quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Morre Steve Jobs, inovador da tecnologia. Valor Econômico - 06/10/2011

-

Steven P. Jobs, o presidente do conselho e cofundador da Apple que abriu o caminho como pioneiro na indústria de computadores pessoais e mudou a maneira como as pessoas pensam sobre tecnologia, morreu ontem, aos 56 anos de idade.

"O brilhantismo, a paixão e a energia de Steve foram as fontes de incontáveis inovações que enriquecem e tornam melhores nossas vidas", disse o conselho da Apple em um comunicado. "O mundo é incomensuravelmente melhor por causa de Steve."

A família, em uma declaração em separado, disse que Jobs "morreu em paz, hoje, cercado por sua família... Sabemos que muitos de vocês se entristecem conosco, e pedimos que vocês respeitem nossa privacidade durante nosso período de luto."

A companhia não especificou a causa de sua morte. Jobs lutou contra um câncer no pâncreas e vários anos atrás recebeu um transplante de fígado. Em agosto, renunciou ao cargo de executivo-chefe, passando as rédeas a Tim Cook.

Durante sua carreira de mais de três décadas, Jobs transformou o Vale do Silício ao ajudar a fazer do que fora uma silenciosa área ocupada por pomares em um centro de inovação para a indústria de tecnologia. Além de lançar as bases de uma moderna indústria de alta tecnologia ao lado de outros pioneiros, como Bill Gates, cofundador da Microsoft, e Larry Ellison, fundador da Oracle, Jobs provou a capacidade de atração de produtos intuitivos e bem desenhados frente ao poder da própria tecnologia e mudou a maneira como os consumidores interagem com a tecnologia em um mundo cada vez mais digital.

Ao contrário desses homens, no entanto, o período mais produtivo na carreira de Jobs ocorreu perto do fim de sua vida, quando um fluxo quase contínuo de produtos inovadores e muito bem-sucedidos como o iPod, o iPhone e o iPad fundamentalmente mudaram as indústrias de computadores, eletrônicos e mídia digital. Nesse intervalo, o modo como ele anunciava e vendia esses produtos, com campanhas publicitárias inteligentes e por meio de suas lojas de varejo, ajudaram a tornar a companhia um ícone da cultura pop.

No início dessa fase, Jobs descreveu sua filosofia, uma vez, como a tentativa de fazer produtos que fossem "a intersecção entre arte e tecnologia". Ao fazer isso, ele transformou a Apple na companhia mais valiosa do mundo.

Depois de exibir uma significativa perda de peso em meados de 2008, Jobs entrou em uma licença médica que durou quase seis meses em 2009, durante a qual ele recebeu um transplante de fígado. Ele pediu outra licença em meados de janeiro deste ano, sem dar explicações, antes de deixar o posto de executivo-chefe em agosto.

Jobs deixa sua esposa, Laurene, e quatro filhos.

Embora suas conquistas em tecnologia por si só tenham sido imensas, Jobs teve um papel igualmente pioneiro no entretenimento. Ele transformou a Apple na maior varejista de música e ajudou a popularizar filmes de animação como diretor executivo e financeiro da Pixar Animation Studios, que mais tarde foi vendida para a Walt Disney Co. Ele foi uma figura-chave em desafiar a maneira como as pessoas usam a internet e como consomem música, programas de TV, filmes e livros, despedaçando indústrias nesse processo.

Jobs também teve um dos regressos mais notáveis na história empresarial moderna, voltando à Apple após uma ausência de 11 anos, durante a qual ele foi mantido afastado como uma coisa velha e, em seguida, revivendo a fase de fortalecimento da companhia com a introdução de produtos como o iMac tudo-em-um, o aparelho para reprodução de músicas iPod, e a loja digital de música iTunes.

A companhia registra hoje uma receita de US$ 65,2 bilhões por ano, comparado com os US$ 7,1 bilhões em seu ano fiscal encerrado em setembro de 1997. A Apple tornou-se uma criadora de dispositivos eletrônicos com design especial, eliminando o "computer" de seu nome em janeiro de 2007 para realçar sua expansão para além do mercado de PCs.

Embora em agosto Jobs tenha entregado oficialmente as rédeas da companhia, por tempo indefinido, a seu vice Tim Cook, sua morte levanta uma questão de alto risco para a Apple: como a empresa - que tem sido a vanguarda da criatividade tecnológica por mais de uma década - sustentará seu sucesso sem sua visão e orientação. Outros ícones do capitalismo americano, incluindo Disney, Wal-Mart e a IBM experimentaram alguns problemas de transição depois que seus carismáticos fundadores faleceram, mas conseguiram prosperar depois disso.

Poucas companhias dessa estatura, no entanto, mostraram uma dependência tão aguda de seu fundador, ou o perderam no auge de sua carreira. Vários anos depois de Jobs ter sido demitido da Apple, em 1985, a companhia iniciou um declínio que a deixou à margem da indústria de computadores. Esse deslize foi revertido somente depois que Jobs retornou à Apple, em 1997.

Jobs também deixa para trás uma série de casos a respeito de seu estilo duro de gestão, como seu hábito de chamar os empregados ou suas ideias de "idiotas" quando não gostava de alguma coisa. Ele foi ainda mais combativo contra rivais como Microsoft, Google e Amazon. Quando a Adobe travou uma campanha pelo fato de a Apple não adotar o formato de vídeos Flash (da Adobe) em seus iPhones e iPads, em abril de 2010, Jobs redigiu um ensaio de 1,6 mil palavras sobre por que o software era ultrapassado e inadequado para aparelhos móveis.

O executivo-chefe manteve padrões intransigentes sobre os equipamentos e softwares da companhia, exigindo uma estética "insanamente espetacular" e facilidade de uso desde que o consumidor entrasse em uma das estilosas lojas da Apple. Sua atenção aos mínimos detalhes no processo de desenvolvimento e design foi determinante para moldar algumas das características mais marcantes dos produtos da Apple, enquanto suas apresentações meticulosamente planejadas ajudavam a disseminar uma empolgação que não se repetia em relação a seus pares.

Ao fim dos eventos para lançar novos produtos da Apple, Jobs frequentemente proclamava, de maneira endiabrada, "tem mais uma coisa", antes de revelar a notícia mais importante no fim de um discurso. Ele impunha um rígido sigilo aos funcionários da Apple, estratégia que acreditava elevar a expectativa pelos novos produtos da companhia.

Filho adotivo de uma família de Palo Alto, na Califórnia, Jobs nasceu em 24 de fevereiro de 1955. Sem nunca ter se formado na universidade, estabeleceu cedo sua reputação como um inovador da tecnologia quando, aos 21 anos, ele e o amigo Steve Wozniak fundaram a Apple Computer na garagem da casa da família Jobs em 1976. Jobs escolheu o nome, em parte, porque era fã dos Beatles e admirava o selo de discos do grupo, que se chamava Apple, conta o livro "Apple: The Inside Story of Intrigue, Egomania, and Business Blunders" (Apple: os bastidores de uma história de intriga, egomania e maus negócios, em tradução livre), escrito por Jim Carlton, repórter do "The Wall Street Journal".

Em 1977, a dupla lançou o Apple II, um computador inovador que era relativamente acessível e havia sido desenhado mais para o mercado de consumo de massa que para aficionados. O produto tornou-se um dos primeiros computadores pessoais bem-sucedidos, levando a Apple a um faturamento de US$ 117 milhões na época da oferta inicial de ações da companhia, em 1980. A emissão de ações, instantaneamente, transformou Jobs em multimilionário.

Nem todas as ideias iniciais de Jobs deram certo. Os computadores Apple III e Lisa, lançados em 1980 e 1983, respectivamente, foram um fracasso. Mas o Macintosh com seu desenho tudo-em-um - apresentado no comercial de TV inspirado no livro "1984", de George Orwell, que só foi exibido uma vez - marcaria o novo padrão para a criação de sistemas operacionais modernos, nos quais os usuários clicam em ícones com um mouse, ao invés de digitar comandos.

Mesmo nessa época, Jobs era meticuloso sobre detalhes de design. Bruce Tognazzi, um ex-especialista em interfaces da Apple, que entrou na companhia em 1978, disse certa vez que Jobs demonstrava, na época, insatisfação com o fato de o teclado das máquinas não incluir as teclas "para cima", "para baixo", "esquerda" e "direita", capazes de permitir aos usuários movimentar o cursor pela tela de seus computadores.

A busca de Jobs pela beleza estética às vezes beirava o extremo. George Crow, um engenheiro da Apple na década de 80, que voltou à companhia entre 1998 e 2005, lembra que Jobs queria que até o interior das máquinas fosse bonito. No Macintosh original, Crow diz que Jobs queria que os fios fossem das cores do arco-íris, que então compunha o logotipo da companhia. Crow diz que acabou convencendo Jobs de que fazer isso seria um gasto desnecessário.

Muitas ideias para o Macintosh surgiram de uma visita ao laboratório de pesquisa da Xerox, na cidade de Palo Alto, em 1979, onde Jobs viu uma máquina chamada Xerox Alto que tinha uma interface gráfica bastante rudimentar e um mouse. O episódio evidenciou um papel que Jobs assumiria por diversas vezes - o de refinador e popularizador de invenções já existentes.

"Picasso dizia que "bons artistas copiam. Artistas fantásticos roubam"", disse Jobs em um documentário da rede de TV americana PBS do meados dos anos 90 sobre a indústria de computadores. "Eu não tenho vergonha de roubar ideias fantásticas."

Mesmo em suas aparições públicas, Jobs parecia tentar cultivar mais a imagem de um artista do que a de um alto executivo. Em público, ele raramente se apresentava com outra roupa que não uma camisa preta de gola role, calça jeans da Levi"s e tênis de corrida da New Balance.

À medida que a Apple crescia, Jobs decidiu trazer para a empresa um executivo com mais experiência para tocar os negócios. Em 1983, ele recrutou John Sculley, então presidente da Pepsi, para comandar a Apple, convencendo o relutante executivo com a famosa pergunta: "você quer vender água doce para crianças, ou ajudar a mudar o mundo?"

Depois de a Apple ter sofrido uma queda subsequente, uma disputa pela liderança levou à decisão do conselho de apoiar Sculley e demitir Jobs dois anos depois, quando ele tinha 30 anos. "O que eu posso dizer, eu contratei o cara errado", suspirou Jobs no mesmo documentário da PBS. "Ele destruiu tudo o que passei 10 anos construindo".

Jobs então criou o NeXT Inc, uma empresa iniciante que, em 1988, introduziu um computador de mesa preto com software avançado que inicialmente mirava o mercado acadêmico de computadores. Mas a máquina foi prejudicada pelo preço exorbitante e algumas decisões-chave de design, incluindo o uso de um drive de disco óptico e um microprocessador da Motorola, em um momento no qual os chips da Intel e os drives de disquete tornaram-se a norma.

No fim, a NeXT desistiu de vender equipamentos e fracassou como uma companhia de software. Mas seu sistema operacional tornou-se a base para o OS X, o software que é a espinha dorsal dos Macs de hoje, depois da Apple ter comprado a NeXT por US$ 400 milhões em dezembro de 1996.

Em 1986, usando parte de sua fortuna obtida com a Apple, Jobs pagou US$ 10 milhões ao cineasta George Lucas para adquirir a divisão de computação gráfica da Lucasfilm. A companhia que ele formou a partir desses ativos, a Pixar Animation Studios, primeiro vendeu equipamentos, então passou para o software e, mais tarde, voltou-se para a produção de filmes. A Pixar acabou criando uma série de sucessos de animação computadorizada, de "Toy Story" à "Wall-E" em 2008. Jobs vendeu a Pixar para a Disney em janeiro de 2006 em um acordo de US$ 7,4 bilhões que lhe deu um assento no conselho e o tornou o maior acionista da gigante do setor de entretenimento.

Enquanto isso, a Apple começou a naufragar. Os computadores usando os chips Intel e os software da Microsoft cresceram a ponto de dominar o mercado, uma tendência que se acelerou depois que o Windows, da Microsoft, absorveu muitos elementos da interface visual dos computadores Mac.

A Apple tinha de financiar internamente tanto o desenvolvimento de equipamento quanto de software. Poucos desenvolvedores de aplicativos criaram produtos para tornar o Machintosh mais útil. A Apple, no fim, decidiu licenciar seu sistema operacional para outras companhias de equipamentos, mas era tarde demais para reverter o movimento em direção às máquinas com Windows.

Em 1997, a Apple acumulava quase US$ 2 bilhões em perdas em dois anos; suas ações estavam nos níveis mais baixos de sua história, e a companhia passava por seu terceiro executivo-chefe, Gil Amelio, em quatro anos. Oito meses após um acordo para comprar a NeXT, em dezembro de 1996, Amelio foi deposto e Jobs nomeado executivo-chefe interino, um título que se tornou permanente em janeiro de 2000. Um ex-funcionário da Apple lembra que logo após o seu retorno, Jobs brincava que "os loucos tinham tomado conta do asilo e nós podemos fazer o que quisermos".

Jobs, que recebia um salário de US$ 1 por ano, junto com opções de ações da Apple, fez uma série de mudanças que rapidamente começaram a dar retorno. Ele acabou com o incipiente programa de licenciamento de software que criou clones do Mac, matou o problemático computador portátil Newton e enxugou uma confusa série de modelos Mac para um pequeno número de sistemas focados no mercado consumidor.

Aqueles que conheceram Jobs dizem que uma razão para ele se manter capaz de continuar inovando era o fato de que ele não se prendia a conquistas do passado ou ao legado, mas continuava olhando para frente e exigia que os funcionários fizessem o mesmo. Hitoshi Hokamura, ex-funcionário da Apple, recorda como um velho computador Apple I exposto na cafeteria da empresa desapareceu silenciosamente depois que Jobs regressou na segunda metade dos anos 90.

"Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço de evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder", disse Jobs, em uma palestra inaugural na Universidade de Stanford, em junho de 2005, quase um ano depois de ser diagnosticado com câncer.

>>>

Washington Novaes. Fugir à corrupção e à incompetência

Washington Novaes O POPULAR/GO 06.10

-

Todos os dias, os cidadãos brasileiros indignam-se diante do noticiário sobre escândalos políticos, desvio de recursos públicos, obras inacabadas ou nem iniciadas, com a apropriação indevida de verbas etc. E pergunta-se como fará a sociedade para impedir que isso tudo aconteça e os recursos provenientes dos impostos pagos pelas pessoas, em tudo o que consomem, acabem tomando caminhos inaceitáveis, em proveitos de poucas pessoas - políticos ou não, já que em geral se publica apenas o nome dos corrompidos, raramente o dos corruptores. E nada acontece com estes.

Ainda há poucas semanas, o jornal Folha de S. Paulo publicou todo um caderno para mostrar que os escândalos políticos que povoam as páginas dos jornais são quase nada perto da corrupção que cerca o desvio de dinheiros públicos destinados a obras e outros projetos: estimou-o em nada menos de R$ 60 bilhões no País em uma década, média de R$ 6 bilhões por ano (equivalentes a cerca de metade da arrecadação anual de um Estado do porte de Goiás). Com esses recursos - observou o jornal - seria possível reduzir de 25,5 milhões para 11,1 milhões o número de residências sem rede de coleta de esgotos (sem falar no que isso reduziria o número de pessoas com doenças veiculadas pela água e seus custos para a saúde). Seria possível ampliar em 23% o número de famílias atendidas pela respectiva Bolsa. Aumentar em 2,5 anos a expectativa de vida da população até 2021. E isso apenas nos escândalos mais conhecidos, entre os quais relaciona o caso Collor/PC, o caso Maluf/Pitta, o do TRT de São Paulo, o da Sudam em 2001, a Operação Anaconda, o Mensalão, a Máfia dos Sanguessugas, a Operação Navalha, o Mensalão do DEM de Brasília. Todos eles envolvendo figuras de destaque na política, grandes construtoras etc. Uma boa síntese diria que o volume de dinheiro envolvido significa quase dois anos de todo o produto nacional bruto da Bolívia.

Mas esse não é o único caminho questionável. A Bolsa-Banqueiros, diz o jornal O Estado de S. Paulo (27/8), significa de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões anuais, parte do que o governo federal paga em juros a bancos, graças à mais alta taxa real de juros no mundo. A Bolsa-Empresários significa R$ 30 bilhões em subsídios pagos a empresas diversas (inclusive automobilísticas), a pretexto de manter preços competitivos no consumo interno. A Bolsa-Mutuários R$ 32 bilhões em subsídios da Caixa Econômica Federal a compradores de imóveis. Somados esses valores, tem-se o equivalente a quase oito anos de Bolsa Família, que beneficia cerca de 12 milhões de pessoas, ou 40 milhões se somados seus dependentes. Para manter as reservas internacionais do País, de US$ 352,5 bilhões, são de 50 a 60 bilhões de reais por ano. E em 12 meses os juros com o serviço da dívida pública chegam a R$ 224,8 bilhões (a dívida está em R$1,54 trilhão ou 39% do PIB).

Diante desse quadro, pergunta-se muito o que fará a sociedade. Nos artigos deste escriba, tem sido dito muitas vezes que a sociedade limita-se a uma posição de "retórica indignada": fica enfurecida com o que lê ou ouve, mas em geral não é capaz de organizar qualquer reação; permanece passiva. Parte desse comportamento deriva do fato de que uma porção considerável da sociedade também sonega impostos (com o pretexto de que não vai dar dinheiro para a corrupção), corrompe de guardas de rua a autoridades, fura filas, desrespeita regras do trânsito e de proteção a pedestres etc. Não consegue, também por isso, organizar grupos, discutir os temas, chamar para a discussão membros do Ministério Público, formular projetos e políticas que leve ao campo eleitoral. Por isso, tudo segue no mesmo caminho.

Para complicar um pouco mais, a abertura da comunicação através da internet favorece que a postura de inconformidade quase se limite a esse âmbito. E mesmo quando chega a âmbitos mais amplos e concretos, costuma estar pulverizada. Não se vivem mais tempos em que grupos organizados e que iam para as ruas catalizavam, com poucas palavras de ordem, adesões imensas.

Isso não quer dizer que não haja nenhuma eficácia em movimentos nascidos nesse âmbito - as revoltas em nações árabes são prova do contrário. Mas, pelo que tem acontecido até aqui nesses países, os antigos governantes são afastados sem que se saiba exatamente o que vai ser proposto pelos novos ocupantes, em meio a múltiplas reivindicações de naturezas diversas - e que vão de mais liberdade para mulheres a mais emprego para jovens, do fim de ditaduras de décadas à anulação de alianças que pareciam eternas.

Se é assim, parece claro que o caminho está em a sociedade organizar-se em grupos, decantar e discutir os temas mais frequentes em todos os grupos, formular projetos capazes de aperfeiçoar os caminhos institucionais, levar essa pauta para a política. Retórica indignada, apenas, não nos fará avançar.

>>>>

CORREIO

Brasília em Goiânia// Braxília, curta-metragem sobre o poeta Nicolas Behr, será exibido hoje à noite na 11ª Goiânia Mostra Curtas, no Teatro Goiânia. Premiado em Brasília, Recife e São Paulo como melhor filme pelo júri popular, o curta — produzido pela Cor Filmes, roteirizado e dirigido por Danyella Proença — recebeu também o prêmio de melhor trilha sonora para Dado Villa-Lobos.

>>>>

ARTES CÊNICAS » Shakespeare feminino

Em cartaz no Pavilhão de Vidro do CCBB, montagem investiga o ponto de vista de famosas personagens do bardo inglês apontando questões como o machismo Correio BSB 06.10

-

Nas obras de Shakespeare, as linhas são tomadas por referências à paixão, ao ciúme, à raiva, à inveja à ambição — sentimentos extremos que traduzem grandes histórias. Nesse universo, as mulheres estão inseridas nem sempre como protagonistas, mas como um bloco fundamental na construção dessas narrativas. A partir desse aspecto, o Núcleo de Pesquisa Teatral Ossos do Ofício encena Lady Shakespeare, espetáculo que recria as mulheres das peças MacBeth, Romeu e Julieta, Otelo, Noite de reis e Hamlet.

A ideia não é original e outras companhias brasileiras já analisaram Shakespeare pela mesma ótica, mas o diretor Marcelo Alves aponta, como novidade, os detalhes que abordam a sensibilidade e a sutileza feminina. A peça está em cartaz de hoje a domingo, às 20h, no Pavilhão de Vidro do Centro Cultural Banco do Brasil, com temporada até 23.

Interpretadas pelas atrizes brasilienses Daniela Vasconcelos, Hanna Reitsch, Giselle Ziviank, Leila Raquel, Letícia Abadia e Tatiana Bittar, as personagens dessa montagem foram calcadas no ponto de vista de tipos como Lady MacBeth, Julieta, Desdemona, Viola e Ofélia. “ Apesar de Shakespeare ser um autor clássico rebuscado, ele traz uma proximidade com o público. Quem nunca viu em uma novela das oito histórias com base na dramaturgia do bardo? Com marido que mata mulher por ciúmes e casais de namorados de famílias inimigas? Isso acontece tanto em filmes blockbusters quanto em cults franceses”, observa Marcelo Alves.

O machismo nas obras de Shakespeare, por exemplo, foi algo apontado por Marcelo durante o estudo dos textos do dramaturgo. “Vimos dentro que existe um comportamento machista porque todas morrem — exceto Viola (Noite de reis) que não sucumbe porque se veste de homem. Os homens de Shakespeare são dotados de uma dialética, mas nenhum deixa de ter uma mulher por trás”, analisa o diretor.

Esse é o terceiro trabalho que Marcelo Alves assina ao lado de Débora Aquino. Juntos, eles saíram do grupo Celeiro das Antas — onde estiveram por 12 anos — e fundaram o coletivo que, neste ano, comemora uma década. Antes de Lady, a dupla mergulhou no universo feminino da obra da poetisa Cora Coralina, com o espetáculo Flor do beco — Corai por nós, encenado de fevereiro de 2006 até o fim de 2009, em mais de 20 casas de espetáculos e 15 festivais.

Partituras corporais

Técnica utilizada por Marcelo Alves e Débora Aquino para a criação da peça, a dança pessoal é fruto de um trabalho de pesquisa conjunta que propõe a encenação a partir de movimentos físicos estimulados por sons externos. São as partituras corporais, como chamam os realizadores. Um trabalho focado no conhecimento do corpo do ator, com o movimento interferindo na voz e vice-versa. “A dança pessoal propicia uma verdade corporal sem que a atriz precise estar onde o personagem está. Se ela fala da Dinamarca ou de Verona, a gente consegue trazer uma verdade cênica para o espetáculo”, exemplifica Marcelo.

A cenografia é baseada na montagem clássica com elementos contemporâneos. A proposta não é deixar apenas bonito, mas criar o espaço da personagem. Para isso, foi uma concebida uma arena no Pavilhão de Vidro do CCBB. As atrizes encenam cinco monólogos com pouquíssimas interações. Elas só interagem quando há uma história em comum, conexões escritas por Shakespeare.

O iluminador Moisés Vasconcellos é uma figura importante em Lady Shakespeare. Ele é responsável por dar movimento à história e mostrar as variações das personagens. As luzes tornam o espetáculo apresentável em qualquer espaço: na rua, em teatro de arena ou até mesmo em uma casa antiga, como brincou Marcelo Alves. “Queremos ganhar mobilidade e levar Shakespeare aonde ele queria ir quando escreveu essas histórias”, conta.

>>>

"O existencialismo ditou minha vida", diz Fernanda Montenegro. Aos 82 anos, a atriz reestreia "Viver sem Tempos Mortos", que a fez reavaliar sua trajetória. Peça, que marca sua primeira experiência como dramaturga, é homenagem à filósofa Simone de Beauvoir FOLHA SP 06.10

-

Fernanda Montenegro conversa com a plateia da periferia de São João de Meriti, no Rio, após a apresentação de "Viver sem Tempos Mortos".

No monólogo, que reestreia no sábado em São Paulo, a atriz interpreta Simone de Beauvoir (1908-1986). Uma mulher contesta o ícone francês do feminismo apresentado em cena: "Essa mulher [Beauvoir] não tem liberdade coisa nenhuma. Livre sou eu, que trabalho, sustento meus dois filhos e não fico presa a homem", diz.

A atriz sorri ao perceber que testemunha, meio sem querer, uma homenagem a Simone de Beauvoir. "Essa espectadora não sabe que só pode falar assim e viver desse jeito por causa de Simone. Ao lutar por liberdade sexual e de pensamento, ela abriu caminhos ao feminismo." A peça homenageia a escritora e filósofa francesa: "O existencialismo ditou minha vida", diz a atriz de 82 anos.

"'O Segundo Sexo' foi um livro básico da minha geração, de mulheres adolescentes no pós-guerra. O mundo estava destruído. O existencialismo surgiu como resposta."

E hesita, antes de concluir que as ideias dela são em parte suas. "A vivência não foi a mesma. Minha origem é operária. Sempre vivi a realidade da luta social. Mas concordo com o pensamento dela. Creio no que digo em cena."

Esta é sua primeira incursão na dramaturgia. Durante dois anos, mergulhou nas correspondências e notas autobiográficas da escritora. Isso a obrigou a repensar sua vida: "Reavaliei meus 80 anos. Refleti sobre o que conquistei, como formei família e meus propósitos de par com o homem a quem me liguei".

Das 200 páginas selecionadas, ficaram 30. Foi então que a atriz procurou o encenador Felipe Hirsch e lhe perguntou se aquilo "dava teatro".

Até hoje, dois anos após a estreia da peça, não sabe se deu: "Não é um espetáculo. Não tem histrionismo na atuação, no cenário, na direção ou na iluminação", explica.

Com o mínimo de recursos, faz uma interpretação desdramatizada: "Não quis fazer uma exibição barroca do pensamento de Simone".

VIVER SEM TEMPOS MORTOS

QUANDO sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 18h; até 27/11

ONDE teatro Raul Cortez - Fecomércio (r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. 0/xx/11/3254-1700)

QUANTO de R$ 80 (sex. e dom.) a R$ 100 (sáb.)

CLASSIFICAÇÃO 14 anos

>>>

JUSTIÇA. Ministro do STF diz ser 'impossível' conselho sem poder de punição FOLHA SP 06.10

DE BRASÍLIA - O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux afirmou ontem que é "impossível" imaginar o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sem o poder de punir magistrados que cometeram irregularidades.

"Ninguém pode imaginar o Conselho Nacional de Justiça sem poder e é impossível que ele não possa punir juízes faltosos", disse Fux.

O ministro é citado pelos colegas como responsável por apresentar solução intermediária quando o Supremo julgar ação da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que questiona os poderes do conselho.

Segundo a Folha apurou, a tendência é que o STF diga que cabe às corregedorias locais o início das investigações contra magistrados, mas crie série de regras para trazer ao CNJ os casos que não avançarem nos Estados. A análise sobre o caso já foi adiada três vezes. Ontem, o julgamento também não ocorreu.

>>>

A solução não será dada pelo mercado. JOSÉ VIEGAS FILHO. A ansiedade e a pressão especulativa que marcam as finanças internacionais estão longe de servir de bússola às decisões dos governos FOLHA SP 06.10

Nada indica que haja uma saída para a crise europeia -e mesmo mundial- que não envolva uma recessão prolongada, possivelmente associada a fortes flutuações e violentos impactos financeiros.

Recordemos que toda essa situação foi produzida pela euforia das grandes corporações financeiras, que durou até 2008 e nos levou à crise, sem a "ajuda" de ninguém -nem comunistas, nem terroristas, nem anarquistas, nem operários rebeldes- e na vigência da mais ampla desregulação e livre-iniciativa.

Embora seja impossível isolar inteiramente as duas coisas, é útil considerar a situação separadamente, do ponto de vista dos governos e do ponto de vista da elite financeira. Governos à parte, a atuação do mercado, no manejo das dívidas dos países mais fragilizados, tem sido tumultuada e tumultuosa.

Os números são erráticos, as reações são imediatistas, não refletidas e apresentam uma tendência a dramatizar dificuldades, criando grandes oscilações que produzem sensíveis perdas e ganhos financeiros. Ganha quem joga pesado.

A ação do mercado reage apenas às questões imediatas e se implementa por meio de programas de computadores para os quais a noção de longo prazo sequer existe e cuja sensibilidade política e social é, por definição, igual a zero. Essa ação tem como objetivo inegável ganhar dinheiro a curto prazo. Na hora de tomar decisões estratégicas, os governos não encontram nenhum apoio na parafernália tecnológica do mercado financeiro.

No entanto, essa força não encontra quem a contenha, e sua importância para a gestão das coisas públicas e privadas é onipresente e permanece inquestionada. A ação do mercado continua a ser a referência principal a guiar as ações dos governos.

Mas o que se vê é que a ansiedade e a pressão especulativa que têm caracterizado as finanças internacionais estão longe de ser a melhor bússola para as decisões dos governos. A atuação estreita e reativa do mercado é antes fator de perturbação do que de sensatez.

Os governos do hemisfério Norte se endividaram para evitar o colapso do mercado financeiro em 2008, usando trilhões de dólares do dinheiro dos contribuintes para corrigir os erros da própria elite financeira. Em decorrência disso, as economias nortistas entraram em estagnação. Os governos, agora, têm que cortar gastos sociais, deixando suas populações carentes de serviços básicos e sob a constante ameaça do desemprego. E o mercado exige dos políticos a austeridade que ele próprio não mostrou ter.

Assim é que os governos dos países do Norte, já carentes dos instrumentos de ação que foram dissolvidos pela onda antirregulatória, tampouco são capazes de impor um rumo sólido à economia. Seguindo, com unanimidade, a mesma lógica liberal que levou à situação em que se encontram, continuam tentando aplicar uma solução de mercado a uma situação para a qual este não oferece contribuição.

Saudades de Nelson Rodrigues, que nos ajudou a superar o "complexo de vira-lata" e nos deu sábios conselhos sobre a "unanimidade".

JOSÉ VIEGAS FILHO é embaixador do Brasil na Itália. Foi ministro da Defesa (2004-2005) e embaixador do Brasil na Dinamarca (1995-98), na Rússia (2001-2002) e na Espanha (2005-2008), entre outros

>>>

PASQUALE CIPRO NETO. A informática e suas armadilhas. Quando essa gente a quem pensar dói interfere na nossa vida... Aula de lógica neles! Que tal aprender a prever? FOLHA SP 06.10

-

NA SEMANA passada, mencionei a falta que fazem as aulas de filosofia no ensino médio. Na verdade, não é só no ensino médio que elas fazem falta. A julgar pelo que se vê nas decisões tomadas por profissionais de nível superior de diversas áreas do saber, também na universidade a filosofia e a lógica parecem artigo raro.

Um bom exemplo se vê nos "corretores ortográficos" de certos programas instalados nos computadores. Escrevo este texto no Word e vejo que o tal corretor me "corrigiu" quando, no parágrafo anterior, escrevi "a falta que fazem as aulas...". O geniozinho quer que eu troque "a falta que fazem as aulas" por "as faltas que fazem..." Sem comentário.

Bem, pensando melhor, com comentário (com perdão pela cacofonia de "com comentário"). A coisa já começa mal no nome da tal ferramenta ("corretor ortográfico"). Como se sabe, a ortografia se ocupa da sistematização da grafia, que deve seguir as convenções adotadas. Se houvesse "erro" (não há) em "a falta que fazem as aulas de filosofia" e se o certo fosse "as faltas que fazem as aulas...", o problema seria de sintaxe, e não de ortografia.

Se o corretor ortográfico quiser ser de fato um corretor ortográfico, deve limitar-se a apontar erros de grafia, ou seja, deve grifar "excessão", "ascenção", "hortência" e casos afins. E é só o que o infeliz do programa consegue fazer direito, visto que, se alguém escrever "secretaria" em vez de "secretária", "esta" em vez de "está", "saia" em vez de "saía" ou "republica" em vez de "república", o "corretor" nada dirá, por uma razão bem simples: ele lê mal, ou melhor, não sabe ler mesmo.

Quem programa esses programas (com novo perdão, desta vez pela redundância) ainda não conseguiu fazer algo efetivamente bom no que diz respeito a apontar problemas de construção de texto (nexo, concordância, propriedade vocabular etc).

Quer ver outra delícia da informática? Prepare-se. A greve dos correios nos priva do recebimento de diversas contas, cujos emissores querem que nos lasquemos, ou seja, ou pagamos em dia ou pagamos em dia, do contrário...

Pois bem. Entrei no site de uma das empresas que me prestam (des)serviço. Entrei, é claro, para obter a segunda via da conta (a primeira deve estar presa em alguma montanha de correspondência não entregue). Descobri que é preciso cadastrar-se para obter a segunda via. Lá fui eu, fiel cordeirinho. Preenchi isto e aquilo até que... Até que se pedem duas informações que se obtêm numa conta da tal empresa... Belíssima piada, e das brabas!

Como posso ter à mão dados que constam numa conta da empresa se estou pedindo a segunda via de uma conta dessa empresa? Antes que alguém diga que basta pegar uma conta antiga... É melhor parar! Se estou no inferno, não tenho conta antiga comigo (há coisas melhores para levar para o inferno). Se quero pagar a conta atual, como faço, senhores gênios? Penduro-me no e ao telefone, ouço aqueles menus iniciais mais do que idiotas e espero sabe Deus quanto tempo até que alguém se disponha a me fornecer o código de barras, que terei de anotar ? E se estou no exterior? Como faço? Elaiá!

O fato, caro leitor, é que a muita gente pensar dói, mas, quando essa gente a quem pensar dói interfere na nossa vida... Aula de lógica neles! Que tal aprender a pensar, por exemplo, em "se isto, então aquilo"? Que tal aprender a prever? É isso.

>>>

Impacto da produção das universidades do país ainda é bastante medíocre FOLHA SP 06.10

-

A equipe responsável pelo ranking produzido pela Times Higher Education devotou um ano para coletar dados sobre um número imenso de instituições.

Evidentemente, pode-se esperar algumas distorções ou imprecisões dos dados informados pelas instituições.

Mas o ranking aponta com clareza as instituições que disputam os primeiros lugares na escala de prestígio acadêmico internacional.

Uma outra questão é se a metodologia é adequada para classificar todas (ou quase todas) as universidades do mundo, pois os indicadores que distinguem os primeiros da lista não funcionam para as últimas posições.

Por analogia, imagine uma classificação da riqueza que considere indicadores como a propriedade de iates e carros de luxo. Para classificar os mais ricos, essas informações podem ser boas, mas não para os demais.

Os resultados para as duas paulistas USP e Unicamp, especialmente se consideramos os saltos de um ano ao outro, falam mais da imprecisão desses rankings do que de melhoras ou pioras reais. Não há dúvida de que essas duas instituições representam o que há de melhor no Brasil.

O ranking acerta ao colocar as duas melhores universidades brasileiras na posição mediana de sua lista. Embora a produção acadêmica agregada do Brasil tenha crescido, seu impacto ainda é bastante medíocre.

Nossa pós-graduação é grande em números, mas ainda provinciana. Nossas universidades mostram pouquíssimo apetite pelas competências formadas lá fora, seu modelo de governança é arcaico e auto referenciado.

O dado mais preocupante do ranking é o fato da USP e da Unicamp serem as únicas instituições dentre as nossas 100 universidades públicas em condições de disputar uma posição, ainda que apagada.

ELIZABETH BALBACHEVSKY é professora do Departamento de Ciência Política e pesquisadora do NUPPs da USP.

>>>

O vício pela virtude. O Globo - 06/10/2011

-

Você está no peso ideal, colesterol abaixo de 100, pressão 12 por 8, boa alimentação, exercícios em dia - e quer saber? Você está em desvantagem. Não tem como melhorar. Suponha que fique doente. O que o médico poderia recomendar para aperfeiçoar sua qualidade de vida?

Bem diferente se você estivesse gordinho e meio paradão. Haveria ampla possibilidade de ação e melhoria.

Foi com esse tipo de lógica que o ministro Mantega andou demonstrando uma suposta superioridade brasileira no cenário de crise mundial. Lembrou, por exemplo, que em muitos países a taxa de juros está próxima de zero - de modo que seus bancos centrais, coitados, não dispõem de poderoso instrumento de estímulo à economia. Já o BC brasileiro, que pilota a maior taxa de juros do mundo, teria ampla possibilidade de reduzi-los várias vezes.

Assim, um dos piores vícios brasileiros, o juro descabido, se transforma em virtude. Mas, se essa lógica faz sentido, também faria sentido derivar daí uma recomendação de política monetária: que os BCs mantivessem juros elevados para poder reduzi-los em caso de necessidade. E isso nos levaria a uma contradição em termos: na crise, os juros não poderiam ser reduzidos porque se perderia o instrumento.

Vai que o BC brasileiro coloca a taxa de juros a zero e a economia continua exigindo mais estímulo, que fazer? Parece absurdo, é absurdo, mas é isso que estão nos dizendo: teria sido enorme sabedoria manter os juros mais altos do mundo.

Não é incrível que apareça esse tipo de questão em meio a um momento difícil e complexo da economia global?

É claro que os BCs que já reduziram os juros não têm mais o que fazer nessa direção. Mas os juros no chão continuam fazendo o serviço de baratear consumo e investimentos.

Portanto, vamos reparar: em qualquer circunstância, os juros brasileiros constituem vício. E formam o sintoma mais visível de diversas doenças da economia local, incluindo dívida pública elevada e com rolagem curta, gasto público exagerado e baixo nível de investimento.

Aplicaram a mesma manobra mental aos compulsórios - dinheiro que os bancos devem deixar depositado no BC -, também os maiores do mundo aqui no Brasil. Com tanto dinheiro retido, quando surge algum problema de liquidez, como falta de dinheiro e crédito na praça, o nosso BC pode liberar recursos do compulsório.

Do mesmo modo que na lógica dos juros altos, o correto seria aumentar o compulsório para poder reduzi-lo quando ocorresse algum problema. Outro vício que virou virtude.

Reparem: compulsório é dinheiro retirado do sistema financeiro, que tem reduzida sua capacidade de emprestar para empresas e pessoas. É vício, sintoma de uma economia doente que não pode conceder crédito abundante.

Olhando bem, juros altos e compulsórios elevados são duas faces do mesmo vício. Decorrem das necessidades de um governo gastador, que avança no mercado para se financiar, e do baixo nível de investimentos. Dito de outro modo: com juros baratos e mais dinheiro disponível, o crédito cresceria e ampliaria a capacidade de investimento e consumo de empresas e pessoas. E isso traria mais inflação, porque a oferta de bens e serviços ficaria muito abaixo dessa demanda turbinada.

Sim, é verdade que, em muitos países, juros muito baixos, por muito tempo, e muito dinheiro disponível levaram a bolhas e excessos de gastos públicos e privados. O momento, pois, é de maior prudência.

Não decorre daí que é melhor ter crédito caro e limitado. E, se for para escolher o problema, é melhor a abundância do que a falta de crédito.

E, na mesma linha de dar lições ao mundo, a presidente Dilma Rousseff disse aos europeus que ajustes fiscais (das contas públicas) são até prejudiciais quando muito rigorosos. Citando experiência brasileira, disse que era melhor estimular consumo e investimento, que teria o seguro anticrise.

Ora, é o contrário: a economia brasileira tornou-se mais resistente depois e graças ao pesado, rigoroso e longo ajuste fiscal feito no segundo mandato de Fernando Henrique e no primeiro de Lula. Com FHC, houve contenção de gastos públicos, aumento de impostos, privatizações e reformas estruturais, como a da Previdência, além da eliminação das dívidas dos governos estaduais. E Lula ampliou o superávit primário a nível recorde, conseguindo a redução do endividamento.

Exigiu esforço e desgaste político, mas foi o que salvou o Brasil, uma virtude da política ortodoxa. E é o que muitos europeus precisam fazer.

Mas, se eles tentarem seguir as lições das autoridades brasileiras, ficarão bem atrapalhados. A presidente recomenda que estimulem a economia com gastos públicos maiores e juros menores. Depois o ministro sugere que ter juros altos é uma vantagem relativa. Emagreçam, mas engordem antes.

Eis como a consciência culpada dos petistas (por terem aplicado uma política econômica clássica) os leva a tomar vícios por virtudes e a esquecer das virtudes praticadas. Outro caso de personalidade dividida.

>>>

TST discute projeto sobre terceirização. Econômico - 06/10/2011

No segundo dia de audiência pública no Tribunal Superior do Trabalho (TST), para discutir a terceirização, o presidente da Corte, ministro João Oreste Dalazen, manifestou ressalvas quanto às mudanças trazidas pelo projeto de lei do deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), que amplia as possibilidades de subcontratação de mão de obra.

A proposta de Mabel acaba com o atual critério da atividade-fim, usado pelo TST para definir o que não pode ser terceirizado. O projeto também deixa claro que a tomadora de serviços responde subsidiariamente por dívidas trabalhistas da empresa terceirizada - ou seja, a contratante só pode ser acionada se a terceirizada não pagar débitos reconhecidos judicialmente. Ontem, o deputado afirmou na audiência que o projeto deve ser aprovado neste mês pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). "Temos que acabar com essa história de superproteção do trabalhador terceirizado", disse Mabel.

Já o presidente do TST defendeu que a responsabilidade da tomadora de serviço seja solidária - assim, a empresa contratante também responde por dívidas trabalhistas da terceirizada. "Seria um avanço social e induziria as empresas que contratam a prestação de serviços a participar mais do processo de fiscalização", afirmou. O ministro se manifestou pela manutenção do critério de limitar a terceirização às atividades-meio e especializadas. "A terceirização na atividade-fim é, na minha opinião, a negação do direito do trabalho."

Dalazen disse que irá encaminhar as informações coletadas na audiência ao Congresso. Nos dois dias de discussão, 50 representantes de empresas e trabalhadores, além de pesquisadores e advogados, intercalaram falas defendendo e criticando a terceirização. Ontem, do lado de fora do tribunal, trabalhadores fizeram uma manifestação contra o aumento da terceirização.

>>>

Nenhum comentário: