segunda-feira, 26 de março de 2012


Entidades querem pena maior para corrupção e criminalização do enriquecimento ilícito.  www.stj.jus.br
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“É preciso ter leis claras, objetivas, abrangentes. Queremos um código inteligível para o cidadão”,  “O problema é que os crimes contra a administração pública geralmente ficam sem punição. O que alimenta a corrupção é a sensação de impunidade”.  ministro do STJ Gilson Dipp. www.stj.jus.br
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Quilombolas reivindicam área de base naval na BA.  Famílias reclamam de violência de militares FOLHA SP 25.03
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Local escolhido pela presidente Dilma Rousseff para descansar, a base naval de Aratu (BA) é cenário de uma batalha por terras entre a Marinha e um grupo de moradores que se diz quilombola.

A área, chamada de Rio dos Macacos, é um pedaço de mata atlântica ao lado duma represa situada dentro dos muros da base, em Salvador.

No local, a cerca de 5 km da casa onde Dilma ficou hospedada, há construções rústicas de alvenaria e barro. Para ter acesso a suas casas, os moradores precisam passar por uma guarita da Marinha.

Em 2010, a União ingressou com ação na Justiça Federal para remover 33 famílias. Os moradores dizem que são 46 as famílias de descendentes de escravos e acusam os militares de tentar expulsá-los.

Na ação, a Marinha diz que eles devastaram a vegetação.

"Nasci e morei aqui toda minha vida. Agora vêm os navais e mandam eu sair?", diz Maria de Souza de Oliveira, 84. Militares fincaram arame farpado no portão de acesso à casa: para entrar ou sair é preciso se esgueirar pelo chão.

A AGU (Advocacia-Geral da União) obteve na Justiça uma decisão para restituir a área para a Marinha, mas os moradores obtiveram de uma fundação ligada ao Ministério da Cultura, em 2011, o reconhecimento da área como remanescente de quilombo. O título ainda depende do Incra.

A líder comunitária Rosemeire dos Santos Silva, 34, denunciou ao Ministério Público que os moradores são vítimas de prisões ilegais e de atos de constrangimento. Segundo ela, a Marinha nega acesso a água e luz. Rosemeire exibiu um saco com munições que teriam sido usadas para intimidar os moradores.

A União diz que recebeu da Bahia a primeira fazenda que originou a área em 1948. Na década de 1950, a Marinha fez a barragem ao lado do local onde, segundo as famílias, havia uma senzala. A unidade foi criada em 1969.

Segundo o comandante da base, capitão de mar e guerra Marcos Costa, "nas fotos da construção da barragem não havia nada". Ele diz que as denúncias foram apuradas e não se confirmaram.
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A literatura exigente.  Os livros que não dão moleza ao leitor FOLHA SP 25.03

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RESUMO Após ter consolidado uma literatura vendável, de entretenimento, o Brasil vê florescer uma geração de autores que praticam uma "literatura exigente", "de proposta". Herdeira das vanguardas do século 20, a prosa desses autores é marcada pelo ensaísmo, pelas artes plásticas e pela recusa da linearidade narrativa.

ENTRE AS VÁRIAS correntes da prosa brasileira atual, existe uma bem consolidada, que poderíamos chamar de literatura exigente. São obras de gênero inclassificável, misto de ficção, diário, ensaio, crônica e poesia.

São livros que não dão moleza ao leitor; exigem leitura atenta, releitura, reflexão e uma bagagem razoável de cultura, alta e pop, para partilhar as referências explícitas e implícitas. A linhagem literária reivindicada por esses autores é constituída dos mais complexos escritores da alta modernidade: Joyce, Kafka, Beckett, Blanchot, Borges, Thomas Bernhard, Clarice Lispector, Pessoa...

Os autores dessas novas obras nasceram quase todos por volta de 1960, a maioria passou por ou está na universidade, como pós-graduando ou professor, o que lhes fornece boa bagagem de leituras e de teoria literária; alguns são também artistas plásticos, o que acentua o caráter transgenérico dessa produção. E diga-se, desde já, que, se para alguns leitores, entre os quais me incluo, são excelentes escritores, para muitos outros são aborrecidos e incompreensíveis.

DESCONFIANÇA Tratarei aqui de apenas alguns deles, não porque sejam os únicos, mas porque ilustram, de modo exemplar, essa tendência. Alguns traços gerais os irmanam. O principal deles é a desconfiança.

Desconfiam do sujeito como "eu", do narrador, da narrativa, das personagens, da verdade e das possibilidades da linguagem de dizer a realidade. Pertencem ainda e cada vez mais àquele tempo que Stendhal chamou, já no século 19, de "era da suspeita" e que Nathalie Sarraute consagrou ao caracterizar o romance experimental do século 20.

Nossa época, escreve ela em 1956, "revela no autor e no leitor um estado de espírito particularmente sofisticado. Não apenas eles desconfiam da personagem de romance mas, através dela, desconfiam um do outro". Para ela, autores e leitores estariam cansados dos "sentimentos de confecção", das "emoções convencionais" e das "reminiscências literárias".

Mais de meio século depois dessas considerações de Sarraute, a maioria dos escritores atuais parece não sofrer com tais suspeitas. Mas esses a que me refiro são todos desconfiados.

Um exemplo entre muitos: "Escrevo sendo filmado e esquadrinhado pela medida opressiva de duzentos olhares e duzentas vozes, então um frio horror se aloja no meu peito. É o terror da falsidade. A desconfiança permanente por ocupar um lugar tão frágil, pois o que pode uma nascente no meio do asfalto?" (Juliano Garcia Pessanha, "Instabilidade Perpétua", Ateliê, 2009, pág. 36).

Desconfiam do "eu": "Não procurem nada atrás de meus escritos, 'eu' se existir, está todo neles, bem à tona. Sim, o eu é uma das nossas mais caras ficções - carecemos dela apaixonadamente"; "o eu é incrivelmente diviso, um tanto suspenso de si, eu sou quem não sou, mesmo e outro" (Evando Nascimento, Retrato desnatural, Record, 2008, págs. 138 e 167).

Desconfiam do narrador: "O narrador está calado. Até quando não sabemos. [...] E então, de que se faria a palavra sem corpo do narrador? De que se faria, ou ao que se daria esta palavra? [...] À memória desmaterializada dos homens e das gentes que circulam no mercado de ações?" (André Queiroz, "Outros Nomes, Sopro", 7Letras, 2004, pág. 35).

O narrador pode ser apenas uma língua sem corpo: "Esta pessoa denegada, quase toda ausente, que depende da gramática para se manter, manifestando-se pela língua crescida e projetada que só o sufocamento pode produzir" (Carlos de Brito e Mello, "A Passagem Tensa dos Corpos", Companhia das Letras, 2009, pág. 137).

Desconfiam das histórias: "Não há mais história para se contar, Não há mais memória de guardados em restos de fazenda e de tecidos de terceira linha. Desfiados, os tecidos. Desmoronados, os resíduos e as partes deste si" (André Queiroz, pág. 38).

Ou: "Não, gente demais já morreu e histórias demais, de quem mais ninguém se lembra, enchem o vento agora, feito um marulho sem mar" (Nuno Ramos, "Ó", Iluminuras, 2008, pág. 168). Ou: "Existe uma história, se toda metáfora e toda memória são insatisfatórias?" (Julián Fuks, "Procura do Romance", Record, 2011, pág. 77).

Desconfiam da literatura como instituição e repetição de fórmulas: "A tagarelice da literatura, esse nomear segundo - menos preciso e carregado de vaidade, [...] esta literatice" (André Queiroz, pág. 48). "Podemos agora renomear o mundo, isso outrora se designava como literatura" (Evando Nascimento, pág. 274).

Desconfiam da escrita como representação: "Toda a interminável noite da escrita está no fim. [...] Ó cão, os signos são todos perecíveis! E as palavras não passam de cascas de coisas que eram que foram que vieram se esfarelando na ladeira das eras até se tornarem o que são -esta fala: gargarejo, cacareco" (Alberto Martins, "A História dos Ossos", Editora 34, 2005, págs. 23-4).

RESÍDUOS Os exemplos poderiam multiplicar-se, mas passemos a outro traço comum. São textos que, em vez de descrever grandes paisagens, concentram-se frequentemente em coisas minúsculas: restos, resíduos, cantos, cacos, lixo. Darei apenas dois exemplos:

"No grosso era areia batida que se cobria aos sábados e domingos de milhares de saquinhos de polvilho, copos de plástico, garrafas de cerveja, brinquedos destocados, restos de jornal, vidros de loção, chaves, isqueiros, cortadores de unha, alianças e mais um sem número de objetos que aproveitavam o fim de semana para mudar de dono" (Alberto Martins, pág. 45).

Ou: "Sem conseguir escolher se a vida é bênção ou matéria estúpida, examinar então, pacientemente, algumas pedras, organismos secos, passas, catarros, pegadas de animais antigos, desenhos que vejo nas nuvens [...] olhando a um só tempo do alto e de dentro para o enorme palco, como quem quer escolher e não consegue: matéria ou linguagem?" (Nuno Ramos, pág. 18).

Não por acaso, os mais sensíveis ao apelo sensorial desses detritos são os escritores também artistas plásticos, como os dois últimos citados. Num mundo excessivamente carregado de coisas pretensamente úteis e funcionais, podemos cultivar "um desejo de desperdício e falta de função", diz Nuno Ramos: "O interessante é que não sejam ruínas mas pequenas células de inutilidade ou de utilidade incompreensível, em meio à avalanche de propósitos, à avareza minuciosa incrustada na fração circular de cada dia" (pág. 170).

Perpassam, nessas enumerações de restos e detritos, tanto a preocupação ecológica quanto a memória de tantas ruínas históricas e culturais sobrevoadas pelo anjo de Klee (via Benjamin), familiar a todos esses escritores. Mas as preocupações apenas perpassam, porque eles também não acreditam na literatura de mensagem, na literatura engajada. Apenas registram, com lucidez e desgosto, o estado lamentável de nossa "civilização".

Atentando para seus restos, eles rejeitam o excesso de informação, de consumo, de imagens: a "face regressiva da tecnologia" como instru mento de guerra, a "fantasmagoria ininterrupta" da televisão, nosso "eterno presente aflito" (Nuno Ramos).

Às vezes, é possível arrancar desses restos "o pequeno infinito da epifania, dessa minúcia preciosa que nada poderá reproduzir (textura da cortina, mancha de mofo, borda da manteiga, beijo plissado, luz às três da tarde, samba, sandália), porque a memória depende de treino, de atenção ao que parece único, e encontra nisso sua função mais elevada: frear a multiplicação desordenada do que acontece simultaneamente" (idem, págs. 172-3).

E o resultado dessa atenção é poesia: "Ah língua da infância, muda de lembranças -por toda parte só areia, imensas e monótonas dunas de areia. Aqui a vida desistiu de existir e o tempo se reduz a um prolongamento do nada. Uma luz impenetrável incide sobre lagartos e pedras. Delas é que mais me aproximo. De dia entalam no calor do sol. À noite estalam sob rajadas de areia fria. Areia no vento é lixa -lâmina que penetra nas frinchas, incha, rabisca, Depois o vento sopra e seca áspero as feridas" (Alberto Martins, pág. 28).


MEIAS PALAVRAS A reflexão implícita nas obras desses escritores é complexa, mas seus textos são despojados, sem pirotecnias verbais como as dos modernistas.

O trabalho da linguagem é de outro tipo. É a procura de dizer o que ainda não foi dito, com vocabulário e sintaxe conhecidas. Em geral, eles preferem dizer menos do que mais, pressupondo que tanto já foi dito e redito que o leitor entende por meias palavras.

Do mesmo modo, quando narram, evitam explicar as implicações psicológicas dos fatos para não cair em clichês, coisa que eles temem mais do que tudo. Os fatos e sentimentos são dados a partir de índices. Assim, em Nuno Ramos, na narrativa da venda da casa paterna, depois de acontecimentos só rapidamente referidos como "terríveis", todo o afeto, o luto, a perda, a dor e a revolta estão contidos na pergunta irada: "Esta casa? Esta casa aqui?" (pág. 268).

Ao contrário da "angústia da página branca" de que se queixavam os antigos escritores à espera da inspiração, os escritores de hoje lutam com o excesso de informação que nos oprime: "Quando se começa, nunca se está diante da folha ou da tela em branco, no papel, pano ou cristal líquido, a folha lívida e lisa já está cheia de clichês, montoeira de inutilidades que é preciso limpar para iniciar o trabalho, e o principal clichê foi o que acabei de mencionar" (Evando Nascimento, pág. 213).

Vivemos em "um universo inteiro hipernomeado de sentido, hipersaturado de narrações (Juliano Garcia Pessanha, pág. 30).

Apesar das desconfianças na narração e na descrição, esses escritores por vezes narram e descrevem cenas lembradas ou imaginadas. Em muitos deles, as cenas ocorrem em hospitais, cemitérios ou campos de batalha.

A morte é um tema constante em suas obras, não apenas porque ela é o tema humano por excelência, tratado em toda a história da literatura, mas porque, em nosso tempo, ela está onipresente nos noticiários, nas imagens e até mesmo na recusa em aceitá-la. Nesses escritores, o sentimento de que talvez estejamos numa época terminal da humanidade se mistura à reflexão sobre a morte individual.

PAI Entre os mortos e ausentes evocados nessas narrativas, avulta a figura do pai. "O pai sumido" de Nuno Ramos, os ossos do pai em Alberto Martins, a agonia do pai em André Queiroz, a "passagem tensa" do corpo paterno em Carlos de Brito e Mello, o pai protetor da infância em Julián Fuks. A morte do pai, experimentada na existência ou ficcionalizada, é um "leitmotiv" de nossa época.

A geração a que pertencem esses escritores é composta de órfãos: órfãos dos grandes modelos literários e artísticos, órfãos da proteção do Estado, órfãos de ideologias e, já há muito tempo, órfãos de Deus. A carta ao pai, de Kafka, às vezes referida nesses textos, é o atestado de nascimento dessa tribo de órfãos. Encontramo-la igualmente em obras de outra feitura, como o belo "Ribamar" de José Castello (Bertrand Brasil, 2010).

Ao tentar captar alguns traços comuns, espero não ter dado a impressão de que esses escritores "difíceis" são indistintos. Pelo contrário, cada um deles tem uma forte marca autoral. Carlos de Brito e Mello narra uma história fantástica, num romance de enredo e estrutura surpreendentes.

Evando Nascimento é o mais ensaístico de todos; fala de arte, de política, contém sua própria teoria e sua própria crítica, restando muito pouco a dizer ao "amável crítico" que ele interpela ironicamente. André Queiroz ainda está às voltas com aquilo que se chamou, na França dos anos 70, de "écriture". Escreve (e bem) sob a égide de Beckett e Blanchot.

Julián Fuks, na procura de seu impossível romance, parece recuperar algumas das preocupações do "nouveau roman": a desconfiança em todos os elementos da narração, a desconstrução sistemática do enredo, a descrição minuciosa das coisas e dos próprios passos da personagem, como um autodetetive em busca de indícios que avivem a memória pouco confiável.

Alberto Martins justapõe dois relatos aparentemente muito diversos, o primeiro loquaz e delirante, o segundo, seco como os ossos, a areia e as pedras. Nuno Ramos sabe passar da reflexão grave e trágica a um "elogio do bode", até concluir com um conto engraçadíssimo, "No espelho".

Esses escritores, tão conscientes da triste situação do mundo atual e das dificuldades de seu ofício, em geral não são muito chegados ao humor. Mas há um humor negro em Carlos de Brito e Mello, e muita ironia nos outros. E não se julgue que, por sua temática catastrófica, eles sejam apocalípticos e desesperançados.

"Quem retorna à casa arruinada por um furacão ou uma bomba tem a vida que não viveu a seus pés, talvez melhor e mais autêntica do que a antiga. Toda catástrofe abre os seres, tornando-os essencialmente relacionais. [...] E em meio às lágrimas recolhemos a madeira de nossa nova casa, abrimos os braços ao consolo de um novo amor e sabemos do céu e dos homens o que não sabíamos antes" (Nuno Ramos, pág. 117).

LEITORES Maurice Blanchot dizia que estamos hoje escrevendo e lendo "sob a vigilância do desastre", mas afinal "o desastre já ultrapassou o perigo" ("L'Écriture du Désastre", 1980). O próprio ato de escrever é um ato vital, um gesto de amor à vida e um voto de confiança nos outros homens, os possíveis leitores.

E para quem escrevem esses escritores exigentes? Certamente para um número restrito de leitores, tão inteligentes e refinados quanto eles, leitores que só podem aparecer numa parcela educada da população. Eles sabem que não entrarão nas listas dos mais vendidos, como aqueles que satisfazem os anseios de entretenimento dos leitores de romances, esses mesmos tão poucos num país iletrado como o nosso.

Mas sabem que encontrarão aqueles poucos que lhes interessam, que merecerão alguma resenha (o espaço jornalístico é pouco), algum artigo em revista especializada e até mesmo algum prêmio, já que os júris dos prêmios são compostos por leitores qualificados.

Enquanto muitos ainda se aproveitam das técnicas narrativas do século 19, esses escritores assimilaram as vanguardas do século 20 e desejam, agora, sair da modernidade para encontrar maneiras de dizer mais apropriadas para o século 21.

"Como no século 21 criar algo de novo, se o século 20 tudo inventou? ou ainda: como fazer algo distinto da modernidade sem romper com ela? se rompo com a modernidade, permaneço moderno ou modernista, pois a sua grande linhagem, desde pelo menos os românticos se fundou em gestos de ruptura [...] como criar sem romper nem se alinhar? A única solução talvez seja simplesmente diferir" (Evando Nascimento, pág. 255).

Qual o futuro desse tipo de literatura? Acredito que, aos poucos, encontrará mais leitores que a apreciem, porque leitura é questão de treino. Os leitores que hoje ainda gostam de romances que contam histórias com peripécias e surpresas, vividas por personagens "de carne e osso", foram treinados há muito tempo por escritores que, em sua época, inovavam no modo de narrar: Cervantes, Sterne, Diderot, Edgar Poe, Dickens, Balzac e outros. As convenções por eles introduzidas foram aos poucos naturalizadas.

Não me compete especular sobre o futuro dessa literatura, pois ela será (ou será outra coisa que não se chamará mais literatura) feita pelos escritores presentes e futuros. Ao crítico, cabe acompanhar, tentar compreender, e não vaticinar. Assim, apenas registro, com satisfação, que a literatura brasileira se enriquece com esses escritores exigentes.

Há mais de 20 anos, o cultíssimo poeta-crítico José Paulo Paes advogava "por uma literatura brasileira de entretenimento": "Numa cultura de literatos como a nossa, todos sonham ser Gustave Flaubert ou James Joyce, ninguém se contentaria em ser Alexandre Dumas ou Agatha Christie. Trata-se obviamente de um erro de perspectiva: da massa de leitores destes últimos autores é que surge a elite dos leitores daqueles, e nenhuma cultura integrada pode se dispensar de ter, ao lado de uma vigorosa literatura de proposta, uma não menos vigorosa literatura de entretenimento" ("A Aventura Literária", Companhia das Letras, 1988, pág. 37). Agora que já temos suficiente literatura de entretenimento, nacional e importada, é muito bom que tenhamos, ainda e também, uma literatura de proposta.

São livros que não dão moleza ao leitor; exigem leitura atenta, releitura, reflexão e uma bagagem razoável de cultura, alta e pop, para partilhar as referências explícitas e implícitas

Perpassam, nessas enumerações de restos e detritos, tanto a preocupação ecológica quanto a memória de tantas ruínas históricas e culturais sobrevoadas pelo anjo de Klee

A reflexão implícita nas obras desses escritores é complexa, mas seus textos são despojados, sem pirotecnias verbais como as dos modernistas

Enquanto muitos ainda se aproveitam das técnicas narrativas do século 19, esses escritores assimilaram as vanguardas do século 20 e desejam, agora, sair da modernidade
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Democratização do Judiciário.  Autor(es): Cláudio dell'Orto.   Desembargador e presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) Correio Braziliense - 26/03/2012
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Os milhões de conflitos que o povo brasileiro submete à solução do Judiciário revelam a confiança depositada nesse poder. Este, portanto, não pode esquivar-se de realizar uma análise macroscópica desse imenso volume de casos, para encontrar soluções coletivas dotadas de efeito resolutivo de maior amplitude. Entretanto, por uma questão cultural, observam-se omissão de instituições legitimadas para as ações coletivas e manuseio abusivo de ações individuais como alimento para uma engenharia jurídica capaz de construir demandas artificiais ou fraudulentas.

Constata-se, ainda, excesso de produção legislativa, que produz permanente dúvida sobre os regramentos aplicáveis em determinadas situações. Alie-se a isso, uma inexplicável resistência dos próprios órgãos estatais no cumprimento de elementares garantias constitucionais e o raciocínio antiético de ponderação de lucros que podem advir da sobrecarga processual do Judiciário. Ou seja, a conclusão de que vale a pena descumprir a lei, porque a Justiça pode não falhar, mas às vezes tarda, e nesse intervalo de tempo, tudo muda.

O cenário indica a necessidade de planejamento estratégico na gestão do Judiciário, de modo que possa contribuir de modo mais amplo para a pacificação dos conflitos sociais, por meio de soluções integradoras e restauradoras. Tal tarefa, porém, não pode ficar restrita a um pesado investimento para substituir estantes de aço por arquivos eletrônicos. Evidentemente, é prioritário solucionar questões relativas ao funcionamento da superestrutura construída ao longo dos anos para a realização das tarefas do Estado-Juiz. A estabilidade do Poder Judiciário, derivada da vitaliciedade de seus membros, permite um planejamento estratégico com maiores probabilidades de êxito. Temos de arregaçar as mangas e colocar em prática o Judiciário que o povo brasileiro quer.

Os pilares de um sistema judicial comprometido com os compromissos firmados no texto constitucional são forjados na ética e na democracia. O processo de democratização interna dos tribunais deve ser compreendido a partir do processo histórico que separou o primeiro grau do segundo grau de jurisdição, como se os magistrados não fossem membros do mesmo Poder Judiciário e, portanto, do tribunal ao qual se submetem administrativamente e que integram primeiro como juízes, e depois, por simples ascensão funcional, como desembargadores.

Não existe uma estrutura administrativa autônoma que atenda exclusivamente os juízes. Logo, primeiro e segundo grau (tribunais e juízes estaduais) são divisões jurisdicionais de um mesmo tribunal, formado por desembargadores e juízes. A autonomia administrativa assegurada pela norma que deriva do artigo 96, I da Constituição de 1988 sustenta a possibilidade de o Tribunal Pleno regular o seu próprio processo eleitoral, respeitadas outras normas jurídicas sobre o tema, e de estender a todos os juízes o direito de participação.

Outra alteração compatível com os princípios que regem a administração pública e que estão elencados no artigo 37 da Carta, em especial o da impessoalidade, seria a necessária uniformização de um programa de gestão para a administração do tribunal. Seriam evitadas divergências políticas entre integrantes da mesma administração que poderiam comprometer o bom desenvolvimento dos trabalhos. Uma sugestão para solucionar esse conflito é a formação de chapas cujos integrantes compartilhem a mesma percepção administrativo-institucional.

As associações de magistrados têm papel relevante nesse processo de planejamento. Apesar de não integrarem a estrutura judicial, são representativas dos anseios dos juízes, desembargadores e ministros, que desejam que suas decisões sejam efetivas e transformadoras da sociedade, para que se cumpram os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de construção de uma sociedade livre, justa e solidária; de garantia do desenvolvimento nacional; de erradicação da pobreza e da marginalização com redução das desigualdades sociais e regionais e promoção do bem de todos, sem preconceitos e discriminação de qualquer natureza.


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