terça-feira, 13 de março de 2012

Trabalho escravo - O Ministério Público do Trabalho está processando as Casas Pernambucanas por exploração de mão de obra escrava de trabalhadores bolivianos na cadeia de produção de duas de suas fornecedoras, Argonaut e a Vanguard. O POPULAR 13.03

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“Não deve haver tratamento de subordinação por parte da advocacia.”
Durval Ramos Neto, conselheiro federal da OAB sobre pedido feito ao CNJ para afastar dispositivo que prevê advogado de pé diante de juiz O POPULAR 13.03
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Ministério Público cobra relatório sobre violações de direitos humanos em Belo Monte O POPULAR 13.03
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O juiz de Caiapônia Thiago Soares de Castro avisa que será lançado, no dia 26, o projeto A Justiça Vai à Escola nas Eleições 2012, que visa explicar e debater a dinâmica eleitoral O POPULAR 13.03
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JORNALISMO.   Edson Flosi lança coletânea de reportagens
O jornalista, advogado e professor Edson Flosi lança hoje, às 18h30, o livro "Por Trás da Notícia" (Summus Editorial, R$ 51, 168 págs.), na Livraria Martins Fontes (av. Paulista, 509, tel. 0/xx/11/2167-9900). A obra reúne 15 grandes reportagens escritas entre 1968 e 1980, algumas publicadas na Folha. FOLHA SP 13.03
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URBANISMO »
Luta pela preservação
Ao receber a segunda visita da Unesco em 10 anos, o governo dá ênfase à valorização do patrimônio e do conjunto arquitetônico de Brasília CORREIO BSB 12.03
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No Bloco L da 310 Norte, as coberturas ficam aparentes e deixam em evidência o desrespeito à padronização
As visitas da Unesco nos países inscritos como patrimônio mundial não são rotineiras. As missões acontecem apenas em caso de sucessivas denúncias de agressões — como aconteceu em Brasília. Ao longo da última década, líderes comunitários e entidades de defesa do patrimônio da capital federal enviaram dossiês à Unesco e ao Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), entidade responsável pelo monitoramento dos bens e das cidades que ganharam o título de patrimônio da humanidade. Diante das denúncias, o Comitê do Patrimônio Mundial, reunido em Paris em junho do ano passado, aprovou o envio da missão.

Para a presidente do Icomos no Brasil, Rosina Parchen, o fato de Brasília receber a segunda visita de representantes da Unesco em 10 anos é “preocupante” e demonstra que o Brasil não tem conseguido demonstrar empenho em preservar esse patrimônio. “Essas visitas não são periódicas, só acontecem quando a situação está complicada. Mas tenho uma grande expectativa com relação a essa missão da Unesco e acho que ela pode contribuir para colocar a cidade nos eixos”, avaliou Rosina.
A Unesco informou que os consultores terão contato com autoridades, mas também com representantes de entidades de defesa do patrimônio. O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no DF, Paulo Henrique Paranhos, pretende debater o assunto com os especialistas. Para ele, é necessário conscientizar a população sobre a importância do fato de Brasília figurar na lista do patrimônio mundial. “Muitas pessoas mal-intencionadas espalham por aí a tese de que o tombamento engessa a cidade. Mas, neste momento, temos que tomar uma postura mais didática para aproveitar os debates sobre o assunto e explicar sobre a importância disso.”

Educação

O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Geraldo Magela, promete que o governo vai investir em educação patrimonial. “Essa é uma ótima oportunidade para que o tema seja debatido amplamente pelos brasilienses, para que a cidade se aproprie desse título. Vamos dar publicidade e transparência, abrindo espaço para o debate”, garantiu Magela.

Na última quarta-feira, o governador Agnelo Queiroz deu posse aos integrantes do Comitê Executivo do Ano de Valorização de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. O grupo terá a responsabilidade de definir o calendário de ações e comemorações pelos 25 anos da inscrição de Brasília na lista do patrimônio mundial. Em janeiro, o governador havia assinado o decreto que estabelece 2012 como ano da valorização do patrimônio. O Governo do Distrito Federal também lançou um site (www.brasiliapatrimonio dahumanidade.df.gov.br) para divulgar suas ações nessa área.

Uma das críticas feitas pela Unesco na última missão foi a falta de articulação entre os governos local e federal com o objetivo de garantir a preservação. Entre as recomendações incluídas no relatório final da entidade estava a necessidade de “estabelecer responsabilidades e tarefas claras para cada uma das instituições envolvidas na preservação” e de “assegurar a efetiva e eficiente implementação do acordo de cooperação técnica entre o Iphan, o governo e a administração local”.
Ao contrário do sugerido pela Unesco, não há hoje uma sinergia entre as diferentes esferas de governo. Isso ficou claro durante a divulgação da Portaria nº 68/2012 do Iphan, que criou a zona de proteção da área tombada de Brasília. Ela abrange 10 cidades do DF e cria novas restrições para construções, com a finalidade de diminuir o impacto sobre a visibilidade na zona protegida.

Logo depois da publicação da legislação, o GDF anunciou publicamente que não havia sido consultado durante a elaboração da portaria e, alguns dias depois, lançou o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), com regras diferentes para essa zona tampão em volta do Plano Piloto. Os dois instrumentos legais serão analisados durante a visita internacional.

A coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, diz que é necessário buscar uma uniformidade de entendimentos. Para ela, um dos problemas mais graves que existem hoje é a falta de coerência entre a legislação distrital e as normas brasileiras que estabeleceram o tombamento. “No caso de Brasília, essa questão fica exacerbada porque a cidade é o centro de uma grande região metropolitana. Existe hoje um problema institucional e legal, além de uma fiscalização precária”, critica.

Reconhecimento

Além de Brasília, apenas outra criação que representa o movimento modernista está na lista da Unesco. É o conjunto arquitetônico Bauhaus, nas cidades de Weimar e Dessau, na Alemanha. O reconhecimento internacional só veio em 1996, quase uma década depois de Brasília conquistar o mesmo título. A cidade indiana de Chandigarh, planejada por Le Corbusier, também pleiteia a inscrição na lista do patrimônio mundial da Unesco, mas ainda não foi incluída.
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URBANISMO »   Patrimônio vistoriado
Dois especialistas indicados pela Unesco chegam a Brasília amanhã para analisar as constantes irregularidades cometidas na capital federal. Relatório da visita será avaliado em abril por representantes de mais de 180 países que integram o Conselho do Patrimônio Mundial CORREIO BSB 12.03

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Na Vila Planalto, as antigas casas deram lugar a prédios de quitinetes

Brasília surgiu a partir do cruzamento de duas linhas. A simplicidade do traçado de Lucio Costa é a essência do Plano Piloto. Os monumentos marcantes de Oscar Niemeyer complementaram a paisagem e transformaram a capital em um símbolo do movimento modernista. Há exatos 25 anos, a importância dessas ideias inovadoras foi reconhecida e a cidade recebeu o título de patrimônio mundial da humanidade. Mas hoje a leveza do desenho de Brasília, vencedor do concurso que escolheu o projeto da nova capital, contrasta com a vulgaridade e com a falta de padronização das construções irregulares. Moradores, comerciantes e empresários da construção civil invadem áreas públicas, cercam os pilotis, constroem acima do permitido e desfiguram o projeto original.

É essa realidade que a missão da Unesco, prevista para chegar amanhã a Brasília, vai se reunir. Os dois especialistas estrangeiros indicados pela organização percorrerão a cidade, conversarão com autoridades, se reunirão com representantes de instituições de defesa do patrimônio e, por fim, farão um relatório. Em abril, esse documento será analisado pelos representantes dos mais de 180 países que integram o Conselho do Patrimônio Mundial, com sede em Paris. Os problemas dos brasilienses ganharão dimensões internacionais e serão escancarados para o mundo inteiro. O argentino Luís Maria Calvo e o espanhol Carlos Sambrício são os consultores indicados pela Unesco para a missão, que vai durar cinco dias.

Especialistas ouvidos pelo Correio acham improvável que Brasília seja incluída na lista dos países com patrimônio em risco. A possibilidade de a cidade perder sumariamente o título é quase nula, de acordo com técnicos de várias instituições consultados pela reportagem. Mas é certo que o relatório dos consultores da Unesco virá recheado de críticas e recomendações às autoridades brasileiras. A expectativa das entidades de defesa do patrimônio é que esse puxão de orelha sirva como alerta e ajude a mudar a realidade de descaso com o projeto original da cidade (leia Para saber mais).

Essa será a segunda missão da Unesco a desembarcar na capital brasileira em pouco mais de uma década. Em 2001, dois representantes da organização visitaram Brasília e algumas irregularidades chamaram a atenção desses especialistas. Mas quase nenhuma das recomendações foi seguida. À época, eles sugeriram que o governo controlasse a construção de edifícios residenciais na beira do Lago Paranoá. Mas, de lá para cá, condomínios luxuosos se multiplicaram nas margens do espelho d’água, com apartamentos de até quatro quartos para famílias de classe alta.

Os técnicos da Unesco também indicaram a necessidade de controlar a ampliação da Vila Planalto, recomendação ignorada. Na região, as antigas casas de um pavimento deram lugar a prédios de quitinetes residenciais. A quantidade de edifícios acima da altura permitida chama a atenção e mudou completamente a paisagem da antiga área de pioneiros.

Há 11 anos, os representantes da organização pediram ainda pressa ao governo para criar uma zona de proteção ao redor da área classificada como patrimônio mundial e recomendaram que o governo desse prioridade à elaboração de um plano diretor para a região protegida. Essas duas medidas só saíram do papel no mês passado, com atraso de mais de uma década e às vésperas da chegada da segunda missão a Brasília.

Pressão

Filha do urbanista Lucio Costa, a arquiteta Maria Elisa Costa (leia entrevista na página 18) acompanha com atenção as discussões a respeito da preservação do projeto original de Brasília — elaborado por seu pai, em 1957. Para ela, apesar das inúmeras irregularidades que persistem na cidade, a capital não corre o risco de perder o título porque a essência das ideias de Lucio Costa está preservada. “Valorizar demais coisas menores (como invasões de áreas públicas) acaba desmoralizando indevidamente o tombamento do essencial. E esse é o sonho dos especuladores”, comentou.

A arquiteta acredita que a melhor forma de acabar com as irregularidades que comprometem a concepção de Brasília é reduzir a pressão sobre a área central. “Acho que, mesmo com os problemas que existem, retirar Brasília da lista do patrimônio mundial seria uma desmoralização até mesmo para a Unesco. O interessante seria que alertassem para os riscos existentes, indicando alternativas para resolvê-los como, por exemplo, estimular o desenvolvimento de pólos criadores de empregos e aliviar a pressão sobre o Plano Piloto”, explica a especialista.

O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, compartilha da mesma opinião. Segundo ele, é imprescindível olhar o DF como área metropolitana. “Levando em consideração a população dos municípios vizinhos, essa região tem uma população que chega a 3,2 milhões de habitantes. Mas, hoje, 60% dos empregos estão no Plano Piloto e é essa a origem de todos os problemas”, justifica Gastal. “Não é possível preservar uma cidade tombada sem olhar para a região metropolitana. Essa é a única saída para proteger o Plano Piloto e, ao mesmo tempo, garantir qualidade de vida a todos”, acrescenta Gastal.
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Brasileiros desconhecem a Rio +20. Por quê?
Paulo Itacarambi.  Vice-presidente do Instituto Ethos CORREIO BSB  13.03
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Pesquisa realizada neste início de ano por uma parceria entre a empresa Market Analysis e a ONG Vitae Civilis mostrou que apenas 11,5% dos brasileiros têm alguma informação a respeito da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que vai ocorrer no Rio entre os dias 14 e 22 de junho deste ano.

A pesquisa foi realizada por telefone, em nove capitais, com 806 pessoas de 18 a 69 anos de idade. Dos entrevistados, 4% pertencem à classe A, 29% à B, 49% à C e 18% às classes D e E. Entre todos, apenas 4,4% ouviram "muito" sobre a Rio+20, enquanto 7,1% disseram ter ouvido "alguma coisa".

Dos 11,5% que conhecem a Rio+20, 73% se interessam pelos assuntos relacionados ao evento. Os mais mencionados foram desenvolvimento sustentável, economia verde, combate à violência, combate ao tráfico de drogas, Copa de 2014, erradicação da pobreza, meio ambiente (geral) e combate à poluição.

O Rio de Janeiro, onde será realizada a conferência, é a cidade do país em que a população tem mais conhecimento a respeito: 24%. Por que tão pouca gente está interessada na Rio+20?

Na minha opinião, as discussões ocorridas até agora têm colocado foco apenas nas negociações, sem se preocupar em esclarecer a sociedade sobre as mudanças que o evento poderá trazer ao mercado e à vida das pessoas. A mídia também passa ao largo do debate e não provoca os órgãos e entidades envolvidos a dar esses esclarecimentos para, com isso, aumentar o interesse da população e, em consequência, a relevância da conferência para os diversos segmentos da sociedade.

Quais podem ser os impactos da Rio + 20? São muitos e requerem profunda reflexão. Por isso, a Conferência Ethos 2012 vai discutir A empresa e a nova economia — o que muda com a Rio + 20, entre os dias 11 e 13 de junho, em São Paulo. Serão analisados em profundidade os temas que vão ser objetos de negociação na Rio + 20.

As discussões vão desenhar cenários para verificar o impacto do que poderá ser decidido — e também do que não for decidido — no mercado e na vida das pessoas. Haverá também o aprofundamento das reflexões sobre os temas estruturantes da nova economia e o aperfeiçoamento das propostas de mecanismos que ajudem a internalizar as premissas do desenvolvimento sustentável na economia e na política.

Vamos construir um cenário com duas das propostas em discussão. Suponhamos que a Rio+20 aprove a orientação já estabelecida em seu "rascunho zero" oficial (documento que está orientando as discussões da conferência) de "eliminar gradualmente subsídios que exerçam efeitos negativos sobre o meio ambiente". Uma das consequências dessa decisão seria, por exemplo, políticas econômicas totalmente reformuladas, levando em conta os critérios decididos na Rio + 20.

No caso brasileiro, o governo não poderia reduzir o IPI dos carros e da linha branca sem exigir contrapartidas que diferenciassem produtos poluentes de não poluentes. E a indústria, para se beneficiar de isenções e outros incentivos fiscais, precisaria investir numa produção mais verde. O cidadão teria à disposição, por exemplo, carros menos poluentes e geladeiras mais eficientes em consumo de energia, a preços menores.

Se a Rio+20 resolvesse se apresentar como a saída para a crise, então poderíamos imaginar uma transformação radical nos negócios e no nosso modo de vida, pois as premissas do desenvolvimento sustentável norteariam as decisões dos governos e das empresas.

Um dos aspectos mais cruéis do nosso modelo insustentável de civilização é a crise financeira atual, que aumenta a cada nova onda e vai levando consigo a confiança no mercado e nas instituições democráticas, os valores que norteiam as relações humanas e os recursos materiais e naturais das sociedades e do planeta.
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São Pixinguinha
Exposição inédita detalha toda a trajetória de um dos principais nomes da música brasileira do século 20 CORREIO BSB  13.03
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Na infância, Alfredo da Rocha Vianna Filho era chamado de “Pizindin”, expressão do dialeto africano que significa menino bom. À época, primeira década do século 20, em meio a uma epidemia que se alastrou pelo Rio de Janeiro, o menino contraiu bexiga (varíola), que deixou marcas em seu rosto. Da

Essa e outras — muitas — histórias sobre um dos maiores gênios da música popular brasileira, são contadas em livros por diversos autores. A música desse notável compositor, flautista e saxofonista, registrada numa infinidade de discos, gravados por ele e por músicos que o têm reverenciado ao longo do tempo, mantém viva sua memória.

           

Algo mais abrangente sobre o criador de temas antológicos como Carinhoso, Ingênuo, Lamento, Naquele tempo e Rosa, poderá ser apreciado pelos brasilienses a partir de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). É Pixinguinha, a exposição inédita e interativa, integrada por instrumentos musicais, gravações, vídeos, fotos, imagens de época e objetos pessoais desse grande brasileiro.

Hoje, às 20h, na Sala Villa-Lobos, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, sob a regência do maestro Claudio Cohen, apresentará o concerto Pixinguinha Sinfônico, com a participação de Odette Ernest Dias (flauta), Carlos Malta (sopros) e Hamilton de Holanda (bandolim). O acesso é gratuito.

           

Desconhecido do grande público, esse concerto, criado entre as décadas de 1930 e 1960, é um precioso conjunto de arranjos sinfônicos escritos por Pixinguinha para composições como Carinhoso, Stela e Rancho abandonado. O repertório está registrado em CD, gravado pela Orquestra Petrobras Sinfônica, sob a regência do maestro Sílvio Barbato, há quatro anos.

           

Ícone
O Pixinguinha Sinfônico faz parte de uma série de três discos — os outros são Pixinguinha Sinfônico Popular e Pixinguinha no Cinema — lançada em 2009. Quem teve a iniciativa de criar a série foi a produtora carioca Lu Araújo, com a intenção de apresentar ao público o lado menos conhecido do ícone de nossa música.

 Lu foi além. Curadora da mostra, ela reuniu e organizou todo o material exposto, a partir de garimpagem em instituições públicas, como Fundação Banco do Brasil, Arquivo Nacional, Museu da Imagem e do Som, Museu Villa-Lobos, Funarte; e particulares, em especial o Instituto Moreira Salles. O projeto foi idealizado em parceria com o neto do artista, Marcelo Vianna, que disponibilizou o acervo familiar; e com o maestro Caio César, responsável pela direção musical da exposição.

“Vamos mostrar os principais pontos da vida de Pixinguinha e desfazer alguns nós que a história não conta”, adianta Lu. O visitante poderá ver de perto o saxofone e a flauta usados pelo músico, seus documentos pessoais, o passaporte, gravatas, chapéu, discos, condecorações e, principalmente, fotografias — mais de 800 — e vídeos que recuperam imagens de época. “O brasiliense terá o privilégio de tomar contato, em primeira mão, com todo esse importantíssimo acervo”, acrescenta.
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PERFIL »  Um autor no comando
Melhor diretor em Cannes por Drive, Nicolas Winding Refn desponta como um dos nomes mais cultuados do cinema contemporâneo CORREIO BSB  13.03
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Filmo a serviço das emoções dos personagens. Quanto melhores as emoções, melhor o filme"
Nicolas Winding Refn, cineasta

Na programação do 2º FicBrasília, organizado em abril de 2000 na Academia de Tênis, o nome do dinamarquês Nicolas Winding Refn não merecia o destaque conferido aos longas mais recentes de Carlos Saura (Goya), Mike Leigh (Topsy-Turvy) e Takeshi Kitano (Verão feliz). Não foram poucos, aliás, os espectadores que preferiram dispensar os filmes do cineasta, na época um desconhecido. Mas foi nas sessões de Pusher (1996) e Bleeder (1999) que a cidade descobriu, antes dos circuitos de Rio e São Paulo, um estilo que seria acolhido, mais tarde, como símbolo cult.

Onze anos antes de vencer o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes por Drive, thriller em cartaz nos cinemas brasilienses, Refn recebeu o convite para visitar a capital. Antes, conversou com o Correio por telefone, listando os “padrinhos” de um cinema apaixonado por filmes: Alfred Hitchcock, François Truffaut e… “Devo tudo a eles e a mais um: Zé do Caixão”, acrescentou. Nos jornais, o cineasta era descrito como representante da “nova geração do cinema dinamarquês”. Desde então, parece empenhado em mostrar que é mais: um cineasta de alcance mundial.

Oitavo projeto da carreira, Drive foi o primeiro filmado nos Estados Unidos. Antes disso, dirigiu um épico sobre as Cruzadas (Valhalla rising, de 2009) e uma cinebiografia sobre o inglês Michael Gordon Peterson (Bronson, de 2008). Convidado pelo ator Ryan Gosling, aceitou conhecer a cidade-habitat do protagonista do livro de James Sallis: uma Los Angeles soturna, misteriosa, recortada em flashes de luzes coloridas. Ainda hoje, Refn admite que conhece muito pouco sobre aquela paisagem — quando teve que se mudar para a América, nos anos 1980, foi Nova York o pouso escolhido. Tampouco é um fissurado por carros: após oito tentativas, desistiu de tirar a carteira de habilitação. Mas sentiu a receptividade de uma equipe que não queria atrapalhá-lo. Conseguiu fazer, por isso, um filme que não trai em nada as próprias manias.

“Adoro a linguagem do silêncio”, comentou, em entrevista ao The A.V. Club. “Os grandes heróis são sempre mais silenciosos. Existe toda uma mitologia nesse sentido. O homem mais silencioso é o mais imprevisível”, observou. É por essas e outras que Drive parece dar sequência à galeria de anti-heróis de filmes como Pusher e Medo X (2003), que começam a atiçar a curiosidade do público brasileiro principalmente via internet (nenhum deles teve lançamento comercial no país). A identidade do personagem de Gosling, sem nome, é um enigma a ser desvendado pelo público: dublê em fitas de ação, motorista e criminoso, ele despista o espectador a cada cena; e sem pronunciar muitas palavras.

Troféu
Em Cannes, no ano passado, a composição desse homem-enigma impressionou boa parte da crítica internacional e o presidente do júri, Robert de Niro. Numa competição dominada por nomes conhecidos, como Terrence Malick (vencedor da Palma de Ouro, com A árvore da vida), Lars von Trier (Melancolia) e Pedro Almodóvar (A pele que habito), ficou com Refn um dos troféus mais cobiçados da mostra. “Receber um prêmio de Robert de Niro fechou o ciclo do filme de uma forma inusitada. Foi estranho ser reconhecido pelo homem que personificou, em Taxi driver, o tipo de personagem que Gosling interpreta em Drive”, observou.

O longa de Martin Scorsese, sobre um taxista transtornado em Nova York, não foi a única referência para que Refn criasse o universo de um filme que simula a atmosfera de um certo cinema comercial dos anos 1980. Na mesa de montagem, o “hit” Negócio arriscado (1983), com Tom Cruise, serviu de modelo para a cena dos créditos iniciais. E, acima do trabalho de cineastas como Michael Mann e William Friedkin, importante era evocar os contos de fadas dos irmãos Grimm. “O filme é sobre as aventuras numa cidade quase mitológica. Eu queria que o filme provocasse, por isso, as sensações de uma história que os Grimm teriam escrito”, despistou, à revista Slant.

Emoções
Combinar referências pop como quem seleciona freneticamente um punhado de fitas videolocadora é um dos traços que Refn preserva desde o primeiro filme. Para os detratores, essas homenagens são feitas de forma frívola, sem substância. Mas o próprio cineasta reconhece o tom fetichista de uma arte referencial, composta a partir da colagem de imagens e sensações. “Filmo à serviço das emoções dos personagens. Quanto melhores as emoções, melhor o filme”, afirmou o cineasta de 41 anos, nascido em Copenhague, filho de um editor de filmes, Anders Refn (que trabalhou em Anticristo e Ondas do destino, de Lars von Trier), e de uma fotógrafa, Vibeke Winding.

A repercussão de Drive, como era de se esperar, aqueceu as expectativas para os próximos projetos do cineasta. São dois: Only god forgives, que não vai fugir muito do repertório do diretor, trata de lutas de boxe e gângsters, e está sendo rodado na Malásia com Ryan Gosling. Mais ambicioso será o remake de Logan’s run, fita de ficção-científica setentista. Nesse segundo projeto, Refn conta com o apoio das “pessoas inteligentes” que conheceu em Hollywood. Mas está pronto para desembarcar num território temido por muitos autores cult: a estrada perigosa do cinema comercial.

Cine cult
Quatro filmes de Refn que, inéditos no Brasil, provocam paixões na web.

» Pusher (1996)
Grande sucesso na Dinamarca, trata o submundo do tráfico de drogas em Copenhagen como combustível para um thriller sangrento à la Tarantino. Teve duas continuações.

» Medo X (2003)
O thriller psicológico com John Turturro afundou na bilheteria e levou a produtora de Refn à falência. Mas há quem diga que é um dos melhores do cineasta.

» Bronson (2008)
Refn injeta estilo na cinebiografia sobre Michael Gordon Peterson, considerado um dos criminosos mais perigosos do Reino Unido.

» Valhalla rising (2009)
Numa mudança surpreendente de tema, o cineasta vai a mil anos depois de Cristo para contar a saga de um guerreiro silencioso no tempo das Cruzadas.

DRIVE
(EUA, 2011, thriller, 100min, não recomendado para menores de 16 anos). De Nicolas Winding Refn. Com Ryan Gosling, Carey Mulligan e Bryan Cranston. Confira salas e horários no Roteiro.
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URBANISMO »  Brasília sob inspeção
Dois representantes da Unesco iniciam hoje visita pela cidade para conferir se as regras do tombamento estão sendo cumpridas. A viagem foi motivada por denúncias de agressões ao projeto de Lucio Costa
Notícia Gráfico CORREIO BSB  13.03
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Nos próximos cinco dias, os brasilienses poderão cruzar com dois peculiares visitantes em passeio pelas ruas da cidade. Os consultores enviados pela Unesco chegam hoje à capital para uma missão e vão percorrer os principais pontos do Plano Piloto com o intuito de verificar como anda a preservação do projeto original de Brasília. O argentino Luís Maria Calvo e o espanhol Carlos Sambrício são os especialistas designados pela organização para essa visita. O Centro de Patrimônio Mundial da Unesco decidiu enviar representantes à cidade por conta das inúmeras denúncias de agressão ao patrimônio, concebido pelo urbanista Lucio Costa. Hoje à tarde, os consultores vão apresentar detalhes do trabalho que será feito em um encontro com a imprensa, representantes dos governos local e federal e de entidades não governamentais.

 A Unesco não divulgou detalhes da agenda dos especialistas para os cinco dias que passarão em Brasília. Mas a organização informou que Sambrício e Calvo vão verificar pontos levantados durante a última missão da entidade, realizada em 2001. À época, os representantes apontaram uma série de problemas e fizeram 19 recomendações ao governo brasileiro, mas a maioria foi ignorada. Desta vez, eles vão rever irregularidades como construções de apartamentos na beira do lago e o caos dos puxadinhos nas entrequadras comerciais das asas Sul e Norte.

Entre os assuntos destacados pela Unesco para serem avaliados durante essa visita, está o impacto das obras de infraestrutura para a Copa de 2014. Os técnicos da Unesco querem saber como o governo está implementando as benfeitorias necessárias ao evento, sem que haja comprometimento do projeto original da cidade. Eles também querem analisar legislações relacionadas à preservação do patrimônio, como o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), apresentado no mês passado, e o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), cujo projeto de revisão está parado na Câmara Legislativa.

Sambrício e Luís Calvo terão até abril para elaborar um relatório sobre a visita. O documento será posteriormente avaliado e discutido durante a próxima reunião anual do Centro de Patrimônio Mundial, que, em 2012, será realizada em São Petesburgo, na Rússia. Na próxima sexta-feira, os dois consultores participarão de uma segunda entrevista coletiva, em que farão um balanço dos dias em Brasília.

Qualidade de vida
O arquiteto e professor da Universidade de Brasília (UnB) Cláudio Queiroz, ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), explica que a preservação do projeto original de Brasília representa uma garantia de qualidade de vida para a população. O maior desafio, segundo ele, é aliar a proteção ao crescimento natural. “A cidade não foi tombada quando já estava pronta, pelo contrário, ela continua em construção. E esse crescimento precisa respeitar as escalas” justifica. “Hoje, o que vemos é a contradição entre os interesses de grupos econômicos e de construtoras com a preservação do patrimônio. Mas Brasília precisa ser protegida porque é uma referência para o mundo, foi a primeira cidade moderna a ser tombada”, acrescenta Queiroz.

Durante reinauguração do Centro de Saúde
nº 1 de Brazlândia, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), falou ontem sobre a visita de dois especialista da Unesco à capital federal. “Eles vêm num período em que o governo está adotando o patrimônio como eixo fundamental do desenvolvimento. Estamos invertendo a lógica do passado, na qual a especulação, a ilegalidade e a anarquia estavam destruindo não só o patrimônio, mas a qualidade de vida da população do DF”, avaliou. Para o governador, Brasília não corre o risco de perder o título. “Não haverá problemas, a não ser alguns corriqueiros de anos de descaso. Agora é hora de se ajustar e defender esse patrimônio”, concluiu.

Colaborou Thaís Paranhos

Currículos
Quem são os especialistas que participam dessa missão em Brasília:

» Luís Maria Calvo
Arquiteto pela Universidade Católica de Santa Fé, Argentina, é doutor em “História da Arquitetura na Iberoamérica” pela Universidade Pablo de Olavide, Sevilha, Espanha, e especialista em história urbana e conservação de patrimônio. Calvo é professor e pesquisador da Faculdade de Arquitetura, Desenho e Urbanismo da Universidade Nacional do Litoral, Santa Fé, Argentina. Como membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), já realizou missões de monitoramento em outros sítios do Patrimônio Mundial.

» Carlos Sambrício
É professor titular de arquitetura e urbanismo da Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madri desde 1986. Tem doutorados pela Universidade Complutense de Madrid e pela l’École des Hautes Etudes de Sciences Sociales, de Paris. É professor visitante do Centro de Humanidades Getty em Los Angeles, na Universidade de Harvard, Estados Unidos, e no Centro para Arquitetura Canadense, em Montreal, além de professor visitante no Bauund Stadtbaugeschichte da Academia de Artes Visuais em Hamburgo, Alemanha, e Universidade Politécnica da Escola de Arquitetura de Milão.
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RIO+20.   ENTREVISTA / RUBENS RICUPERO.  Governo brasileiro e ONU diluíram agenda da Rio+20
PARA O EX-MINISTRO, AUSÊNCIA DE METAS VEM DO RECEIO DE EXPOR AS CONTRADIÇÕES ACERCA DAS QUESTÕES AMBIENTAIS FOLHA SP 13.03
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O governo brasileiro é atrasado em matéria de economia verde e, por isso, tem sido cúmplice das Nações Unidas na diluição da agenda da conferência Rio+20. Quem acusa é o embaixador e ex-ministro do Meio Ambiente (1993-1994) Rubens Ricupero.

Um dos principais negociadores brasileiros na Rio-92, Ricupero, 74, coordena um grupo de políticos, intelectuais e cientistas que deve encaminhar ao governo um documento que critica as baixas ambições do país nessa área, especialmente em comparação com China e Coreia, e pede a criação de um ministério da economia verde.

Em entrevista à Folha, ele manifesta o temor de esvaziamento da Rio+20. "Se você faz uma agenda modesta, está dando argumentos para que o pessoal não venha."



Folha - O governo tem dito que a Rio+20 não pode ser comparada à Eco-92. Isso é medo de criar expectativa demais?
Rubens Ricupero - É receio de desapontamento e expressão das contradições que existem no governo em matéria de definições ambientais.
Como o governo é pouco claro nisso, procura acentuar mais temas econômicos e sociais. Você nota isso no desejo de inserir a Bolsa Família como um dos êxitos brasileiros na luta contra a desigualdade, que estaria em um dos três pilares da conferência. Não deixa de ser verdade, mas é preciso levar em conta que, no desenvolvimento sustentável, dois pilares, o econômico e o social, são definidos em função do ambiental. A Bolsa Família é meritória, mas não tem muito a ver com ambiente.
De outro lado, há o receio de não conseguir repetir aquele êxito extraordinário. Em 1992, a conferência começou com a assinatura de duas convenções-quadro da ONU, a de mudanças climáticas e a de biodiversidade, coisas que você não pode repetir toda hora. Não me surpreenderia saber que muitos chefes de Estado talvez não venham.

Mas o próprio desenho modesto da agenda da conferência não torna a Rio+20 à prova de fracasso, e portanto atrativa para os chefes de Estado?
Se você tem medo de que não dê certo e por isso começa a diminuir a expectativa e faz uma agenda modesta, está dando argumentos para que o pessoal não venha.
É difícil que essas figuras que estão batalhando com a crise do euro venham se a conferência for só uma declaração. Talvez esse formato de reunião já condene a um anticlímax. Uma comemoração nunca é a mesma coisa, é uma evocação, não uma repetição do fato.

Então não havia como a agenda da conferência ser mais ambiciosa do que ela é?
Você poderia fazer uma coisa honesta. Admitir que a conferência talvez não conseguisse resolver todos os problemas, mas dizer: nós não vamos varrer para debaixo do tapete os problemas que nos ameaçam, que são a questão climática e a do ritmo acelerado de extinção da biodiversidade. Uma maneira de fazer isso foi aventada pelo ex-senador americano Tim Wirth [que era subsecretário de Estado dos EUA na Eco-92].
A ideia era adiar a Rio +20 para o fim do ano, e que ela fosse antecedida pela Convenção do Clima e a da Biodiversidade. O pessoal ficou apavorado (risos). Com medo de que elas dessem em nada.
Nos documentos que o Pnuma [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente] preparou para uma reunião há duas semanas, havia um sobre como medir avanço ou retrocesso em tudo: camada de ozônio, tóxicos, aquecimento, extinção. Isso permitiria saber para onde as coisas estão indo.

Indicadores de desenvolvimento sustentável.
É. Se tivesse havido coragem, poderiam ter preparado uma reunião que não escamoteasse a gravidade dos problemas. O que se está procurando fazer, e não somos só nós -a conferência é da ONU- é disfarçar isso.

Como isso se manifesta?
Uma das formas é a diluição da agenda. O governo brasileiro diz uma coisa que é difícil de criticar em si: que o desenvolvimento sustentável tem três pilares, o ambiental, o econômico e o social. Mas a forma como isso está se traduzindo é que tudo entra na agenda, até a reforma do sistema financeiro. O problema ambiental, que na verdade é a razão principal, acaba sendo um entre 678.

Houve sequestro da agenda da conferência pela agenda do governo brasileiro?
Não. A ONU baixou o nível de expectativa. O Brasil só se aproveitou disso. O governo é atrasado no tema de economia verde, a maioria das pessoas nem compreende esse conceito, há contradições.
O maior exemplo é o Código Florestal. Estamos na véspera da conferência com esse pessoal ruralista querendo votar uma coisa que é a negação da conferência. Como o governo tem essas contradições, a saída é diluir.

A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) disse que ninguém tem mais credenciais verdes do que o Brasil.
Isso é em parte verdade, por causa do etanol, das hidrelétricas. Mas tem outro lado. Estão fazendo mais termelétricas. O governo nunca conseguiu fazer um plano de transição para uma economia de baixo carbono.
A única medida de política econômica que eu conheço que o Brasil tomou nos últimos anos com um conteúdo ambiental foi o favorecimento a produtos de linha branca [eletrodomésticos] que economizavam energia.
O que você não tem é um projeto de país, de governo, em direção à economia verde, como a China está fazendo, com investimentos pesados em inovação. No dia em que eles tornarem a energia solar competitiva, vamos ter de comprar deles, porque eles estão investindo, nós não.

Por que não?
Falta um lugar onde se possa pensar essa política, porque isso não é uma política do Ministério do Meio Ambiente. Você precisa integrar o conceito de baixo carbono no planejamento econômico. Mas você tem planejamento econômico no Brasil onde?
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JOÃO PEREIRA COUTINHO.   O racismo tem cura?   Que valor moral terá um ser humano que só consegue controlar o seu racismo por influência medicamentosa? FOLHA SP 13.03
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Samuel Fuller é um dos meus diretores de eleição. E o seu "Cão Branco" (1982) está no topo da lista. O leitor conhece?

Se não conhece, aconselho. É a história, inicialmente idílica, de uma jovem atriz de Hollywood que encontra um pastor alemão branco a vaguear, perdido, pela vizinhança. A moça apaixona-se pelo cão. E vice-versa. Inevitável: o bicho é doce, a moça, idem. Uma história de amor.

Só existe, digamos, um probleminha: sempre que o cão encontra um negro pela frente, o seu instinto é atacá-lo e matá-lo com uma violência digna de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.

O cão branco é um "cão branco" -e não me refiro à cor do pelo. Foi treinado para atacar negros desde a infância por um dono que lhe transmitiu esse ódio assassino.

Horrorizada com essa "dupla personalidade", a moça procura ajuda para o cão. E, na era da terapia, também existem terapeutas caninos dispostos a "curar" o racismo do bicho. Pormenor magistral: o terapeuta que aceita tratar o cão é negro.

Lembrei de Samuel Fuller depois de ler a descoberta recente da Universidade de Oxford de que existem drogas que diminuem o nível de racismo nos seres humanos.

As drogas nem sequer são invenção recente: são meros betabloqueadores que os pacientes cardíacos conhecem muito bem e que os alunos estressados antes dos exames orais conhecem ainda melhor.

A medicação diminui o ritmo cardíaco, reduz as manifestações de ansiedade do sistema nervoso periférico -e a pessoa conhece umas horas de paz com o mundo, sem exteriorizar a sua tempestade interior. A máscara perfeita.

Assim foi: através de testes psicológicos, os candidatos que tomaram a droga manifestaram uma "abertura à diferença" maior do que o grupo de controle, a quem foi ministrado um placebo.

Curiosamente, a droga só parece funcionar com o preconceito racial; não é eficaz com outros preconceitos (religiosos, sexuais etc.).

Conclusões? O racismo nasce do medo, dizem os pesquisadores. E acrescentam, com um rasgo de otimismo: é possível controlar esse medo e suas manifestações exteriores.

Ainda que tudo isso seja verdade -clinicamente falando-, a questão fundamental não passa por saber se é possível controlar esse medo por via farmacológica. A questão começa por ser ética: será desejável que assim seja?

Ou, dito de outra forma, que valor moral terá um ser humano que só consegue controlar o seu racismo por influência medicamentosa? E que valor terá a sociedade a que ele pertence -uma sociedade disposta a medicalizar, e perversamente a desculpar, qualquer comportamento racista?

Se eu fosse negro, a resposta seria ainda mais fácil: valor nenhum. E, mal por mal, antes uma sociedade na qual os racistas são identificáveis e identificados do que uma farsa médica onde a repugnância que sentem pela minha pele é controlada por uma cortina farmacológica.

Uma cortina onde nenhum gesto é autêntico; nenhuma palavra; nenhum afeto; nem sequer nenhum desafeto.

Uma sociedade civilizada aceita a imperfeição humana e o cortejo de preconceitos que fazem parte dessa natureza. E, claro, pune criminalmente os comportamentos desviantes que podem brotar desses preconceitos.

Mas não é papel de uma sociedade civilizada operar sobre os homens uma espécie de "engenharia da tolerância" que, no limite, apenas desculpa o indesculpável e falsifica qualquer relação social. Um racista é um racista, não um doente. O que implica a séria possibilidade de o racismo não ter cura.

No filme de Samuel Fuller, o "cão branco" inicia os seus tratamentos. Lentamente, perigosamente. Progressos, alguns: o cão ladra menos quando o terapeuta negro se aproxima dele; há mais confiança, menos hostilidade; e, por momentos, até acreditamos que a cura milagrosa é possível. O "cão branco" será apenas mais um cachorro de pelo branco.

Fatalmente, não será: na última e decisiva sequência do filme, tudo o que vemos é a ferocidade incontida de um animal para lá de qualquer salvação.

O filme termina com o único momento de paz a que se permite: quando o cão é matéria inerte, abatido no centro da arena.

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Joca Terron lança misto de novela com HQ.  Em "Guia de Ruas sem Saída", escritor cuiabano acompanha duas vidas em ruínas FOLHA SP 13.03

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O escritor Joca Reiners Terron, 44, levou ao extremo a ideia de uma narrativa fragmentada no recém-lançado "Guia de Ruas sem Saída".

Além de intercalar texto e quadrinhos em tramas que se cruzam no tempo e no espaço, a novela acompanha dois homens caindo aos pedaços. Inclusive no sentido literal.

Um deles, incapaz de concatenar ideias, perambula expelindo chips eletrônicos enquanto perde partes do corpo. O outro, prestes a passar por um transplante num país longínquo, constata que seu casamento está em ruínas.

"A história é toda quebrada. Ela está se desmantelando, como personagens que a narram", resume o escritor.

Aos pensamentos de um e outro somam-se sequências de imagens em páginas inteiras, sem texto, como num "filme mudo surrealista", conforme define o escritor. Das 256 páginas do livro, 135 foram ilustradas por André Ducci.

Juntar todos esses pedaços tomou mais de dez anos de Terron, que chegou a pensar em ilustrar sozinho a novela.

"Dois anos atrás, quando percebi que estava sendo megalomaníaco e nunca conseguiria escrever e desenhar tudo a tempo, convidei o Ducci, cujo trabalho conheci fazendo uma pesquisa sobre quadrinistas brasileiros."

O tempo em questão foi o surgimento de um prazo que "inspirou" Terron a concluir o trabalho: em 2007, ele ganhou da Petrobras uma bolsa de criação literária para o livro, e 2011 era a data-limite para apresentação do texto.

"Já estava no bico do corvo. Precisei voltar a acreditar na história, que tinha deixado de ser o que era no início. A ponto de eu precisar lutar por seis meses contra a burocracia do MinC para mudar o título do meu próprio livro."

(Para constar, o livro fora inscrito sob o pomposo título "A Extinção da Infância".)

SÓSIAS

Terron, que vive em São Paulo, e Ducci, em Curitiba, não se conheciam pessoalmente quando conversaram sobre as ilustrações.

Terron descreveu o personagem principal -alto, grande, barbudo, careca, algo como ele próprio.

"Quando o Ducci mandou os desenhos, falei: 'Você me desenhou? Ficou igual a mim!' E ele respondeu: 'Não, na verdade eu tava me desenhando", lembra o escritor. "Aí ele mandou uma foto dele. Não temos nada a ver um com o outro, mas o desenho também parecia com ele."

A prova dos nove foi tirada na semana passada, no lançamento, em São Paulo, com os dois presentes. Por maioria absoluta, ficou decidido que o personagem é mais parecido com Terron.

INDEPENDENTE

"Guia de Ruas sem Saída" marca um retorno do escritor -que começou a carreira literária publicando livros por sua própria editora independente- a uma pequena casa depois de publicar livros pela Companhia das Letras. O livro saiu pela Edith, selo criado no ano passado pelo escritor Marcelino Freire.

"Retornei ao gostinho de projetar como eu bem entendia o livro. Sou punk velho e meu lema sempre foi 'do it yourself' [faça você mesmo]."

GUIA DE RUAS SEM SAÍDA
AUTOR Joca Reiners Terron
ILUSTRAÇÕES André Ducci
EDITORA Edith
QUANTO R$ 35 (256 págs.)

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