segunda-feira, 8 de novembro de 2010

&&&&&

ENTREVISTA DA 2ª NICHOLAS BURNS

Brasil pós-Lula deve ajudar em democracia regional

Fonte: folha.uol.com.br 08/11

EX-NÚMERO 3 DA DIPLOMACIA DOS EUA DIZ QUE PAÍS CONQUISTOU UMA INFLUÊNCIA MUNDIAL QUE IMPLICA MAIS RESPONSABILI DADES

A saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro, pesará na percepção do mundo sobre o Brasil, diz o diplomata Nicholas Burns, o número 3 do Departamento de Estado dos EUA até 2008.
Nos últimos 15 anos, o país ganhou peso e influência.
Mas se consolidar como potência global implica assumir mais responsabilidades e ser mais vocal na "promoção da democracia", afirma.
Alvos? Venezuela e Cuba (embora ele seja contra o embargo americano).
E é aí que entra Dilma Rousseff, a quem Burns conheceu durante visita ao Brasil em 2007 e com quem se diz "impressionado".
Após um veemente "sim" ao ser indagado se muda algo aqui fora com a substituição de Lula por Dilma, o diplomata abre reticências ao contrapor a eleita com seus predecessores, Lula e Fernando Henrique Cardoso, que descreve como líderes de visão, carisma e dinamismo.
Para mostrar que está na mesma categoria, Dilma -que ele chama de "focada, inteligente e trabalhadora"- terá de se distanciar de seu padrinho político em questões como o Irã e o apoio ao regime cubano.
Burns recebeu a Folha na Kennedy School of Government, de Harvard, após as eleições nos EUA e no Brasil. Na conversa, evocou interesses comuns entre os dois países em contraposição à aliança brasileira com China, Índia, África do Sul e Rússia.



FOLHA - Como o sr. vê a mudança de peso do Brasil no palco global?
Nicholas Burns - Sob [Fernando Henrique] Cardoso e Lula, o Brasil se transformou, assumiu responsabilidades e virou uma força benéfica mais importante no continente. O país está se tornando mais poderoso economicamente, sobretudo após o pré-sal. Mas há uma questão de atitude. Lula deu ao Brasil autoconfiança.
Do ponto de vista americano, isso é positivo. Estamos entrando em um novo equilíbrio de poder global, em que é necessário que o Brasil e a Índia sejam mais ativos em um conjunto de desafios crescente, da mudança climática ao terrorismo, da proliferação nuclear à pobreza.

A sigla BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China], criada por investidores, se tornou política, embora hoje o BASIC (com a África do Sul em vez da Rússia) apareça mais. Essas alianças fazem sentido diplomaticamente?
Eles não são alinhados no sentido tradicional. Embora o BASIC tenha dado coerência à discussão sobre mudança climática, acho que os veremos mudar alianças e amizades conforme a questão.
Minha expectativa é que os EUA e o Brasil possam trabalhar juntos em uma série de questões - Haiti, promoção de estabilidade na América Central e maior democratização na América do Sul. Haverá divergências, como a proposta do Brasil e da Turquia ao Irã [sobre o programa nuclear, em maio]. Mas isso não deve solapar uma parceria global.
Vejo interesse para que EUA e Brasil colaborem mais entre si na ONU. Aliás, é hora de o Conselho de Segurança considerar o Brasil como membro permanente.

O sr. apoia essa candidatura?
O conselho reflete o equilíbrio de poderes no mundo em 1945. Cá estamos, em um mundo com desafios e oportunidades totalmente diferentes. Um conselho sem o Japão, a Índia, o Brasil e um país da África não é relevante para o nosso tempo.

Então o Conselho de Segurança ainda é a instância diplomática mais importante, mesmo tendo perdido peso?
A governança global está mudando. Vimos a ascensão do G20 como grupo principal de decisões econômicas, pois precisamos desses países para tomar decisões globais. O mesmo vale do lado político.
Talvez o Conselho de Segurança tenha perdido parte do poder e da influência que teve um dia, mas ainda é a instância de maior credibilidade para decisões como sanções ou uso da força militar contra um país. Por isso é importante modernizá-lo.

O sr. citou democracia e Venezuela. Como vê a relação do Brasil aí?
O Brasil, sob Lula, virou um país mais influente e consequencialista [que crê que os fins justifiquem os meios], o que é positivo para nossa região. Admiro seu histórico.
Mas não concordo com tudo que ele fez. Espero que, sob Dilma Rousseff, o Brasil possa continuar a se tornar um país que promova a democracia no hemisfério.

O Brasil deveria se pronunciar mais sobre isso?
Sim. Eu sugeriria respeitosamente que fosse dada mais atenção à promoção da democracia nos difíceis casos de Cuba e da Venezuela, onde o presidente Chávez tem sido inimigo da democracia na forma como usa o poder. Seria um serviço à região.

O governo Lula quer para o Brasil o papel de mediador, e isso é claro quanto ao Irã. Esse papel lhe cabe, já que hoje ele parece ter chance de ser ouvido pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad?
O mundo precisa de mais pacificadores e mediadores, e o Brasil está bem colocado para isso, dada sua boa reputação internacional.
Mas a proposta turco-brasileira foi muito leniente com o Irã e veio no momento errado, quando o Conselho de Segurança estava prestes a aprovar sanções. Espero que o Brasil e os EUA possam trabalhar nisso mais juntos, em estratégia e em tática.

Como a proposta foi recebida pelo governo aqui?
Não posso falar pelo governo, mas minha impressão é que foi mal recebida. Europeus, EUA, Rússia e China, países sérios, dedicaram muito tempo a esse assunto e se frustraram com a recusa do governo iraniano em se submeter à lei internacional.
Ver esse governo ser ajudado pelo Brasil e pela Turquia... Foi um erro tático, e acho que feriu a reputação internacional dos dois.

Qual seria o caminho mais inteligente a tomar?
Se o restante do mundo agir de forma unificada, apoiar sanções mas também a diplomacia e a negociação, haverá uma chance de convencer o Irã a agir de forma razoável. Essa chance aumenta se países como a China, o Brasil e a Turquia apoiarem o que o restante da comunidade internacional tenta fazer.

O sr. já me disse que mudará a percepção externa do Brasil quando Lula sair. Como?
O Brasil sempre será um Estado poderoso por conta da economia, população e geografia. Dito isso, pesa a personalidade, o carisma, o dinamismo e a visão de um líder. Cardoso tinha, Lula tem.
Estou muito impressionado com Dilma Rousseff, pela campanha que ela fez e por sua performance no governo. Ela é séria, inteligente, focada e trabalha duro. São qualidades importantes para liderança internacional.
Claro que ela é diferente de Lula, então espero que priorize algumas coisas diferentes, mas que também haja continuidade. Creio que o Brasil manterá sua trajetória para se tornar um país cada vez mais influente no mundo.

O país consolidou a posição que tem hoje?
Espero que sim. Seja em redução da pobreza ou biocombustíveis, o Brasil tem um papel importante. E, uma vez que um país se torna poderoso, ele precisa manter seu interesse no resto do mundo.

&&&&

Bancos estatais patrocinam evento de juízes em resort

Fonte: folha.uol.com.br 08/11

Encontro na Bahia terá palestras, oficinas de golfe e arco e flecha, jantar e show

Cada juiz paga R$ 750 por quatro dias em hotel cujas diárias chegam a R$ 4.000; encontro é chamado de "0800"

Empresas públicas e privadas patrocinarão nesta semana encontro de juízes federais em luxuoso resort na ilha de Comandatuba, na Bahia, evento organizado pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).
Cada magistrado desembolsará apenas R$ 750. Terá todas as despesas pagas, exceto passagens aéreas, e poderá ocupar, de quarta-feira a sábado, apartamentos de luxo e bangalôs cujas diárias variam de R$ 900 a R$ 4.000.
A diferença deverá ser coberta por Caixa Econômica Federal (com patrocínio de R$ 280 mil), Banco do Brasil (R$ 100 mil), Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (R$ 60 mil), Souza Cruz, Eletrobras e Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).
Os três últimos não quiseram informar o valor pago pelo patrocínio.
Entre os juízes, este tipo de encontro subsidiado é chamado de "0800", em referência às chamadas telefônicas gratuitas.
A cobertura dos gastos vale para os acompanhantes dos juízes, que também só pagarão a taxa de inscrição. O evento deverá reunir cerca de 700 pessoas.
O encontro prevê "programação científica" (quatro palestras) e assembleia geral.
A maior parte do tempo será dedicada a competições e atividades esportivas (como oficinas de golfe e arco e flecha), além da programação social (jantar de abertura e show no encerramento).

ÉTICA
A prática não é nova e divide opiniões entre magistrados. O presidente do Conselho da Justiça Federal, ministro Ari Pargendler, presidente do Superior Tribunal de Justiça, recusou o convite da Ajufe para realizar sessão do colegiado em Comandatuba.
"É de clareza meridiana o princípio ético segundo o qual todo e qualquer magistrado deve ser responsável por suas próprias despesas e as de seus acompanhantes, sem qualquer exceção", diz o juiz estadual Newton Fabrício, do Rio Grande do Sul.
Ele foi um dos organizadores do Manifesto pela Ética, em 2005, quando juízes gaúchos criticaram a atuação política do então presidente do STF, ministro Nelson Jobim.
Segundo Fabrício, "o evento poderia ser realizado em escola da magistratura, tribunal ou universidade, com baixo custo, segurança e sem patrocínio".
Ele lembra que a Emenda Constitucional nº 45 veda aos juízes receber auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou de empresas.
Na gestão anterior, a Ajufe sofreu ação civil pública (arquivada) por usar recursos da Caixa em jantar de inauguração de um prédio da Justiça Federal.
A entidade atuou como intermediária do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ao captar recursos de empresas para evento de juízes em resort no Rio de Janeiro.
A Ajufe também coordenou a coleta de dinheiro para o jantar em homenagem à posse do ministro Dias Toffoli, do STF, quando a Caixa participou com R$ 40 mil.
A Ajufe não forneceu a lista de patrocinadores nem a programação do evento.

&&&&

Cenário promissor para a inovação no país

Fonte: folha.uol.com.br 08/11

SERGIO MACHADO REZENDE e RONALDO MOTA

Ainda que haja longo caminho a percorrer, as empresas já incorporam a inovação em seus processos produtivos, tornando-se mais competitivas


Inovação compreende um produto ou processo novo, bem como a introdução de uma qualidade ou funcionalidade inédita de produto já existente; é fator decisivo para a competitividade das empresas. A atividade de inovação tecnológica requer a participação de engenheiros e cientistas, preponderantemente com formação pós-graduada.
Apesar do início tardio, a pós-graduação brasileira avança rapidamente. O número de mestres e doutores formados passou de cerca de 5.000 em 1987 para quase 50 mil em 2009.
A ciência avançou muito no Brasil; no entanto, a inovação tecnológica em nossas empresas ainda é tímida. Tal situação decorre da carência de cultura de inovação no ambiente empresarial e da insuficiente articulação entre política industrial e ciência e tecnologia.
Até recentemente, o principal instrumento para apoiar a inovação era o crédito da Agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com juros da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) mais 5%.
Mas isso está mudando. Inovação é, hoje, uma das prioridades da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação 2007-2010 (Pacti).
Com a Lei de Inovação (2004) e a Lei do Bem (2005), as empresas passaram a contar com instrumentos mais amplos e efetivos.
A subvenção econômica viabilizou a concessão de mais de R$ 2 bilhões não reembolsáveis para empresas realizarem inovação. Tal valor é complementado por outros investimentos reembolsáveis da Finep e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de créditos com juros muito baixos.
O Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe) aporta recursos para as pequenas e médias empresas em operação com parceiros estaduais. Adicionalmente, existem hoje mais de 30 fundos de capital de risco, com mais de R$ 3 bilhões para investir. O Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime) concedeu em 2009 subvenção econômica para 1.381 empresas, por meio de parcerias com 17 incubadoras.
O Programa RHAE-Pesquisador na Empresa, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), concede bolsas para mestres e doutores atuarem nas empresas, tendo contemplado, nos anos de 2008 e 2009, mais de 300 empresas, possibilitando a inserção de 507 mestres e doutores e 550 técnicos nas equipes de trabalho.
A Lei do Bem concede incentivos fiscais para empresas que realizem atividades de inovação. Em 2006, 130 empresas declararam investimentos de R$ 2,2 bilhões. Já em 2009, 635 empresas investiram mais de R$ 9,1 bilhões.
O mais recente estímulo para inovação vem da medida provisória 495/2010, que altera a lei de licitações públicas ao conceder a margem de preferência de até 25% nas licitações estatais às empresas que investem em inovação.
Para fomentar a interação universidade-empresa, o governo federal implantou o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), formado por 56 redes de núcleos de pesquisa e desenvolvimento, sendo 14 redes de centros de inovação, 20 de serviços tecnológicos e 22 de extensão organizadas nos Estados. Ainda há um longo caminho, mas passos importantes têm sido dados na direção correta.
As empresas já incorporam a inovação em seus processos produtivos, tornando-se mais competitivas e mais lucrativas. Isso oferece condições para a conquista de novos mercados. O país começa a formar uma nova geração de empresários, empreendedores em tecnologia.


SERGIO MACHADO REZENDE é ministro da Ciência e Tecnologia.

RONALDO MOTA é secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia.

&&&&

RUY CASTRO

Fonte: folha.uol.com.br 08/11


Alguém abre um livro

RIO DE JANEIRO - Outro dia, falando num encontro de livreiros, eu dizia que todos nós, que trabalhamos com livros -que os escrevemos, editamos, distribuímos, vendemos ou promovemos-, devíamos nos sentir privilegiados. Nosso produto não anuncia na TV, não é vendido na farmácia junto com os xampus, fraldas e chinelos e, para ser apreciado, precisa ser lido linha a linha e ainda temos de lamber o dedo para virar a página. Mas, toda vez que um brasileiro abre um livro, o Brasil melhora.
Tal afirmação ameaça parecer uma pieguice poética num país que, segundo o novo relatório divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), pode estar em 73º lugar no ranking mundial de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) -o que, em si, já é uma vergonha-, mas, num dos itens mais importantes, empata com o Zimbábue, que, em 169º no ranking, é o mais atrasado do mundo.
Nossos estudantes passam o mesmo número de anos na escola que os infelizes zimbabuenses -os quais precisam lutar para não morrer de fome em criança ou de Aids em adulto, além de ter de viver correndo do leão. Nossos garotos não têm um leão nos calcanhares e ainda podem empinar pipa na laje ou brincar de médico com a vizinha. Talvez por isto fiquem apenas 7,2 anos na escola, contra 12,6 anos da Noruega, que está em 1º no IDH.
Não se sabe o que os noruegueses fazem com tanta educação. Mas o Brasil também não tem se notabilizado pelos seus cientistas, filósofos ou professores. Na verdade, o que mais produzimos são cabeças-de-área, duplas caipiras e flanelinhas -e, se já é difícil hoje fazer um país com eles, imagine no futuro.
Por isso, quando alguém abre um livro por aqui, é por conta própria, à margem do Brasil oficial. Significa que essa pessoa tem uma meta pessoal e está usando a cabeça para persegui-la.

&&&&

Obras da África dependem de festivais

Fonte: folha.uol.com.br 08/11

"Quero ajudar a construir a memória do Chade. Quando comecei a filmar, me perguntei: o que eu tenho dentro da minha cabeça como imagem do meu país? Nada, porque ninguém nunca filmou."
Com essa frase, o cineasta Mahamat-Saleh Haroun mostra o quanto fazer cinema num país africano tende a ser um voo de pássaro isolado.
Se isso traz certa liberdade artística? "Não, o que traz é uma grande solidão. Uma imagem não pode existir sozinha. Ela tem que fazer parte de outras imagens, se relacionar."
Além de Haroun, o Chade tem um segundo diretor de filmes ficcionais e uma documentarista que, por ter mostrado, de maneira crua e radical, a violência da guerra civil, chegou a sofrer ameaças de morte.
Na maioria dos países africanos as coisas são mais ou menos assim. "Mesmo quando filmam, os cineastas africanos não conseguem se comunicar com seu público porque o público, simplesmente, não tem acesso aos filmes", diz Christian Boudier, que trabalhou no financiamento a filmes africanos no Ministério da Cultura, na França, e lançará "Um Homem que Grita" no Brasil.
"O Haroun e outros da sua geração são financiados pela Europa e dependem dos festivais para mostrar os filmes", anota, referindo-se a nomes como Souleymane Cissé, do Mali, e Idrissa Ouedraogo, de Burkina Faso.
As exceções à ausência de imagens próprias são países como Marrocos, Tunísia, África do Sul e Nigéria. Em Burkina Faso a produção não é grande, mas é conhecida pela qualidade. Além disso, o país é sede de um grande festival de cinema africano, mundialmente respeitado.
É esse, inclusive, o evento-farol de Zózimo Bulbul, organizador do 4º Encontro de Cinema Negro, que será aberto hoje no Rio e se estende até o dia 14 em cinco salas.
"Esse festival de Burkina Farso exibe uns 500 filmes", diz Bulbul. "Nem todos são bons, claro, mas isso mostra que a África está tentando se comunicar pelo audiovisual. O problema é que o mundo não se interessa pelo que se produz lá."
O encontro brasileiro, que terá Haroun num debate, na quarta-feira, reúne produções da Nigéria, da África do Sul e da Costa do Marfim.

&&&&

Diretor filma a sociedade ferida de um país sem sala de cinema

Fonte: folha.uol.com.br 08/11

"Um Homem que Grita", de Mahamat-Saleh Haroun, marcou o retorno da África a Cannes

Longa que estreia no país em 19/11 conta a história de um nadador que perde o emprego na piscina de um hotel

No Chade não há nem mar nem cinema. Pois foi nesse canto do mundo que Mahamat-Saleh Haroun, que filmou a paixão de um homem pela água e ganhou o prêmio do júri no último Festival de Cannes, nasceu.
"Um Homem que Grita", que estreia no Brasil no próximo dia 19, marcou o retorno do cinema africano a Cannes após mais de uma década de ausência e fez de Haroun um herói.
Exilado em Paris, o cineasta, depois do prêmio, foi chamado pelo governo do Chade para uma conversa. O presidente do país criou um fundo público para financiar produções cinematográficas e quer que Haroun participe da criação de uma escola de cinema no Chade.
"Fui recebido como um chefe de Estado. Desfilei em carro aberto e tudo", diz. "Diziam que tínhamos ganho a Copa do Mundo do cinema. O prêmio tocou o país. Começaram a achar que, apesar de não termos quase nada, podíamos ter arte."
Em dezembro, "Um Homem que Grita" vai inaugurar a primeira sala de cinema do Chade. Elas existiram um dia. Mas, com o início da guerra civil, há quatro décadas, todas foram fechadas.
Haroun conta que, até hoje, seus filmes só puderam ser vistos em videoclubes. Ao notar certa surpresa no olhar da repórter, passa os dedos pela testa: "É esse meu país. Temos muito, muito pouco."

ROSTO DE MULHER
E o que faz alguém nascido no Chade escolher o cinema como ofício? "Ah, é uma história de amor. Me apaixonei em 1969", conta, como se falasse de uma mulher. Num cinema de Abéché, sua cidade natal, ele foi, com o tio, ver um filme de Bollywood.
O filme corria normalmente quando, de repente, uma atriz belíssima teve o rosto fechado em close e sorriu para a câmera. Haroun, então com apenas nove anos, teve a certeza de que ela havia sorrido para ele.
"A sensação foi tão marcante que ainda me lembro desse rosto", diz.
O sonho infantil ganhou forma quando, aos 15 anos, viu "Roma, Cidade Aberta", de Roberto Rossellini. "Pensei: Tenho que fazer a mesma coisa que ele." A essa altura, viu um anúncio de um curso de cinema em Paris. Recortou o endereço. Guardou bem guardado o papelzinho.
Aos 21, conseguiu ir para Paris e procurou o endereço. Lá estava o Conservatório de Cinema.

MARCAS DA GUERRA
Entre Rossellini e a "rue de Delta" houve, porém, o drama da guerra. Haroun, aos 19 anos, foi atingido por um tiro. Com o Chade em frangalhos, o pai teve de levá-lo para hospitais de Camarões e da Líbia.
E se Mahamat-Saleh Haroun escapou é porque nasceu numa família com condições de mover-se. Seu pai começou a vida como professor e tornou-se diplomata.
Mas marca de guerra é daquelas que ficam. E elas estão em Haroun e em suas imagens.
"Um Homem que Grita", seu quarto longa, conta a história de um campeão de natação que, após perder o emprego na piscina de um hotel, se sente aniquilado. Mas sua ideia é mostrar uma sociedade ferida. "Nos acostumamos à guerra, mas vamos sendo minados por ela."

ESPELHO
O cineasta tem mulher e filhos em Paris, mas todo o resto da sua família vive no Chade, onde ele sempre está - pelas raízes e pelo cinema.
"Só me interessa fazer filmes se for para mostrar minha gente. Quero que as pessoas se vejam num espelho, que se vejam transformadas em heróis, no sentido de ter a própria realidade contada", diz o cineasta.
Depois de terminar o curso de cinema em Paris, Haroun trabalhou como vigia e jornalista. Apenas em 1994 fez o primeiro curta-metragem, "Maral Tainé".
Exibido num cineclube no Chade, vendeu mais ingressos que "O Exterminador do Futuro". "Não tive dúvidas, a partir dali, de que, por mais que parecesse uma coisa maluca, tinha sentido o que eu estava fazendo."

&&&&

-

Um país em transição

Fonte: valoronline.com.br 07/11

Depois de uma campanha tensa, marcada mais pela agressividade que pelas propostas, começa o período de transição para o novo governo. A presidente eleita, Dilma Rousseff, vai encontrar pela frente desafios sérios e problemas antigos. Para cumprir a promessa de manter o crescimento acelerado e a forte redução da miséria, será obrigada a atacar as barreiras que conseguiram segurar seus dois antecessores, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

O Valor convidou quatro professores da Universidade de São Paulo (USP) para debater o novo momento político que se abre no país. A mesa-redonda contou com os filósofos Renato Janine Ribeiro e Vladimir Safatle e os cientistas políticos Lourdes Sola e Brasilio Sallum. Os quatro, que acompanharam de perto o processo eleitoral, consideram que a nova presidente terá tanta dificuldade para aprovar reformas estruturais quanto seus antecessores. Mesmo a maioria considerável de sua coalizão nas duas casas do Congresso não garantem o sucesso em temas mais delicados, como a reforma tributária e a reforma política, em virtude do caráter heterogêneo dos partidos que a sustentam.

Por outro lado, uma influência excessiva, seja de Lula ou de Michel Temer, no governo foi considerada como algo pouco provável. Apesar da força com que o PMDB entra na futura gestão e apesar da força do presidente sobre sua sucessora e seu partido, o poder de decisão caberá, na avaliação dos intelectuais, à presidente eleita. Seu grau de autonomia dependerá da equipe que consiga montar e do desempenho da economia nos primeiros momentos do novo governo.

Leia, a seguir, trechos editados do debate que ocorreu no fim da tarde de segunda-feira, ao longo de 3h30, na sede do Valor, em São Paulo.

Novo governo

Vladimir Safatle: O governo Dilma tem um conjunto de condições favoráveis, como a maioria na Câmara e no Senado. Além disso, Dilma terá um país que cresce a 7% e não tem oposição à esquerda. As possibilidades que tem de governar bem são reais.

Lourdes Sola: No Brasil não se governa sem dois eixos: o parlamentar e o federativo. Do ponto de vista parlamentar, o desafio de Dilma será manter uma base bastante heterogênea. Dependendo dos recursos e do desempenho da economia - que deve ser não de 7%, mas de 5% -, a margem de manobra é alta. A questão que está em aberto é como ficará o eixo federativo. Falo de Estados poderosos, com orçamentos poderosos. Como isso vai se delinear? Não dá para dizer.

Brasilio Sallum: A conversão da maioria eleitoral em coalizão de governo vai ser problemática. Quando Lula foi incorporando esses partidos, ele o fez de cima para baixo, cedendo cargos e verbas orçamentárias. Mas ele o fez a partir da condição de já presidente. Estendeu a mão para tal e tal grupo para conseguir a maioria no Congresso. Agora a situação é diferente. Partidos vitoriosos, como o PSB, que, como vitoriosos, vão negociar com a nova presidente. E Dilma, embora tenha a legitimidade de ter sido eleita, não tem tradição de liderança nem sobre seu partido. Não se trata só de distribuir cargos entre aliados, mas de fazer essa distribuição conservando a capacidade de dar uma diretriz. Uma das dificuldades das coalizões heterogêneas é fazer com que a liderança perca a capacidade de dar essa diretriz. Isso produz efeitos imediatos no primeiro ano de governo, quando se pode fazer algo, como acontece em governos de quatro anos. Depois há coincidência com os períodos eleitorais.

Renato Janine Ribeiro: Discordo de que seja no primeiro ano do mandato quadrienal que as coisas devem ser feitas. Estive no governo [como diretor de avaliação da Fundação Capes] e o que vi foi diferente. Quando há alternância, não há quase o que fazer no primeiro ano. O orçamento foi votado pelo antecessor, as alianças ainda não estão solidificadas, muita gente do governo anterior continua presente. O segundo ano é eleitoral e o ano em que o governo nada de braçada é o terceiro. Com a reeleição, você tem a possibilidade de que, em tese, o segundo mandato inteiro seja mais tranquilo nesse sentido. Neste caso, o governo Dilma é de continuidade, quadros do governo Lula vão ficar. Além disso, ao longo desses oito anos, passamos a ter quadros de centro-esquerda aptos a gerir o Estado brasileiro. Antes tínhamos quadros basicamente de direita e centro-direita. Agora temos condições, qualquer que seja o partido vencedor, de ter quadros gestores qualificados. Isso é uma novidade no Brasil e muda a configuração do exercício do poder.

Lourdes: Lula teve aquilo que é característico do governo que começa: transformar coalizão eleitoral em coalizão de governo que dê estabilidade a ele e a seu projeto. Todo governo que começa tem de fazer isso e é quando entra a liderança. No caso em pauta, é o contrário: uma coalizão governamental que foi montada para ser coalizão eleitoral. Não deixa de ser heterogênea. A capacidade de liderar de Dilma e de seus auxiliares terá de se manifestar para manter a coesão desse eixo parlamentar. Outra dúvida é a relação entre o governo e o PT. Sempre foi clara a relação de Lula com o partido, por conta de sua história e sua relação carismática.

Janine: Tivemos a sorte de ter duas pessoas [Fernando Henrique e Lula] que puderam fazer uma série de mudanças no Brasil com grande apoio e vamos ter uma pessoa de perfil mais baixo, que vai ter de negociar mais. Mas o normal da política é esse. Estamos diante de uma nova presidente que é uma pessoa normal. Não podemos esperar dela o que podíamos esperar de seus dois antecessores. Que ela toque bem seus dossiês, cuide bem das coisas, sim. Ela tem uma vantagem, a maioria ampla que Lula nunca teve, mas por outro lado a personalidade dela não é tão forte quanto a dele. Uma coisa pode equilibrar a outra. Líderes são personagens raros mundo afora. A França, desde o fim da Primeira Guerra, com [George] Clemenceau, teve dois líderes: [Charles] de Gaulle e [François] Mitterrand. O resto é gente normal. O atual presidente é normalíssimo, normal para baixo.

Safatle: A coalizão de Dilma é menos heterodoxa do que a de Lula, se pensarmos que ela pode fazer funcionar o governo com cinco partidos, tendo com quatro deles afinidade ideológica: PT, PC do B, PSB e PDT. O quinto é o PMDB. Tudo bem que o PMDB nunca vai como um bloco, mas podemos ver que a coalizão é muito mais homogênea do que parece. Ela não é tão dependente quanto era o Lula desses partidos menores, PP, PR etc., que são muito fora do universo normal do PT.

Janine: Quando FHC foi eleito, Maria da Conceição Tavares disse que dificilmente ele poderia passar a perna em ACM [Antonio Carlos Magalhães]. Durante dois anos pareceu que ACM tinha todo o peso. Aos poucos, ele e seu partido, o PFL, foram tendo seu peso reduzido. O fato de Dilma ser a presidente tem peso grande, por mais que Michel Temer [PMDB] seja um fiador do poder do governo no Congresso. No fim das contas, quem tem o poder presidencial é Dilma. Por outro lado, não temos uma liderança como Lula ou FHC para enfrentar o Congresso. Dilma se beneficia de uma maioria mais ampla, mas se prejudica por não ter o mesmo carisma ou habilidade discursiva. A situação não vai se definir no primeiro ano. E entra no paradoxo do PMDB, que é um partido como nenhum outro no mundo, com bancada grande, geralmente a maior do Congresso, e reúne tudo o que há em política. Trata-se de um partido que nunca vai junto todinho, sempre tem um segmento na oposição e uma maioria no governo.

Oposição

Sallum: As oposições se comportaram de maneira tradicional nos últimos oito anos. Identificou política com "Diário Oficial", isto é, governa quem administra. A política fica para o período eleitoral. Já a situação fez o que deve ser feito: política o tempo inteiro. Lula moldou as expectativas do eleitorado, por meio da capacidade que tem de pautar a opinião pública. Isso foi algo importante. Lula não tem 80% de popularidade apenas porque as pessoas estão numa situação econômica melhor. Elas foram pautadas para não ver defeitos. Bordões como o "nunca antes" são mecanismos de produção de cenário político, como qualquer político tenta fazer. A oposição não fez isso, não se comportou como o PT se comportava antes, produzindo a própria pauta. A oposição deixou essa disputa para o período eleitoral. Você não acredita que está tudo bem, mas de repente muda de ideia porque os candidatos o dizem. Isso produziu incerteza no marketing do Serra. Como ele vai se opor a uma situação em que parece que está tudo bem? A oposição produziu uma boa parte da sua derrota.

Janine: Vi diversas manifestações de opositores, como o próprio Fernando Henrique ou o [senador] Arthur Virgílio [PSDB-AM], batendo o tempo inteiro em Lula e em seu governo. O que você quer dizer é que fazer oposição é algo mais sofisticado?

Sallum: Estou falando de estabelecer uma pauta para a discussão política, produzir na mente da população uma forma diferente de fazer pensar o país, disputar espaço simbólico.

Janine: A imprensa, por exemplo, não tentou produzir essa forma de pensar, com os ataques constantes ao governo?

Sallum: A oposição pontual, como foi feita, não tem sentido. Entendo por oposição aquilo que o PT fazia: disputar o tempo todo a pauta simbólica. Sem isso, a Presidência da República, seja quem for que a ocupe, domina demais a agenda do debate político.

Safatle: Essa questão não seria também uma dificuldade produzida pelo governo Lula? Ele conseguiu em grande medida ser o governo e a oposição, monopolizava a pauta do que seria uma oposição conservadora e a da esquerda também.

Valor: Seria a oposição pela oposição?

Lourdes: Não. Se houver projeto e coerência para discutir e propor, pode-se fazer oposição. Senão, não se faz. O que tivemos foram respostas reativas, que podiam ser mais ou menos agressivas, mas eram só isso. Isso aconteceu a partir do momento em que se perdeu um horizonte comum para as reformas, como havia no caso da tributária e da previdenciária, com negociações, ao menos em torno do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços]. Não se chega a acordo em grande medida porque o país é desigual do ponto de vista federativo. Também contesto a ideia de que Aécio é inteiramente conciliador. No início da campanha, quando era preciso fazer discurso radical, ele foi mais radical do que Serra.

Janine: Aécio é a incógnita da política brasileira. Não temos como saber o que representa.

Lourdes: É por isso que precisamos da concorrência interna. Viva a concorrência interna.

Safatle: No segundo mandato de Lula, a oposição ficou desnorteada porque perdeu espaço. O governo Lula ocupou todos. Foi, no fundo, uma espécie de Mata-Hari do capitalismo global. Um agente duplo. Não há nenhum líder global que consiga ser aplaudido em Davos e no Fórum Social Mundial. Essa capacidade que ele tem de jogar em todos os campos é única. Não conheço nenhum presidente que depois de oito anos de mandato consiga ir à porta da fábrica da Mercedes-Benz às 5h30 e seja aplaudido. A capacidade de Lula foi caminhar de um lado a outro da sociedade brasileira oferecendo alguma coisa para os dois polos. Não era só reconhecimento simbólico. Era um dado efetivo de verificação da mudança das condições de vida. Talvez não haja mais espaço para isso no Brasil, mas em todo caso desarticulou qualquer possibilidade de ter uma oposição com discurso, com visão de partido. Porque Lula conseguiu oferecer as duas visões ao mesmo tempo, a visão de país que o governo fornecia e a que a oposição deveria oferecer.

Valor: Como vai ser isso agora?

Safatle: É a grande incógnita. Lula conseguiu transpor todos os conflitos sociais para dentro do Estado. O conflito entre a reforma agrária e o agronegócio tornou-se um conflito entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O conflito entre os defensores dos direitos humanos e as viúvas da ditadura militar tornou-se um conflito entre a Secretaria dos Direitos Humanos e o Ministério da Defesa. O conflito entre os desenvolvimentistas e os monetaristas tornou-se conflito entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Isso desnorteou a oposição. Como ser contra o governo? O governo já era contra si mesmo. O que se podia fazer seria tomar partido por um dos lados do governo. É um terremoto.

Liderança e sucessão

Lourdes: Liderança pressupõe dotação de recursos simbólicos. Não tenho dúvida do peso simbólico de Lula, que levou a uma deferência para com ele, inclusive na oposição. Não é apenas por cálculo político e eleitoral que a oposição evitou hostilizá-lo. Não tenho elementos para considerar que Dilma tenha essa dotação. Acho que não tem. Talvez isso não seja tão problemático, considerando a assessoria qualificada que tem, passando por Luiz Dulci e Antonio Palocci. Mas temos que perguntar quem vai mandar. Essas transições têm acordos implícitos, que não vemos. Quem vai mandar depende do acordo que houve entre Dilma e Lula. Se existe um horizonte imaginado em 2014 para Lula ou quem quer que seja. E nesse caso o grau de independência e autonomia é variável. Nos próximos dois ou três meses, teremos imprevisibilidades, não das regras democráticas, mas da conjuntura, que é contingente, mas pode definir alinhamentos e lealdade.

Janine: Essa eleição parece ter esgotado o estoque de candidatos com que lidávamos havia um quarto de século. Lula foi candidato a presidente por todo esse tempo. Serra é um nome cogitado para a Presidência desde o fim dos anos 80. O PT terá em 2014 como candidata natural a presidente eleita. Se não puder ser candidata, se o PT estiver numa crise, vão forçar uma nova candidatura do Lula. Não creio que seja o plano A, mas o plano B pode ser. Para o PT, a data para a qual ele precisa ter um candidato presidencial é 2018. Para o PSDB, é 2014. As declarações de Serra no domingo deixaram claro que ele pretende ser candidato de novo. Diz que o eleitorado não o quis "agora". Usou metáforas que me assustaram, como "cavar trincheiras", "construir uma fortaleza", demonstrando disposição quase guerreira em relação à política, ao contrário da mensagem de Aécio e da mão estendida no discurso da Dilma. O fato de não ter saudado o Aécio na declaração dele me pareceu espantoso. O PT parece ter déficit de nomes para o futuro e o PSDB tem, neste momento, superávit preocupante, com dois nomes que, se entrarem em disputa, vão sangrar o partido. Se houver disputa entre os dois, o risco de o partido rachar e perder a competitividade é grande.

Carregando...Lourdes: Essa situação de ter dois, três candidatos dentro do PSDB, dependendo de como o partido se reestruture, pode ser saudável. Não aposto que venha a ser Serra o próximo candidato. O que se diz na hora de um discurso é uma coisa, mas o que vai acontecer depende da dinâmica interna do partido e da capacidade de reestruturação de uma certa liderança. Mas vejo com excelentes olhos a disputa interna e melhores olhos ainda a possibilidade de que desloque o eixo federativo para outros Estados. Pode até emergir outra liderança, não a vejo no momento, mas pode surgir, com um poder intergeneracional maior. Vai depender de muitos fatores, inclusive da eventual reforma política, que está no horizonte do próximo governo. Nossos partidos precisam dessa disputa interna e é uma das minhas críticas ao PSDB, essa falta de fazer a disputa interna abertamente. Muito provavelmente o Serra ganharia, mas a legitimidade seria de outra ordem. Da mesma maneira como, no episódio da reeleição, o plebiscito faltou. Não haveria argumentos sobre manipulação da votação.

Janine: No PSDB, pode haver um conflito entre eleitos e não eleitos. Observe-se que os mais radicais não foram eleitos: Tasso Jereissati [CE], Arthur Virgílio [AM], o próprio Serra. Precisamos ver como vão se reacomodar. Em princípio, os eleitos deveriam ter mais peso, mas isso não é óbvio. Como se dá essa passagem de geração? Uma geração culmina e termina. A partir de agora, teremos uma geração chegando aos grandes cargos que não passou pela luta contra a ditadura. No caso do PT, o que parece é o seguinte: candidatos à Presidência são em geral governadores bem-sucedidos ou ministros bem-sucedidos. Hoje o PT tem dois governadores de destaque, talvez pudéssemos agregar ex-governadores, como Jorge Viana [AC], mas que é de um Estado pequeno, mas tem o Tarso Genro [RS] e o Jacques Wagner [BA], que em 2018 estarão com idade avançada. Talvez o melhor jogo para o PT seja tentar habilitar ministros da nova gestão a serem competitivos. Lula foi um líder carismático a tal ponto que pôde apontar no dedaço a sua sucessora. Mas é improvável que isso suceda de novo em 2018. Toda uma geração que se formou na luta contra a ditadura está passando o bastão. A Dilma, que se formou na luta contra a ditadura, só foi disputar uma eleição muito depois do fim da ditadura.

Eleições 2010

Lourdes: Vejo um esgotamento do modo de competição que houve até agora no Brasil. A relação com o marqueteiro e com o pesquisador e o consultor político. Em 2002, primeira candidatura Serra. Assisti a cenas em que marqueteiros importantes do PSDB vinham dizer que não se podia apresentar Fernando Henrique, visto como elite pelo eleitor. Isso é o inverso da atividade política. No mesmo momento, o PT fazia pesquisas políticas e, muito corretamente, para interferir e mudar o éthos e o páthos do eleitor. As pesquisas qualitativas indicavam preconceito das mulheres para com o Lula. Duda Mendonça alterou o padrão da campanha para atrair as mulheres. No PSDB houve o contrário. O marqueteiro-mor vinha avisar que não era possível usar FHC, tinham de escondê-lo, em vez de fazer da pesquisa um lugar de conhecimento para interferir. Isso é uma fraqueza. O marketing está se esgotando do ponto de vista do "só emocional" e o debate como tem sido feito. Ninguém mais aguenta isso. Há outros mecanismos de competição eleitoral, diferentes da submissão ao marqueteiro.

Sallum: Estas eleições não foram críticas. Não estavam em jogo visões radicalmente distintas de relação entre o Estado e a sociedade. Em 1989 era assim, Collor e Lula tinham projetos distintos, e em 1994 a questão era o Plano Real ou não. Agora, não. Foram eleições regulares, em que houve diferenças entre as coalizões, mas não grandes diferenças estratégicas em jogo. Ou seja, vivemos no Brasil uma forma de Estado verdadeiramente estável, que está fundado em dois pilares: a Constituição de 1988 e o Plano Real, com as reformas que se seguiram imediatamente. Com esses dois pilares, a forma do Estado que temos é estável, tanto do ponto de vista da economia, em que é moderadamente liberal, quanto da democracia. Havia coisas em jogo nesta eleição diferentes: formas distintas de combinação dos três ideários básicos que disputam o predomínio desde os 1990 até agora na vida política nacional.

Valor: Quais são?

Carregando...Sallum: Primeiro, o ideário neoliberal, que é cadente; depois um ideário que denomino "liberal-desenvolvimentista", preocupado em reciclar o desenvolvimentismo em período de globalização, poderíamos chamar também de desenvolvimentismo de integração competitiva, como se dizia nos anos 1980; e um terceiro ideário, que poderíamos chamar de estatal-distributivista. Esses três ideários marcaram todos os governos dos anos 90 para cá. O Serra, basicamente, está marcado pelo liberal-desenvolvimentista. É um desenvolvimentista reciclado pelo mundo da globalização, mas o predomínio de uma vertente não significa que as outras estejam ausentes. No governo Lula, por exemplo, o Banco Central está totalmente dominado por uma perspectiva neoliberal. O BNDES é marcado pelo liberal-desenvolvimentismo, como ocorreu no governo FHC. Mas essas orientações têm de conviver com um impulso distributivo que é forte, porque vem da extraordinária desigualdade que existe no país e das forças sociais que buscam mudá-la.

Safatle: A candidatura Serra, durante todo o primeiro turno, nunca empolgou eleitoralmente. Não cresceu. Começou a crescer de verdade quando o Serra resolveu flertar com setores conservadores da sociedade brasileira, ou seja, os setores mais conservadores da igreja - teve votação expressiva no chamado cinturão do agronegócio - e também com a fina flor do pensamento conservador. Isso poderia parecer uma estratégia eleitoral. De fato, mostrou uma coisa que a gente não sabia: existe um pensamento conservador forte no Brasil e esse pensamento tem voto. Pode ser mobilizado por questões relativas à modernização dos costumes. Um exemplo, ainda no governo Fernando Henrique, quando José Gregori era secretário dos Direitos Humanos, aprovaram o PNDH 2 [Programa Nacional de Direitos Humanos], em 2002. E se você for ver, por exemplo, no capítulo sobre o aborto, ele é idêntico, fora uma ou duas palavras, ao PNDH 3, que foi criticado durante a campanha eleitoral. Parece que foi um processo deliberado, problemático, que coloca questões sobre o que vai ser sua candidatura daqui para a frente. Terminou prometendo que seria contra a lei da homofobia em encontro com pastores evangélicos. Com isso, Serra destampou uma franja eleitoral que estará presente no debate nos próximos quatro anos. Esse tipo de pauta não vai desaparecer. Vai voltar em vários momentos. A primeira questão é saber como isso vai se configurar. Até porque existe uma tendência mundial de construir um pensamento conservador que tem forte densidade eleitoral. A gente vê isso nos EUA, na Europa, e vai ver no Brasil de uma maneira ou de outra.

Lourdes: Jogar fora uma das premissas dos movimentos feministas, que era a questão do aborto, é uma questão complicada. Para Dilma deve ter sido uma tensão grande. Mas era preciso jogar fora, ela teve de jogar fora. Aí é que se veem as velhas tensões entre os objetivos de poder e a questão dos princípios.

Safatle: A questão do aborto foi um dos pontos mais baixos da história recente da política brasileira. Discordo terminantemente de que tenha sido um movimento espontâneo da sociedade civil. Ao que tudo indica, e a própria imprensa investigou isso, o candidato da oposição disparou por meio da central de boatos da internet toda essa questão. Existia um acordo tácito entre os dois grandes partidos políticos brasileiros, PT e PSDB, de que essa questão não seria posta em debate, porque vem de aspectos dos mais arcaicos da sociedade brasileira, e nenhum dos partidos queria jogar isso contra o outro justamente por esse arcaísmo. Quando o papa João Paulo II veio ao Brasil, houve um desconforto porque Ruth Cardoso [ex-primeira-dama] tinha se declarado a favor da legalização do aborto. E de repente temos a mulher do candidato da oposição [Monica Serra] dizendo que Dilma é a favor de matar criancinhas!

Lourdes: Parece que ainda estamos em campanha e o lado que você representa perdeu. Eu me recuso a ficar na campanha. Você está propondo a análise de por que fomos para o segundo turno, quando já acabou o segundo e as pesquisas mostraram que o que contou não foi tanto o aborto, mas sim o caso da [ex-ministra] Erenice [Guerra].

Safatle: A professora Sola colocou de uma maneira muito boa, ao dizer que ajo como se meu lado tivesse perdido. De fato meu lado perdeu, com muita clareza. Não sou filiado ao PT nem a partido algum. Todos aqueles para quem a modernização dos costumes é fundamental no interior do desenvolvimento das sociedades democráticas perderam. Não foi simplesmente uma questão ligada ao aborto. Foi uma maneira que o pensamento conservador encontrou de pautar a agenda do debate político neste país. Mostraram que têm força, têm voto e conseguem bloquear a discussão. E agora não vão sair, vão ficar. Havia uma espécie de ilusão de que não havia espaço para um partido que conseguisse mobilizar o pensamento conservador no Brasil. Isso não é verdade, eles demonstraram que têm força. Quando Serra colocou essa questão no debate, com clareza e todas as palavras, cobrando da adversária que ela se posicionasse, ele criou uma situação que, daqui por diante, é uma questão da política brasileira e todos vão ter de se posicionar a respeito.

Janine: O que me chama a atenção é que os deputados que têm essa agenda religiosa devem ser 20%. De repente, deu-se a uma minoria um peso desproporcional. Até recentemente, a pauta dos evangélicos era, na escala municipal, não ter lei do silêncio para os templos e, na escala federal, não ter perseguição da Receita Federal contra eles. De repente, estão entrando em questões que são mais profundas para eles.

Cenário econômico

Sallum: Vivemos um período de sensação de bem-estar, porque crescemos. Ocorreram alterações institucionais no governo Lula que facilitaram a ascensão e o bem-estar social de camadas que não tinham acesso ao consumo. Uma das coisas foi uma proposta das centrais sindicais, absorvida por Palocci, para fazer empréstimos com desconto em folha. Isso ampliou muito o crédito. O ProUni [Programa Universidade para Todos] é outro tipo de canal de ascensão social. Também a estabilidade econômica, que permitiu a queda paulatina da taxa nominal de juros e o alongamento do crédito.

Lourdes: Uma das coisas boas dessa disputa eleitoral é que ela não passou pela política econômica. Na minha geração, discutir economia era discutir questões estruturais. De repente, resolvidos os problemas básicos, a estabilidade, e uma reforma parcial do Estado, a política econômica se reduziu à questão de juros, câmbio e assim por diante. Isso é fundamental, mas não define projetos. A meu ver, a economia não é assunto resolvido, e não se resolve simplesmente com índices de crescimento. Há mudanças de política econômica e algumas chances de que o tripé - elemento de continuidade entre FHC e Lula - superávit primário, câmbio flutuante, metas de inflação, que está posto, comece a ser erodido por fórmulas que visem resolver questões de conjuntura. A pergunta é: quem será o ator-chave que dará credibilidade à política econômica? Isso não está claro, sobretudo porque, para mim, seria o Palocci, sobretudo aos olhos do capital financeiro. Mas não tenho certeza, dadas as polêmicas anteriores, em que a colocação dele de um déficit nominal zero, colocação que uniria Delfim [Netto], ele e qualquer [Pedro] Malan, foi chamada de rudimentar pela Dilma.

Sallum: Dilma vai se haver com problemas seriíssimos de dilemas entre a distribuição e o investimento, que são os focos básicos do liberal-desenvolvimentismo e do "distributivismo", porque a orientação dela também é desenvolvimentista nesse sentido, mas a coalizão inclui centrais sindicais e movimentos sociais de forma pronunciada, que pressionarão com vigor no sentido "distributivista", e com toda razão. Haverá tensões por esse lado do governo Dilma, e também por outro lado, da preservação ou não das políticas mantidas pelo Banco Central. Câmbio flutuante e juro como compensação de certo desequilíbrio fiscal, uma política fiscal relativamente frouxa. Vai haver tensões, porque há pressão de dentro do PT e do empresariado que sustenta a coalizão, no sentido de mudar a política de câmbio flutuante, que é oneroso, nas condições atuais, para a indústria. Foi ótimo quando foi instituído, em 1999, mas agora, dadas as novas circunstâncias, onera em demasia a produção. Esses dilemas apareceriam com Serra eleito, mas, dado o tipo de coalizão, as pressões seriam diferentes.

Lourdes: Não vamos esquecer que estamos numa conjuntura internacional particular em que os Bric estão muito bem, interessa conciliar crescimento com condições de desenvolvimento institucional. Do ponto de vista da economia, em termos microeconômicos, a competitividade do Brasil é central. É uma questão de resolver conflitos de interesse, quem você vai deixar ao relento, que setores vão ser protegidos, para reduzir o custo Brasil. Isso é fácil de administrar quando o crescimento é muito acelerado. Fora a questão da melhora da qualidade da educação e do investimento na infraestrutura.

Sallum: No interior do PT, há uma forte tendência a querer mexer no câmbio, por causa da guerra cambial etc. Mas isso certamente não é coisa fácil. Primeiro porque o mercado financeiro está todo articulado em torno desse tipo de política, segundo porque precisa saber o que vai colocar no lugar. E isso eu não sei, de fato, se o próximo governo vai ter uma equipe que faça isso. Mas, como isso é algo muito delicado do ponto de vista do manejo do mercado, vai ser muito difícil realizar. Vai haver muita vontade, mas condições político-gerenciais para isso vai ser difícil conseguir.

Reformas

Sallum: Precisamos mexer na legislação, não uma reforma política em grande escala. Primeiro, não é mais possível, se mantivermos a reeleição, que dependamos do presidente obedecer ou não à chamada liturgia do cargo. O poder concentrado no presidente no Brasil é tão grande no período eleitoral e pré-eleitoral que deveremos alterar a situação de modo que o presidente em exercício não possa participar do processo eleitoral. Não falo agora, em que isso é legal. Do ponto de vista do mínimo de equilíbrio das forças, deveríamos regular isso em lei. Também precisamos pensar a organização do voto proporcional e torná-lo mais manejável. O eleitorado se defronta, num Estado como São Paulo, com mais de mil candidatos a deputado. É como se entrássemos em um supermercado sem gôndolas, sem mapa para os produtos, que estariam misturados, não há como escolher. Deveríamos reduzir a circunscrição eleitoral, que é o Estado. Deveríamos reduzi-la, mantendo o voto proporcional, a uma situação em que cada um elegesse quatro ou cinco deputados. Isso significa que os eleitores teriam alternativas, mas não teriam tantas, que são tantas que nem sequer são alternativas. A vantagem seria aumentar a chance de termos espaço público regulado para períodos não eleitorais que pudesse funcionar para estimular o debate.

Valor: E a reforma da Previdência?

Sallum: Não há hoje, de longe, nenhuma possibilidade de reforma previdenciária. Hoje há cinco ou seis centrais sindicais na coalizão, e essas centrais têm centenas de sindicatos do setor público. Se fosse só a CUT, daria para negociar. Mas essas outras não têm a mesma abertura e têm presença no Congresso, peso na coligação. De todo jeito, há pontos importantes de agenda, como a questão tributária e política, e nesses casos Dilma precisa decidir se vai tentar mudanças que exijam maioria de dois terços ou vai se contentar com medidas legislativas que exijam maioria simples. Lula, no segundo governo, fez a opção da maioria simples, como Fernando Henrique, no segundo governo. O que ele conseguiu de legislação no segundo governo foi a LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal], só, tudo o mais de mudança constitucional importante veio no primeiro governo, e mais, no primeiro ano. O plano de voo de Dilma vai ser anunciado no discurso da posse. E o que vai exigir do Congresso e sua coalizão? Vai ter de negociar com a oposição também, embora a oposição hoje seja muito minoritária. Mas, dado que a oposição controla dez Estados importantes, qualquer mudança na área tributária, por exemplo, vai exigir negociação com ela.

Lourdes: No caso da reforma previdenciária, Dilma pode criar um conflito de interesses grande, porque parte significativa desses interesses está absorvida no Estado, que são as centrais sindicais, majoritariamente de funcionários públicos. Uma questão que seria resolvida com o governo arbitrando. Tenho certa dose de ceticismo. O sistema político brasileiro é ótimo para resolver coisas em período de crise, mas no caso da reforma tributária é uma questão até mais delicada porque ela vai tocar no eixo federativo. E não apenas porque temos uma proporção significativa dos orçamentos estaduais controlados pela oposição, mas também porque todas as questões sociais passam pela questão federativa, inclusive a miséria. A meu ver, a não ser que tenhamos uma grande mudança e um poder ainda maior na mão do presidente, reforma tributária, que é necessária, só vai acontecer em situação de crise, e não vejo isso acontecendo imediatamente. O equilíbrio entre o parlamentar e o federativo é muito difícil. Resolve de um lado, vem problema do outro.

Sallum: São questões carregadas desde o governo FHC. A questão tributária, por exemplo, envolve custo enorme de negociação política. Disso depende a amplitude reformista do próximo governo, ao menos no que diz respeito àquilo que vai passar pelo Congresso.

Janine: O Serra dizia, realisticamente, que ele faria a reforma tributária em fatias.

Lourdes: Mesmo que fosse em fatias, sou cética. A maneira de fatiar já criaria problemas, pelo menos para o tipo de liderança que o Serra representaria e a Dilma também, por outras razões. Pode ter havido um recuo [do governo Lula] por causa do mensalão [2005], mas não me parece que, naquele momento, houvesse um projeto tão claro de reformas, de esquerda ou direita. Talvez a trabalhista, a proposta sindical, mas isso foi resolvido pela incorporação das três grandes centrais sindicais por meio de uma redistribuição das benesses do imposto sindical. E foi o momento de queda do cavalo de batalha de todo o movimento sindical conhecido como "novo sindicalismo", que era o fim do imposto sindical. Ele foi reforçado.

Janine: A ênfase foi posta na reforma financeira e fiscal. O que acho mais viável seria, mantendo mais ou menos a fatia do PIB em que consiste a tributação, simplificar o sistema. A Previdência me parece muito difícil. A reforma política me parece importante, mas cada um entende de uma maneira diferente. [O advogado] Ruy Altenfelder, outro dia, escreveu expondo dez pontos que considera importantes, incluindo a redução do mandato do senador para quatro anos e a eleição direta dos vices e suplentes. Quando ouço falar em reforma política, penso basicamente: há uma reforma política dos leitores de jornais e eleitores que é o fim do voto obrigatório. Nenhum partido quer assumir isso, mas, quando vemos cartas de leitor de jornal, é essencial. Nos partidos principais, o tema é mudar a forma de eleição dos deputados. E talvez, com isso, permitir uma mudança do financiamento político para reduzir a corrupção. Há a proposta do voto distrital, que o Brasilio defendeu, e lembra o voto como era no Império, e funcionava. Eram três eleitos por distrito. Temos o voto proporcional com lista fechadas. Entre essas propostas, o diálogo é muito difícil.

Lourdes: Existem projetos prontos para todas essas propostas, mas eles não são adotados.

Janine: Ninguém vai aprovar isso. Seria bom se todos os partidos entrassem em acordo sobre esses dois pontos, a simplificação dos tributos e a eleição dos deputados. Teríamos grande avanço. Mas isso não se faz sem acordo. Pode haver oposição por oposição, pode ter oposição em forma de guerra, mas qualquer tema só vai avançar se houver acordo.

Sallum: Lula foi muito bem-sucedido do ponto de vista popular e de enfrentamento da crise, mas, se você pensar em termos da pauta legislativa, foi um governo de gestão. Não houve nenhum esforço legislativo, a não ser a famosa CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira], que afinal não era tão grave assim. Mesmo nas reformas de esquerda não houve nada relevante.

Lourdes: As forças da sociedade mais participativas politicamente foram integradas ao Estado, e isso é um desafio agora. Ao tratar as tensões que devem existir na sociedade civil, sindicatos, patrões etc., de uma forma interna ao Estado, criam-se tensões internas ao Estado e dificuldades para a governabilidade. É complicado desfazer a mudança de patamar introduzida pelo governo Lula.

Janine: A sociedade foi absorvida pelo governo Lula. Quem fez isso bem foi Getúlio [Vargas]. É um dos aspectos em que o governo Lula lembra o de Getúlio, mas de maneira muito mais democrática. As contradições sociais são trazidas para dentro do governo, e com isso perdem um pouco o rumo, de modo que à esquerda do governo nada viceja. No caso Lula-Dilma, é difícil imaginar o que vai acontecer. O lógico é que ela ande com as próprias pernas e Lula procure fazer algo discreto para contribuir. O interessante para ela é mostrar que governa sozinha. Se Lula aparecer muito, administrando conflitos no governo, Dilma ganha no varejo, mas perde no atacado. Seu poder diminui sensivelmente.

Nenhum comentário: