domingo, 21 de novembro de 2010

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FERREIRA GULLAR

Arte sem arte

Fonte: folha.uol.com.br 21/11

Considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Da Vinci e de Van Gogh

NÃO TENHO a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.
Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.
Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte. Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte.
Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas. Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.
Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.
Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.
Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.
Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.
Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?
Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.
Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.
De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.
Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.
Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.
Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades.

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Homofobia e a violência da intolerância

Fonte: folha.uol.com.br 21/11

Todos temos a obrigação de combater a intolerância e o preconceito e de exigir que os agressores, motivados pelo ódio, respondam por seus atos


Seth Walsh tinha 13 anos quando foi até o jardim da casa onde morava com sua família, na Califórnia, e se enforcou. Seth é um dos seis adolescentes que sabemos que se suicidaram nos EUA, só em setembro, devido ao que sofreram nas mãos de perseguidores homofóbicos.
Nas últimas semanas, vimos acontecer uma série de ataques contra gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais no mundo. Em Belgrado, no dia 10 de outubro, um grupo de manifestantes atirou coquetéis molotov e granadas paralisantes contra uma parada do orgulho gay, ferindo 150 pessoas.
Em Nova York, em 3 de outubro, três jovens homossexuais foram sequestrados, levados para um apartamento desabitado e torturados.
Na África do Sul, realizou-se em Soweto uma manifestação para chamar a atenção para as violações contra as lésbicas nas "townships", atos que os seus autores tentam justificar como uma tentativa de "corrigir" a sexualidade das vítimas.
A homofobia, como o racismo e a xenofobia, existe em diversos graus, em todas as sociedades. Todos os dias, em todos os países, indivíduos são perseguidos, violentamente atacados ou mesmo mortos devido à sua orientação sexual.
Quer seja explícita, quer não, a violência homofóbica causa um enorme sofrimento, que é frequentemente dissimulado sob um véu de silêncio e vivido na solidão.
Chegou o momento de fazermos ouvir nossa voz. Embora a responsabilidade pelos crimes motivados pelo ódio recaia sobre os que os cometem, todos temos a obrigação de combater a intolerância e o preconceito e de exigir que os agressores respondam pelos seus atos.
A prioridade inicial é descriminalizar a homossexualidade. Em mais de 70 países as pessoas podem sofrer sanções penais devido à sua orientação sexual. Essas leis expõem os indivíduos à detenção, à prisão, até a tortura ou mesmo à execução e perpetuam o estigma, além de contribuir para um clima de intolerância e de violência.
Ainda que importante, a descriminalização é apenas o primeiro passo. A experiência mostra que são necessários maiores esforços para combater a discriminação e a homofobia.
Infelizmente, acontece com demasiada frequência que aqueles que deveriam usar de moderação ou exercer a sua influência para promover a tolerância fazem exatamente o contrário, reforçando os preconceitos.
Em Uganda, por exemplo, onde a violência contra as pessoas com base em sua orientação sexual é comum, um jornal, no dia 2/10, publicou uma matéria na primeira página identificando cem ugandenses como gays ou lésbicas, colocando ao lado de suas fotos a frase: "Enforquem-nos".
Temos que denunciar esse tipo de jornalismo como aquilo que é: incitamento ao ódio e à violência.
No país, os ativistas de direitos humanos que defendem os direitos de gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais correm o risco de serem perseguidos ou detidos.
No mês passado, em Genebra, falei sobre a descriminalização da homossexualidade em um painel promovido por um grupo de 14 países.
No evento, o arcebispo emérito Desmond Tutu manifestou seu apoio, falando apaixonadamente sobre as lições do apartheid e sobre o desafio de assegurar a igualdade de direitos para todos: "Sempre que um grupo de seres humanos é tratado como inferior por outro, o ódio e a intolerância triunfam".
Não deveriam ser necessárias mais centenas de mortes e espancamentos para nos convencer disso.
Compete a todos nós exigir a igualdade para nossos semelhantes, independentemente de orientação sexual e de identidade de gênero.


NAVI PILLAY é alta-comissária das Nações Unidas para os direitos humanos.

Ao bater recorde de público, cinema brasileiro se profissionaliza e desenvolve seus gêneros, mas ainda precisa enfrentar muitos desafios.

Fonte: valoronline.com.br 19/11

O sucesso veio para ficar?

Desde os tempos de Zé Pequeno, há sete anos, não se via tanta euforia no cinema brasileiro. O retorno do Capitão Nascimento (agora coronel) em "Tropa de Elite 2" superou todas as expectativas de público e alcançou 9,6 milhões de ingressos vendidos até o feriado de segunda-feira. É o recorde de público desde a chamada retomada do cinema nacional, com "Carlota Joaquina", em 1995. Pode bater até "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), com seus 12 milhões, melhor bilheteria de todos os tempos no Brasil. Afinal, o estourado Nascimento venceu até mesmo os Navis de "Avatar", que venderam 9,1 milhões de ingressos nas salas brasileiras.

Mas Nascimento não é um herói isolado. Aliado à força espírita dos filmes "Nosso Lar" (4 milhões de ingressos) e "Chico Xavier" (3,4 milhões), forma o trio que alavancou as bilheterias nacionais neste ano (22,3 milhões de entradas) e já supera o recorde de espectadores de 2003, quando "Carandiru", "Cidade de Deus" e "Lisbela e o Prisioneiro" lideraram a venda de 22 milhões de ingressos.

Nesse meio tempo, porém, o cenário não foi de festa e passou longe de significar uma indústria do cinema sustentável. Depois de 2003, o desempenho dos filmes brasileiros só caiu, chegando a parcos 8,8 milhões de ingressos vendidos em 2008. O contexto econômico não ajudou, e as lições do sucesso de "Cidade de Deus" e "Carandiru" parecem não ter sido bem assimiladas. Desta vez, no entanto, os sinais são outros: todos os agentes desse mercado (produtores, distribuidores, exibidores, governo e seus mecanismos de fomento) parecem estar mais atentos para não deixar que 2010 seja apenas mais um soluço na história do audiovisual brasileiro.

O mercado começa a entender que a realização do filme é apenas um dado da produção. Há sempre a necessidade fundamenteal de elaborar um projeto para o longa. "Não adianta fazer títulos sobre adolescentes, se eles não são feitos para adolescentes. Um produtor ou distribuidor só consegue concorrer com os filmes americanos e conseguir orçamentos altos se transformar o seu filme num evento", diz Paulo Sérgio Almeida, diretor da Filme B, empresa que reúne e organiza os números de bilheteria das salas brasileiras. "O marketing ainda é malvisto na classe artística. Muitos diretores reclamam: 'Meu Deus, vou ter que vender o meu filme?'."

O sucesso de "Cidade de Deus" e "Carandiru" partiu do que Almeida qualifica de lógica inversa: em vez de trazer uma história nova e transformá-la em evento, seus diretores filmaram eventos que já estavam encravados no imaginário popular.

Além do grande público, o cinema nacional conseguiu romper uma barreira para muitos cineastas, que preferiam o filme de autor ao de gênero ficcional. "Até José Padilha produzir 'Tropa de Elite', filmes de ação eram exclusividade do cinema americano. Isso só foi possível graças à evolução da qualidade técnica. Hoje, possuímos fotografia, som e efeitos especiais com qualidade internacional", afirma Abrão Scherer, diretor da distribuidora Imagem Filmes.

As distribuidoras também amadureceram e hoje trabalham mais próximas das produtoras, às vezes dando sua contribuição desde a criação do roteiro. Distribuidora de "Jean Charles" e "Os Normais 2", a Imagem prepara-se para lançar no ano que vem um sucesso em potencial ("Bruna Surfistinha") e está envolvida na pré-produção de outro para 2012 - "Somos tão Jovens", a cinebiografia de Renato Russo. "Precisamos dessa parceria para fazer filmes de qualidade e competir com as produções internacionais", afirma Scherer.

Além da parceria com as produtoras, a Imagem buscou acordos na outra ponta do processo. É o caso dos canais Telecine, que entram com apoio financeiro e divulgação dos filmes da distribuidora na TV. É o caso também da Downtown Filmes, distribuidora exclusivamente voltada para filmes brasileiros, responsável por sucessos como "Meu Nome não É Johnny" e "Chico Xavier", que em 2011 aposta suas fichas nas comédias "De Pernas pro Ar", com Ingrid Guimarães, e "Cilada.com", com Bruno Mazzeo.

"Não se pode mais produzir filmes sem conexão com o mercado. Todo filme tem que nascer acoplado aos seus parceiros e distribuidores. Qualquer autor consagrado conhece o seu negócio. Mesmo um autor de pequeno público como Woody Allen encontrou a sua lógica de produção dessa forma", diz Bruno Wainer, diretor da Downtown.

Wainer é comedido quanto à atual euforia das bilheterias. "Nosso cinema não pode viver de fenômenos, precisa é de volume de filmes competitivos." Ou seja, para ter um mercado realmente maduro é preciso ter 12 grandes filmes por ano, 1 por mês, para criar hábito no espectador. Nesse sentido, o diretor da Downtown considera o sucesso de 2003 - quando sete filmes chegaram à casa do 1 milhão de espectadores -, mais consistente do que o atual, quando há apenas três filmes acima dos 3 milhões.

O diretor da Downtown aponta para uma característica do mercado nacional que pode ser cruel para os produtores: a pequena quantidade de filmes de bilheteria intermediária. Ou bem o filme torna-se um sucesso popular e alcança mais de 1 milhão de espectadores ou "não acontece" e fica abaixo dos 100 mil. Dos 72 filmes lançados neste ano até outubro, apenas 4 bateram a marca do 1 milhão, enquanto 60 não ultrapassaram os 100 mil - desses, 40 não passaram nem mesmo dos 10 mil espectadores.

Os filmes médios existem nos Estados Unidos e na França, onde a produção é bem superior à do Brasil. "Em mercados menores, como o nosso, o filme médio é o blockbuster que não deu certo", afirma Carlos Eduardo Rodrigues, diretor-executivo da Globo Filmes, coprodutora de todos os grandes sucessos brasileiros.

Essa mecânica cruel valeu, neste ano, para dois filmes cujas bilheterias ficaram bem aquém da expectativa de seus produtores e distribuidores: "Lula, o Filho do Brasil" (850 mil espectadores) e a comédia "O Bem Amado" (950 mil). "Aprendi que o pessoal da religião é muito mais fiel do que o pessoal da política", brinca Wainer, que experimentou o relativo fracasso de "Lula" e o sucesso absoluto de "Chico Xavier".

Se existe lua de mel entre produtores e distribuidores, no terceiro vértice do mercado (as salas de exibição) a questão ainda se desenvolve. Se houve expansão do crédito federal, por meio de programas como o Cinema perto de Você, e o parque exibidor melhora a cada ano, o país ainda tem metade do número de salas que deveria ter, avalia Adhemar de Oliveira, diretor do Circuito Espaço, com 83 salas espalhadas por sete Estados - pretende chegar a 120 até o fim de 2011.

"Todo mundo é pago até o filme chegar à sala. O único prejudicado é o exibidor", diz Leon Cakoff, diretor da Mostra Internacional de Cinema, que atua nas três pontas (produz filmes, é dono da distribuidora Filmes da Mostra e sócio do Unibanco Arteplex e do Espaço Unibanco Pompeia, em São Paulo). Cakoff sugeriu à Ancine um subsídio ao exibidor para o lançamento de filmes brasileiros num mínimo de dez salas no circuito nacional, nos moldes do que é empregado no cinema independente dos EUA.

Mesmo com um mercado atento a um cinema de maior bilheteria, nenhum de seus agentes despreza a função do cinema de autor, de linguagem mais experimental. Muitas vezes com um público excessivamente restrito, abaixo de 10 mil espectadores, esse segmento é o responsável por "arejar esteticamente" todo o processo do cinema nacional, nas palavras de Ismail Xavier, professor de cinema da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores intelectuais brasileiros na área.

"Há maneiras variadas de o cinema autoral e o comercial negociarem entre si. É um processo semelhante ao dos EUA, onde jovens talentos como [Francis Ford] Coppola, [Martin] Scorsese e Spike Lee se afirmaram e depois se incorporaram à grande indústria."

Xavier cita como exemplo "Notícias de uma Guerra Particular" (1999), de Kátia Lund e João Moreira Salles, documentário de 57 minutos sobre a questão do tráfico e da violência urbana no Rio feito para a TV paga. "Foi o filme que trouxe para o cinema o Paulo Lins, escritor de 'Cidade de Deus', e o Rodrigo Pimentel, capitão do Bope que foi produtor, roteirista e a inspiração para o capitão Nascimento de 'Tropa de Elite'. Um filme como esse, de circulação restrita, pode se desdobrar em outras coisas e provocar encontros inesperados."

Nos últimos anos, a força de outro agente tem sido relativizada pelo mercado: a influência mercadológica e estética da Globo Filmes. Com sucessos estrondosos de bilheteria como as franquias de "Os Normais" e "Se Eu Fosse Você" ou o drama "Olga", parte da crítica reclamou da dominação de uma linguagem televisiva nos cinemas. Mas as nuvens negras anunciadas perderam a força nos últimos tempos. Entre os filmes mais vistos neste ano, "O Bem Amado" e o último filme de Xuxa ("O Mistério de Feiurinha") foram avaliados como fiéis seguidores da estética Globo. Mas longas como "Tropa 2", "Besouro" e até o espírita "Chico Xavier" não foram analisados sob essa ótica.

"Isso é uma grande besteira. A maioria dos nossos filmes é feita por gente de cinema e não de TV", diz Wainer. O êxito da grife Globo Filmes nas bilheterias também é relativo, observa. Ao lado de sucessos como "Chico Xavier" (2010), o produtor contabiliza decepções como "Anjos do Sol" (2006) e "Antônia" (2007) - este último contou até com a exibição de uma série na Globo para dar impulso à estreia do filme, mas ficou abaixo dos 100 mil espectadores.

Para Xavier, a estética da TV sempre terá seu lugar no cinema brasileiro. "Nos EUA, quando a TV ascendeu, o cinema já estava implantadíssimo. Lá, os atores de cinema ainda são mais importantes que os da TV. Aqui, os atores são os mesmos. Você liga a TV e vê a Fernanda Montenegro."

Uma força incontestável, que apresentou forte crescimento ao longo da década, é o documentário. Favorecidos pelas novas tecnologias digitais, que barateiam a produção, os filmes desse gênero viram sua presença crescer vertiginosamente no circuito comercial - de 8 títulos lançados em 2001 para 26 lançados até outubro deste ano.

A variedade temática é enorme e vai da música à política. Numa ponta, há cineastas experimentais, como Cao Guimarães, de "Andarilho" (2008). Na outra, há José Padilha, cujo "Ônibus 174" (2002) é todo construído para a emoção, como seriam suas ficções seguintes.

Mas existe o outro lado da balança: a explosão da produção não é acompanhada pelo público - boa parte dos filmes desse gênero não chega a alcançar 10 mil espectadores, um entrave para os exibidores. "Para que fazer apenas 5 mil espectadores em sala? Falta a consciência de que nem todo produto é feito para passar no cinema. É preciso buscar outras mídias", avalia Cakoff. "Muitos filmes poderiam estar na TV, mas a janela cinema serve de vitrine para alguns documentários que depois vão se realizar melhor no DVD e na TV", analisa Adhemar de Oliveira. É o caso de "Loki - Arnaldo Batista", filme que fez 16 mil espectadores em sala e depois vendeu cerca de 8 mil DVDs.

Feito o balanço positivo, cabe perguntar: o que ainda falta ser explorado no cinema brasileiro? Todos apontam a consolidação dos gêneros de filmes como um dos sinais de amadurecimento da indústria. Ismail Xavier vê os filmes populares concentrados em dois grandes filões: as comédias e os filmes de realidade social, que usam a violência e trabalham uma dramaturgia clássica, com o emprego da figura de heróis e anti-heróis. "Falta amadurecer um certo tipo de ficção sobre a realidade urbana que não gire em torno da violência e vincule com mais sutileza o psicológico ao social", diz, ao citar como exemplo bem-sucedido nesse sentido o filme "Os Inquilinos" (2010), de Sérgio Bianchi. Para o professor, a onda espírita é sazonal e não deve durar.

Wainer, da Downtown, também confia na estabilidade dos gêneros - segundo seu levantamento, há um bom equilíbrio de sucesso entre três grandes gêneros: comédias, infantis e dramas épicos ou biográficos, como "Carandiru" e "Dois Filhos de Francisco". Ele sente falta de maior investimento em filmes de terror para o público jovem, como o espanhol "REC", o americano "Atividade Paranormal" e o tailandês "Espíritos", que rendem franquias duradouras e cujos produtores ainda faturam com a venda dos direitos para refilmagem.

Adhemar de Oliveira crê que os produtores deveriam investir mais nas comédias jovens urbanas, ao estilo "Se Beber não Case" - gênero preferido dos adolescentes e responsável por boa parte das bilheterias das salas, em especial nos shopping centers. Para os próximos meses, estão previstos alguns lançamentos que flertam com essa linha, como o juvenil "Desenrola" e as comédias "Muita Calma Nessa Hora", "De Pernas pro Ar" e "Cilada.com".

Mas um setor é preocupação unânime: o cinema infantil, que sofre com a concorrência das animações americanas ("A Era do Gelo", "Shrek") e o declínio de público de ícones desgastados como Xuxa e Renato Aragão. Um público estratégico para formar os espectadores do futuro, mas hoje cada vez mais segmentado entre TV aberta, TV paga e internet. "Os filmes infantis deveriam ser prioridade de políticas públicas e editais. Deixamos de 4 a 5 milhões de ingressos por ano para os filmes estrangeiros", diz Carlos Eduardo Rodrigues, da Globo Filmes.

"O sucesso terá de vir da internet ou de outros canais de nicho. Mas ainda não sabemos falar com essa nova criança e esse novo adolescente", diz Paulo Sérgio Almeida, do Filme B. "O mercado está atento, mas o surgimento de novos talentos do quilate de Xuxa e Aragão exigirá mais tempo", concorda Scherer, da Imagem Filmes, que em janeiro lançará o primeiro filme brasileiro em 3D, voltado ao público infantil - "Brasil Animado", de Mariana Caltabiano.

Reconhecidas as deficiências, o cinema nacional segue se profissionalizando e parece seguir um lema enunciado por Rodrigues, da Globo Filmes: "Atuar no maior número de gêneros e procurar a humildade de entender do que o público gosta e do que não gosta, em vez de impor cotas e obrigatoriedades."

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