasquim, a Codecri. Fui fã de carteirinha do Saci Pererê. Ali, percebi que era possível fazer quadrinhos nacionais. Tenho paixão pelo Guimarães Rosa. Mas o meu sonho era fazer quadrinhos com os contos dele. Grande Sertão é muito extenso. Não tem nada de computador, são mais de 60 personagens, faço em papel de seda ou vegetal e mando para eles. Eles colocam os balões. Aí eu redimensiono.

O que é fascinante no Grande Sertão?
É o desafio, são mais de mil desenhos. No mínimo, gasto um dia para desenhar e depois tem de colorir. É pena que o tempo seja tão curto.

Grande Sertão: Veredas é um livro considerado difícil, mas você o coloca em versão de história em quadrinhos, uma linguagem incorporada pelos jovens. Que perspectiva isso abre?
Ah, sempre gostei disso. Sempre insisti que o caminho do quadrinho brasileiro é a escola. Porque você não pode se dedicar à cultura sem visar a educação. Não sou um pintor que suja uma tela e ganha milhões. O grande drama é conquistar novos leitores, principalmente com todos os canais de comunicação disponíveis nos dias de hoje. A leitura é o caminho, não há salvação para quem é pobre a não ser a educação. O quadrinho é só um convite à leitura do livro. Todo mundo detesta a literatura porque a escola te obriga a ler. Mas se você vê as imagens e acha uma coisa linda, isso pode te estimular a ler o livro.

Qual é o barato do selo?
O selo faz parte da cultura oficial, tem colecionadores, museus, corre o mundo inteiro. É gratificante, nossa passagem pela Terra é rápida e todo mundo gostaria que ficasse alguma coisa. É bobo, porque a gente morre e tudo se apaga. Mas tenho orgulho porque representa a cultura popular brasileira. Na verdade, o Brasil foi premiado com o meu trabalho.

E como vê a cultura em Brasília?
É muito dominada pela cultura oficial, é muito estanque e elitista, as coisas que vêm de fora são muito caras.

O que deveria ser feito para desenvolver a cultura?
Acho que fugir da cultura oficial dos espetáculos. O CCBB deveria se dedicar mais a projetos que contemplassem as crianças e a preparação de público.

E como seria possível retomar a conexão entre cultura e educação?
Não tenho a fórmula, mas na época do governo do Cristovam Buarque havia um programa muito interessante. Eles convidaram 100 escritores para visitar as escolas, os alunos recebiam os livros e liam antes. É ridiculamente barato. Certa vez, fui a Planaltina e eles fizeram uma teatralização de um livro meu com a história de um tamanduá e das formigas. Quando cheguei, os alunos estavam fantasiados, todo mundo participava. Isso cria um outro interesse pela leitura e pelo livro. Porque a maioria dos adolescentes acha que todo grande escritor já morreu.

Como foi a experiência de publicar a revista Risco na década de 1970?
Saíram só três edições. Mas o barato disso tudo é que fica. Recentemente, houve uma grande exposição e a capa de Risco imensa ampliada, o Super-Homem aparece levado por um cangaceiro. 

Como vê a adaptação das histórias em quadrinhos para o cinema? O que achou do Tintim?
Não gosto de super-heróis. Achei muito mecânica a versão do Tintim. O desenho animado é melhor. Agora, é muito bonito. Talvez o desenho animado em computador seja a maior expressão visual de nosso tempo. Rio, do Carlos Saldanha, é cheio de nuances, é uma maravilha.

Como vê as possibilidades abertas pelas novas tecnologias para as artes visuais?
Fico decepcionado. Estamos no momento em que tudo mundo copia todo mundo.

E do ponto de vista da leitura, as novas tecnologias ajudam ou atrapalham?
Uma das coisas que afastava as crianças da leitura era a tela. Agora, ninguém vai perceber que está lendo. A tela do tablet vai jogar a favor da leitura.

Projetos que Jô gostaria de fazer

» Uma saga sobre a história de Brasília
» Uma série de livros das peças de Shakespeare em versão de cordel para crianças
» O Decamerão, de Giovanni Boccaccio
» Macunaíma, de Mário de Andrade
» Contos de Guimarães Rosa
» Versão quadrinizada de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Esse projeto será realizado em parceria com a escritora Lucília Garcez
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FERREIRA GULLAR.  Poesia é ouro sem valia
Com a poesia é assim mesmo. Não só por vender pouco, o poeta sabe que não escreve para vender. FOLHA SP 04.03

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De quando em vez, vem um poeta jovem me pedir que lhe consiga uma editora para publicar seu livro de estreia. Só estando com a cabeça na lua para pretender uma coisa dessas. Para consolá-lo costumo citar o exemplo de poetas, hoje consagrados, que tiveram que publicar seu primeiro livro a sua própria custa. Mas tem que ser assim mesmo, já que livro de poesia vende pouco e de poeta desconhecido não vende nada. Nenhum editor, em seu juízo perfeito, entra numa fria dessas.

Lembrei-me disso ao escrever um texto sobre Manuel Bandeira e mais uma vez deparei-me com o assunto. A edição de seu primeiro livro de poemas "A Cinza das Horas", foi paga por ele; a do segundo, "Carnaval", a mesma coisa. Só vários anos depois, teve um livro lançado por uma editora.

E Carlos Drummond de Andrade? Seu primeiro livro, "Alguma Poesia", apareceu como lançado pelas Edições Pindorama, que não existia, por ter sido, na verdade, impresso na Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais e pago pelo poeta em suaves prestações, descontadas de seu salário. O segundo livro, "Brejo das Almas", saiu por uma cooperativa; o terceiro, "Sentimento do Mundo", ele pagou de seu bolso e distribuiu toda a edição (150 exemplares) entre amigos e escritores. Só o quarto livro -aos 40 anos de idade- foi lançado por uma editora, a José Olympio, que passou a editá-lo.

Mas estes são apenas uns poucos exemplos, entre os quais poderia incluir-me, pois não teria editado meu primeiro livro se não fosse a ajuda de minha mãe. O segundo livro, paguei-o de meu bolso. Só tive um livro de poemas lançado por uma editora - que faliu em seguida - 13 anos após minha estreia. Acolhido por uma editora importante, somente 30 anos depois.

Com a poesia é assim mesmo. E não só por vender pouco; também porque, no fundo, o poeta sabe que não escreve para vender. Lembro-me que eu mesmo diagramei "A Luta Corporal", um livro tão fora das normas que provocou um atrito com a gráfica que o imprimiu. É que poeta não quer apenas escrever os poemas; quer fazer o livro mesmo. Poeta gosta de fazer livros. Por exemplo, João Cabral, quando estava em Barcelona, comprou uma pequena gráfica artesanal em que editou "Psicologia da Composição" mas também livros de outros poetas brasileiros e espanhóis.

Exemplos não faltam. Décio

Victorio, os poucos livros que publicou, ele mesmo os diagramou, escolheu o tipo de letra, o papel, o tamanho, tudo, e pagou uma gráfica para compô-los e imprimi-los. Quando tomei a iniciativa de conseguir uma editora que lançasse seus livros, rejeitou.

Outro exemplo é Cláudia

Ahimsa. Ela bolou todos os seus livros, buscou uma gráfica, pagou e os editou. No último deles, então, "A Vida Agarrada", até a capa foi criação sua, capa que já é, por si só, uma obra de arte: ela se fez fotografar sem a cabeça, num vestido que parece ao mesmo tempo renda e rede de pescar, com vários caranguejos vivos, presos a ele. Para completar, os seus braços, que parecem metidos em luvas, estão na verdade pintados de azul cobalto.

Não se pode esquecer, além do mais, que as novas tecnologias favorecem essa mania dos poetas de produzirem não apenas os poemas mas também os livros.

Foi o caso da Geração Mimeógrafo que, como o próprio nome diz, nasceu com o mimeógrafo e se valeu dele para fazer seus livros. Neste caso, juntaram-se alguns fatores que lhe imprimiram um caráter próprio: a redescoberta do poema-piada de Oswald de Andrade, que inspiraria poetas como Leminski e Chacal. Eles o usaram como um modo de reagir à censura imposta às artes pelo regime militar.

É verdade que a censura prévia -que vinha restringindo a atividade do teatro, do cinema e da música- os milicos não conseguiram impor ao livro, graças à pronta reação de Jorge Amado e Erico Verissimo, que ameaçaram não mais editar seus livros no Brasil.

Fora isso, o mimeógrafo veio facultar aos poetas jovens imprimir seus próprios livros, sem ter de recorrer a editoras. Eles os imprimiam e iam vendê-los nas ruas, nos bares, na porta de teatros e cinemas. É claro que assim ganharam a simpatia dos leitores, tornando-se conhecidos e, graças a isso, despertaram o interesse dos editores.
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Livro digital ainda 'patina' em catálogo de editoras. Até o momento, as obras eletrônicas são quase iguais às versões impressas.   Desafio do mercado editorial é usar os potenciais de aparelhos como tablets para inovar o ensino FOLHA SP 04.03
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Um mês após o governo anunciar que comprará até 900 mil tablets para docentes e alunos da rede pública, as principais editoras de livros didáticos se preparam para entrar em um novo mercado milionário: o digital.

A compra de tablets pela União tem um custo previsto de R$ 330 milhões.

Algumas editoras até já possuem versões do material para a plataforma tablet. Porém, organização e conteúdo são bem similares aos dos livros "tradicionais", em papel.

Das seis grandes editoras ouvidas pela reportagem, duas ainda não têm versões digitais do material didático e, das que possuem, apenas três trazem recursos digitais complementares, como áudios, vídeos e animações.

As editoras afirmam, porém, que até 2013 vão acelerar as mudanças digitais.

NOVIDADES

Para o ano que vem, a Edições SM pretende trazer ferramentas que personalizem o conteúdo didático conforme a necessidade do aluno.

A FTD disse que desenvolve versões digitais do material para "inovar e criar novas perspectivas educacionais".

Ática e a Scipione afirmam que em 2013, em todas as versões digitais, o estudante poderá responder os exercícios no próprio livro.

Desde 1985, essa característica foi desaparecendo das obras em papel porque o Programa Nacional do Livro Didático instituiu o término da compra pelo governo de livros que não poderiam ser reutilizados.

Editoras como a Moderna e Edições SM só disponibilizam, gratuitamente, a versão digital para quem compra o livro em papel. A utilização do recurso vale durante o período do ano letivo.

O mesmo não acontece com a Ática e a Scipione, que permitem a compra da edição eletrônica por 80% do valor de capa do livro "tradicional". Nesse caso, o acesso à versão digital não caduca.

O recurso de leitores de tela, utilizados por deficientes visuais, ainda não foi adotado por nenhuma das editoras. Por enquanto, existe apenas a possibilidade de aumento da letra e das imagens exibidas no aparelho.

ENSINO NOVO?

"Pelo que vemos hoje, o aluno continua lendo o material no tablet como se estivesse lendo no papel", diz Sérgio Amaral, coordenador do Laboratório de Novas Tecnologias Educacionais da Unicamp.

Para ele, falta às editoras usar "toda a potencialidade do aparelho, como a convergência com as lousas digitais".

No mês passado, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, defendeu o papel da escola como agente de inclusão digital.

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