segunda-feira, 18 de outubro de 2010

OPINIÃO TROPA DE ELITE 2

Longa usa a lógica da guerra civil para discutir questão da segurança pública

Trama legitima violência policial e trata defesa dos direitos humanos como ladainha ingênua

FOLHA SP 18/10
O diretor de "Tropa de Elite 2", José Padilha, é alguém que costuma dizer não gostar de filmes "cabeça".
No entanto, seu filme não quer ser apenas mais um thriller de aventura. Através das ações do coronel Nascimento, "Tropa de Elite 2" gostaria de dar sua versão a respeito da irredutibilidade do problema que mais atemoriza a classe média brasileira: a insegurança.
Nesta sequência, Nascimento vive um confronto intestino com um "intelectual de esquerda"; militante dos direitos humanos que, com seu discurso ingênuo, parece existir apenas para atrapalhar as ações duras, porém necessárias, do Bope.

MOLA DO CRIME
Um destes confrontos acaba tendo muita repercussão na mídia, o que leva o governo a deslocar Nascimento para uma subsecretaria de Segurança. Lá, ele descobre a verdadeira mola que alimenta o crime: a corrupção da polícia e seus vínculos orgânicos com a corrupção do poder político.
Nesta nova luta, ele poderá, ao final, reencontrar seu inimigo, tecer uma aliança com o intelectual de esquerda, agora deputado estadual. Aliança feita em nome da luta contra a corrupção do "sistema". Tudo termina em uma CPI contra as milícias.
Assim, depois de ter sido acusado pela imprensa internacional de fazer um filme "fascista", o diretor de "Tropa de Elite 2" parece querer se redimir mostrando ter consciência clara dos problemas representados pela polícia. No entanto, tal consciência apenas mascara o verdadeiro núcleo de sua "visão da sociedade brasileira".

TERRITÓRIO DE GUERRA
As ações violentas, as torturas sistemáticas contra "vagabundos", a compreensão das favelas como território de guerra, as balas perdidas, a humilhação cotidiana contra uma população que vê o Estado e seu aparato policial como inimigos: nada disso explicaria por que a polícia que mais mata no mundo nunca conseguiu vencer a luta contra o crime.
Na verdade, se o método truculento ainda não deu certo, isto seria resultado exclusivo da corrupção generalizada. Tanto é assim que, em dado momento do filme, ficamos sabendo que Nascimento conseguiu, com seu Bope reforçado por helicópteros, limpar uma favela do tráfico em uma operação que mais parece um video game onde cada tiro certo é um ponto.
Tudo seria perfeito se, depois, policiais corruptos não tivessem se aproveitado da nova situação para extorquir dinheiro da população.
Desta forma, neste país onde a polícia tortura mais do que na época do regime militar, a ideia de compreender problemas de segurança pública a partir da lógica de guerra civil parece ter se naturalizado.
Neste país, os intelectuais de esquerda ganhariam mais complacência dos produtores de blockbusters se abandonassem a "ladainha" sobre direitos humanos, escolhessem o lado da classe média assustada e abraçassem a causa monocórdia da luta moralizante contra a corrupção estatal.
Ao menos, eles serviriam para apagar a culpa pelo nosso desejo de violência.


Vladimir Safatle é professor no departamento de filosofia da USP

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A edição de um novo Código de Processo Civil

Fonte: valoronline.com.br

Está em discussão no Congresso Nacional - e na sociedade como um todo - um projeto de lei que pretende criar um novo Código de Processo Civil. Organizado por ilustres juristas, advogados e juízes, a nova legislação busca fazer com que o processo civil brasileiro transcorra de forma mais eficiente, menos custosa para a sociedade e mais efetiva.

A iniciativa, por si só, é meritória. E os responsáveis pelo projeto, pessoas da melhor qualidade. No entanto, mudanças legais estruturais devem ser pensadas com muita cautela. Em linhas gerais, como o direito é um produto social e não cerebral de juristas e legisladores, a alteração legislativa deve ser utilizada homeopaticamente, embora de tempos em tempos ela deva ser feita para dar uma orientação segura ao Judiciário ou então corrigir um posicionamento jurisprudencial equivocado.

O sistema jurídico nada mais é do que um prédio que deve ser construído tijolo a tijolo, de baixo para cima, pela discussão dos casos que aparecem perante o Poder Judiciário e pelos embates entre os indivíduos que vivem em sociedade, formando um corpo de usos, costumes e de normas produzidos espontaneamente pela coletividade e corretivamente - ou promocionalmente - pelo poder público.

A alteração legislativa deve ser utilizada homeopaticamente

Por isso, grandes ou substanciais alterações de cima para baixo devem ser evitadas. Foi assim já com a Constituição Federal, com o novo Código Civil, ou seja, tentativas de "engenharia social" promovida por um Congresso que há muito tempo não legisla para todos, mas para grupos de interesses variados, afinal "todos" não elegem ninguém.

O principal argumento a ser explorado nesse artigo é o que direito não se confunde com legislação. Por esse motivo, uma sociedade não é transformada substancialmente por mudanças legislativas. Segue daí, que não resolveremos o abarrotamento das cortes judiciais com transformações legislativas "tout court".

O segundo argumento é o de que direito é uma forma de controle e regulação da sociedade e por isso não deve ser apenas o espaço de juristas, mas também de outras ciências sociais ou tecnológicas.

Isso porque a ciência jurídica manteve-se praticamente infensa ao desenvolvimento da estatística e de toda metodologia das ciências sociais que se desenvolveram ao longo do século XX como a sociologia e as ciências econômicas.

Sendo o trabalho dos juristas um exercício de arte de interpretação de textos, fica difícil acreditar que uma mudança tão substancial quanto a de um Código de Processo Civil possa ser feita sem substratos empíricos ou apenas com base em intuição. Leis devem ser feitas estudando e pensando nas consequências que se pretendem gerar.

Nesse sentido, falta muitas vezes aos juristas uma teoria do comportamento humano que explique como os indivíduos em sociedade reagirão às regras postas.

Como produziremos regras sobre comportamento humano (pois regras de processo civil são regras sobre o comportamento de partes, advogados e juízes) apenas com base em intuição, sem pensar nas consequências que as normas geram sobre os indivíduos e sem ter em mente o direito efetivamente praticado pela sociedade?

Poder-se-ia dizer que isso não é necessário porque a nova legislação é feita aproveitando-se de contribuições de regras testadas em países civilizados e que deram certo. No entanto, "transplantes legais" funcionam como transplantes de órgãos humanos. Muitas vezes existem reações e infecções do sistema em relação à nova norma transplantada do exterior.

Vamos pegar o exemplo da preocupação no projeto do novo Código de Processo Civil com relação à diminuição de recursos. Será que efetivamente temos que regrar pormenorizadamente os recursos ou temos, ao contrário, que ter precedentes vinculantes? Afinal, pode acontecer que muitos dos recursos sejam providos, sinal de má qualidade das decisões de primeira instância ou de que estagiários ou assessores andam fazendo aquele trabalho indelegável da magistratura dado o volume de processos em curso.

Mas a pior parte do projeto é quando pretende que a conciliação seja uma etapa quase obrigatória de uma disputa judicial, como se o simples fato de existir procedimentalmente uma fase de conciliação com o comparecimento das partes, isso por si só induziria um acordo. Acordos só existem se houver interesse das partes e um mediador com tempo disponível e preparado para o caso.

A proposta desse artigo é o de que o problema de volume exagerado de processos é fundamentalmente cultural e atribuível ao próprio sistema judicial, que cria diversos "incentivos" (no jargão econômico) para o ajuizamento de demandas: pouco controle no deferimento de assistência judiciária gratuita; não utilização pelos juízes da sucumbência dentro dos critérios legais (10 a 20% da demanda); desrespeito aos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ); e falta de percepção dos custos envolvidos na solução de controvérsias para os contribuintes.

Logo, o problema seria resolvido sem mudar o Código de Processo Civil.

Luciano Benetti Timm é advogado, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Berkeley (Califórnia) e professor da Unisinos/RS

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