sábado, 25 de fevereiro de 2012





A taxa bruta de escolarização no nível superior no Brasil  é de 36%, contra 59% do Chile e 63% do Uruguai. Nos países mais desenvolvidos constatamos  EUA (89%) e Finlândia (92%).
HÉLIO SCHWARTSMAN   helio@uol.com.br FOLHA SP 25.02


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HÉLIO SCHWARTSMAN
Barreira da qualidade
SÃO PAULO - Em artigo publicado na quinta-feira, o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, revela que o ensino superior no Brasil está parando de crescer. FOLHA SP 25.02
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Utilizando-se de dados do Inep, Brito mostra que, de 1995 a 2005, o setor vivia uma expansão acelerada: o número de alunos aumentava 13% ao ano nas instituições privadas e 11% nas públicas. De 2005 a 2010, porém, houve uma significativa redução nesse ritmo: as particulares cresceram 4,5% ao ano, e as oficiais, 0,2%.

A situação fica pior se tomarmos como medida os que se graduam. Aí houve uma inflexão: o número de estudantes que concluíram o curso em 2010 foi menor do que o de 2007.

Para Brito, um dos fatores a explicar esse quadro é o fraco desempenho do ensino médio. A virtual universalização da escola fundamental ao longo dos anos 90 fez muitos especialistas prognosticarem uma explosão de matrículas no ensino médio, mas ela não ocorreu. Na verdade, o total de alunos que pegaram seu diploma de ensino médio em 2010 foi menor do que o de 2003.

A minha hipótese para o fenômeno é que o sistema de ensino se chocou contra a barreira da qualidade. Para o aluno avançar numa faculdade, ele precisa estar minimamente preparado. Se não está e sabe disso, nem se matricula. Se não sabe, começa o curso, mas acaba desistindo.

Caso o Brasil queira progredir mais, precisará resolver o problema da qualidade, que, apesar de uma lenta evolução, ainda é muito baixa. No último Pisa (2009), o exame internacional de desempenho de estudantes, ficamos em 53º lugar entre as 65 nações avaliadas.

E não há dúvida de que o país precisa, com urgência, aumentar sua população com diploma universitário. Por aqui, a taxa bruta de escolarização no nível superior é de 36%, contra 59% do Chile e 63% do Uruguai. Isso, é claro, para não mencionar países mais desenvolvidos, como EUA (89%) e Finlândia (92%).

helio@uol.com.br

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WALTER CENEVIVA
O juiz e seu dever profissional
O juiz (ou juíza) deve ser fiel à sua profissão e à sua cidadania, com coragem, mas sem abusos FOLHA SP 25.02

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A LENTE do observador lançada sobre o andamento da Justiça, depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a missão fiscalizadora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), favorece a possibilidade de serem corrigidos defeitos geradores de críticas ao Poder Judiciário nos últimos tempos. Exemplo desse otimismo está em acreditar que o prazo prescricional, em processos contra acusados de gravíssimos prejuízos causados à nação, será superado pelo julgamento em tempo.

Se persistir nesse caminho, o Judiciário mostrará que a função precípua de guarda da Constituição será cumprida. Afastará, da primeira à última instância, a impressão ou o temor da injustiça, provocada até pela demora no decidir. Bom exemplo: o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo vai fazer cumprir a norma que impõe ao juiz a obrigação de residir na comarca para a qual foi designado. Não era respeitada. É um bom passo.

O tempo alongado, perdido na imposição do pagamento dos débitos do Executivo, nos três níveis de governo e de suas empresas, tem dado fundamento às críticas. Há de ser enfrentado.

A demora exagerada no julgamento de alguns processos criminais para réus "importantes" estimula dúvidas do povo. Assim como a pena excessiva (falsa, por ser irreal) para outros.

O advogado não pode perder o prazo de sua manifestação. Não protelará o andamento se o magistrado for eficiente e tiver um bom cartório na retaguarda.

O Judiciário tem permitido que juízes, em todos os níveis de jurisdição, retardem sua manifestação, sem que nada lhes aconteça. As associações de magistrados tiveram reação irritada contra o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) quando este criticou a demora. Elas cumpriram a missão associativa, mas teriam boa contribuição se estimulassem o respeito do prazo legal, no dever de julgar.

O juiz tem o direito de trabalhar segundo seu tipo pessoal, mas não é moralmente defensável que alguns mantenham o serviço em dia e outros retardem semanas, meses e até anos para decidir questões, independente da sua complexidade.

Idealmente, a questão da probidade da magistratura nem deveria existir. Infelizmente, existe, ainda que minoritária. A corrupção do juiz não tem recibos, contratos, mas nos meios jurídicos a fama da corrupção é rastilho de pólvora. Cabem aos tribunais medidas de verificação quando recebam informações que sejam, além de reiteradas, plausíveis, de mais de uma fonte. Querer denúncia escrita, com firma reconhecida, é ridículo. Ou hipocrisia.

Quebrar o dever da honradez prejudica o conjunto da magistratura. Cada juiz tem o maior interesse na punição do magistrado corrupto. Por isso o CNJ manteve a posição de que, nos Estados e nas Regiões, a proximidade entre os colegas, famílias, clubes e grupos sociais terminam impedindo a apuração das derrapagens no caminho da retidão.

Ninguém pretende que o magistrado seja um santo, porque, se for santo, dificilmente será juiz. Salomão, cuja argúcia no julgamento das duas mães que defendiam que um bebê era seu filho, não era nem um pouco santo.

O juiz (ou juíza) deve ser fiel à sua profissão e à sua cidadania, com coragem, mas sem abusos. O "bandido da toga" fere a respeitabilidade de todos. Deve ser combatido por todos.

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MinC abre operação para realizar Bienal. Com contas bloqueadas, Fundação Bienal cederia organização para outra entidade; Pinacoteca de SP é a favorita.
Projeto prevê captação de R$ 27 milhões pela Lei Rouanet; há atrasos no cronograma da 30ª edição, em setembro FOLHA SP 25.02
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Está em curso operação organizada pelo Ministério da Cultura (MinC) para viabilizar a realização da 30ª Bienal de São Paulo. A mostra seria gerenciada por outra instituição com situação regular, definida entre a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte Moderna e o Instituto Tomie Ohtake, segundo a Folha apurou.

Com suas contas vinculadas à lei Rouanet bloqueadas por inadimplência, a Fundação Bienal não pode mexer nos mais de R$ 8 milhões já arrecadados em incentivos.

A inadimplência foi decretada no dia 2 de janeiro por conta de processo da CGU (Controladoria Geral da União), que teve início em abril de 2009. Ele apontava irregularidades em 13 processos da Bienal, ocorridos entre 1999 e 2006, nas gestões de Carlos Bratke e Manoel Francisco Pires da Costa.

A Bienal teria feito mau uso de verbas públicas no total de R$ 32 milhões.

PRAZOS

O presidente da Bienal, Heitor Martins, disse à Folha, no mês passado, que, se as contas não fossem liberadas em meados de fevereiro, a Bienal estaria em risco.

"Os cerca de R$ 5 milhões arrecadados fora das leis de incentivo não seriam suficientes para a mostra, orçada em R$ 27 milhões", disse.

Esse prazo, segundo a assessoria de imprensa da Bienal, foi definido agora como 15 de março. No entanto, já há atrasos no cronograma: o material didático do setor educativo, que deveria ter ido para a gráfica, está parado.

Martins não quis comentar a negociação em curso com o Ministério da Cultura.

Segundo a Folha apurou, a saída em negociação seria transferir o proponente do projeto da 30ª Bienal para um das três entidades já mencionadas. O projeto, inserido na Lei Rouanet, prevê a captação de R$ 27 milhões e, segundo Martins, a maior parte dele já estaria garantido.

INTERESSADOS

As instituições devem ser consultadas, na próxima semana, se estão interessadas em participar do acordo.

Ainda segundo fontes da Folha, a entidade com maior chance é a Pinacoteca, que tem seu diretor, Marcelo Araújo, entre os conselheiros da Fundação Bienal.

Questionada sobre a negociação, a assessoria do Ministério da Cultura não respondeu ao jornal até o fechamento desta edição.
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Irã, ontem e hoje
Livro do
"repórter pedestre" Ryszard Kapuscinski sobre a ascensão e a queda do último xá, e o filme Separações, que concorre ao Oscar, ajudam a entender a sociedade iraniana atual CORREIO BSB 25.02 
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Um livro e um filme deste início de 2012 ajudam a entender um pouco mais o que aconteceu há 33 anos no Irã. Afinal, o que leva essa sociedade que carrega 25 mil anos de história a viver, pelo menos aos nossos olhos ocidentais, protegida pelos valores religiosos e políticos do passado (e um passado muito recente para quem tem 25 séculos)? Cultuando uma teocracia e mantendo suas mulheres envoltas em panos negros? Como entender as imagens de um desfile militar em que centenas de jovens empunham suas mãos ao alto em defesa da chamada república islâmica na terra de exércitos como o de Xerxes, que, segundo Heródoto, eram tão gigantescos que faziam a terra tremer como terremoto ao se movimentar, ou a tornar o dia noite só ao disparar suas flechas?

O livro O xá dos xás, do jornalista polonês Ryzsard Kapuscinski, lançado este mês no Brasil pela Companhia das Letras (na coleção Jornalismo literário), e o filme A separação, do diretor Asghar Farhadi, que recebeu duas indicações para o Oscar, oferecem dois olhares que ajudam a compreender a sociedade iraniana atual.

Se no filme a câmera somos nós, os espectadores, o texto de Kapuscinski brinca com um passeio isento, mas minucioso pelas fotos, imagens registradas antes da queda do xá, palavras gravadas em fitas-cassetes. Enfim, um quebra-cabeças com dezenas de situações que antecederam a revolta e a chegada ao poder dos aiatolás na década de 1970. A separação, por sua vez, deixa uma dezena de perguntas penduradas pelo ar. Quando termina a película, as luzes se acendem e ficamos nós com aquela estranheza. O que decidirá a garota? E o que decidiríamos nós, se fôssemos ela? Por que eles discutem tanto?

           
O xá dos xás
De Ryszard Kapuscinski. Tradução de Tomasz Barcinski. Companhia das Letras, 200 páginas. R$ 39.


Kapuscinski oferece alguns caminhos para respostas que o filme deixa no ar. Como um “repórter pedestre” ou autor de uma “literatura pedestre”, como ele se definia, esteve presente e se misturou aos acontecimentos desde o dia seguinte à chegada do aiatolá Khomeini ao Teerã. Aliás, esse era seu jeito de trabalhar. Um repórter que, em entrevistas coletivas, jamais fazia perguntas e anotava quase nada. É arguto o olhar desse jornalista, que confundia a própria vida com as reportagens e, quando passou por Teerã, cobria a sua 27ª revolução.

Kapu, como era conhecido entre os colegas correspondentes internacionais, nos guia nesse livro pelo labirinto das ruas de Teerã ao amanhecer. Por um ponto de ônibus onde as pessoas, em silêncio, temem algum espião que poderia estar bem ali ao lado. Durante o dia, perambula pela praça coberta de estudantes que exigiam, mãos empunhadas ao alto, a saída do último xá. À noite, pela embaixada norte-americana, logo após os atentados que ali marcaram o fim do reinado e o começo da república islâmica.

Ele percorre ainda os arredores da cidade, segue pelas montanhas, encontra os revoltosos escondidos e ouve, impressionado, as milhares de fitas-cassetes que, naqueles anos 1970, disseminavam a voz de Khomeini às escondidas da temida polícia do xá, a savack, mistura de milícia civil que espionava a tudo e a todos, em pontos de ônibus, cafés ou o tradicional bazar perante as mesquitas. Por qualquer pretexto, a savack prendia, torturava e sumia com o sujeito que ousava falar algo a respeito do xá.

Engenhoso, Kapuscinski nos explica o Irã por meio de fotos, descreve os detalhes de uma imagem de 1926 do xá Mohammad Reza Pahlavi, ainda criança, e seu pai, Reza Pahlavi — as roupas de ambos, as semelhanças e diferenças, o semblante e formas de governo. Foi o pai que mudou o nome da Pérsia para Irã. O filho, ao assumir o poder, quis transformar o país em uma grande potência. Mas a população, amedrontada, vivia sem luz, sem água e sem trabalho.

“Ao chegar ao Irã, imediatamente senti o peso do fenômeno religioso, talvez até graças à minha cultura polonesa e católica”, comentou certa vez o jornalista, lembrando que em Teerã, durante a revolução, centenas de jornalistas iam e vinham descrevendo os fatos, esquecendo-se da riqueza da história daquele país, de sua complexidade. Para ele, compreender os detalhes do país depende de um maior aprofundamento, que o olhar ocidental apressado muitas vezes não é capaz de apreender.

Kapuscinski dizia que os cameramen têm uma tendência a abusar dos planos de conjunto e esquecer os detalhes da massa. É o que ele tenta fazer nesse livro: emergir alguns detalhes, retirar da multidão personagens que dão ideia, ao leitor, sobre o clima que se vivia naquele período. Isso porque, para ele, é pelos detalhes que se mostra muito melhor o todo. “Uma gota pode refletir o universo. Muitas vezes, um detalhe diz muito mais do que uma visão global”, filosofa.

O amor pela África
Ryszard Kapuscinski esteve cotado para o Prêmio Nobel de Literatura alguns anos antes de sua morte. Merecia ter recebido. Alguns poucos conseguiram, como ele, transmitir notícias do mundo num relato tão verdadeiro e arrebatador. Ler um de seus livros é fazer um curso de geopolítica sem igual.

 Como correspondente da agência polonesa PAP (Polska Agencja Prasowa), onde trabalhou entre 1958 e 1981, Kapuscinski passou parte da vida na África. Ali, analisou os ódios tribais, a gestação das ditaduras, a violência da colonização, o absurdo do Tratado de Berlim (1885), que, com uma régua, dividiu a África em possessões para as nações europeias.

Construiu a biografia do imperador etíope Hailê Selassiê a partir de depoimentos de funcionários, áulicos, amigos e inimigos e mostrou que, ao contrário do que prega a biografia de Sellasiê, não era nenhum “Leão de Judá”, “rei dos reis”, descendente da linhagem de Salomão, mas um ditador sanguinário como todos os outros. Isso tudo sem fazer juízos de valor, apenas com a descrição dos fatos.

O repórter também andou pela América Latina, entrevistou Che Guevara, foi o primeiro a noticiar a guerra entre Honduras e El Salvador por causa de uma partida de futebol pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1970.

Kapuscinski amava a África. Mas um dos maiores testemunhos do fracasso que foi a União Soviética é dele. A partir de viagens para as nações que compunham a antiga União Soviética, com a descrição dos massacres de dezenas de milhões de pessoas e da prática da escravidão por parte do regime comunista, Kapuscinski levantou a hipótese de que a queda do império ocorreu por pelo menos três fatores preponderantes: corrupção, incapacidade política e falência econômica. Ou seja, o império ruiu por estar podre e não por pressão do outro império, esse liderado pelos Estados Unidos.

Kapuscinski já havia andado pelos países que formaram a União Soviética quando eles ainda faziam parte do império. “Qual foi o jogo de xadrez de Stalin? Ele deslocou e misturou as nações de tal modo, que hoje é impossível mexer com alguma sem afetar ou prejudicar as outras. Existem 36 conflitos de fronteira ou até mais do que isso. Eis o segredo de Stalin.” Nessa situação estavam Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Moldávia, Ucrânia, Geórgia, Armênia, Azerbaidjão, Cazaquistão, Turcomênia, Usbesquistão, Quirguízia, e inúmeras outras nações que compunham a União Soviética, sob a liderança da Rússia.

Os dentes de Stalin
Mas quem era Stalin? Ao fazer uma visita às nações da ex-União Soviética, depois da queda do império, Kapuscinski descobriu o mais escondido de todos os segredos do ditador. O jornalista e escritor estava em visita a Vorkuta, cidade gelada, na República Komi, acima do Círculo Polar Ártico. Os cidadãos de Vorkuta só conseguiam comer carne de rena — e olhe lá —, mais dura do que pedra. “Pobres dentes”, queixa-se uma de suas testemunhas. Parte dos dentes dessa testemunha era de ouro, e os outros, de prata.

Kapuscinski relata: “Aqui, a cor dos dentes é importante, reflete a posição ocupada na hierarquia social. Quanto mais importante é a pessoa, mais dentes de ouro ela possui. Os menos importantes têm dentes de prata. E os muito menos importantes, dentes artificiais lembrando a cor e a aparência dos naturais. Fiquei tentado a perguntar que tipo de dentes tinha Stalin. Mas sei a resposta: ‘Não sei, Stalin nunca sorriu’”.

Todos os fatos relativos à União Soviética estão em Imperium (Companhia das Letras, 320 páginas, R$ 49). Sobre a África, em Ébano (Companhia das Letras, 360 páginas, R$ 62), ele narra a crença e os hábitos da gente comum, com as quais conviveu nas savanas, deserto, florestas e cidades. Às vezes, uma árvore no meio do deserto é tudo o que um vilarejo possui. Lá se reúne o conselho de sábios, as crianças, as mulheres. Lá decidem o futuro, tentam entender o passado tomado por mitos e histórias orais, pois não existia a escrita. É lá que falam da chegada do elefante endoidecido, que tudo destrói e, de repente, vai embora. É o espírito da África.

Diz um sábio: “O espírito da África sempre aparece na forma de um elefante porque um elefante não pode ser derrubado por nenhum outro animal. Nem pelo leão, nem pelo búfalo, nem pela serpente”. Kapuscinski ouve tudo e anota. E narra, depois que a cerimônia acaba: “As pessoas se dispersaram em silêncio e os meninos apagaram as luzes sobre as mesas. Ainda era noite, mas já estava próximo o momento mais deslumbrante de toda a África: o amanhecer”.

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