terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


Encontro de dois mundos
Literatura adaptada às HQs é um atalho em direção aos clássicos. Mas é preciso saber escolher para não se decepcionar CORREIO 21.02

-
Clara dos Anjos, o último romance de Lima Barreto, foi adaptado pelo roteirista Wander Antunes, com direito a belíssimas ilustrações de Lelis

As adaptações da literatura para as histórias em quadrinhos não são novidade, mas ganharam um impulso enorme dentro do mercado editorial brasileiro nos últimos anos. Os motivos são vários. O maior deles é financeiro. Vários títulos têm entrado nas listas de obras recomendadas pelo Ministério da Educação para as bibliotecas públicas ou para programas de incentivo à leitura, fazendo com que tenham vendagem expressiva. Com isso, editoras nacionais têm publicado grande volume de títulos nesse formato, tanto HQs estrangeiras quanto nacionais.
           
Stanislas Gros assina a versão em HQ de O retrato de Dorian Gray

Com uma infinidade de obras literárias em domínio público, resolve-se outro problema da produção de quadrinhos no Brasil: a carência de roteiristas nessa área. Portanto, pegar um grande clássico e transformá-lo em quadrinhos é, ao menos, uma tentativa de ter um texto de qualidade (o que não garante, necessariamente, uma boa HQ).

Hoje em dia, é possível encontrar diversos tipos de literatura em quadrinhos nas livrarias. As mais descaradamente “comerciais” são fáceis de identificar: quase sempre têm poucas páginas e uma narrativa gráfica pouco convidativa, com desenhos sem muita personalidade ou carisma (na maioria das vezes, deixam transparecer a pouca intimidade dos envolvidos com a linguagem dos quadrinhos). Geralmente, a leitura dessas adaptações é frustrante em todos os sentidos.

Para a sorte dos leitores de quadrinhos — os eventuais ou os apaixonados —, existem editoras que levam a sério essas adaptações. Opções interessantes não faltam no material lançado por Peirópolis, Arx, Salamandra, L&PM e Companhia das Letras. Vale ressaltar que uma boa adaptação deve ser, acima de tudo, uma boa história em quadrinhos. Ou seja, os responsáveis pela adaptação têm que conquistar o leitor com recursos próprios das HQs. Caso contrário, dificilmente ele terá interesse em ler a obra original. Para muitos educadores, os quadrinhos têm potencial para fazer essa ponte — o equívoco é achar que a leitura das HQs substitui a leitura dos livros que as inspiraram.

Lançamentos
O francês Stanislas Gros fez uma competente adaptação de O retrato de Dorian Gray, obra máxima de Oscar Wilde (1854-1900). Recém-editada no Brasil pelo selo Quadrinhos na Cia., a HQ condensa em 72 páginas o livro do escritor irlandês. O traço de Gros é sintético e expressivo e o colorido em tons pastéis resulta bastante agradável aos olhos. O grande achado narrativo do francês é mostrar, sempre no último quadro de cada página, a deterioração progressiva do retrato do protagonista (uma rápida folheada causa o efeito de uma animação).

Último romance escrito por Lima Barreto (1881-1922), Clara dos Anjos ganhou uma adaptação cuidadosa de Wander Antunes (roteiro) e Lelis (arte), também publicada pela Quadrinhos na Cia. O título merece ser conferido nem que seja para apreciar as personalíssimas ilustrações em aquarela do mineiro Marcelo Lelis. Antunes, por sua vez, fez um bom trabalho sintetizando a história de forma a manter seu impacto de crítica social. Além de rascunhos do ilustrador, o livro apresenta posfácio de Lilia Moritz Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e organizadora da reedição da obra de Lima Barreto na Companhia das Letras.

Já a coleção Clássicos da Literatura em HQ, da L&PM, como o nome indica, investe em obras bastante populares da literatura mundial, como A ilha do tesouro, Robinson Crusoé, A volta ao mundo em 80 dias, Um conto de Natal e tantos outros. As adaptações (feitas por diferentes roteiristas e ilustradores estrangeiros), no geral, são corretas, mas nem todas se confirmam convidativas como história em quadrinhos.


O retrato de Dorian Gray
De Oscar Wilde, adaptada por Stanislas Gros. Quadrinhos na Cia, 72 páginas. R$ 34.


Clássicos da Literatura em HQ
Vários títulos e autores, entre eles A volta ao mundo em 80 dias e Um conto de Natal. L&PM, 56 páginas.  R$ 25.


Clara dos Anjos
De Lima Barreto, adaptada por Wander Antunes (roteiro) e Lelis (arte). Quadrinhos na Cia, 120 páginas. R$ 42.


>>> 




Na conta do contribuinte, mais sete mil vereadores
O Globo - 21/02/2012

Com aval do Congresso, 1.700 cidades já decidiram ampliar a câmara A fatura a ser paga por contribuintes de todo o país pelo aumento do número de vereadores em cerca de 7 mil, a partir de 2013, será cobrada já neste ano. Para acomodar esse contingente, câmaras municipais têm incluído no orçamento de 2012 reformas para ampliações de suas sedes, locação de imóveis para instalar gabinetes ou até mesmo a construção de novo prédio para o Legislativo. Ao todo, 2.153 municípios brasileiros tiveram permissão do Congresso para ter mais vereadores. A conta final promete ser milionária, apesar de todo o discurso feito por deputados e senadores, na época da aprovação da PEC dos Vereadores, em 2009, de que a medida não traria despesas. Não existem levantamentos nem estimativas oficiais ou extraoficiais do tamanho desses gastos nos legislativos municipais. Mas casos reunidos pelo GLOBO em vários estados indicam que o total dessa fatura será alto. Em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, a previsão é gastar R$ 6 milhões com a construção de uma nova sede para 27 parlamentares. Hoje eles são 21. Em Maceió, a Câmara estima desembolsar cerca de R$ 5 milhões na compra de um novo prédio. O município terá 31 cadeiras em 2013, contra as atuais 21. O fenômeno atinge também cidades pequenas. Em João Monlevade, no interior de Minas Gerais, município de 75 mil habitantes, a reforma para ampliar o número de gabinetes está orçada em R$ 1,7 milhão. O aumento de vagas é resultado da aprovação, em 2009, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 58, que estabeleceu uma nova relação entre o número de habitantes e a quantidade de vereadores. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 2.153 câmaras ganharam, com isso, o direito de ampliar suas cadeiras. A emenda, entretanto, não obriga os legislativos a fazerem os ajustes. A adequação é facultativa. Pesquisa feita em outubro passado pela CNM mostrou que a maioria deles, cerca de 1,7 mil, já tinha decidido pelo aumento. Atualmente são 51.748 vereadores no país. Sobra é usada paranovas despesas l A PEC 58 também reduziu o repasse de recursos das prefeituras para as câmaras a partir de 2011. Ele variava de 5% a 8% e agora é de 3,5% a 7%. Em alguns municípios é praxe as câmaras devolverem recursos ao caixa das prefeituras no fim do ano. É com essa “sobra”, segundo presidentes de legislativo, que muitas câmaras estão contando para custear as novas despesas. A adaptação dos prédios é apenas uma parte do problema. A partir de 2013, o aumento de vereadores também significará maior pressão sobre folha de pagamento e despesas em geral. Presidente da Câmara Municipal de Maceió, Galba Novaes (PRB) explica que, em 2011, a casa devolveu aos cofres da prefeitura cerca de R$ 8 milhões. Para este ano, ele adianta que a “sobra” orçamentária ou não acontecerá ou será menor porque é com essa verba que pretende comprar a nova sede do legislativo. — Estamos analisando propostas de alguns terrenos e, na volta do recesso, vamos tomar uma decisão para que em 2013 a câmara tenha condição de receber com dignidade os dez novos vereadores. Nosso prédio não comporta esse aumento — afirmou Novaes. Hoje, 12 vereadores da capital alagoana já despacham em imóveis alugados, ao custo mensal de R$ 1 mil cada, por falta de espaço. O mesmo acontece em São Gonçalo com três parlamentares. Mas nem mesmo essa situação dramática de falta de estrutura sensibilizou a maioria dos vereadores nas duas casas a rejeitar o aumento de cadeiras para 2013. — Há muitos anos os vereadores brigam por uma nova sede. Um terreno está comprado desde 2008. A entrada dos novos só adiantou o processo de construção. Não dá para ficar pagando aluguel a vida toda. É o dinheiro público que está indo embora — disse o vice-presidente do legislativo de São Gonçalo, Amarildo Aguiar (PV), favorável ao aumento das vagas. A direção da Câmara de Maceió tentou no fim de 2011 reduzir algumas regalias dos vereadores, como o valor da verba de gabinete e o número de assessores por parlamentar, além da revogação do reajuste salarial previsto para 2013, para compensar as novas despesas. A proposta foi rejeitada pelos parlamentares. — Vou reapresentar esses projetos quando voltarmos ao trabalho e espero que, por ser um ano eleitoral, a gente consiga aprová-los. Sem esse ajuste, não sei se temos condição de administrar essas novas despesas — afirmou Novaes. A situação do legislativo de Campo Grande (MS) é ainda mais complicada. O imóvel onde funciona a câmara é alugado, mas, devido a desentendimentos sobre o valor do aluguel, desde 2005 não é feito nenhum pagamento ao proprietário. O caso está na Justiça e a Casa já foi alvo de uma ação de despejo. Mesmo assim, os vereadores decidiram aumentar de 21 para 29 o número de cadeiras. Agora, não sabem o que fazer para acomodar os novos colegas. — Eu fui contra esse aumento desde o início da discussão lá em Brasília. Digo, sem nenhum medo, que foi um abacaxi que o Congresso jogou no nosso colo. Os deputados e senadores se renderam porque vereadores são seus cabos eleitorais de luxo. Uma vez aprovada lá, não pude evitar aqui. Recebi documento de todos os partidos querendo as vagas. Mesmo não concordando, fui voto vencido e tive que fazer — afirmou o vereador Paulo Siufi (PMDB). Presidente de um fórum que representa as câmaras municipais de Mato Grosso do Sul, Siufi diz que o assunto tem preocupado dirigentes. — Muitos presidentes têm me ligado preocupados. Não sabem como vão administrar essas despesas. Vai ser um ano difícil de eleição e com o pires na mão.

>> 

Mundo
Brasil doa recursos a países africanos para compra de alimentos
Agência Brasil 21/02 
-
O Brasil doará US$ 2,375 milhões para que cinco países africanos – a Etiópia, o Malawi, Moçambique, o Níger e Senegal – comprem alimentos produzidos na própria região, informou a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

O valor será investido em uma ação conjunta da FAO e do Programa Alimentar Mundial (PAM), também da ONU, definida em acordo assinado hoje (21) em Roma.

Além de financiar o projeto, o Brasil deverá dividir com os parceiros a experiência do seu Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, baseado na compra da produção de pequenos agricultores e distribuição a famílias carentes.

Pelo acordo, a FAO receberá US$ 1,55 milhão do aporte brasileiro para apoiar os agricultores africanos por meio da distribuição de sementes e fertilizantes. Os restantes US$ 800 mil serão repassados ao PAM, que deverá organizar as compras e a distribuição de alimentos a escolas e grupos mais vulneráveis.

O acordo foi assinado pelo representante permanente do Brasil na FAO, Antonino Marques Porto e Santos; pelo diretor assistente do Departamento de Cooperação Técnica da FAO, Laurent Thomas; e pelo diretor adjunto do PAM, Amir Abdulla.

O Programa Alimentar Mundial já compra compra alimentos produzidos regionalmente para seus programas e está executando um piloto chamado Compra para o Progresso (P4P), com o objetivo de encontrar formas de adquirir mais diretamente de pequenos produtores. O financiamento e a experiência brasileira com o programa de aquisição de alimentos dará novo impulso às compras de agricultores locais para a alimentação escolar.

O projeto foi concebido para fortalecer os mercados locais, ajudando a melhorar a segurança alimentar e evitando futuras crises no setor.
>>>>> 
Cultura
Brasileiro recebe prêmio da Unesco por estudo sobre influência da língua árabe no português
Agência Lusa 21/02
-
O brasileiro João Medeiros Vargens recebeu nesta terça-feira (21) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o prêmio Sharjah para Cultura Árabe pelo estudo da influência da língua árabe no português e da cultura islâmica no Brasil e no mundo lusófono.

Ele dividirá com o autor libanês Elias Khoury o prêmio, que será entregue no próximo dia 27 em Paris pela diretora da Unesco, Irina Bokova. Cada um receberá US$ 30 mil.

Segundo a Unesco, Vargens é distinguido pelo seu "envolvimento no estudo da influência da língua árabe no português e pelo seu trabalho para iluminar a cultura islâmica no Brasil e no mundo português em geral".

Natural do Rio de Janeiro (1952), Vargens é editor, escritor, tradutor, lexicógrafo e professor de língua e cultura árabe.

O prêmio Sharjah para Cultura Árabe, criado há dez anos por iniciativa dos Emirados Árabes Unidos, distingue anualmente duas personalidades, uma árabe e outra de um país não árabe.

>> 
Por que ensinar gramática
» JOSÉ AUGUSTO CARVALHO
Linguista O POPULAR 21.02

-
Uma aluna do curso de letras, ao comentar num artigo a “Carta pras Icamiabas”, cap. IX do Macunaíma, de Mário de Andrade, se insurgiu contra a gramática, na presunção de que a língua ou a comunicação linguística possa existir sem ela, ou na ignorância do fato de que o próprio Mário de Andrade escreveu Gramatiquinha, que Edith Pimentel Pinto resgatou e comentou no livro A gramatiquinha de Mário de Andrade – texto e contexto.

A aluna terminou o artigo elogiando parte da crônica “O gigolô das palavras”, de Luis Fernando Veríssimo, segundo a qual o importante é comunicar e, à parte o fato de ajudar na eliminação de erros, a gramática é apenas a língua das múmias.

Mas Veríssimo é um usuário da língua, não um técnico. Como bom usuário, tem o direito e o dever de insurgir-se contra as normas gramaticais do dialeto culto porque a sua função, como escritor, é o de renovar a linguagem, o de reinventar formas de expressão, não o de respeitar regrinhas. Mas daí a estender a todo usuário a função precípua de um escritor vai longa distância que os professores dessa aluna não puderam ou não souberam lhe mostrar.

Acrescente-se a isso o desconhecimento que a aluna demonstrou a respeito do que seja gramática. Há a gramática interna, que é o conjunto de regras interiorizadas pelo falante, que lhe permitem dizer, entender e reconhecer como de sua língua enunciados que nunca ouviu antes. Essa é a gramática natural, que não pode deixar de existir, sob pena de se condenar o falante ao silêncio.

E há as muitas gramáticas escritas por estudiosos, com objetivos diversos: as dialetológicas, as históricas, a normativa, a tagmêmica, a translativa ou estemática, a modular, as de casos, a de valências, entre outras. Insurgir-se contra a gramática, genericamente, é revelar, no mínimo, um desconhecimento do que seja a língua, do que seja o próprio fenômeno linguístico ou até do que seja a base e a essência do processo de comunicação.

Um escritor se insurge contra as normas gramaticais do dialeto culto para transgredi-las, para dar asas à atividade criadora. Mas deve fazê-lo com conhecimento de causa, não apenas intuitivamente, como preconiza Veríssimo. Um aluno ou um professor de línguas é, antes de tudo, um técnico. Pode até ser um escritor, mas é como técnico que deve repassar as lições.

Insurgir-se contra a gramática normativa é desconhecer-lhe função catalisadora e supradialetal; é insurgir-se até mesmo contra a comunicação, pretensamente em nome da comunicação porque é aceitar a anarquia linguística. Ensinar a norma culta é mostrar ao aluno uma variedade linguística prestigiosa, que poderá ser-lhe útil como instrumento de comunicação eficaz e como instrumento de ascensão social.

O desconhecimento da norma culta, por causa de um ensino deficiente, produziu consequência desastrosa: professores formados desconhecem regras básicas de concordância e de coesão textual. Linguistas sem preparo filológico ou sem maturidade, com o argumento de que se deve “respeitar o dialeto do aluno”, atacam a gramática normativa em livros demagógicos, cheios de erros doutrinários, inclusive linguísticos, que dizem o que os professores querem ler, não o que deveriam saber. E tais livros são adotados não por terem mérito, mas por fornecerem ao docente os argumentos de que precisa para justificar as ideias preconcebidas ou a ignorância da norma culta.

“Respeitar o dialeto do aluno” pode significar uma entre duas coisas, ou ambas, ao mesmo tempo: ou o professor acha que os alunos todos falam uma única variedade linguística, chamada “dialeto do aluno”; ou quer que o aluno não cresça socialmente, dando-lhe a falsa ilusão de que o importante é apenas saber comunicar-se. O aluno terá frustrada sua esperança de ascensão social, como aconteceu com os negros de Nova York, que, orgulhosos do seu “black english vernacular”, dando ouvidos ao sociolinguista William Labov, não puderam subir na vida.

O pretenso respeito ao dialeto dos negros nova-iorquinos era, na verdade, ainda que contra a vontade de Labov, instrumento de repressão. O dialeto padrão culto voltou a ser objeto de ensino: era o instrumento de libertação por excelência. Afinal, no mundo, quase tudo depende da norma culta escrita, até mesmo as novelas ou os noticiários televisivos, que seguem script pré-elaborado.

E é inconcebível um livro científico escrito num dos dialetos que os linguistas despreparados defendem como adequado em todas as situações. A autonomia, a padronização, a historicidade e a vitalidade são parâmetros que definem qualquer língua em sua modalidade culta. A qualquer outro dialeto popular faltaria pelo menos o primeiro: a autonomia. Certamente também faltariam a padronização e a tradição cultural. Pena que há lições que só uma dura experiência pode ensinar.

Nenhum comentário: