domingo, 16 de outubro de 2011

Elas na fita. Participação feminina no 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chama a atenção para o talento de cineastas e revela uma nova safra de diretoras da cidade CorreioBsB 15.10

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Danielle Araújo e Jackeline Salomão lançaram no festival o curta Um pouco de dois, projeto de conclusão do curso de audiovisual da UnB

Elas vieram para ficar. Nas fichas técnicas de filmes, nomes femininos encabeçam listas como diretoras, produtoras e profissionais das mais diferentes áreas. Prova disso foi a expressiva participação das mulheres na 44ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Na mostra competitiva de longas-metragens, Ana Rieper arrebatou a plateia com o documentário Vou rifar meu coração; Juliana Rojas mandou bem com o intrigante Trabalhar cansa (codirigido por Marco Dutra); e Tata Amaral levou, por Hoje, nada menos do que cinco prêmios — inclusive o principal deles, o Candango de melhor filme.

Na disputa dos curtas-metragens, a grande vencedora foi a paulista Thais Fujinaga, que levou os troféus de melhor filme, melhor direção e prêmio da crítica. Também chamaram a atenção Três vezes por semana, de Cris Reque; A mala, de Fabiannie Bergh; Cafeka, de Natália Cristine; Menina da chuva, de Rosaria; Quindins, de Guiliana Danza e David Mussel; e Um pouco de dois, mistura de documentário e ficção das brasilienses Danielle Araújo e Jackeline Salomão.

Trabalho de conclusão do curso de audiovisual na Universidade de Brasília, Um pouco de dois foi rodado num espaço de oito meses, entre janeiro e agosto de 2010. É o segundo curta profissional de Danielle Araújo (em 2008, ela lançou no festival

Tira-gosto de poeta) e o primeiro de Jackeline Salomão. “O fato de ter sido selecionado para o festival foi um marco muito importante na minha carreira. Isso foi o meu grande prêmio. E só confirmou minha relação com Brasília e meu amor pelo festival”, diz a entusiasmada Jackeline, de 25 anos. Seu projeto anterior, o clipe Aluga-se vende-se, do Móveis Coloniais de Acaju, resultou em três prêmios (um na Argentina e dois no Brasil) e destaque na cena brasiliense.

Fã de Sofia Coppola, Jackeline enxerga na cineasta nova-iorquina questões fundamentais para a prática de um bom cinema. “Em Encontros e desencontros, ela traz muito essa coisa feminina da solidão, mas com muita delicadeza e silêncio. Admiro-a e me espelho nela”, comenta. “Do Brasil, destaco Laís Bodanzky, que tem um olhar voltado para a infância e a adolescência, sem ser caricato. São muitos os filmes legais dirigido por mulheres. Não é para brigar com os homens, é para mostrar que elas também sabem fazer cinema, de forma diferente”, pontua.

Danielle Araújo, 28 anos, também cita o trabalho de Laís Bodanzky como referência, assim como as realizações das cineastas Miranda July e Agnés Varda e as experimentações visuais da artista Grete Stern. “Sempre fui uma apreciadora do cinema”, ressalta. “E mais ou menos aos 12 ou 13 anos comecei a fazer experimentações com uma câmera VHS do meu pai. Foi somente em 2003, quando ingressei na Universidade de Brasília, que percebi que

realizar filmes de forma menos amadora era possível.”

Com apenas dois curtas no currículo, Danielle nunca teve de encarar uma situação de “machismo explícito”. “Pelo contrário, sempre tive muitas parcerias”, reforça. Sua colega na direção de Um pouco de dois, Jackeline, também não vê preconceitos contra a mulher que faz cinema: “A desconfiança é maior por causa da idade”. A visão é compartilhada por Bruna Carolli, diretora do curta Sonhando passarinhos, exibido na Mostra Brasília do festival. “Nunca tive problemas por ser mulher, mas a idade conta muito. As pessoas questionam o tempo todo se você é bom ou não pelo tempo de carreira que você tem”, diz a brasiliense de 23 anos.

Rafaela ganhou prêmio da Câmara Legislativa pelo filme A arte de andar pelas ruas de Brasília

Fora de nichos

Premiada com o segundo lugar do Troféu Câmara Legislativa pelo curta-metragem A arte de andar pelas ruas de Brasília, um dos títulos da Mostra Brasília, Rafaela Camelo, de 25 anos, acredita que existe uma nova safra de cineastas mulheres na cidade, mas não um nicho “cinema feminino”. “Na faculdade, tive professoras mulheres que também são realizadoras, cineastas, documentaristas. Porém, há muita gente fazendo filmes: são homens, mulheres, pessoas do Plano Piloto, das cidades-satélites”, observa.

Na época da universidade, Rafaela teve uma musa da sétima arte para decidir um caminho importante. Então estudante de audiovisual na UnB, ela queria fazer um intercâmbio, “mas não sabia onde”, quando descobriu que existia uma vaga em Salta, na Argentina, e que, naquela cidade, tinha nascido Lucrecia Martel. “Pensei: ‘Que máximo! Quero ir para lá’. Sei que não é o jeito certo de tomar uma decisão dessas, mas foi um bom semestre”, recorda.

Diretora de Mulheres de 50, também exibido no festival, Patrícia Antunes, 38 anos, conta que “foi engolida pela necessidade de fazer cinema”, apesar das mil e uma dificuldades de realizar um filme. “É como se você aprendesse a abrir uma porta, descobrisse que tem uma chave. Daí, tudo o que você quer dizer, todas as questões que gostaria de gritar ou sussurrar pro mundo, você o faz por meio dos filmes. Isso alivia a alma”, diz ela, que é formada em psicologia e estava grávida de seis meses quando rodou Mulheres de 50, um documentário que discute padrões de beleza impostos pela mídia e a violência contra a mulher. “Quando o filme termina, fica um vazio. Mas logo vem outra questão, que o faz mover e locomover como um louco. É uma necessidade vital.”

Na telona do Cinema Voador

Este ano, paralelamente ao 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, quatro mostras foram exibidas em várias cidades do Distrito Federal, como Ceilândia, Taguatinga, Planaltina e Sobradinho. Entre elas, a Mostra Diretoras Premiadas, que tem encerramento hoje, no Cinema Voador do Gama (Praça Ponto de Encontro), com sessão, às 19h30, de Que bom te ver viva, de Lúcia Murat. A escolha dos títulos foi baseada em diversos critérios, entre eles episódios marcantes em suas exibições na mostra competitiva. A hora da estrela, de Suzana Amaral, por exemplo, foi o filme mais premiado da história do festival. Já Laís Bodanzky, em 2000, viu o protagonista de seu longa-metragem Bicho de 7 cabeças, Rodrigo Santoro, ser vaiado no palco durante a apresentação da equipe. A surpresa veio minutos depois com aplausos calorosos no fim da sessão.

E os Candangos foram para…

LONGA-METRAGEM

Filme: Hoje, de Tata Amaral

Direção de arte: Vera Hamburger (Hoje)

CURTA-METRAGEM

Filme: L, de Thais Fujinaga

Direção: Thais Fujinaga (L)

Direção de arte: Raquel Rocha (Premonição)

PRÊMIO DA CRÍTICA

Longa-metragem: Hoje, de Tata Amaral

Curta-metragem: L, de Thais Fujinaga

PRÊMIO VAGALUME (DO PROJETO CINEMA PARA CEGOS)

Animação: Menina da chuva,

de Rosaria

TROFÉU CÂMARA LEGISLATIVA (PARA FILMES DE BRASÍLIA)

CURTA-METRAGEM

Segundo lugar: A arte de andar pelas ruas de Brasília, de Rafaela Camelo

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Affonso Romano de Sant'Anna "Será que os seguidores seguem realmente o outro, ou é tudo uma fantasia? Fiz umas experiências. Entrei no Twitter e percebi que, na verdade, ninguém segue ninguém"

www.affonsoromano.com.br CorreioBsB 15.10

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Me disseram que no YouTube tem um vídeo satirizando os chamados “seguidores” do Facebook, do Twitter e dos blogs. Uma pessoa vai andando atrás de outra na rua e pergunta se pode segui-la. Uns acham estranho, outros concordam. Procurei esse vídeo, mas não o encontrei: ou não existe ou se dissolveu na nuvem.

Mas a ideia é instigante. As pessoas não gostam muito de serem seguidas fisicamente, mas adoram ser seguidas virtualmente. Pessoalmente, é ameaçador. Vejam esse cantor canadense Justin Bieber. Multidões de adolescentes histéricas surgiram diante do hotel em que ele se hospedou ou hordas de semicrianças esperam até uma semana na porta de um estádio para ver, seguir o ídolo. É quase uma cena de canibalismo virtual. Se ele facilitar, é devorado. Por outro lado, se ele fizesse como aquele ditador do Haiti que ordenou que os soldados se jogassem num abismo, a multidão se precipitaria no vazio celeste como os extremistas de Allah que se matam ingloriosamente.

O termo “seguidor” pode se converter em “perseguidor”. O fã e o crente seguem e perseguem. E a internet está cheia de comerciais incentivando as pessoas a seguirem miragens de todo o tipo, ensinando a “ganhar seguidores”, clamando “quero seguidores” etc.

Outro dia, vi um escritor se gabando de que tinha 6 milhões de seguidores e que passa o dia inteiro na internet dando alpiste para eles. Esse fenômeno dos seguidores virtuais deveria merecer algum estudo sócio-psíquico-antropológico. Quem segue quem? Aliás, será que os seguidores seguem realmente o outro, ou é tudo uma fantasia? Fiz umas experiências. Entrei no Twitter e percebi que, na verdade, ninguém segue ninguém, todos querem ter a ilusão de serem seguidos. Também abri, durante certo tempo, meu blog aos seguidores. Notei, com raríssimas exceções, que as mensagens que deixavam eram rastros de descaminhos. Eu era apenas um “ lugar”.

Claro que o seguidor virtual tem umas características atraentes, caso contrário nem existiria. É descompromissado. Pode usar até pseudônimo. Pergunta-se: ele está procurando alguma coisa ou apenas se divertindo com a seriedade, com a ingenuidade ou com a vaidade alheia?

Julio Cortazar tem um conto, “O perseguidor”, mas trata-se de alguém que procura a perfeição artística. Lembrei-me (e o Google não me socorreu) de um poema que acho que é de Enzensberger, que fala do perseguidor que persegue e acaba perseguido. Mesmo que não seja desse poeta alemão, a ideia é muito ajustada ao momento atual. Pois, se de um lado da questão estão os perseguidores perseguindo alguém, por sua vez, os que se dizem perseguidos também perseguem seus perseguidores.

O Ibope é isso. A publicidade é isso. Uns já não podem viver sem os outros. Lançam mão de todas as artimanhas do marketing para domar, provocar, incitar os perseguidores. É o caso dos artistas pop, sejam os Beatles ou os Rolling Stones ontem, seja esse Justin Bieber açulando multidões que os perseguem, sem que se saiba quem é caça, quem é o caçador.

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MUITO PRAZER - LEO SYKES » "Brasília devia ser a Las Vegas da cultura"

Com uma mistura desconcertante de circo, música e performance, o Grupo Udigrudi surpreendeu a todos, ao ganhar o prêmio principal do Festival de teatro de Edimburgo de 2000, o mais importante do gênero no mundo, com o espetáculo O cano. A inglesa Leo Sykes é uma das responsáveis pelo salto do udigrudi, ao fundir as experiências do circo udigrudi, do Música-à-tentativa e do liga tripa. O Udigrudi vai dar um tempo para recarregar as baterias. Nesta entrevista, leo fala sobre Brasília, o brasil e os novos rumos do grupo. CorreioBsB 15.10

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O que está acontecendo com o Udigrudi e qual será o caminho de cada integrante neste período de pausa no trabalho do grupo?

O Udigrudi faz 30 anos em 2012 e resolvermos dar um tempo para todo mundo se renovar. Eu e o Marcelo Beré vamos para Londres. Ele vai fazer um doutorado em palhaçaria. O Luciano Porto quer criar um parque sonoro para crianças. Já conversamos com o CCBB, O Márcio continuará realizando pesquisas com a construção de instrumentos. E eu quero escrever um roteiro de televisão para o Udigrudi. Depois, tudo isso vai enriquecer o nosso trabalho coletivo. Fizemos uma trilogia de espetáculos, com pesquisa em elementos excêntricos musicais: O cano, O ovo e Devolução industrial. Estava na hora de quebrar com tudo para que nasça algo novo. O legal é que, depois de 30 anos, temos uma atriz no palco, a Flavia Abreu.

Como se deu a sua iniciação ao teatro?

Começou muito cedo, quando eu tinha seis meses de idade, meus pais eram cineastas e filmaram o espetáculo US, de Peter Brook. Me lembro que, quando era adolescente, meu pai considerava o teatro algo muito chato. Então, era uma maneira de ir contra ele. Estávamos nos anos 1970, minha mãe sempre me levava para ver o teatro, tinha muita nudez, os atores jogavam gelatina na plateia. No auge dos meus 14 anos de rebeldia, eu achava aquilo o máximo. Quando cheguei da Índia aos 18 anos, meu pai perguntou: “por que não vai à Dinamarca visitar a Júlia Varley”, filha de amigos do meu pai. Ela era do Odin Theatre, dirigido por Eugênio Barba. Acabei trabalhando durante cinco anos como assistente dele. Conheci algo muito mais sério do que havia sabido até então. Era uma tribo de artistas entregues totalmente à arte, sem frescura, sem ironia, era muito pleno e internacional.

Como é a sua formação familiar?

Sou filha de migrantes, nunca fui de lugar nenhum. Meu pai era australiano, minha mãe do Quênia, nasci em Londres e fui criada na Itália.

Ser uma filha de migrantes a ajudou a compreender a mixagem de linguagens do Udigrudi?

É interessante. A linguagem do Udigrudi é resultado de um casamento rico de linguagens diferentes. Márcio é músico e inventa instrumentos alternativos. Marcelo Beré e Luciano vêm do circo tradicional e dos malabares. E eu venho do experimentalismo do teatro europeu e do cinema. O meu trabalho de diretora foi canalizar e tirar o máximo de cada uma dessas experiências. Não foi fácil, os ensaios eram um verdadeiro campo de batalha. O Luciano Porto, que criou o projeto do espetáculo O cano, não gostava nem um pouco no início. Eu também não entendia nada daqueles palhaços tradicionais. Fomos obrigados achar um terreno onde podíamos nos encontrar.

O que esta experiência de trabalhar com o grupo Udigrudi proporcionou a você em termos de direção?

Para mim, o Udigrudi é um prato cheio. No grupo, há quem domine o circo, os malabares, a performance, os figurinos e os cenários. Tenho tudo na mão, mas ficava com a impressão de que nunca iam além. Pensava que, muitas vezes, eles banalizavam a sua própria criatividade. Aprendi que a responsabilidade do diretor é empurrar, acreditar, observar cada detalhe e se arriscar. Às vezes, você não sabe o que está fazendo. Aprendi a confiar e batalhar.

Você acha que consegue realizar tudo?

A trupe tem um potencial muito maior do que eu consegui canalizar. Mas o problema é que vivemos atrapalhados por gastar 99% das nossas energias com questões administrativas. Com 30 anos de estrada, não temos uma sala de trabalho, não conquistamos nada além de prestígio e de um público fiel. Economicamente e estruturalmente, estamos na estaca zero.

E por que se encontram nessa situação?

Em parte, é culpa nossa. Somos muito criativos e pouco organizados. Mas, sinceramente, acho que a estrutura burocrática do Brasil mata todo mundo. Obriga você a ter tanta competência administrativa que tem de gastar uma energia surreal. Precisa ser um excelente, genial admistrador. O governo brasileiro e os patrocinadores têm de fazer uma reflexão, pois se querem estimular a cultura precisam pensar diferente. Nós e outros grupos estamos a ponto de não querermos mais esse tipo de patrocínio. A burocracia é tão grande que, algumas vezes, trabalhamos de graça e temos de tirar dinheiro do nosso bolso para pagar.

Em países da Europa não existe essa burocracia?

Não existe. É por isso insisto que tem de mudar. Produzo teatro na Dinamarca e na Inglaterra, mas o trabalho em si mesmo é a prova. Não existe cartório, eles acreditam no seu trabalho. Aqui no Brasil, a princípio, até que prove em contrário, você já é suspeito.

O que as pessoas dizem dos espetáculos do Udigrudi fora do Brasil?

Engraçado, nosso trabalho é internacional. A reação é muito parecida com a dos brasileiros. É feita para a criança sensorial, o brincante que há em cada pessoa. Ficamos morrendo de medo de que não entendessem nosso humor na China. Que nada, eles entenderam a surpresa, a metaformose.

Você acha que o Udigrudi é um produto típico da experimentação cultural brasiliense das décadas de 1980 e 1990?

Para o Marcelo Berê, o Luciano Porto e o Márcio, a participação nos grupos Música-à-tentativa, Liga Tripa e circo Udigrudi foram fundamentais. A Joana é mais nova e participou como espectadora. Eles reverenciam isso todos os dias. Eles foram um grupo sem diretor até eu chegar. A formação deles foi essa. Depois, eles viraram a primeira geração de pedagogos autodidatas, passaram a ministrar oficinas e workshops. Talvez porque os pais desses jovens tiveram que inventar uma cidade parecia a eles natural inventar também uma cultura. Para mim, a questão era outra. Fui criada em Londres, em Florença, em Paris, vendo Peter Brock e o Living Theatre.

Brasília já foi bastante experimental nas décadas de 1980 e 1990. E, hoje, ela perdeu a inquietação e virou uma cidade cover?

Não sei se isso é algo específico da cidade. Brasília tem um nome muito bom para a música. Se você fala que é de Brasília, as pessoas de fora respeitam. Mas se fala que é de teatro, elas desconfiam. Existem trabalhos em teatro muito bons, mas o problema é a invisibilidade. O que tem visibilidade é o besteirol. A grande doença da cultura em Brasília é o amadorismo, todo mundo faz teatro nas horas vagas, ninguém consegue viver disso, mal nasce, já morre. O custo do aluguel de uma sala em Brasília é altíssimo.

Que conselho você daria para os atores jovens de talento?

Eu digo sempre para eles: “Vão embora!”. É cruel, mas fico com medo de que eles morram como artistas.

Brasília odeia a cultura?

É uma coisa louca. Brasília ama shopping, carro e odeia a cultura. Ao mesmo tempo, não temos praia, a única opção de diversão e vida social é a cultura. Brasília deveria investir algo e ser uma Las Vegas da cultura.

Você se abrasileirou?

Quando vou para fora, vejo como sou brasileira. Se faço um jantar na Dinamarca, marco para as 20h, quando as pessoas chegavam, eu ainda não havia começado. Eles dizem que sou muito brasileira. Como diretora, acesso uma riqueza enorme de música popular. A questão musical é marcante. Podemos começar um espetáculo com um samba e logo em seguida entrar com um maracatu.

O que é ser brasileiro?

É saber levar a vida pelo lado bom, mas o problema é que, muitas vezes, isso impede de melhorar o que está ruim. Não adianta dizer que os políticos são todos corruptos e não fazer nada. Vamos fazer igual aos italianos, que decidiram não pagar mais impostos.

E Brasília, o que tem de bom e de ruim?

Brasília é uma cidade muito difícil para mim. Não é orgânica. Preciso me concentrar quando vou para a minha casa. Sempre chego ao Eixão dirigindo na posição errada. Acho fantásticas as árvores, o céu, a possibilidade de morar em uma casa no centro da capital, com coelhos e gatos. Posso ir a pé à 508, a Casa d’ Itália e à Funarte. É um luxo. Temos um grupo muito legal de artistas. Mas é uma cidade mais de separações do que de encontros.

O que incomoda a você?

Moro na W3 Sul e a gente tem de andar o tempo com cuidado, olhando para baixo, por causa dos buracos, e para cima, com medo de que caía algo em sua cabeça. Me preocupa que a alma das pessoas esteja sendo formada por cimento estragado. De quem é a W3 Sul, de quem é Brasília? É dos mendigos. Existem parquinhos, mas são muito descuidados, as crianças não podem brincar. E, no campo da cultura, a cada novo governo, destroem tudo o que fez o anterior. Não deixam estabelecer tradições e competências. A gente começa tudo do zero. A sensação que tenho é de que a gente está patinando na lama o tempo todo. Isso cansa.

O que seria necessário fazer para sair da lama?

Não é falta de artistas. É falta de espaços, a 508 Sul está abandonada pelo governo. Monta uma coisa lá e a chuva molha as nossas coisas. Era preciso também patrocínios com continuidade para trabalhos de pesquisas realizados heroicamente. E criar uma ponte cultural, um programa de passagens para ir aos festivais. A cultura em Brasília não pode se limitar ao circuito CCBB, Funarte e Caixa Cultural. Os artistas locais não conseguem utilizar o Teatro Nacional. É só megaprodução global ou alguns balés. Brasília tem um potencial fantástico para a cultura.

Trajetória premiada

» A trupe Udigrudi foi criada em 1982, por Marcelo Beré, Márcio Vieira e Luciano Porto, a partir da fusão de três experiências: Música-à-Tentativa, Circo Udigrudi e Liga-Tripa. Marcelo e Luciano desenvolviam um trabalho com circo e malabares. Márcio Vieira é luthier e cria instrumentos a partir de canos de PVC. Com a entrada da diretora Leo Sykes, o grupo ganhou novo impulso, potencializando os talentos individuais em uma inventiva mixagem de circo, teatro, performance e música. Em 2000, a trupe ganhou o Herald Angel, prêmio principal do Festival de Fringe de Edimburgo, na Escócia, o mais importante evento de teatro do mundo. Desde essa época, o Udigrudi decolou uma carreira internacional, se apresentando em 15 países, sempre com sucesso de público e de crítica. Com O cano, O ovo e Devolução industrial, o grupo fechou uma trilogia de teatro experimental. Em 2008, ganhou o VilaNueva de Cuba. Em 2010, a trupe foi agraciada com o Prêmio Zilka Salaberry de Teatro Infantil.

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Mestre autêntico. Radicado em Formosa, onde trabalhava na roça, o mineiro Badia Medeiros mantém vivas tradições culturais típicas do interior CorreioBsB 15.10

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Aos 71 anos, Badia Medeiros não é chamado de mestre à toa. Cantor, compositor, violeiro, dançarino e guia de festejos populares (aquele que conduz os eventos e guarda seus costumes), como Folia do Divino, de Reis e de São Sebastião, Seu Badia é um autêntico personagem do interior do Brasil, dono de conhecimentos e saberes que não se aprendem nos livros, nas vivências e tradições passadas de pai para filho.

Mineiro de Unaí, radicado em Formosa (GO) há 19 anos, casado com Cesárea Gonçalves de Andrade há 47, mestre Badia, até o ano passado, ainda trabalhava na roça. Hoje, está aposentado e divide seu tempo entre as aulas de viola (não faltam alunos, ele garante) e as apresentações musicais.

Ele esteve mais uma vez em Brasília, recentemente, quando participou do Festival Brasília de Cultura Popular — evento realizado entre 7 e 9 de outubro. Na ocasião, se apresentou em dupla, acompanhado do parceiro Valdemar de Brito Vanderlei, o Nego de Brito. Os dois acabaram de gravar um CD e esperam o momento oportuno para lançá-lo.

O violeiro, compositor e pesquisador brasiliense Roberto Corrêa conheceu Seu Badia em 1997 e foi responsável por apresentá-lo a um publico maior. “Pessoas como o Badia trazem o Brasil para dentro de si”, comenta Corrêa. “Eu fiquei encantado com o talento dele como compositor, cantor, violeiro e dançarino de ludu. Na primeira oportunidade, convidei-o para tocar comigo”, continua. A parceria entre Corrêa, o também violeiro Paulo Freire e Badia rendeu uma série de shows e o CD Esbrangente, de 2002. Dois anos depois, Badia lançou o primeiro disco solo, Badia Medeiros — Um mestre do sertão. Em sua discografia, também contam participações em coletâneas dedicadas a música caipira.

Em entrevista ao Correio, Seu Badia comenta a relação com a viola, os primeiros contatos com o instrumento, influências e a manutenção das tradições populares.

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Manifestações espalham-se por 82 países. Roma registrou os maiores protestos contra o capitalismo, com 200 mil presentes, e houve confrontos com polícia. Inspirados pelo 'Ocupe Wall Street', atos chegam a 950 cidades; SP, Rio, Porto Alegre e Curitiba têm protestos. Itália: Manifestantes encapuzados atiram pedras e coquetéis molotov contra a polícia em Roma FSP 15.10

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De Wall Street para as ruas de 950 cidades de 82 países em todos os continentes.

Dezenas de milhares de manifestantes, inspirados pelo movimento que há quase um mês protesta contra a crise econômica mundial em Nova York, espalharam-se ontem pelo mundo ao pedir "união por uma mudança global".

A maioria das manifestações foi pacífica, com exceção da Itália, onde 200 mil pessoas foram às ruas de Roma estimuladas também pela decisão do Parlamento, anteontem, de manter o premiê Silvio Berlusconi no poder.

Em Roma, vários carros foram incendiados e manifestantes encapuzados destruíram agências de bancos. A polícia tentou conter os protestos com gás lacrimogêneo. Cerca de 70 pessoas ficaram feridas, três com seriedade. Todos os museus da capital foram fechados.

Berlusconi disse que os autores da violência serão "identificados e punidos". Em Nova York, onde tudo começou, 5.000 pessoas marcharam pelo distrito financeiro de Manhattan e ocuparam a Times Square. Ao menos 20 delas foram presas em um banco quando fechavam suas contas para protestar.

Sem agenda específica, a não ser uma crítica difusa ao grande capital, os manifestantes pelo mundo se organizam em grande medida por redes sociais como Facebook.

Além dos jovens dos EUA, tomam como modelo a Primavera Árabe e os "indignados" europeus. Ontem, Barcelona, na Espanha, um dos berços dos "indignados", foi a segunda cidade que registrou mais manifestantes, 60 mil. Em Madri, a Porta do Sol recebeu mais de 40 mil pessoas.

Em Portugal, os manifestantes de Lisboa e Porto também somaram 40 mil. As alemãs Berlim e Frankfurt registraram passeatas com 5.000 participantes.

ASSANGE

Em Londres, os protestos reuniram 2.000 pessoas em frente à Catedral de St. Paul. Nas escadarias da igreja, um manifestante chamou especial atenção: Julian Assange, do site WikiLeaks.

Ovacionado pelo público, ele foi depois abordado por policiais que o obrigaram a tirar uma máscara que usava. Os protestos se espalharam ainda por Ásia, Austrália e África, mas em menor escala.

Em Tóquio, 200 manifestantes se reuniram em frente à Tokyo Electric Power, operadora da central atômica de Fukushima, epicentro da catástrofe nuclear de março.

No Brasil, São Paulo, Rio, Porto Alegre e Curitiba tiveram manifestações. Na capital paulista, 200 jovens armaram barracas no Vale do Anhangabaú para passar uma semana, mas o acampamento foi desmontado a pedido de guardas civis.

No Rio, 150 pessoas se reuniram na Cinelândia, exibindo faixas contra a corrupção.

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Livros do barulho. Títulos sobre Aerosmith, Ozzy Osbourne e Beatles aquecem o filão de biografias roqueiras. FSP 15.10

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Desde janeiro, as livrarias brasileiras receberam 32 lançamentos sobre astros de pop e rock, contra 21 em todo o ano passado. Nesta semana, a editora Benvirá aumenta a lista com nomes fortes: Ozzy Osbourne e Steven Tyler.

"Confie em Mim, Eu Sou o Dr. Ozzy" e "O Barulho na Minha Cabeça Te Incomoda?" não interessam somente aos fãs dos dois roqueiros.

Ozzy, que vem do sucesso de sua autobiografia no ano passado, agora edita em um livro suas dicas da coluna de saúde que assina no jornal "The Sunday Times".

Seu maior trunfo é ter sobrevivido a décadas de alto consumo de tudo que pode ajudar a matar uma pessoa. Como medicina, a obra é uma nulidade. Como humor, é receita certa de sucesso.

Já Tyler fala de sua banda, Aerosmith, mas foca o circo das celebridades. Sua visão de mundo meio hippie e meio caipira detona clichês de sexo, drogas e rock and roll.

As edições nacionais de livros sobre roqueiros ou escritos por eles são um reflexo do mercado norte-americano.

Uma pesquisa pelos subgêneros "rock bio" e "pop bio" na maior livraria virtual, a Amazon.com, lista mais de 600 livros em língua inglesa, 63 deles lançados neste ano.

Um exemplo é o baú dos Beatles, ao que parece sem fundo. Mais dois itens chegaram às lojas dos Estados Unidos na última quinzena.

Olivia Harrison, viúva do beatle zen, lançou "George Harrison: Living in the Material World" (George Harrison: vivendo no mundo material). O livro rendeu exposições em museus e documentário assinado por Martin Scorsese (leia na página E3).

"Lennon: The Man, the Myth, the Music - The Definitive Life" tem força para justificar o pretensioso título de biografia "definitiva".

Tim Riley, crítico respeitado, adota um ângulo diferente para biografar o mais intelectual e politizado beatle.

Ele destaca como Lennon foi influenciado por outras artes e, posteriormente, as influenciou. Estabelece várias pontes entre a sua vida e o cinema, a literatura e a TV.

Beatlemaníacos que dominam o inglês já correm para as livrarias on-line, embora existam negociações para os dois títulos saírem no Brasil.

Outro sinal da antena ligada das editoras brasileiras é a já acertada edição em português, pela editora Globo, da aguardada biografia de Neil Young, "Waging Heavy Peace" (pode ser traduzido por "batalhando pela paz"). Deve sair nos EUA em março.

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