terça-feira, 7 de fevereiro de 2012


Proposta uma nova divisão de classes.  Valor Econômico - 07/02/2012
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Os professores brasileiros Wagner Kamakura, da Duke University, nos Estados Unidos, e José Afonso Mazzon, da Universidade de São Paulo, estão propondo uma nova divisão sócio-econômica da população brasileira, com foco no consumo de produtos e serviços. O novo modelo, construído a partir dos dados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), pode ser usado em pesquisas de mercado, especialmente as orientadas aos hábitos de compra da classe média.

Os professores, que trabalharam juntos no projeto ao longo de um ano e meio, dizem que a classificação utilizada pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (conhecida como Critério Brasil) não retrata adequadamente a importância que a classe média adquiriu nos últimos anos. E decidiram elaborar um novo modelo, com base nos dados da mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo IBGE em 2009.

Mais de 104 mil domicílios entraram no modelo, que considera 36 critérios - desde o número de aparelhos de TV em cores, computadores pessoais e automóveis, até nível de educação e ocupação do chefe da casa, passando pelo número de empregados domésticos. Critérios como acesso a esgoto, água tratada e ruas pavimentadas também foram considerados.

A nova classificação tem como base a renda permanente e não a renda corrente. "Renda permanente é um conceito teórico, relacionado com a capacidade de a pessoa de gerar renda, e, portanto, não é observada diretamente," diz Kamakura A renda permanente pode ser medida por meio da posse de bens duráveis e do nível de educação, por exemplo. A renda corrente é o rendimento atual: o salário, as transferências de renda e os rendimentos financeiros.

"As grandes empresas foram pegas de surpresa pela nova classe média no Brasil", diz Kamakura, que ensina marketing global na escola de negócios Fuqua, da Duke, na Carolina do Norte. Por décadas, diz ele, as estratégias traçadas por brasileiras e multinacionais consideravam como público-alvo os consumidores de maior poder aquisitivo. "É a estratégia do "em cima do morro"", afirma. O produto era pensado e vendido para a elite. A classe média acabava comprando, diz ele, porque aspirava ter as mesmas coisas que a classe alta.

A migração de 20,5 milhões de brasileiros, da base para o meio da pirâmide, foi um processo que ocorreu com maior vigor de 2003 a 2009, justamente o período analisado por Kamakura e Mazzon. A classe média ficou maior, na avaliação deles, porque a renda real e a oferta de crédito cresceram.

Nesse novo quadro, a classificação usada pelas empresas especializadas em elaborar pesquisas de mercado, conhecida por Critério Brasil, não retrata mais a realidade. Quando são comparadas as oito classes do novo modelo com as oito classes do Critério Brasil, observa Mazzon, o que se nota é uma distribuição mais assimétrica da população no modelo novo - com maior número de domicílios nas mãos da classe média.

A classificação do Critério Brasil mostra uma "curva assimétrica", diz Mazzon, mostrando maior número de lares nas mãos da classe D (ver arte nesta página). Os professores não são os únicos a pesquisas o assunto. Há consultorias do setor de consumo no Brasil estudando formas de atualizar a classificação de renda.

A classificação conhecida como Critério Brasil, diz Mazzon, "retrata melhor a camada mais rica da população." Esse método, segundo ele, ainda é uma boa ferramenta para medir o consumo de joias ou de serviços pessoais. O novo modelo, explica melhor o consumo da classe média, que, segundo o estudo, representa cerca de 56% dos lares (ou 51% da população) e responde por 33% dos gastos de consumo no país.

A classificação proposta por Kamakura e Mazzon será apresentada à Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa nos próximos dias. A ideia é oferecer, sem custo, o novo modelo a companhias que queiram fazer pesquisas no Brasil.

O estudo dos professores, que levou cerca de um ano e meio para ser elaborado, também será publicado no "International Journal of Research in Marketing" no início de 2013, numa edição especial sobre marketing nos países emergentes.
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LITERATURA
Londres celebra bicentenário de Dickens

O escritor Charles Dickens (1812-1870), cujo bicentenário de nascimento se celebra hoje, é tema de diversas homenagens. O Museu de Londres e a Biblioteca Britânica organizam exposições sobre ele. Uma nova biografia, "Charles Dickens: A Life", de Claire Tomalin, foi lançada recentemente. FOLHA SP 07.02
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FESTIVAL DE CINEMA DE ROTERDÃ
Longa brasileiro leva prêmio da crítica
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Filmes produzidos em São Paulo nos anos 60 e 70, como "O Bandido da Luz Vermelha", foram destaques do evento FOLHA SP 07.02
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Cena do filme "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, premiado no Festival Internacional de Cinema de Roterdã
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O Brasil até que não pode reclamar do resultado do 41º Festival Internacional de Cinema de Roterdã: "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho, levou o prêmio Fipresci, que é o prêmio da crítica internacional.

O filme não ganhou nenhum dos três Tiger Awards, os prêmios concedidos para os filmes em competição. Não pude seguir a competição, mas "O Som dos Outros" representa uma estreia mais que animadora para o crítico pernambucano.

Como ele mesmo disse, trata-se de um filme sobre a sua rua, um local que conhece bem. É o ponto de partida de uma observação muito sensível sobre a sociedade desigual do Nordeste, tendo no centro três gerações de uma família cujo patriarca é um senhor de engenho.

Em suma, um filme com humor, sem pretensão a reinventar o cinema, mas capaz de contornar o óbvio, de se mostrar provocativo: uma estreia feita com orçamento modesto (cerca de R$ 2 milhões), que leva a esperar, desde já, por novos filmes desse autor.

Já a seção "Mouth of the Garbage" (nome traduzido da Boca do Lixo), deixou seus curadores, Gabe Kingler e Gerwin Tamsma, com um sorriso daqui até aqui. Era um programa de risco, que juntava no mesmo saco filmes desde o período "marginal" da Boca do Lixo ("O Bandido da Luz Vermelha", "O Pornógrafo", "Orgia ou O Homem que Deu Cria"), filmes do período que se poderia chamar "sexploitation" (o fantástico "O Império do Desejo", "Snuff - Vítimas do Prazer", "O Despertar da Besta"), até a era do sexo explícito ("Oh! Rebuceteio").

Mesmo essas classificações supõem destinos muito diversos: "O Bandido", de Rogério Sganzerla, foi um grande sucesso, enquanto "Orgia", de João Silvério Trevisan, ficou preso na censura e só há pouco tempo foi lançado em DVD. O público e os especialistas não se espantaram com essa diversidade, e em dado momento comentava-se muito "The Garbage".

O essencial, no entanto, é a abertura que essa seção representa aqui mesmo no Brasil. Digamos que na história do nosso cinema existe uma porta lateral para Rogério Sganzerla e outras, ainda menores, para Carlos Reichenbach e José Mojica Marins.

Mas é um cinema visto, essencialmente, como um desvio numa linha histórica cujo centro é o cinema novo e sua sequência, a Embrafilme.

Quanto a Ozualdo Candeias, do inventivo "A Margem", ao Claudio Cunha de "Vítimas do Prazer", ou a Jean Garrett, o lugar reservado pela história oficial era mesmo de esquecimento.

O que se pôde ver em Roterdã foi, justamente, a proposta de uma reavaliação completa desse cinema. Trata-se de saber o lugar dessa indústria do pequeno orçamento (com muito mais baixos do que altos, sem dúvida), construída sobre as ruínas da falência dos grandes estúdios (Vera Cruz, Maristela), o desencanto com os rumos do cinema novo no final dos anos 1960 e a acentuada mudança de costumes (sexuais, sobretudo) do período.

Reabrir essa discussão não significará apenas revisar um passado morto e enterrado. Essa experiência marcou bastante, afinal, a crítica contemporânea brasileira (especialmente a mais arrojada surgida a partir da revista eletrônica "Contracampo", que nunca engoliu passivamente a historiografia oficial) e o cinema pernambucano, o mais criativo do país atualmente

É um pouco o campo, também, de Júlio Bressane, também presente a Roterdã. Ao apresentar seu filme "Rua Aperana 52", não teve meias palavras: para ele foi a Embrafilme que acabou com a criatividade da Boca do Lixo.


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O mecenas estatal

Se o Estado banca o artista, ele perde a independência: o cão não morde quem dá comida; quando o produto é bom, cotas e subsídios se tornam inúteis

As obras de arte, a literatura, os filmes e a música -tudo aquilo que procura dar um sentido mais elevado à nossa existência, enfim- merecem especial atenção de quem estiver preocupado em evitar que a vida seja uma simples rotina pela sobrevivência material. Os homens têm (ou deveriam ter) sede por cultura, o alimento da alma. Mas surge logo a questão: qual tipo de cultura?

Muitas pessoas bem-intencionadas defendem que o Estado deve se imiscuir nessa tarefa e estimular a cultura nacional.

Sua premissa costuma ser a de que o povo consome lixo porque os grandes veículos de comunicação empurram goela abaixo dos consumidores somente porcaria. Mas, como já disse o George Stigler, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, "o mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros".

O mercado é eficiente no atendimento da demanda. A qualidade não é responsabilidade da TV, da editora, da rádio ou do estúdio de cinema. Quem culpa os produtores erra o alvo. O YouTube, por exemplo, oferece vídeos para todos os gostos. É possível encontrar excelentes concertos e documentários, e também há muita besteira. Se os vídeos idiotas recebem mais atenção, não é culpa do YouTube.

A postura de quem deseja mais intervenção estatal na cultura parece um tanto arrogante. Acredita-se que as escolhas dos consumidores deveriam ser "melhores". Mas quem vai decidir?

Os defensores de "reservas de mercado" para produtos nacionais gostariam que o povo escolhesse filmes brasileiros em vez de "enlatados" de Hollywood. Mas os próprios consumidores querem os filmes americanos. Ninguém é obrigado a vê-los.

Os estúdios americanos são ricos justamente porque priorizam os seus consumidores. Já os filmes franceses, feitos para agradar aos próprios produtores subsidiados pelo governo, são adorados pelos intelectuais, mas desfrutam de baixa receptividade popular.

Aplaudir este modelo é acreditar que o povo, por meio de seus impostos, deve ser forçado a sustentar as preferências da elite. Isso é incompatível com a liberdade de escolha.

Além disso, há o claro risco de proselitismo nas artes. Quando os príncipes católicos eram os únicos mecenas na praça, toda a arte era voltada para satisfazer as suas crenças religiosas. Não se pode negar que obras maravilhosas nasceram assim. Tampouco se deve ignorar que a abrangência de temas foi ainda maior com o avanço da burguesia.

Em sua biografia sobre Mozart, Norbert Elias mostra como esse gênio "burguês" foi capaz de romper com a dependência exclusiva da aristocracia da corte, e como isso foi fundamental para sua obra.

A independência do artista é crucial para sua criação. O cão não morde a mão que alimenta. Quando o artista depende das verbas estatais para sobreviver, ele terá que atender a demanda de burocratas poderosos que decidem o seu futuro com uma canetada.

Quem alega que os artistas nacionais precisam da mão estatal ignoram que é justamente a livre concorrência que obriga a busca constante pela melhoria. Quando o produto é bom, as cotas e subsídios são inúteis. Basta ver o sucesso de alguns filmes brasileiros recentes. Nada como a concorrência para aprimorar a qualidade.

A cultura é algo extremamente valioso. Justamente por isso, o governo não deve interferir no assunto. A cultura não deve ser imposta de cima para baixo, mesmo que as elites condenem a preferência vulgar do povo. Deve-se preservar a liberdade de escolha. Quanto a tais escolhas, deve-se lembrar que gosto não se discute, só se lamenta.

RODRIGO CONSTANTINO, 35, é economista com MBA em finanças pelo IBMEC

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