sexta-feira, 23 de março de 2012


VISãO DO CORREIO »   Remédios mais caros CORREIO BSB 22.03

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É preocupante o anúncio de elevação do preço dos medicamentos a partir de 1º de abril. O aumento pode chegar a 5,85% — percentual correspondente à inflação oficial entre fevereiro de 2011 e março de 2012. A variação do índice depende da participação dos genéricos na rentabilidade da empresa. Se for igual ou superior a 20%, o reajuste bate no teto. Se ficar entre 15% e 19%, pode chegar a 2,8%. Se inferior a 15%, há a possibilidade de redução do custo em 0,25%.

Os critérios para a pancada no bolso do consumidor merecem considerações. A introdução dos remédios sem marca no país acenderam a esperança de finalmente o brasileiro ter a possibilidade de se tratar sem despender recursos extorsivos. Por não serem obrigados a investir em propaganda, os fabricantes abasteceriam o mercado com produtos da mesma qualidade dos apresentados com grife porém com preço reduzido.

Ocorre que, passados mais de 12 anos, a indústria mostrou-se incapaz de produzir genéricos em grande escala apesar das condições favoráveis de que desfruta. O investimento é praticamente sem risco porque o sistema SUS compra quase a metade da produção. Com o mercado cativo, era de esperar que houvesse investimento maior que o realizado. Não é, porém, o que se verifica.

O governo também fabrica pouco. Manguinhos, da Fiocruz, a Fundação do Remédio Popular (Furp), o Instituto Butantã estão mais voltados para o remédio “de pobre”, fatia por que os laboratórios multinacionais não têm interesse em razão da baixa rentabilidade. Além disso, algumas empresas de genéricos se desviaram do rumo. Investem em propaganda e, pouco a pouco, se aproximam dos remédios de marca.

Ao autorizar aumento maior nos segmentos em que os genéricos têm maior participação na produção e nas vendas, o governo quer estimular a competição, que, teoricamente, induziria a reajustes menores. Mas de nada adianta esse incentivo se não for atacado o principal problema do setor: a pesada carga tributária. Os impostos médios pagos pelos brasileiros ao comprar um simples comprimido é de 33,9%. A média mundial não ultrapassa 6%. Reino Unido, Canadá, Colômbia, Suécia, Estados Unidos e México não tributam o setor.

O Brasil conquistou o indesejável rótulo de país caro. Comparado, o preço de carros, imóveis, roupas, sapatos, alimentos, bebidas é muitas vezes mais alto aqui que na maioria dos Estados vizinhos ou distantes. Não é por acaso que brasileiros viajam não em busca de lazer, mas de produtos mais baratos. Tornou-se corriqueiro grávidas comprarem enxoval do filho em Miami, ou noivas adquirirem o tradicional vestido no exterior. Não será surpresa se remédios passarem a contribuir para o excesso de peso na bagagem.

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ARTES VISUAIS »  Liberdade ponto a ponto
Exposição reúne telas bordadas por mulheres chilenas para driblar o silêncio imposto pela ditadura militar CORREIO BSB 22.03
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Vicaria de la solidaridad: aspecto lúdico disfarça o tom de denúncia

Em uma ditadura, os espaços de denúncia costumam ser quase inexistentes. Não há diálogo, e  quem ousa exigir transparências e verdades acaba sendo alvo da repressão. Entre 1973 e 1990, quando o Chile esteve dominado pelos militares, um grupo de mulheres pobres, na maioria habitantes de periferias e favelas, encontrou na arte um espaço de liberdade para falar sobre os problemas que assolam sociedades oprimidas.

Com linhas e tecidos, elas contaram as tragédias que costumam acompanhar a vida de estados autoritários em pequenas obras de arte que a colecionadora e ativista Roberta Bacic garimpou durante toda a vida. Arpilleras da resistência política chilena reúne a partir de hoje, na Biblioteca Nacional de Brasília, um conjunto de 28 peças criadas em meados dos anos 1970 e reunidas pela curadora sob o tema da repressão política.

As arpilleras são bordados em tecido, sempre muito coloridos e narrativos, cujo objetivo é contar uma história. Fazem parte de uma tradição espalhada por toda a cadeia de montanhas dos Andes e podem ser encontradas do Chile ao México. Nem sempre têm um viés político, mas carregam invariavelmente as histórias de uma comunidade ou população. No caso das arpilleras chilenas colecionadas por Roberta, ex-professora de filosofia que trocou a universidade pela assistência às famílias de desaparecidos políticos, o contexto da ditadura permeia os trabalhos.

As peças expostas em Brasília foram produzidas na periferia de Santiago e funcionaram como instrumentos de denúncia das barbaridades cometidas durante o período ditatorial. Roberta começou a colecioná-las para enviar aos filhos e amigos exilados no exterior. “Era uma maneira de contar o que acontecia no nosso país. Interessava-me muito o poder dessas mulheres de responder a coisas tão terríveis de maneira tão criativa”, conta a curadora, hoje radicada na Irlanda do Norte. “Elas narravam suas experiências. Havia histórias da ditadura, mas também histórias resultantes do impacto da ditadura. Como não tinham um tribunal onde fazer reclamações, faziam isso nas ruas e nas arpilleras.”

O hábito de usar os bordados tradicionais para protestos políticos foi uma maneira de suprir o silêncio imposto à sociedade chilena durante os sete anos de domínio militar. Os bordados começaram timidamente em certas comunidades e ganharam proporções internacionais. Passaram a ser exportados como retratos lúdicos do drama chileno.

Quando os militares notaram o alcance dos trabalhos, as arpilleras foram proibidas. “Então fazê-las se tornou muito difícil, e exportá-las também, porque eram histórias da resistência, da memória e da sobrevivência. As arpilleras proporcionaram um espaço solidário para compartilhar cenas e situações, mas também foram a oportunidade de poder comercializar, porque essas mulheres exportaram esses trabalhos”, conta Roberta. Nem todas as peças expostas em Brasília tratam diretamente da repressão, mas todas trazem o reflexo de um regime opressor na vida cotidiana.

A capital será a primeira cidade brasileira a ver a mostra, um projeto contemplado pelo edital Marcas da Memória, da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, e que depois segue para Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

           
A opressão é retratada em No a la impunidad, Donde están los desaparecidos e Sala de torturas


Arpilleras da resistência política chilena
Curadoria: Roberta Bacic. Visitação até 29 de março, de segunda a sexta, das 9h às 20h45, sábados e dmongios das 9h às 17h45, na Biblioteca Nacional de Brasília (Setor Cultural Norte, Lote 2).


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Desafios do ensino médio do brasileiro  » Wanda Engel
Doutora em educação pela PUC-RJ CORREIO BSB 22.03

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Em um país que se alinha às principais economias emergentes do mundo, com influência crescente no panorama político e econômico internacional, os problemas sociais só se explicam pelos ainda altos níveis de desigualdade. Nenhum outro fator influencia tanto essa questão quanto a escolaridade, que guarda relação direta com as condições de emprego e renda, o que por sua vez implica oportunidades educacionais de mais baixa qualidade para as novas gerações, alimentando um processo de reprodução da pobreza e da desigualdade. Romper esse círculo vicioso requer políticas que garantam, ao filho do pobre, condições para que conclua sua educação básica, pré-requisito essencial para a inserção no moderno mercado de trabalho.

Por seu lado, hoje não pairam dúvidas sobre a estreita correlação entre os baixos índices de escolaridade de nossa população e os entraves que enfrentamos no processo de desenvolvimento sustentável. Nenhum país tem possibilidades de competição no mundo globalizado sem que a escolaridade média de sua gente seja de, no mínimo, 11 anos. Infelizmente, nossa média nacional ainda é de apenas 7,2 anos de estudo e, mesmo entre jovens de 20 a 24 anos, ela alcança somente 9,6 anos. Ou seja, em média, nossa juventude consegue apenas terminar o ensino fundamental.

Assim, a prevalência de uma formação escolar abaixo do patamar mínimo exigido para a inclusão profissional responde, tanto por altos níveis de desemprego entre os jovens, quanto por uma sensível escassez de recursos humanos. Os resultados da Pnad de 2010 mostram, entretanto, que o problema está longe de ser equacionado. Dos 10,3 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, apenas 50,9% estão no ensino médio. O pior é que, dos 3,3 milhões que ingressaram em 2008 no 1º ano do ensino médio, apenas 1,8 milhões concluíram o 3º ano em 2010 (Censo Escolar/MEC/Inep). Uma verdadeira sangria.

Podemos identificar causas internas e externas para essa sangria. Por um lado, a inadequação da escola oferecida para a maioria de nossos jovens. Por outro, questões socioeconômicas que os empurram precocemente para o mercado de trabalho.

Nosso ensino médio tem um currículo enciclopédico (13 componentes curriculares obrigatórios e mais 7 temas transversais), sem nenhuma flexibilidade e divorciado do mundo do trabalho (não chega a 10% o percentual dos alunos que cursam o ensino profissionalizante). Em outras palavras, mais de 90% de nossos jovens estão sendo “preparados” para uma universidade na qual a maioria não pisará, por meio de uma enxurrada de conteúdos superficialmente tratados, e sem nenhuma adequação a seus interesses.

Praticamente não existem alternativas de trabalho e renda associadas à escola, como projetos de monitoria (trabalho na escola), estágios remunerados ou programas ligados à Lei de Aprendizagem, que possibilitem o estabelecimento de nexos entre educação e trabalho e promovam a permanência na escola, de preferência evitando a optação pelo noturno.

Felizmente, podemos observar que nos últimos anos, após a conquista da universalização do acesso ao ensino fundamental, o ensino médio começa a entrar na agenda pública. Como fruto dessa preocupação temos, por exemplo, a Emenda Constitucional nº 59/2009, que amplia a obrigatoriedade de escolarização entre 4 e 17 anos de idade, e a recente Resolução n.2 do Conselho Nacional de Educação de 30/1/2012 que estabelece as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). As novas diretrizes não enfrentam o problema do excesso de componentes curriculares obrigatórios, mas propõem alternativas de flexibilização, mediante a oferta de diferentes formas de organização curricular no âmbito da escola.

Outro avanço das diretrizes foi a proposta de um exame universal e obrigatório ao final do ensino médio, hoje inexistente (o Saeb é amostral e o Enem é facultativo). Para que o Enem cumpra esse papel, entretanto, é necessário que seja repensada sua Matriz de Competências, em função de uma pergunta: Que competências um indivíduo precisa necessariamente ter desenvolvido ao final de seus estudos básicos para entrar no mercado de trabalho ou prosseguir em seus estudos? Em outras palavras, quais as expectativas de aprendizagem para o final do ensino básico? Somente a partir dessa definição, os diferentes componentes curriculares devem ser chamados a identificar sua contribuição específica. Se for feito ao contrário, iniciando-se pelos infindáveis componentes, teremos uma megamatriz e um Enem para superdotados.

Há muitos desafios a serem superados, mas conhecer a realidade que se quer transformar é o primeiro passo para que seja possível adequar o atendimento, planejar e estruturar estratégias de contenção do abandono, avaliar e promover melhorias significativas e eficazes. Para isso, precisamos contar com a sinergia de toda a sociedade na promoção da garantia, às novas gerações, do passaporte mínimo para a inserção no moderno mercado de trabalho – a conclusão e o bom desempenho no ensino médio.
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De olho na saúde dos servidores
Correio Braziliense - 22/03/2012

 Ministério do Planejamento faz pente-fino sobre programas de atenção à saúde do funcionalismo a fim de melhorar o sistema e evitar desvios, como o pagamento de benefícios indevidos a quem busca afastamento do trabalho alegando algum tipo de doença

Gustavo Henrique Braga

Preocupado em barrar o pagamento de benefícios indevidos para quem se afasta do trabalho alegando algum tipo de doença, o governo decidiu dar mais um passo a fim de aprimorar o sistema de saúde aos servidores federais. O Ministério do Planejamento lançará, no mês que vem, um sistema que compilará todos os programas de atenção à saúde dos diferentes órgãos da administração federal. A iniciativa não só ajudará a localizar com mais facilidade programas de atendimento aos servidores, como permitirá a troca de experiência e a comparação do que está dando certo para o funcionalismo, a fim de melhorar o tratamento dispensado aos trabalhadores.

O programa de promoção à saúde será o terceiro módulo dentro do Sistema de Atenção à Saúde do Servidor (Siass), lançado em 2009, que já reúne bancos de dados sobre perícias médicas e exames periódicos de 61% dos funcionários públicos federais. A meta é alcançar 100% até 2013, quando a inclusão das informações será obrigatória. Sérgio Carneiro, diretor do Departamento de Saúde, Previdência e Benefícios do Servidor (Desap), explicou que, assim que o novo módulo for lançado, os órgãos do governo poderão cadastrar todas as informações no sistema. "O desafio que a gente enfrenta é para juntar um conjunto de recursos e um histórico de informações a fim de potencializar ações", explicou.

Atualmente, o Siass conta com cerca de 60 unidades de atendimento espalhadas pelo país. O objetivo é que, até 2014, esse número suba para 150. Por enquanto, os serviços oferecidos variam conforme o órgão onde o posto está instalado e a capacidade de oferta: alguns contam apenas com perícia médica; outros, com atendimentos adicionais, como de psicólogos e assistentes sociais. "Estamos em um processo de padronização não só de profissionais, mas de atividades", destacou Carneiro.

O governo já trabalha também no desenvolvimento do quarto módulo dentro do Siass, que servirá para construir um mapeamento de todos os ambientes de trabalho do governo federal. As informações poderão ser usadas pelos gestores públicos, por exemplo, na hora de definir quem, de fato, tem direito a receber benefícios como adicional de insalubridade e de periculosidade. Assim, será possível dar critérios técnicos a uma discussão que, na maioria das vezes, é tratada como moeda de troca no âmbito das negociações salariais.

Prevenção de acidentes
O Ministério do Planejamento também pretende anunciar, em 1º de maio, Dia do Trabalhador, a criação da Comissão Interna de Saúde e Segurança do Trabalhador (Cisste), órgão que funcionará de forma equivalente à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) comum na iniciativa privada. A proposta é de que os membros da Cisste se reúnam ao menos uma vez por mês para debater questões que envolvem a saúde do servidor.

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CONGRESSO »  Disputa por terras indígenas
Bancada do agronegócio na CCJ mostra força e aprova PEC que transfere ao Legislativo o poder de demarcar terrenos CORREIO BSB 22.03
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Protesto na Câmara: PEC representa derrota do Planalto por esvaziar atribuições de órgãos do Executivo

Com o voto favorável de 10 deputados do PMDB, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou ontem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira do Executivo a atribuição de demarcar terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas. A derrota do Palácio do Planalto só ocorreu em função da adesão à proposta por parte dos deputados do principal partido aliado ao governo. Os 10 votos do PMDB correspondem à maioria dos 38 a favor da PEC nº 215, de 2000.

Pelo projeto validado na CCJ, a demarcação de terras indígenas, de parques federais e de espaços ocupados por quilombolas passa a ser atribuição exclusiva do Congresso. Em vez de decretos presidenciais, leis ordinárias — apresentadas, discutidas e validadas por deputados e senadores — serão os instrumentos para novas demarcações, caso o Congresso aprove a PEC 215. Depois de ser votada na CCJ da Câmara, a proposta segue para uma comissão especial, que ainda será constituída, e em seguida para o plenário da Casa.

A bancada ruralista na Câmara, capitaneada pelo PMDB, provou mais uma vez ter facilidade para derrotar o governo, a exemplo da aprovação e da completa alteração do novo Código Florestal. Esse projeto, depois de aprovado no Senado, já retornou à Câmara e corre risco de ser validado conforme os interesses da bancada ruralista. A PEC 215 segue o mesmo roteiro, inclusive com o apoio inicial do próprio Planalto. No fim do ano passado, o então líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), participou de um acordo político que garantia a colocação da PEC 215 na pauta da CCJ já no início deste ano legislativo.

O PT e o PV tentaram ontem manobras para barrar a votação, com pedidos de adiamento por cinco sessões da CCJ. Recursos semelhantes foram usados na terça-feira. A PEC 215 acabou aprovada por 38 votos favoráveis e dois contrários. Lideranças indígenas acompanharam toda a sessão. Ao final, protestaram contra o resultado da votação. Um princípio de confronto chegou a ocorrer entre índios e seguranças da Câmara. Eles saíram em protesto do plenário da CCJ, no anexo das comissões, até o Salão Verde da Casa.

Na prática, caso a PEC 215 seja validada, três órgãos perderão a função na demarcação de terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas: a Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça; o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), ligado à pasta do Meio Ambiente; e a Fundação Cultural Palmares, subordinada à Cultura. À proposta original, sobre demarcação de terras indígenas exclusivamente pelo Congresso, foram apensados mais 11 projetos, que incluíram parques e quilombolas.

“A PEC é gritantemente inconstitucional”, afirma o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). “Criação de terra indígena virou anarquia. Alguns antropólogos malucos da Funai acham um caquinho de cerâmica e dizem que aquilo ali se trata de terra indígena”, rebate Moreira Mendes (PSD-RO), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

"Criação de terra indígena virou anarquia. Alguns antropólogos malucos da Funai acham um caquinho de cerâmica e dizem que aquilo ali se trata de terra indígena”

Moreira Mendes, deputado do PSD-RO, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária

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RIO+20.  Existe um abuso do conceito de 'sustentabilidade'
CRIADORA DA EXPRESSÃO 'DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL', GRO BRUNDTLAND DIZ QUE O IDEAL NÃO FOI POSTO EM PRÁTICA AINDA.  A norueguesa Gro Brundtland em conferência da OMS em Bruxelas.  Fonte: Reuters 22.03
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O conceito de desenvolvimento sustentável e sua irmã, a sustentabilidade, têm sofrido abusos. Quem diz é a mãe das crianças, a norueguesa Gro Harlem Brundtland. Ex-premiê da Noruega, Brundtland, 73, chefiou a comissão que em 1987 produziu o relatório "Nosso Futuro Comum", onde o conceito foi cunhado. O relatório serviu de base para a Eco-92.

Ela diz que o desenvolvimento sustentável ainda não foi implementado. E que, mesmo com o sequestro da noção de sustentabilidade por empresas que não têm práticas sustentáveis, o termo não deve ser abandonado. Brundtland abre hoje em Manaus o Fórum Mundial de Sustentabilidade. Em entrevista à Folha, ela falou de suas expectativas para a Rio+20.

Folha - A senhora cansou do termo "sustentabilidade"?
Gro Brundtland - A expressão é "desenvolvimento sustentável". Nos últimos dez anos, as pessoas começaram a usar "sustentabilidade" como forma alternativa. Sempre tive cuidado em não usar a palavra "sustentabilidade" sozinha enquanto conceito. Precisamos de sustentabilidade em diversas áreas, mas também precisamos de desenvolvimento sustentável. E não estou de saco cheio disso, porque não aconteceu ainda.

A senhora não acha que houve abuso do conceito? Ele parece ter sido sequestrado por empresas para fazer "greenwash" (dar aparência verde).
Sim. Acho que há mais abuso quando se fala de sustentabilidade. Essa palavra foi introduzida depois, como se entregasse aquilo que o desenvolvimento sustentável significa. Você precisa olhar cada empresa para saber se ela está adotando a sustentabilidade ou a responsabilidade social corporativa. Palavras sempre podem ser mal usadas. Mas você não pode dizer: "Esse conceito foi distorcido, então o deixamos de lado". Não acho que possamos encontrar uma maneira nova e melhor de descrever do que trataram a nossa comissão e a Rio-92. Não vale a pena reinventar a roda porque alguém tentou roubá-la. Ela vai ser roubada de novo.

Vinte e cinco anos depois do Relatório Brundtland e 20 anos depois da Eco-92, o desenvolvimento sustentável entregou o que prometeu?
A totalidade do conceito, a visão dos pilares econômico, ambiental e social numa abordagem de longo prazo não aconteceu em lugar nenhum. Mas muitas mudanças aconteceram. O Protocolo de Montréal, entre a minha comissão e a Rio-92, é um exemplo. O mundo se livrou das substâncias que afetam a camada de ozônio.

Mas críticos dizem que isso só aconteceu porque já era de interesse das empresas.
Já ouvi isso. Mas a história não é assim tão simples. As pessoas mais progressistas na indústria entenderam que aquilo não podia continuar. Mas, é claro, não houve sucessos globais semelhantes, e os gases de efeito estufa são um exemplo de abordagem ampla e global que envolve todos os setores da economia. Daí a dificuldade de se chegar a um resultado.

O financiamento ao desenvolvimento sustentável pode impedir um acordo no Rio?
Pode ser. Mas, se você se lembrar de Copenhague, mesmo sob pressão da crise houve um compromisso de finanças. Isso pode acontecer novamente no Rio.

Países emergentes reclamam de que os ricos já usaram todos os recursos naturais e agora o ônus ficou conosco. Eles têm razão em reclamar?
Essa litania está aí desde a comissão. E no relatório da comissão nós reconhecemos que não podemos dizer ao mundo em desenvolvimento "desculpem, nós já enchemos a lixeira e agora vocês não podem mais jogar o seu lixo". Precisamos transferir tecnologia, ajudar o mundo em desenvolvimento a superar a pobreza, dando dinheiro. Aí a pergunta é: o mundo desenvolvido fez isso? E a resposta é: não o bastante.

Quais foram os principais avanços nestes 20 anos?
Houve uma mudança considerável no uso de energia. O que você pode ganhar aumentando a eficiência energética está longe de estar realizado.

Existe algum país que possa liderar na economia verde?
A Coreia do Sul fez muitos esforços nessa direção.

Como o Brasil está indo?
Há uma melhora na questão do desmatamento na Amazônia, que pode ser medida. Mas está muito melhor agora do que quando viemos em 1985. Eu me lembro que estive em Manaus com um governador famoso [Gilberto Mestrinho] que achava uma estupidez isso de os ambientalistas virem dizer o que fazer com a Amazônia. Quanto estivemos em Cubatão, aquilo era um dos casos mais graves de poluição industrial. Hoje é um exemplo de como as coisas mudam.

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O desafio de retomar os investimentos.    Coluna Econômica de Luiz Nassif - 22/03/2012
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Hoje a presidente Dilma Rousseff reunirá 15 dos maiores empresários brasileiros para estimulá-los a investir mais no Brasil. Constatou-se que os grandes grupos estão com o caixa cheio e com alguma indecisão ainda em retomar investimentos graúdos. A intenção da presidente é estimular o chamado “espírito animal” do empresário.

Para deflagrar uma nova onda de investimento privado, no entanto, é importante entender melhor a dinâmica do desenvolvimento.

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O primeiro e mais relevante passo é a criação de um mercado interno robusto. Já se tem, tanto no mercado de consumo de massa quanto no que se convencionou chamar de “gargalos” – que nada mais são do que pontos de demanda não atendida.

Além disso, o pré-sal criará uma demanda adicional incalculável para os setores de máquinas e equipamentos, naval, de mobiliário etc.

Tendo-se a demanda, o passo seguinte é viabilizar a produção. Para tanto, há que se ter duas condições especiais: capital para financiar o investimento e condições de competitividade em relação ao produto importado.

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A primeira condição será alcançada com a mera redução da taxa Selic. A única influência da taxa é nas decisões de investimento. Baixando a Selic, os fundos de pensão, fundos de investimento, as próprias grandes companhias, terão que sair do conforto da renda fixa para a renda variável.

Hoje em dia já se tem um mercado de capitais bastante sofisticado para promover essa reciclagem da poupança.

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Resta o último grande desafio: a competitividade do parque industrial brasileiro.

Há duas maneiras de tornar o produto brasileiro competitivo: qualidade (mais inovação tecnológica) e preço.

Há uma lógica nos modelos cambiais: quando a economia é pouco competitiva, compensa-se com câmbio fraco, moeda desvalorizada. Isso faz com que se consiga competir nos mercados globais com preços baratos. Depois, à medida que as empresas vão ampliando as vendas, ganham fôlego para investir em pesquisa, inovação, novos produtos.

Todo grande modelo de desenvolvimento mundial – Inglaterra, Japão, Itália e Alemanha no pós-guerra, Coreia, China – percorreu esse caminho. A lógica é simples: só depois de ampliar as vendas externas, ganhar dimensão, ter escala, mercado, a empresa conseguirá fôlego para investir em pesquisa e inovação.

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Há outros fatores relevantes na definição de preço: o chamado custo Brasil. Entram nessa equação a estrutura de juros, o peso dos impostos, a infraestrutura, a burocracia pública. Quanto menos se avançar nesses itens, maior será o peso do câmbio.

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Na entrevista que me concedeu, algumas semanas atrás, a presidente Dilma Rousseff enfatizou que seu grande desafio será a consolidação do parque industrial brasileiro.

Por enquanto, a Fazenda tem avançado apenas em questões pontuais de defesa comercial ou desoneração tributária de um ou outro setor.

Trata-se de um anacronismo – em termos de política industrial. E, nesse ponto, os mercadistas têm razão: em vez da proteção de um ou outro setor, como que querendo tapar os furos de uma peneira, há que se avançar em soluções sistêmicas, que abranjam toda a economia brasileira.

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Woody Allen - Genial...   Na minha próxima vida, quero viver de trás para frente.
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Começar morto, para despachar logo o assunto.
Depois, acordar num lar de idosos e ir me sentindo melhor a cada dia que passa.

Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a aposentadoria e começar a trabalhar, recebendo logo um relógio de ouro no primeiro dia.

Trabalhar 40 anos, cada vez mais desenvolto e saudável, até ser jovem o suficiente para entrar na faculdade, embebedar-me diariamente e ser bastante promíscuo.

E depois, estar pronto para o secundário e para o primário, antes de me tornar criança e só brincar, sem responsabilidades.
Aí torno-me um bebê inocente até nascer.

Por fim, passo nove meses flutuando num "spa" de luxo, com aquecimento central, serviço de quarto à disposição e com um espaço maior por cada dia que passa, e depois - "Voilà!" - desapareço num orgasmo.
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De crise em crise, as pedras no sapato de Ana de Hollanda.  O Globo - 23/03/2012
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Ministra da Cultura consegue se manter apesar de críticas e abaixo-assinado


A história vem se repetindo por todos os lados desde o início do ano passado, quando a cantora Ana de Hollanda assumiu o Ministério da Cultura (MinC), em janeiro: a cada crise da pasta, é dada como certa sua demissão. Mas Ana vem se mantendo no governo, apesar das críticas contra sua gestão, de um manifesto público de intelectuais pedindo sua saída e até de um abaixo-assinado - com signatários do porte de Fernanda Montenegro, Fernando Meirelles, Maria Adelaide Amaral, Regina Duarte, Lázaro Ramos e Ivan Lins - sugerindo o nome do sociólogo Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, para o cargo.

Os problemas, de acordo com os setores descontentes com o MinC, passam pela falta de diálogo da ministra com o Congresso e por uma dificuldade em dar continuidade aos projetos iniciados no governo Lula.

Os ataques a Ana de Hollanda começaram logo no início do governo Dilma Rousseff. Em sua primeira entrevista coletiva, poucos dias após ser confirmada no cargo, em dezembro, Ana afirmou que o projeto da nova Lei do Direito Autoral, que vinha sendo preparado pelas gestões de seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, poderia ser revisto.

Entre as mudanças previstas pelo que seria a nova lei estavam uma maior flexibilização dos direitos do autor e a fiscalização do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), órgão responsável pelo recolhimento e pelo pagamento de direitos autorais da música no Brasil.

Em janeiro, a ministra ordenou a retirada, do site do MinC, do selo do Creative Commons, uma licença para a reprodução não comercial de conteúdo.

Parte da classe artística, que vinha se manifestando a favor da permanência de Juca Ferreira no MinC, arregalou os olhos. E já ali começaram os comentários sobre as políticas da ministra nas redes sociais, justamente onde até hoje ecoam as vozes mais fortes contrárias à sua gestão.

- Toda a sociedade percebe um distanciamento dos compromissos que haviam sido assumidos no governo Lula - afirma o curador de artes Moacir dos Anjos, um dos intelectuais que assinaram esta semana um duro manifesto endereçado a Dilma Rousseff pedindo o afastamento da ministra:

- Há um certo espanto em relação a alguns retrocessos e ao abandono de alguns alinhamentos da gestão passada, como no caso do direito autoral e dos Pontos de Cultura.

Os Pontos de Cultura, de investimento em centros culturais em todo o país, eram o principal projeto cultural do governo Lula, mas sofreram cortes orçamentários durante a gestão de Ana de Hollanda.

Além disso, os movimentos sociais reclamam que o governo cancelou editais que haviam sido lançados pela gestão passada - o MinC diz que os editais tinham problemas jurídicos e foram cancelados ou suspensos para que pudessem ser refeitos.

- Há um sentimento de inoperância administrativa. Os manifestos surgem porque há a percepção de falta de projeto estratégico e de problemas internos - afirma a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), presidente da Frente Parlamentar da Cultura na Câmara.

Outra das dificuldades da ministra está em explicar as acusações de que o MinC teria relações próximas com o Ecad. Na quarta-feira, a ministra participou de uma audiência pública na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, onde apresentou projetos para o ano. Em resposta a deputados, a ministra disse: "Acho que existe certa insinuação, até por parte da imprensa, de uma relação específica com o Ecad, o que é inverídico. Há setores que insistem em insinuar, em fazer acusações levianas, de má-fé".

Na última terça-feira, quando os boatos sobre a mudança no MinC estavam mais fortes, Helena Chagas, secretaria de Comunicação Social da Presidência, declarou a jornalistas que a ministra não estava deixando o governo.

Procurada ontem, Ana de Hollanda não retornou até o fechamento desta edição.

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Sem compromisso ambiental.    O Globo - 23/03/2012
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Ex-premier da Noruega diz que discursos dos governos não saem do papel


MANAUS. A falta de comprometimento dos governos com as questões ambientais foi apontada pela ex-primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundland como o principal problema para o desenvolvimento de políticas para a sustentabilidade econômica, ambiental e social no mundo. Gro Harlem abriu ontem os debates no primeiro dia do Fórum Mundial de Sustentabilidade, realizado em Manaus. O evento, que prossegue hoje e amanhã, reúne líderes empresariais, autoridades, políticos e ambientalistas.

A diplomata e líder internacional em desenvolvimento sustentável e saúde pública disse que muito se discute sobre sustentabilidade, economia verde e energia limpa, mas, na prática, a maior parte dos discursos não sai do papel. Para ela, falta mais comprometimento e liderança governamental para tratar esses temas:

- Todos os avisos apontam para o aquecimento global, mas a maioria dos governos não realiza ações concretas para ajudar a preservar o meio ambiente para esta e as futuras gerações.

Gro Harlem também falou com preocupação sobre o envolvimento dos países com a Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20, que será realizada de 13 a 22 de junho deste ano, no Rio de Janeiro. Ela lembrou o acordo firmado pelos países na Conferência do clima em Copenhague e destacou que pouco foi feito de fato para cumpri-lo.

Já o diretor-executivo da Rio+20, Brice Lalonde, disse que este é o momento de o Brasil liderar a conferência e criticou outros governos:

- Estamos cansados de discurso. O problema de não avançarmos é a lentidão dos governos. Agora é hora de implementar.

Segundo Brice, a Rio+20 contribuirá para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas.

Entre os palestrantes de hoje está o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

MEC suspeita que mais 30 universidades inflaram nota
Mais 30 universidades são suspeitas de terem "inflado" as notas do Enade
Autor(es): Paulo Saldaña -
O Estado de S. Paulo - 23/03/2012

Ministério da Educação observou grandes disparidades nas notas das instituições


Além da Universidade Paulista (Unip), outras 30 instituições são suspeitas de fraudes para inflar as notas no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), uma das ferramentas de avaliação do ensino superior. O Ministério da Educação (MEC) descobriu grandes disparidades nas notas dessas universidades de um ano para o outro.

Questionado, o MEC não revelou a lista das instituições. Também não há definição sobre quais serão as providências em relação a esses casos, mas o ministério afirmou que vai "agir com o mesmo rigor" que demonstrou com a Unip. O Estado apurou que o assunto tem sido tratado com cautela, porque a pasta não teria estrutura para uma intervenção mais decisiva em todas essas instituições.

Os casos não foram descobertos agora pelo MEC. Já eram conhecidos pela pasta ainda na gestão do ministro Fernando Haddad (PT), que deixou o cargo em janeiro. A pasta não informou exatamente quando apurou as possíveis irregularidades e por que não tomou providências até agora ou se já pediu esclarecimentos às instituições.

As suspeitas recaíram sobre as universidades porque elas apresentaram melhoras consideradas incoerentes nos índices do exame. Esse salto nos índices foi o que ocorreu com a Unip.

Inflar. Conforme o Estado revelou no início do mês, a Unip apresentou grandes saltos nas notas de alguns cursos. No curso de Nutrição, por exemplo, a nota subiu 207% do Enade de 2007 para o de 2010, muito acima da melhora na média nacional, de 25%. Segundo especialistas, seria impossível transformar e melhorar um curso superior em um prazo tão curto.

Para inflar as notas no exame, a Unip é acusada de lançar mão de um esquema para que apenas os melhores alunos façam a prova. Quanto menor o número de inscritos, melhor é o resultado da instituição. Estudantes de desempenho acadêmico médio para baixo ficam com notas em aberto na época em que as instituições devem fazer as inscrições dos alunos para o Enade.

Em 2010, estavam aptos a fazer o exame alunos do último ano que tivessem completado pelo menos 80% da carga horária do curso até o dia 2 de agosto. Com as notas em aberto, os piores não completam 80% da carga horária e só os melhores da classe fazem o exame.

A Unip nega selecionar os melhores alunos para os exames. Atribui a melhora no Enade à criação de uma comissão para analisar os cursos.

O MEC não sabe se as outras 30 instituições usaram a mesma estratégia da Unip, mas as suspeitas vão nessa direção. O Enade é feito pelos calouros e formandos do ensino superior para avaliar os estudantes. O exame também compõe o conceito de qualidade das graduações. Grande parte das universidades do País usam o desempenho no Enade em peças publicitárias para atrair novos alunos.

Mudanças. Após as denúncias, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, alterou as regras do próximo Enade para tentar conter tentativas de fraudes.

Além dos alunos que se formarem em dezembro de 2012, como previa a norma atual, terão de fazer a prova, em novembro, estudantes que concluírem o curso seis meses depois, em agosto de 2013. Isso resolveria o problema de postergar a formatura de um grupo de alunos por um semestre para fazer com que só os melhores façam o exame.

O MEC também estuda medida que diz respeito a alunos transferidos de uma universidade a outra no último ano da graduação. A ideia é fazer com que a nota do estudante seja atribuída à instituição onde ele estava originalmente matriculado. A medida visa a evitar que universidades reprovem em massa estudantes de baixo desempenho antes do Enade.

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CNJ descobre vendas suspeitas de precatórios. Correio Braziliense - 23/03/2012
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Segundo o conselho, brasileiros negociam créditos devidos por governos locais com deságio de até 90%. O esquema conta com a ajuda de desembargadores e beneficia as empresas compradoras, que chegam a receber 100% do valor estipulado por sentença judicial

Nem só de falta de pessoal, de organização e de uma ordem cronológica transparente sofrem os sistemas de precatórios no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao percorrer até agora oito estados para estruturar os setores de pagamentos de débitos dos governos locais, decorrentes de sentenças judiciais em favor dos cidadãos, encontrou fraudes de toda ordem. Em Alagoas, foi identificado um esquema de venda dos créditos, com deságio de até 90% e documentação irregular, a empresas, que rapidamente conseguem receber 100% dos valores em compensação tributária (veja quadro). A estimativa é de que cerca de R$ 1 bilhão tenha sido movimentado dessa forma, envolvendo 500 credores — entre eles desembargadores, juízes, promotores e procuradores.

A falta de controle era tão grande que o Tribunal de Justiça alagoano tenta rastrear, agora, quem já recebeu por essa via, para evitar pagamentos em duplicidade. "Mandei ofício à Procuradoria do Estado e à Secretaria de Fazenda pedindo nomes e valores, mas, até agora, não recebemos retorno", destaca Diógenes Tenório, juiz responsável pelo setor de precatórios. Um problema crucial, verificado ao longo do trabalho de organização realizado pelo CNJ no estado, foi a emissão de certidões de crédito, por parte das varas de Fazenda Pública, especialmente a 17ª, sem organização alguma. Tal documento, que não traz o valor devido, era calculado e negociado por escritórios de advocacia a empresas, principalmente a Telemar, hoje Oi.

Para o negócio ser concretizado, porém, a Procuradoria-Geral de Alagoas certifica o cálculo feito pelos advogados e envia o débito para a Secretaria de Fazenda. Duas leis estaduais que, na avaliação de conselheiros do CNJ, deveriam ser declaradas inconstitucionais, permitem essa negociação de créditos — débito reconhecido pelo Judiciário que, para se tornar precatório, na formalidade do termo, basta que a parte interessada peça a execução. Mas as lacunas de informação — que começam na emissão sem controle das certidões por parte das varas de Fazenda Pública — e a falta de critérios sobre os pagamentos são o início de uma história que deverá ser aprofundada pela Corregedoria do CNJ.

"Alagoas é o único estado em que o crédito pode ser negociado, isso traz dificuldades no cumprimento de princípios constitucionais, como moralidade, publicidade, eficiência", diz Diógenes. O advogado Marcos Mello, dono do escritório identificado em 95% dos casos, ressalta haver "total transparência" nas negociações. "Tudo é publicado no Diário Oficial do estado, os nomes das pessoas estão lá. Só o nome das empresas é que não constam porque caso contrário elas seriam bombardeadas de gente querendo vender, já que o estado demora muito", afirma Mello, que também tem dívidas a receber na mesma ação em que se verificou tal prática, mas nunca vendeu seus créditos.

A Oi, por meio da assessoria de imprensa, informou que segue "limites e condições" para negociar com titulares dos créditos e com o estado "expressamente previstos em legislação pertinente". Não disse o quanto já abateu de impostos por essa via, afirmando se tratar de informações econômicas da companhia e, portanto, "estratégicas". Sobre se já havia sido chamada por algum órgão para tratar do assunto, destacou que "periodicamente, os órgãos relacionados com esse procedimento mantêm contato com a empresa para quaisquer esclarecimentos."

Já Emanuele Pacheco, presidente da Comissão de Certificação de Créditos da Procuradoria-Geral de Alagoas, disse que não recebeu ofício do TJ-AL com pedido de nomes e valores de pessoas que negociaram seus créditos nem tem conhecimento de suspeitas sobre as operações. "Nunca houve uma ação do Ministério Público questionando nada sobre isso. Se há suspeitas, defendemos que sejam apuradas", disse. Ela ressaltou, entretanto, desconhecer que as empresas consigam receber 100% dos créditos, informando que a Secretaria de Fazenda faz um cálculo para definir o valor a ser descontado em impostos. O advogado Mello, entretanto, afirmou que as companhias recebem 100%, dentro da lei. "Por que elas comprariam os créditos se fosse para receber o que pagaram aos credores?" A Secretaria de Fazenda não retornou os contatos da reportagem.

"Caso de polícia"
Sem mencionar casos específicos, a ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ, diz que o órgão tem encontrado uma série de "desmandos" no Brasil com relação ao tema. "O comércio de precatórios neste país é uma das coisas mais injustas que nós temos. Existem precatórios que são cedidos com deságio de 90%. As pessoas, para não morrerem sem receber, recebem o que for oferecido. E quem tem feito isso? As grandes empresas, os grandes escritórios de advocacia, que recebem informações privilegiadas dos tribunais e entram em contato com os credores para, dessa forma, negociar os precatórios. Isso é caso de polícia", disse a ministra, em palestra no Tribunal de Justiça do DF nesta semana. "São Paulo, por exemplo, segundo relatos da Ordem dos Advogados Paulistas, já perdeu na fila dos precatórios 80 mil pessoas que estavam na fila e já morreram", completou.

Eliana recebeu, nesta semana, em seu gabinete em Brasília, as pensionistas Valdomira Cancelli dos Santos, de 71 anos, e Cecília Terezinha dos Santos Silva, de 68, moradoras do Rio Grande do Sul. Há seis anos, Cecília teve que vender seu precatório devido a um aneurisma cerebral. "Eu me arrependo de ter vendido, mas era uma questão de necessidade, de saúde", afirma a mulher, que, com o dinheiro recebido, metade do valor integral, também ajudou a filha em um transplante de córneas. Valdomira ainda espera pela dívida. "A gente, quando deve, tem que pagar. O governo, não", reclama. Elas fazem parte de dezenas de credoras que vão, às quartas-feiras, para frente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, tricotar, como forma de protesto.

Colaborou Diego Abreu

Prática de décadas

O esquema suspeito de pagamentos de créditos foi verificado em ações de 20 anos atrás ajuizadas por todos os servidores públicos estaduais. Eles ganharam o direito de receber do estado de Alagoas os pagamentos para compensar perdas salariais decorrentes da Unidade Real de Valor (URV) e de planos econômicos. Os processos envolvem cerca de 18 mil servidores do estado, de diferentes órgãos. Hoje, Alagoas tem precatórios formalizados (sem contar os créditos que ainda se transformarão em precatórios, depois que o advogado pede a execução) no valor de R$ 380 milhões.

O ESQUEMA

Devido à demora nos pagamentos, credores de uma ação gigantesca ganha por vários sindicatos contra o estado de Alagoas venderam seus créditos em um esquema suspeito. Veja o passo a passo da negociação:

1. Certidões sem controle
Nas varas da Fazenda Pública (principalmente na 17ª e 18ª), os credores obtinham certidões atestando a existência dos créditos, sem qualquer controle. Não havia informação do recebimento ou da negociação daquele crédito para a vara — abrindo brecha para que uma mesma dívida seja negociada e paga mais de uma vez.

2. Escritórios de advocacia
Advogados especializados no ramo faziam o cálculo da dívida que o estado teria de pagar, uma vez que na certidão de crédito não constava essa informação. Em seguida, vendiam o crédito, com deságio que chegava a 90%, para empresas, principalmente a Telemar. A transação é permitida por lei estadual.

3. Certificação do crédito
A Procuradoria-Geral do Estado de Alagoas certificava os créditos, concordando com os valores calculados pelo escritório de advocacia, e publicava no Diário Oficial do Estado. A Telemar, então, passava a ser a credora, conseguindo compensar rapidamente o valor integral do crédito, por meio de desconto no pagamento de impostos.

R$ 1
bilhão

Estimativa do dinheiro movimentado com a venda de precatórios em Alagoas
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Conferência precisa ouvir sociedade civil, diz Greenpeace.  Valor Econômico - 23/03/2012
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"Parece que todos os negociadores sofrem de uma doença, parece que todos têm problema em não escutar direito", disse Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace Internacional, ontem, em Manaus. Ele se referia aos diplomatas envolvidos com negociações internacionais do gênero das que precedem a Rio+20. "Não ouvem o que a ciência está dizendo. Ainda temos algumas semanas antes da conferência. Espero que os representantes de governo possam internalizar em suas discussões o que outros estão falando."

Naidoo falava de dentro do Rainbow Warrior, o barco mais novo e sustentável da ONG, que chegou ao Brasil para as comemorações dos 20 anos de Greenpeace no país e para as campanhas da Rio+20. "Com a Rio+20, em junho, temos que mandar uma mensagem à presidente Dilma", prosseguiu Naidoo. "Ela tem uma oportunidade única de dar ao mundo uma mensagem-chave: que o Brasil está comprometido em acabar com a destruição florestal", continuou. "O Brasil é hoje a sexta maior economia do mundo. E o mais importante: o país tornou-se a sexta maior economia do mundo reduzindo o desmatamento. O Brasil não precisa destruir a floresta para demonstrar que é um país forte."

Naidoo participou do lançamento de uma campanha da ONG para que o país tenha uma lei de desmatamento zero. A intenção é levar ao Congresso uma proposta de lei de iniciativa popular. Para tanto, a ONG precisa arrecadar assinaturas de 1,4 milhão de pessoas, o que corresponde a 1% dos eleitores brasileiros. Até o fim de 2013, o Greenpeace espera conseguir arrecadar assinaturas suficientes para encaminhar a proposta ao Congresso. O Rainbow Warrior que descerá a costa brasileira e chegará ao Rio de Janeiro para a conferência, será utilizado nesta iniciativa.

"As mudanças que estão sendo debatidas no Código Florestal são sobre o passado, sobre como resolver o problema de quem desmatou", explica Marcio Astrini, da campanha Amazônia do Greenpeace. "Nossa ideia, agora, é beneficiar a floresta. É uma ideia para o futuro. O Brasil não precisa desmatar mais para se desenvolver, nem a agricultura precisa abrir mais áreas para dobrar a produção de alimentos", continua. Pela proposta do Greenpeace, ficaria proibido o corte de floresta nativa e novos desmatamentos. Há exceções para grupos indígenas, extrativistas e quilombolas e um prazo de 5 anos para que os agricultores familiares tenham capacitação técnica para o uso sustentável da floresta.
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Há agência mundial até de turismo, por que não de ambiente?
Valor Econômico - 23/03/2012
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O francês Brice Lalonde, 66 anos, foi ministro do Meio Ambiente da França, candidato à presidência da República pelo partido verde francês e agora é um dos dois coordenadores-executivos da Rio+20 - a outra é Elizabeth Thompson, de Barbados. O segundo homem na hierarquia da ONU para a Rio+20 tem como atribuição fazer, antes e durante a conferência, o elo dos governos com a sociedade civil. Lalonde adianta o que pode ser um dos trunfos da Rio+20, um ponto que está em negociação e ainda tem muito caminho pela frente: um conselho ou comitê de desenvolvimento sustentável, nos moldes do Conselho de Direitos Humanos da ONU, para implementar, monitorar, diagnosticar problemas e implementar as decisões da conferência sobre desenvolvimento sustentável que acontecerá no Rio, em junho.

Neste possível novo órgão - proposta defendida pelo Brasil - empresas, ONGs e outros setores da sociedade civil poderiam ter assento, defende. Lalonde também simpatiza com a outra proposta que está na mesa de negociações, impulsionada pelos europeus e africanos - a de transformar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em uma agência ambiental global.

O Pnuma existe há 40 anos, mas não tem orçamento fixo e tem pouca força política. "Existe uma agência mundial para comida, para saúde, há até uma para o turismo. Por que não ter uma para o ambiente?". Lalonde reforça que não é diplomata, diz que fica impaciente com o processo lento das negociações, mas é conciliador quando o tema são as mudanças institucionais que a Rio+20 pode promover. "Todos concordam que o tema ambiente, na ONU, é muito fraco e que é preciso fortalecer este pilar", diz. "Mas, claro, é preciso ter um lugar que integre o desenvolvimento sustentável na ONU".

Lalonde concedeu esta entrevista ao Valor em passagem recente pelo Rio de Janeiro e também quando esteve em Nairóbi, no Quênia, em encontro do Pnuma. A seguir, alguns trechos:

Valor: A Rio+20 está, finalmente, aquecendo?

Brice Lalonde: Mais e mais pessoas estão interessadas, mais gente diz que virá e as expectativas estão crescendo, o que é bom. Mas se trata de um processo em andamento, sem momentos espetaculares. O importante é manter as coisas andando. E não se pode esquecer que não há muito dinheiro, devido à crise financeira forte. Aliás, esta é uma preocupação que surge.

Valor: Em que sentido?

Lalonde: Os preços no Rio. Mais pessoas e organizações estão querendo alugar um espaço para fazer um evento e esbarram com o preço alto. O preço dos hotéis é muito caro. Algumas organizações estão pedindo se é possível abaixar estes preços. Esta é uma grande preocupação.

Valor: Não está claro, há menos de três meses da conferência, quantos chefes de Estado virão, não é?

Lalonde: Acho que no fim todos virão. É aquela coisa, se há uma festa e a rainha da Inglaterra diz que vai, a rainha da Suécia também tem que ir. E é muito bom se os líderes começam a dizer que vêm, isso quer dizer que teremos um bom resultado. É a história do ovo e da galinha, tem que ter os dois. Para um bom resultado, tem que ter os líderes, mas para ter os líderes, tem que ter um bom resultado.

Valor: Na Rio 92 houve muita negociação antes e no Rio fecharam os tratados. Mas aqui o caminho é inverso: a Rio+20 abre processos.

Lalonde: É muito mais aberta. Decidimos fazer a Rio+20 porque temos que proteger o clima e a biodiversidade, combater a pobreza, traçar objetivos de desenvolvimento sustentável. Mas o problema é: uma vez que os chefes de Estado e governo e diplomatas se decidiram por ela, como fazer? Como vamos viver nas cidades? Como será a nova agricultura tendo nove bilhões de pessoas no mundo e sem usar mais água ou fazer pressão sobre as florestas? Como vamos produzir mais energia sem usar combustíveis fósseis e garantindo que todos tenham acesso? As emissões continuam crescendo, a biodiversidade segue ameaçada. O problema é como fazer.

Valor: Era diferente, há 20 anos?

Lalonde: O problema é que muita gente pensa, mas pouca gente age. E temos que agir. Na ONU tem havido muita discussão entre ricos e pobres: "Deem-nos mais dinheiro, é sua responsabilidade". Agora é assim: todo mundo quer reduzir a pobreza, mas como podemos fazer de uma maneira prática? Oceanos, biodiversidade, atmosfera, todos querem fazer algo, mas o problema é como.

Valor: Há uma preocupação muito maior, nesta conferência, em fazer com que a sociedade civil participe. Como isso acontece?

Lalonde: Eu era de uma ONG durante a Rio 92, estava com a Amigos da Terra, e não me deixavam participar. Agora vejo gente jovem dentro das negociações. Eles cresceram verdes, isso é natural neles. E é particularmente importante porque Rio+20 é mais 20, ou seja, mais 20 anos daqui em diante, estamos abrindo um novo ciclo. O Brasil tem dito que esta conferência é para os próximos 20 anos. Mas isso é verdade para o Brasil também, que nos próximos 20 anos terá muito mais poder do que tem hoje. Então é preciso pensar como será o Brasil de 2030, um país incrivelmente bonito e forte, otimista, jovem, com muitos recursos.

Valor: Uma das suas atribuições é fazer o elo entre os debates de governos e a sociedade civil. Como isso está andando?

Lalonde: Há muitas frentes. Uma delas, os chamados Diálogos Sustentáveis com a Sociedade [os quatro dias antes da cúpula da Rio+20] estão ficando mais definidos. Na segunda-feira, em Nova York, junto com o embaixador André Correa do Lago [negociador-chefe brasileiro para a Rio+20] vamos explicar aos vários grupos da sociedade civil como eles podem fazer diferença no Rio. As iniciativas da sociedade civil no processo são tão importantes como as iniciativas do governo. Os Diálogos com a Sociedade farão recomendações à cúpula que podem ser muito importantes para a conferência e para o legado da Rio+20.

Valor: Mas, no final, quem decide são os governos.

Lalonde: Sim. Mas há a participação maior dos "major groups", o conceito que engloba a sociedade civil, vem de 1992 e deveria ser modernizado, mas que permite que ONGs, empresas e outros falem. Não é um tempo muito longo, mas podem falar.

Valor: Nas mudanças de governança, há a ideia, que o Brasil vê com bons olhos, de se criar um conselho ou comitê de desenvolvimento sustentável. Como seria?

Lalonde: Todo mundo concorda que a sociedade civil tem que ter um lugar bem maior também nas decisões. Uma das propostas em discussão é a de se criar um Conselho de Desenvolvimento Sustentável nas Nações Unidas, de ter algo que poderia acompanhar as metas e os resultados da Rio+ 20 e ver o que se conseguiu. Talvez empresas e ONGs pudessem estar dentro deste conselho. Os governos sabem que não podem mais fazer as coisas sozinhos. O modelo que está sendo pensado é a do Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Ali as pessoas discutem o que está acontecendo, o que tem que ser feito, os problemas. O Conselho de Desenvolvimento Sustentável pode ser o melhor lugar para se saber o que está acontecendo com as decisões da Rio+20. Mas, claro, esta é uma das propostas em discussão.

Valor: O senhor pode explicar qual a proposta da França para a nova agência?

Lalonde: O que conheço é a ideia de transformar o Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em uma agência. Existe uma agência para comida, para saúde, existe até uma para o turismo! Por que não ter uma para o meio ambiente? Se você quer participar da corrida de Daytona, tem que ter um carro forte e não uma pequena bicicleta, não é? A mesma coisa com o Pnuma. Se queremos fazer algo no ambiente, temos que ter uma organização global forte. A ideia de criar uma agência ambiental é apoiada pela Europa, por todos os países africanos, por países da Ásia, por muitos.

Valor: Qual é o consenso neste ponto?

Lalonde: Todos concordam que o tema ambiente no sistema das Nações Unidas é muito fraco, que é preciso fortalecer este pilar. O Pnuma hoje é só um programa. Os países pagam só se quiserem pagar. Também é um órgão sem poder de decisão, as decisões têm que ir para a Assembleia Geral. Então, toda vez que há um grande problema ambiental é preciso criar alguma outra coisa para decidir - criamos convenções, de clima, de biodiversidade. Toda vez que temos um problema ambiental enfraquecemos o Pnuma. É paradoxal. Mas temos que encontrar uma maneira para fazer isso e todos têm que concordar. Isso é a negociação.

Valor: É possível que, no final da Rio+20, tenhamos uma agência global de ambiente e um conselho de desenvolvimento sustentável?

Lalonde: Sim. É isso que eu acho. É o que eu lutaria para ter.

Valor: Como está avançando a proposta de Colômbia e Guatemala de a Rio+20 desenhar objetivos de desenvolvimento sustentável?

Lalonde: É uma boa ideia porque coloca foco nas ações: vamos ter metas para todo mundo, não só para os mais pobres. Antes, nas negociações na ONU, os países pobres diziam: "deem-nos algum dinheiro e algum tempo e vamos alcançar vocês". Alcançar gente que está consumido muito, que está gastando demais. Não, esse não é o jeito que queremos viver, não é possível. Temos que mudar o jeito que estamos produzindo, e esta é uma abordagem completamente diferente. Os objetivos não serão apenas para bilhões de pobres, mas também para bilhões de ricos. Claro, este é um debate difícil.

Valor: Que tipo de metas?

Lalonde: Uma que parece ter consenso é a meta proposta por Ban Ki-moon, em energia. Ela tem três submetas que seguem a arquitetura do desenvolvimento sustentável, do social, econômico e ambiental. Fala em garantir energia sustentável para todos, inclusive para quem cozinha com fogões a lenha - o que tem apelo social. O segundo ponto é multiplicar por dois a eficiência energética por unidade de produção, o que significa cortar pela metade o consumo de energia em 2020 para produzir a mesma coisa, o que é econômico. E, finalmente, dobrar a participação das energias renováveis no mix nos próximos 20 anos, o que é ambiental. O mais importante é que podemos começar já em 2013.

Valor: Como as empresas poderiam participar melhor da Rio+20?

Lalonde: Precisamos das empresas par alavancar a economia de baixo carbono. Negócios são como políticos, alguns são melhores que outros. O problema é que não temos ainda o Adam Smith da economia verde. Por isso é difícil. Governos têm que tomar decisões para o mercado, e o mercado é míope. Pensa apenas em como ter dinheiro este semestre. Precisamos ter líderes e negócios orientados para a nova economia, o que significa olhar para a natureza e transformar isso em dinheiro. Precisamos dos negócios. Nunca vamos conseguir sem eles, sem tecnologia. De outro modo, sem tecnologia, como faremos células solares?

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MPF denuncia professor da UFMA que teria mandado universitário nigeriano "clarear a pele"
UOL 22/03
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O MPF (Ministério Público Federal) do Maranhão denunciou à Justiça, nesta quarta-feira (21), o professor da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) José Cloves Verde Saraiva. Ele é acusado de racismo, injúria racial e xenofobia contra um aluno nigeriano negro. As ofensas teriam ocorrido em sala de aula, em junho de 2011. Na ação, o MPF ressaltou que “o professor se referiu ao estudante, inúmeras vezes, de maneira ofensiva, inclusive afirmando que o universitário deveria ‘clarear a sua pele’ e ‘voltar para a África em um navio negreiro’”.

Segundo denúncias relatadas à Polícia Federal e entregues ao MPF, o profesor, logo no primeiro dia de aula, fez “chacotas racistas” contra o aluno ao realizar a chamada com o nome dos estudantes. Colegas de sala de Nuhu Ayúba disseram ainda que outros fatos ocorreram ao longo de 2011, o que levou o jovem a se sentir prejudicado no desempenho escolar, tirando notas abaixo da média em cálculo vetorial e geometria analítica – disciplina ministrada pelo professor –, ao contrário das que obtinha em outras disciplinas.

O autor da ação, o procurador da República Israel Gonçalves Santos Silva, afirmou, em nota, ser “inaceitável qualquer prática racista ou preconceituosa, principalmente a lançada no seio de um ambiente acadêmico, que deveria prezar pelo acolhimento da mais ampla diversidade sociocultural e étnico-racial, dada à pluralidade dos cidadãos que compõem o povo brasileiro".

Caso Saraiva seja condenado por todos os crimes denunciados, a pena aplicada poderá chegar a 15 anos de prisão e pagamento de multa indenizatória. Além da ação denunciando o crime de racismo, o MPF também moveu uma ação de improbidade contra Saraiva. Caso seja condenado, o professor perderá o cargo público e os direitos políticos por cinco anos.

O procurador da República destacou que Saraiva também incidiu “ato de improbidade administrativa, uma vez que, descumpriu o dever de não discriminar, ofendendo, pois, princípios básicos da administração pública, como da legalidade, impessoalidade e moralidade, e, ainda em desacordo com os princípios que regem o ensino público federal e o exercício do magistério.”

Abaixo-assinado

Logo após os atos, em protesto às atitudes do professor, colegas de turma de Nuhu Ayúba fizeram um abaixo-assinado com 7.634 pessoas. Os alunos ressaltaram as agressões verbais contra o nigeriano e relataram que “o professor Cloves Saraiva vem sistematicamente agredindo nosso colega de turma Nuhu Ayúba, humilhando-o na frente de todos os alunos da turma”.

De acordo com o abaixo-assinado, na entrega da primeira nota dos alunos na disciplina de cálculo vetorial e geometria analítica, “o professor não anunciou a nota de nenhum outro aluno, apenas a de Nuhu, bradando em voz alta que tirou uma péssima nota", além de fazer chacota ao nome do nigeriano, relacionando a pronúncia com um palavrão.

Os alunos de engenharia química também postaram na Internet um vídeo relatando o fato e leram uma carta em protesto às atitudes do professor.

Segundo a UFMA, o nigeriano Nuhu Ayúba participa do Programa de Estudantes – Convênio de Graduação (PEC-G), que faz parte de um protocolo celebrado entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Educação.

O convênio oferece oportunidades de graduação superior a cidadãos de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais. Neste Programa, o país de origem do aluno é o responsável pela manutenção no local onde estudante realiza a graduação superior.

Outro lado

Em nota enviada nesta tarde, a UFMA informou que instaurou processo administrativo disciplinar "para apurar a responsabilidade do professor por suposto cometimento de desvio de conduta funcional", mas a comissão entendeu ao final que "não havia provas suficientes e solicitou o arquivamento do processo."

O documento foi encaminhado à Procuradoria Federal, e segundo a UFMA, o órgão não concordou com o arquivamento do processo e apontou que houve falhas na apuração. "A Procuradoria Federal solicitou a nulidade do processo e imediata instauração de um novo processo administrativo disciplinar", informou a nota da UFMA sem detalhar se outro inquérito foi aberto e qual o posicionamento da Universidade em relação à denúncia do MPF feita à Justiça.

O UOL entrou em contato com o Departamento de Matemática da instituição e foi informado que o professor não se encontrava no local na manhã desta quinta-feira (22). O departamento disse ainda que não tinha autorização para repassar o número do telefone de Saraiva.

Em junho de 2011, o professor Saraiva divulgou uma nota de retratação pública pedindo desculpas a Nuhu. Ele ressaltou que ocorreu uma “interpretação dúbia do aluno nigeriano Nuhu Ayúba, que durante as aulas de cálculo vetorial, no curso de Engenharia Química da UFMA, sentiu-se ofendido.”

Saraiva afirmou que durante a chamada dos alunos ao pronunciar o nome de Nuhu Ayúba não ocorreu nenhum sentido jocoso, “visto que sua pronúncia no seu idioma induz isto no nosso e que foi esclarecida por ele mesmo como o equivalente deste a Noé Josué.”

O professor disse ainda que chamou a atenção de Nuhu e de outros alunos “que não compareciam as aulas, nem fizeram os exercícios". Saraiva disse que fez o “dever de professor cobrando o bom entendimento da disciplina, tendo formado excelentes alunos durante todo esse tempo.” “Veja que a maioria dos seus colegas de classe cumpriu seus deveres, e a turma passada não teve problemas deste tipo. Embora sabendo que você tem suas dificuldades naturais, como qualquer estrangeiro, deveria pelo menos se explicar, evitando interpretações errôneas sobre o seu atual comportamento como estudante da UFMA”, afirmou o professor.
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Filme escancara a real força das manifestações no Egito FOLHA SP 23.03
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Tanques, bombas de gás, correria, sangue. Palavras de ordem contra o ditador, choro, medo, fogo. Boa parte do documentário "1/2 Revolução" mostra isso: cenas nervosas dos manifestantes que tomaram a praça Tahrir, no Cairo, e desencadearam o movimento que derrubou o egípcio Hosni Mubarak há pouco mais de um ano.

Da sacada de um apartamento, os cineastas Omar Shargawi e Karim El Hakim escutaram o ruído do protesto e resolveram filmar o que estava acontecendo lá em baixo. Fizeram o que definiram como "uma história pessoal da Primavera Árabe".

El Hakim (egípcio-americano) e Shargawi (dinamarquês-palestino) partiram para a empreitada com amigos egípcios ou de raízes árabes. Desembarcam nos protestos com filmadoras e celulares e os acompanham por 11 dias.

Num vaivém, eles correm da rua para o apartamento, tentando escapar da polícia e das violentas gangues de partidários do regime que desmoronava. Falam ao telefone com parentes, contabilizam mortes e arranham

análises-relâmpago de conjuntura. A rotina na casa é a outra parte do filme.

Se o pulsar da rua oscila entre uma praça de guerra e um festival de música, no apartamento a trupe também vive a euforia e a apreensão.

Às vezes, enxergam a vitória da revolução -e se emocionam ao perceber que fazem parte dela, não são meros observadores. Em outros momentos, preveem um banho de sangue -e discutem se vale a pena correr o risco de ficar no meio da convulsão.

Focado nesse grupo de classe média, o documentário não se preocupa em oferecer um contexto maior.

Poucos são os manifestantes que exclamam palavras contra o desemprego, a falta de moradia, os preços altos. As greves, fundamentais para a queda do regime, não são mencionadas. Organizações e partidos são esquecidos.

Junto com os cineastas, o espectador cai de paraquedas na insurreição. Essa imersão nas tensões das batalhas das ruas é o ponto forte do filme. A câmera treme, fica desfocada, mostra a escuridão: faz o registro essencial.

No terreno das ambiguidades aparece também, embora de forma lateral, um personagem central dessa história: o Exército egípcio. Instituição basilar do país, deixou seus tanques serem pichados e tomados pela multidão.

No filme, quando essas máquinas de guerra chegam ao centro do Cairo, um manifestante grita: "O Exército está contra nós?". A pergunta pode ecoar perfeitamente nos dias de hoje. Os militares, que assumiram o poder após a queda de Mubarak, enfrentam protestos na difícil transição para a democracia.

Sim, o processo de mudança não se completou. O documentário não mostra o todo, mas escancara uma metade crucial: a força das manifestações no Egito.

1/2 REVOLUÇÃO

DIREÇÃO Omar Shargawi e Karim El Hakim
PRODUÇÃO Dinamarca
ONDE Cinesesc (hoje, às 19h), CCBB-RJ (25/3, às 20h30; 27/3 às 18h30); CCBB-SP (29/3, às 19h)
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
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CARLOS HEITOR CONY.  Nuremberg e a verdade
É necessário que atos e fatos do nosso passado recente sejam conhecidos em sua plenitude FOLHA SP 23.03
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Em crônica da semana passada, na página 2 ("Quem paga o pacto"), toquei perifericamente num assunto que continua a provocar polêmica, inclusive com manifestos de militares da reserva, que são contra, e com o massivo apoio de vários e numerosos setores da sociedade, que são a favor.

A Comissão da Verdade, que ainda não entrou em funcionamento, mas é exigida e combatida por interessados numa ou noutra solução, ameaça um tema que fatalmente provocará debates -e queiram os fados que fique apenas nos debates, até que surja uma solução consensual.

Tomando conhecimento das opiniões veiculadas na mídia e em reuniões que especificamente tratam do caso, desconfio que o terreno seja movediço, uma vez que há margem para equívocos sempre que se apela para "a verdade". O próprio Cristo, no processo que o levou à morte no Calvário, deixou sem resposta a pergunta de Pilatos: "Quid est veritas?" -o que é a verdade?

No caso em questão, alguns militares e civis nostálgicos dos tempos duros da repressão política acreditam que se trata de um revanchismo, do olho por olho, dente por dente; uma vez que o resultado da comissão possa gerar processos na Justiça, é de boa doutrina que certos crimes não prescrevam.

Mortes, torturas, desaparecimentos e exílios são atentados habituais nos regimes de força, tanto os da direita como os da esquerda: exemplos antigos e atuais são do conhecimento geral. Um país que se proclama democrático e moderno não pode nem deve esconder a sua história. Milhares de brasileiros clamam pelas vítimas da brutalidade do Estado. Eu inclusive.

É necessário e urgente que atos e fatos do nosso passado recente sejam conhecidos em sua plenitude, não por exigência de uma vingança que pode até ser considerada natural, mas como consciência e exemplo de nossa própria história.

Dentro desse enquadramento, a Comissão da Verdade deve entrar logo em funcionamento para que a nação fique sabendo como e com quem o arbítrio foi instaurado e prevaleceu durante mais de duas décadas.

Acontece que são muitos aqueles que desejam mais, contestando a anistia que foi negociada duramente entre os últimos governos militares (Geisel e Figueiredo) e as lideranças civis, e que, expressando a legítima vontade do povo, tornou possível a redemocratização do país.

Foi aceito por ambos os lados o conceito da anistia plena, geral e irrestrita para todos os crimes políticos de determinado período, cometidos em nome da ordem reinante ou em nome da justiça social e econômica, violentada pela mesma ordem então reinante.

Volta e meia é invocado o exemplo do Tribunal de Nuremberg, que puniu com morte e prisão a barbárie do regime nazista. Não houve pacto, mas uma guerra violenta vencida pelos aliados. As sentenças daquele tribunal, que respeitou inclusive o direito de defesa dos acusados, condenando muitos à forca e outros a diversas graduações de pena, foram um momento digno da própria humanidade.

No caso de Nuremberg, não houve vingança nem justiça retardada. Os nazistas não se entregaram, Roosevelt liderou a cúpula aliada, exigindo a rendição incondicional do adversário, negando-se a qualquer acordo ou negociação com o inimigo.

É sabido que alguns militares e políticos, dentro e fora da Alemanha, incluindo nazistas de primeiríssimo escalão, tentaram antecipar o fim da guerra com um pacto que foi recusado prontamente pelo "Big Four" (Roosevelt, Stálin, Churchill e de Gaulle), apesar das centenas de milhares de vítimas dos dois lados que ainda seriam sacrificadas.

No caso do Brasil, sobretudo após a decretação do AI-5, de 13 de dezembro de 1968, surgiram vários movimentos e tentativas (algumas desesperadas) de derrubar a ditadura com a luta armada (várias, por sinal), que deram aos militares o pretexto para o brutal endurecimento do regime, que afinal caiu de podre, mas ainda em condições de negociar com a nação a anistia.

Quanto mais o governo de dona Dilma retardar o funcionamento pleno, efetivo e justo da Comissão da Verdade, maior será o risco de uma fenda na sociedade, colocando-se o país à disposição de demagogos e aventureiros, fardados ou não, de um ou de outro lado.

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Raul Seixas.DOC
Longa-metragem sobre a história do cantor baiano, um dos maiores ídolos da música brasileira, chega hoje aos cinemas. "Ele morreu de amor", afirma o diretor Walter Carvalho CORREIO BSB 23.03

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Quando aceitou o convite para dirigir o documentário Raul — o início, o fim e o meio, Walter Carvalho tinha como missão abordar um artista já biografado em dezenas de livros, assunto de incontáveis reportagens, cultuado como poucos cantores no Brasil. Para o trabalho, o cineasta paraibano, 65 anos, também conhecido como um dos mais requisitados e premiados diretores de fotografia do país, realizou quase uma centena de entrevistas (54 delas estão no filme), vasculhou acervos de emissoras de TV, reuniu fotos e conseguiu registros audiovisuais raros de Raul Seixas (1945-1989).

A produção durou três anos, entre pesquisa, realização das entrevistas e montagem do documentário. Das 400 horas de material coletado sobre Raul Seixas, duas terminaram no filme. Muitas das imagens são inéditas: cenas da infância de Raul, seu “casamento satânico” com Gloria Vaquer, bastidores de gravação, até o reencontro do cantor baiano com Paulo Coelho, no camarim de um show, depois de 15 anos sem se verem.

Por falar em Paulo Coelho, o antigo parceiro de composição de Raulzito protagoniza um dos melhores momentos do longa-metragem. Em entrevista em sua casa, na Suíça, o escritor dá declarações reveladoras (“Mostrei todas as drogas para o Raul. Só não sei se apresentei a droga do mal, a cocaína”) e atenta para uma mosca que o ronda durante a filmagem. “Em Genebra não tem mosca”, diz o mago. É dessa forma, se fazendo presente mesmo quando não está lá, aparecendo em falas emocionadas de amigos, ex-mulheres, familiares e admiradores que Raul, sua vida e obra, são apresentas no documentário.

Idealizado pelo produtor Denis Feijão, codirigido por Evaldo Mocarzel e Leonardo Gudel (também autor do roteiro), Raul — o início, o fim e o meio, não esgota o assunto do ícone do rock brasileiro. E nem tem essa pretensão. “Raul é uma história que não acabou”, afirma Walter Carvalho. E adianta: “O extra do DVD será o maior da história”.


Quatro perguntas - Walter Carvalho
           

Teve alguém que você gostaria de ter entrevistado, mas não conseguiu?
Eu gostaria muito de ter entrevistado a mãe do Raul, que já morreu. Mas todos os outros foram acessíveis, generosos, sem nenhum problema. As ex-mulheres do Raul, sobretudo. Todas elas são apaixonadas por ele até hoje — não sei se dá para perceber isso no filme.

Até a Edith, primeira mulher dele?
Acho que ela “virou a página” legal, de verdade. Quando o Raul começou a fazer sucesso, conheceu outra mulher e abandonou a Edith. Ela é americana, voltou para os Estados Unidos com a filha deles, Simone, e nunca mais deixou o Raul ver a menina. Ele sofreu para o resto da vida por causa disso. A mãe do Raul dizia que ele chorava sempre que falavam perto dele da Edith e da filha. Eu acho que o Raul morreu por amor.

Você codirigiu Cazuza — o tempo não para. Seu irmão, Vladimir Carvalho, lançou recentemente o documentário Rock Brasília, que tem Renato Russo como um dos protagonistas. Acha que estamos ficando carentes de artistas que causem esse tipo de impacto no público?
Acho difícil surgirem novos Rauls, Renatos ou Cazuzas. O contexto político de onde esses caras vieram, um momento de repressão, não existe mais. A atitude desses três artistas era contestadora, libertária. Hoje em dia, não é o artista que se impõe ao mercado, é o mercado que produz o artista — que não precisa acontecer, basta estar na mídia e isso já é a notícia, o acontecimento em si. Serão necessárias décadas para surgir a química que deu no Raul.

Que pergunta você faria para Raul?
Ninguém nunca me perguntou isso (fica em silêncio por alguns segundos)… Semana passada fui a Salvador, fazer a pré-estreia do filme. Olhando do avião, eu tinha a impressão de que poderia encontrar Raul lá embaixo em qualquer esquina — talvez por todo o tempo que passei ouvindo sua voz cantando e falando e vendo sua imagem todos os dias. A única coisa que eu faria se o encontrasse seria perguntar: você que ver o meu filme que eu fiz sobre você?
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Comentário sobre "revolução da educação" CORREIO BSB 23.03

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Ph.D. em educação (Universidade de Londres); mestre de ciências em educação (Purdue University, Indiana, EUA); mestre em educação brasileira (UnB)
Publicação: 23/03/2012 02:00
Para comentar o assunto acima, temos que voltar ao passado. É necessário lembrar, por exemplo, que as bases políticas da educação pública sempre foram fracas e que, na maior parte do século 20, a educação não era um assunto na sociedade. Apesar dos esforços de um grupo de educadores que, nos anos 30 do século passado, ousaram lançar um “Manifesto ao Estado e ao Povo” em defesa da educação, tal ato não logrou entusiasmar as massas.

Cinco décadas depois, precisamente em 1988, forças políticas democráticas se estabeleceram no Brasil. Foi o período no qual apareceram os primeiros indícios de que a educação do povo era um desafio que demandava reação do povo. Apesar dos esforços para a conscientização dessa ideia, não foi possível quebrar a letargia acumulada durante tantos anos. Em alguns momentos, surgiram propostas de mudança que não foram devidamente debatidas, tanto pelo Estado quanto pelos professores. Estudo sobre a relação do Estado com a educação apontou tal fato como uma das causas que determinaram o fracasso das intenções de mudança. Portanto, é necessário esclarecer os principais problemas que permanecem no sistema educacional brasileiro e as forças internas e externas responsáveis por eles.

Entre as forças internas, a formação dos professores e diretores continua sendo o problema mais resistente à mudança. A ciência mostra que professores e diretores de escolas devem ter conhecimentos teóricos e conhecimentos práticos. Por sua vez, os dirigentes de escolas e de universidades devem saber como conduzir as mudanças necessárias em suas instituições. Outra força importante é a escolha de professores e de gestores capazes de criarem e manterem o ensino de qualidade em suas instituições. Na maioria dos países que conseguiram mudar a qualidade de sua educação, os professores foram escolhidos entre os alunos que conseguiram os melhores resultados em seus cursos.

Os percalços que acontecem na formação de professores e diretores muitas vezes advêm da falta de percepção dos seus formadores. Eles devem observar o desenvolvimento intelectual dos futuros mestres e despertar neles o prazer de ensinar. Isso lhes dará segurança para enfrentar dificuldades que surgem no relacionamento com alunos. Em suma, ser professor não é uma tarefa fácil. No tocante à formação de diretores de instituição educacional, a literatura mostra como diretores de instituições educacionais podem ser líderes com sabedoria. Países engajados na mudança da sua educação também usam a ajuda de acadêmicos que orientam pessoalmente os processos de mudança, algo impensável anos atrás.

Outra faceta a ser considerada em uma “revolução da educação” se refere a forças externas que impingem sobre escolas e universidades. Forças vindas da família do educando são as mais importantes. Elas deveriam ser sempre positivas, contudo, a pobreza e a ignorância de alguns pais são fatores que impedem que isso aconteça. Existem também famílias que não cultivam valores, transferindo para as escolas essa responsabilidade, algo que a maioria delas não consegue suprir. Por outro lado, “grupo de amigos adolescentes” substitui a família sem ter maturidade ou valores constituídos para esse papel. Tais jovens, por vezes, cultuam hábitos negativos, tais como a droga, a violência, a criminalidade, a gravidez precoce e irresponsável; forças negativas que acabam por penetrar nas escolas e universidades.

Ainda no tocante às forças externas que entram na escola, e especificamente em nosso país nos últimos anos, as ideologias e partidarismo político têm sido responsáveis por desviar a atenção de docentes da sua função precípua de educar. Um assunto pouco debatido por professores.

Finalmente, resta-nos comentar recente entrevista de uma jornalista sobre a educação norte-americana. Ela ficou impressionada como os professores seguem regras e demonstram alegria e gentileza no trato com os alunos, e os alunos com os professores, apesar de estarem também sujeitas às forças negativas, tais como graves crimes e drogas. Como mencionado acima, o segredo para tal “resiliência”, isto é, capacidade das instituições educacionais voltarem ao seu estado de equilíbrio e qualidade, é o cultivo de forças positivas criadas e conservadas pela educação ao longo da história.

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