CARLOS HEITOR CONY
Se a canoa não virar
Fonte: folha.uol.com.br 04/03
Amavam-se e tudo o mais, o resto do mundo, da vida, perdia significação e prazer; assim era no Carnaval
NO FUNDO, no fundo, desprezavam o Carnaval. Tinham muito no que pensar, no que falar e, sobretudo, no que fazer: amavam-se e tudo o mais, o resto inteiro do mundo e da vida perdia significação e prazer. O que não fosse de um e de outro, inexistia. E assim era no Carnaval.
Como todo mundo, fugiam da cidade, se enfurnavam em hotéis, motéis e bibocas ao longo de Búzios, Cabo Frio e Arraial do Cabo -e ali curtiam o sol, as caipirinhas, os camarões torrados. E, quando as praias ficavam desertas, eles chegavam a se amar na areia, quentes de sol, salgados de mar.
Mas tudo tem seu dia. Ou melhor: sua noite. Num desses Carnavais, eles acordaram no meio da noite. A praia estava deserta, o vento carregava a areia fina e salgada das praias e incomodava. Caíram mais uma vez no mar e voltaram para o motel. Ao longe, o som cadenciado de um baile.
Todos estavam no Carnaval e eles decidiram assuntar. Não custava. Com panos e fitas improvisaram fantasias. Ela transformou a toalha de praia num saiote de havaiana -e como tinha ancas fortes e coxas redondas, ficou muito bem.
Ele descobriu uma bermuda, ela colocou umas flores em cima -pronto. Eram dois havaianos completos e podiam ser admitidos no melhor baile da cidade, o que exigia fantasia ou rigor.
Tomaram duas caipirinhas reforçadas para livrar a cara daquele vexame e lá foram. Nunca tinham ido a um baile juntos, nunca tinham feito Carnaval e havia certa expectativa, certo mistério na primeira vez.
Para facilitar as coisas, na porta do clube uma barraquinha vendia máscaras de pano, imitação pobre das máscaras de Veneza e de seu Carnaval. Ele ficou parecendo o Zorro, ela, a colombina, com a mesma máscara negra que não dava para esconder os olhos enormes e verdes.
Sentiram-se estranhos naquele mundo que fazia alegria e suor. Eles nem suavam nem estavam propriamente alegres: eram felizes -o que é diferente. Mais duas caipirinhas e aí a orquestra explodiu, explodiram as mulheres de todos os cantos. Combinaram que cada um se viraria sozinho -para ver no que ia dar. Se desse nalguma coisa.
Ele não era bom de dança nem de Carnaval, mas com as caipirinhas acumuladas até que deu para o gasto. Uma mulher queimada de sol, com uma túnica romana molhada de suor, segurou-o pela nuca e levou-o para o miolo da pista.
Já naquele tempo não havia música nova de Carnaval, o repertório era um compacto de sucessos antigos e, assim, ele conseguiu cantar a jardineira que caiu do galho, chegou o general da banda, se a canoa não virar eu chego lá, mais de mil palhaços no salão, atravessando o deserto do Saara o sol estava quente e queimou a nossa cara, olha a cabeleira do Zezé, você partiu, saudade me deixou, a estrela Dalva no céu desponta e a lua anda tonta...
A mulher da túnica romana tinha um vago cheiro de maconha misturado ao cheiro do suor, talvez fosse uma conhecida, nunca se sabe. A orquestra atacou o Bigorrilho, bigorrilho foi quem me ensinou a tirar o cavaco do pau, nada fazia sentido mas de repente estavam juntos, as pernas quase enroscadas: fazia sentido.
De repente, também, ele viu passar ao lado um saiote havaiano escondendo ancas fortes e duas coxas redondas. Largou a recém-companheira e foi atrás da havaiana, era aquilo que a sua carne pedia e exigia. Mas a havaiana pulava sozinha, sumia, aparecia aqui e ali, sumia, que diabo de mulher aquela.
Ele arrancou a máscara que o incomodava, disposto a achar aquela havaiana -a única que merecia uma traição, um bode. Pronto, lá estava ela, dançando para a orquestra, de costas para o resto do salão. Ele chegou perto, tomou-a pelo ombro. "Saravá, meu pai, vou te benzer..." A música era agora um velho ponto de macumba estilizado para o salão.
A havaiana virou o rosto, pelo buraco da máscara ordinária ele viu os dois olhos verdes, olhos que a identificavam, mais do que as ancas fortes e as coxas redondas.
O Carnaval, para eles, terminou ali. Foram para a praia amar mais uma vez. Ao longe, ouviam a cantoria da festa que vibrava no ar, mais forte do que as ondas que arrebentavam no corpo deles. A canoa virou, mas eles chegaram lá.
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Brasil tem 58 orquestras, que dependem dos governos
Fonte: folha.uol.com.br 04/03
Em debate da Folha, especialistas falaram da música clássica no país, apontando Osesp como exemplo de padrão internacional
"A Osesp fez de São Paulo um modelo do que pode ser música clássica bem-sucedida no Brasil. Mas o investimento público continua sendo obrigatório."
A frase foi dita pelo diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, Arthur Nestrovski, no debate "Música clássica no Brasil hoje", promovido pela Folha, em sua sede, na noite da última quarta-feira.
O encontro também contou com a presença de Nelson Kunze, editor da revista "Concerto", Cacá Machado, ex-diretor do Centro de Música da Funarte, e Sidney Molina, crítico de música clássica da Folha. Todos estiveram de acordo em um tema: sem incentivo público, não há excelência musical no Brasil.
"Música clássica e ópera não vingam no mercado. As orquestras dependem de vontade política", disse Nelson Kunze, ilustrando: "Nos anos 1980, houve uma ótima orquestra na Paraíba, que existiu porque o governador gostava".
Kunze defendeu que as orquestras precisam fincar bases para se defender das trocas de governo: "Se a orquestra se capilariza na sociedade, ela ganha força. É o caso da Osesp, a única manifestação cultural no Brasil que conseguimos medir com régua internacional".
Além da Osesp, os debatedores elogiaram os exemplos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, regida por Fábio Mechetti, e da Orquestra Sinfônica Brasileira, do Rio de Janeiro, regida por Roberto Minczuk.
Nestrovski apontou que o Brasil tem, hoje, de acordo com o guia "Viva Música", 58 orquestras. "Mas não existe uma liga de orquestras para coordená-las", completou.
Cacá Machado disse que grande parte dos programas públicos é assistencialista. "Um editalizinho aqui para os compositores não vai resolver situação nenhuma."
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GASTOS PÚBLICOS
Fonte: correioweb.com.br 04/03
Por onde escoa nosso dinheiro
Em época de cortes no Orçamento, governo desperdiça verbas que poderiam ser economizadas, como o pagamento de aluguel de prédios vazios e passagens aéreas por valores acima da média
As emendas parlamentares estão no alvo dos cortes de R$ 50 bilhões no Orçamento da União. Mas a gastança não é apenas obra de políticos acostumados a transformar verbas públicas em obras de pouca utilidade. Grande parte do dinheiro é desperdiçada com a falta de administração criteriosa, voltada para a função essencial do Estado: promover o bem-estar dos cidadãos. O governo paga mais caro do que deveria por passagens aéreas. Gasta com aluguéis de prédios vazios enquanto imóveis públicos são usados por quem não deveria. Aposentadorias são pagas a gente que já morreu. O Correio relata abaixo e nas próximas duas páginas exemplos do mau uso do dinheiro público. Casos como um contrato de aluguel iniciado em novembro pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao custo mensal de R$ 488 mil por um prédio que não tem data para ficar pronto, ou da compra de passagens aéreas por valores superiores aos que seria possível se houvesse maior planejamento e antecedência na compra. Além disso, a falta de controle do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) fez com que R$ 1,67 bilhão tenham sido depositados em 2010 em contas de aposentados já enterrados. Na Câmara, servidores apadrinhados por deputados ocupam imóveis avaliados em mais de R$ 30 milhões. Dinheiro que poderia servir para reformar prédios destinados a acomodar parlamentares, colocando fim ao auxílio-moradia de R$ 3 mil por mês que resulta em uma conta de mais de R$ 18 milhões a cada ano.
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O Estado da arte
Fonte: folha.uol.com.br 03/03
Galerias do Rio e de Recife se mudam para São Paulo, acirrando disputa por artistas já representados por casas locais, sintoma de um mercado de arte que está cada vez mais aquecido
Não é indolor a entrada de uma galeria de arte no mercado. E se esse mercado é forte como o de São Paulo hoje, novos jogadores no pedaço causam alvoroço e provocam fraturas nos relacionamentos entre artistas e galeristas.
No fim do mês, uma casa do Rio e outra de Recife se juntam na capital paulista, criando um entreposto central para seus territórios de origem. Laura Marsiaj, carioca, e Mariana Moura, pernambucana, abrem a Moura Marsiaj em Pinheiros, no lugar da extinta galeria Oeste.
"Já estou de mala e cuia para São Paulo", disse Marsiaj àFolha. "Tínhamos a necessidade de uma representação maior na cidade, somos duas galerias se unindo e cobrindo todo o território."
Mas nem tudo está vindo nessa mudança. Ficarão no Rio alguns de seus artistas já representados em São Paulo por outras galerias, caso de Barrão e Mauro Piva, da Fortes Vilaça, Lenora de Barros, da Millan, Iole de Freitas, da Raquel Arnaud, e Márcia Xavier, da Casa Triângulo.
Moura está deixando para trás um forte time representado em São Paulo pela galeria Nara Roesler -Artur Lescher, José Patrício, Laura Vinci e Gil Vicente, que mostrou seus desenhos de assassinatos de líderes políticos na última Bienal de São Paulo.
Em abril, quatro sócios, todos colecionadores, abrem a galeria Transversal, na Barra Funda, com um elenco tímido de nove artistas, mas que deve ganhar vulto com o tempo e arrisca atrair também nomes de outras casas.
Chamado choque de representações, a situação de um artista representado na mesma cidade por mais de uma galeria é comum em mercados desenvolvidos, como o norte-americano e o europeu, mas é um sintoma de que o mercado nacional entra numa nova fase, turbinado pelo forte interesse global.
Uma obra de Adriana Varejão acaba de ser arrematada em Londres por R$ 3 milhões, recorde de preço para um artista brasileiro vivo.
De olho em valores cada vez mais altos, galeristas alijados do centro financeiro do país agora se esforçam para levantar suas bandeiras em São Paulo, acirrando a disputa por artistas num mercado cada vez mais acelerado.
Enquanto em suas cidades de origem Laura Marsiaj e Mariana Moura estão entre as casas mais fortes do mercado, representando artistas consagrados, as duas tentam engrossar o time com jovens autores na cena paulistana.
CASAMENTO E DIVÓRCIO
Mesmo antes de abrir as portas, a Moura Marsiaj já tirou a pintora Renata De Bonis da galeria Oscar Cruz e a fotógrafa Amanda Melo da Zipper. Enquanto isso, Hildebrando de Castro, que começou a expor no Rio, na Laura Marsiaj, agora preferiu ficar na paulistana Oscar Cruz.
"Estamos com a política de não estimular esse tipo de comportamento", diz Mariana Moura sobre a troca de galerias por parte dos artistas. "A gente prefere manter a situação assim como está pelo menos por um tempo, mas é claro que essas mudanças de galeria sempre vão existir."
Mas também serão sempre indesejadas caso o artista que decide romper a relação seja um nome rentável para a casa. "Relação artista-galerista é como casamento", resume a marchande Nara Roesler. "Se algum não quiser ficar mais conosco, e não é isso que eu sei, ele tem o direito de trocar de escuderia."
Sobre o fim da relação com Amanda Melo, Fabio Cimino, da Zipper, usou palavras que lembram mesmo um rompimento amoroso. "Cada um segue o seu caminho, cada um escolhe o melhor", afirmou o galerista. "Espero que ela seja feliz para sempre."
Lenora de Barros já disse se sentir às vezes no meio da relação entre os titãs Laura Marsiaj e André Millan. "Minha galeria-mãe é a Millan", conta a artista. "A Laura Marsiaj chegou a conversar comigo para mudar há uns anos, e eu disse não, mas isso tudo foi bacana, sem confusão."
Enquanto isso, Millan pretende fazer o caminho inverso, abrindo uma filial de sua galeria, uma das mais importantes do país, no Rio, sem descartar possíveis choques com algumas casas cariocas.
No caso, Amilcar de Castro e Miguel Rio Branco, dois dos nomes mais fortes do time da Millan, são representados no Rio pela galeria Silvia Cintra.
"Acho complicado o artista ter duas galerias na mesma cidade, é uma coisa sem sentido, não existe", diz Millan. "Mas não há uma regra, penso que deve haver sempre uma escolha do artista."
Fora da arena dos gigantes, pequenas galerias que surgem no cenário recrutam nomes novos para não estremecer relações de mercado, caso da galeria Transversal.
"A gente se preocupou em não pegar nenhum artista de outra galeria para não gerar inimizades", diz João Grinspum Ferraz, um dos sócios. "Tem uma resguarda ética."
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