domingo, 3 de outubro de 2010

CARLOS HEITOR CONY

Fonte: folha.uol.com.br 03/10



Chuva no molhado

RIO DE JANEIRO - Por dever de ofício, acompanhei até o fim o debate entre os quatro principais candidatos à Presidência. Não votarei em nenhum deles, uma vez que sou eleitor emérito, ou seja, aposentado, com o prazo de validade extinto. Mas gostei do debate pelo que representou de prática democrática, embora nunca visse tanta chuva chover no molhado.
Talvez a única exceção tenha sido Plínio Sampaio, por sinal, o de menores chances de chegar lá. Foi aplaudido diversas vezes, evitou o factual e tocou na essência do poder que depende de dinheiro para atacar exatamente o factual abordado pelos demais participantes, que prometeram saneamento básico, educação, saúde e segurança para todos.
Marina saiu-se, como sempre, muito bem, mas recebeu uma farpa que lembrou o mensalão de um governo do qual era ministra. Foi, por sinal, a única referência aos chamados "podres" da era Lula, podres que não o afetaram, uma vez que chegou aos 80% de aprovação popular.
Educadamente, ninguém mencionou o último escândalo da Casa Civil, que poderia colocar Dilma na defensiva, embora até agora nada tenha sido provado contra ela.
Muito boa a atuação de William Bonner como mediador, isento e cumpridor das regras estabelecidas para o debate.
Liberado de escolher um deles, apreciei a seriedade de todos, o tom civilizado e democrático, mas tive um pensamento politicamente absurdo: por que não aproveitar quatro brasileiros, com bom conhecimento dos nossos problemas, para criar um colegiado sob a presidência do mais votado?
Seria uma espécie de parlamentarismo, com os grandes problemas (não os miúdos) analisados por gente competente. O que atrapalha a solução é o apetite dos partidos em busca de cargos e prioridades.

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Judiciário é autoritário, diz brasilianista

Fonte: folha.uol.com.br 03/10

Para Anthony Pereira, as Forças Armadas e a Justiça não mudaram durante a transição do país para a democracia

A grande injustiça do processo de transição, afirma Pereira, não é "a falta de punição, mas a falta de informação"


A ditadura militar brasileira, que teve um alto grau de judicialização se comparada às do Chile e da Argentina, deixou como um dos mais fortes legados a manutenção do autoritarismo no Judiciário. É o que diz o cientista político inglês Anthony Pereira, um dos mais importantes brasilianistas em atividade.
"Não há Estado de Direito.
Isso por causa das desigualdades extremas em termos de tratamento das pessoas dentro da lei. É uma espécie de autoritarismo social, não somente em termos de sistema político", afirma.
Esse autoritarismo, conta Anthony, aliado ao conservadorismo presente também nas Forças Armadas, é uma ameaça à garantia dos direitos humanos, das minorias.
Estudioso do Brasil desde 1984, quando o visitou pela primeira vez para uma pesquisa sobre a legislação ambiental, Anthony Pereira é Ph.D em Harvard com uma dissertação sobre trabalhadores rurais do Nordeste.
Autor de "Ditadura e Repressão", um dos mais importantes livros sobre ditaduras do Cone Sul, ele analisa como a violência da repressão variava segundo a judicialização dos regimes em Brasil, Chile e Argentina, o que explica o baixo número de mortos no primeiro caso e a guerra suja no último.
Para o professor, o maior problema da transição brasileira não é "necessariamente a falta de punição, mas a falta de informação".

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Folha - O Brasil condena, mas não pune a tortura, como ficou evidente no episódio recente do julgamento da Lei da Anistia, pelo Supremo. Qual o reflexo disso para o país?
Anthony Pereira -
O Brasil optou por fazer menos do que outras sociedades. Mas gostaria de distinguir entre anistia e investigação. O fato de a anistia ter sido mantida não implica impossibilidade de investigação. A grande injustiça da transição não é necessariamente a falta de punição, mas a falta de informação e de verdade.

Como é possível não julgar torturadores e conseguir a reconciliação nacional?
É contraditório. A punição é mais importante para o futuro, para mostrar que se está construindo uma sociedade de direito. Mas o Brasil não é isolado neste ponto. Há outros casos históricos em que ocorreram violações dos direitos humanos e os vencedores decidiram não punir.
Só após a segunda metade do século 20 é que surge essa força dos direitos humanos para não permitir a impunidade. Isso começou após a Segunda Guerra Mundial, com o processo de Nuremberg, continuando até o caso da África da Sul, uma escolha interessante, de fornecer anistia em troca de informação concreta sobre crimes.

É possível, 25 anos depois, avaliar o impacto dessa conciliação nacional sobre direitos humanos e das minorias?
É um paradoxo e cria problemas. Uma comparação viável é com uma pessoa traumatizada, que se nega a falar sobre determinado assunto porque quer esquecer o trauma. Mas o trauma, inconscientemente, volta. É mais fácil olhar para trás em países onde ocorreu engajamento. É uma certa ameaça para a garantia dos direitos humanos, das minorias.

O traço autoritário ainda é presente no Judiciário?
Sim, e um exemplo é o sistema de Justiça Militar. No nível federal, o militar, cometendo crimes comuns, vai para a Justiça Militar, que tem os traços corporativos. Muitos países limitaram a jurisdição militar. Em nível estadual, policiais militares só são julgados na Justiça comum em casos de homicídio doloso. Outros crimes comuns também vão para a Justiça Militar estadual. Há um conservadorismo forte no Judiciário, como nas Forças Armadas. No Chile, houve uma reforma judicial ampla. No Brasil é tímido.

O autoritarismo no Judiciário é um legado da ditadura?
Reflete alguns desses legados. O Judiciário autoritário é o legado mais forte. As Forças Armadas e o Judiciário não mudaram, foram preservados durante a transição. Mas não há uma receita mágica para extirpar esses entulhos autoritários e democratizar as instituições. Certamente há uma insatisfação grande com a Justiça.

Há relação entre autoritarismo e ineficiência da Justiça?
O frustrante para os brasileiros é a observação de que as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema. Apesar de todo o sistema, leis e tribunais, não há Estado de Direito. Isso por causa das desigualdades extremas em termos de tratamento das pessoas dentro da lei. É um autoritarismo social, não o autoritarismo em termos de sistema político. Como a famosa frase: "Aos amigos tudo, aos inimigos a lei". É a ideia de que se usa a lei para punir, sejam opositores ou desfavorecidos sociais.

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29ª BIENAL DE ARTES

Bienal tem obras feitas de carne e osso

Fonte: folha.uol.com.br 03/10

Instalações de Cildo Meireles, Livio Tragtenberg e Ana Gallardo utilizam pessoas e despertam atenção de visitantes

Trabalhos carregam conotações políticas, levantam memórias afetivas e pedem a participação do público


"Está desligado?" A pergunta veio de um visitante que se aproximava da instalação que Cildo Meireles criou para a Bienal. A resposta saiu de lá de dentro: "Não. A gente tá só descansando".
De longe é impossível ver, mas a força que faz funcionar "Abajur" é humana.
A obra, referência aos porões dos navios negreiros, é iluminada e ganha movimento à medida que pessoas escondidas por baixo dela (quatro de manhã e três à tarde) empurram manivelas.
"É suportável", diz Robson Alves, 34, uma das peças daquela engrenagem. Ele já foi garçom, estoquista e figurante do filme "Lula, o Filho do Brasil", entre outros.
"Infelizmente, ganho mais aqui do que com outros trabalhos", lamenta Franco Picciolo, 38, que apita jogos de futebol de várzea.

JAULA
No andar debaixo, o compositor Livio Tragtenberg quis representar a falência do artista-gênio encarcerando-se dentro de uma jaula. Vai ficar preso, como os urubus no viveiro de Nuno Ramos, até o fim da mostra, todas as terças e quintas.
"O compositor no sentido romântico, que expressa sua personalidade através da música, é um bicho em extinção", explica o artista.
Portanto, a obra "Gabinete do Dr. Estranho" depende da interação com o público, que é convidado a gravar sua voz através de um microfone instalado fora do cárcere. Em tempo real, o artista cria e devolve os sons aos visitantes.
"Uma coisa é improvisar com músicos, outra é improvisar com não músicos. O inesperado, o não qualificado me interessam cada vez mais", diz Livio, que já esteve na Bienal de 1985.
Improvisada é também a dança na instalação "Un Lugar para Vivir Cuando Seamos Viejos" (um lugar para viver quando formos velhos), da argentina Ana Gallardo.
Ela conheceu, na Cidade do México, onde viveu por anos, idosos que dançavam em uma praça e os trouxe para dar aulas de "danzón" e desenhar nas paredes da Bienal memórias de suas vidas.
"Eles não entendiam o sistema da arte contemporânea. Tive que explicar a eles o sentido do projeto. Eles aceitaram vir por uma questão de confiança e porque queriam conhecer um lugar fora do México. Nunca tinham ido ao exterior", explica a artista.
"Construo minha obra com fragmentos de vida dos outros, por isso é importante trabalhar com pessoas."

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Serviços de distribuição de filmes pela internet crescem no Brasil

Fonte: folha.uol.com.br 03/10

Aparelho da Telefônica permite comprar conteúdo digital da Saraiva diretamente pela TV

Ainda neste ano, longas e séries da livraria vão ser vendidos e alugados em transmissão como a do YouTube, diz presidente


Com a locadora americana Netflix como exemplo, três empresas brasileiras avançaram recentemente no mercado de distribuição digital de filmes e séries.
Querem vender pequenos volumes, às vezes de nicho, para muitos clientes.
A Telefônica lançou uma caixa chamada On Video. Entre outras funções, ela permite alugar e comprar filmes na loja virtual da Saraiva pela TV, usando cartão de crédito e controle remoto.
O aparelho, que custa R$ 19,90 mensais, pode ser usado em qualquer rede, diz Benedito Fayan, diretor de inovação da Telefônica. "Também é possível assistir ao conteúdo do Terra TV [grátis] e vamos expandir os parceiros de conteúdo on-line."
"A Netflix virou de ponta-cabeça o negócio de locação nos EUA. Estamos investindo em um modelo para o Brasil", diz Marcilio Pousada, presidente da Saraiva.
Desde maio de 2009, a empresa já vende e aluga conteúdo audiovisual pela web.
"Em outubro, vamos lançar, com um grande fabricante, a loja virtual diretamente na televisão. E, até o final do ano, teremos o serviço também via "streaming" [transmissão sem arquivamento]".
Hoje, para comprar ou alugar filmes via web na Saraiva -o acervo é de mais de 3.000 títulos-, é preciso baixar um programa ou usar o On Video. "Temos certeza de que, no futuro, grande parte do nosso negócio será digital."
A locadora NetMovies também aposta nessa expansão. Lançou, em setembro, um serviço de locação via internet com cerca de 2.000 filmes disponíveis via "streaming", por R$ 9,99 ao mês.
"Já tivemos acesso de todos os Estados. A comodidade de clicar e assistir a um filme legalmente, como no YouTube, tem impacto até na pirataria," diz Daniel Topel, CEO da NetMovies.
"Filmes mais comerciais são mais procurados, mas obras de cineastas como Godard e Truffaut se destacam. Não é fácil encontrá-los em pequenas locadoras ou na internet", completa.

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FERREIRA GULLAR

Fim de uma etapa

Fonte: folha.uol.com.br 03/10

Enquanto o PSDB optara pela esquerda moderada, o PT continuava a alimentar anseios revolucionários



PODE SER QUE as eleições de hoje assinalem o fim de um período de nossa história política. Se for verdade, não significa, porém, que haverá um corte drástico, algo terminará de vez e outra coisa começará. Talvez até essa mudança independa do resultado eleitoral de hoje, muito embora possibilidades diversas surjam, conforme esse resultado.
Trata-se de mera intuição, uma vez que me faltam as qualificações de cientista político e mesmo as de um analista experimentado na matéria. Intuo, não obstante, que algo chega a seu termo, algo que começou durante o regime militar e se desenvolveu nestes 25 anos de regime democrático.
Vou tentar formular esta minha tese que, como disse, apenas intuo, apreendendo difusamente certos indícios do que me parece ter ocorrido nesse período. Começo pelo começo, com o fim dos partidos que existiam antes do golpe e que foram todos dissolvidos, obrigando os políticos a se acomodarem dentro de dois partidos apenas: a Arena, de apoio ao regime, e o MDB, de oposição, o que, por si só, já os qualificava, uma vez que, se optar pelo partido governista muitas vezes implicava oportunismo, optar pelo outro exigia coragem e convicção, ainda que se tratasse de oposição consentida.
Nesse ponto se concentrava o nó da questão: é que os militares, por não quererem assumir o caráter autoritário do regime, admitiram a existência de um partido oposicionista, mas, claro, só até certo ponto; isto é, um partido que não pretendesse chegar ao poder. Tratava-se, sem dúvida, de uma farsa e isso dividiu a oposição: uma parte dela acreditava que, aceitando as regras da ditadura, valer-se-ia delas para ir aos poucos ocupando posições e conscientizando o povo, enquanto a outra parte se negava a isso e pregava o voto nulo.
A situação era complicada porque, se a aceitação das regras implicava trabalho político paciente e que exigiria anos, o voto nulo, por sua vez, fortalecia o regime, que saía das urnas amplamente vitorioso. Os defensores desta posição, constatando a inutilidade de sua opção, terminariam se encaminhando para tentar a derrubada do regime pela força, isto é, pela luta armada. O resultado de tal escolha era previsível, uma vez que a vulnerabilidade do regime era política -pois nascera de um golpe de força- e não militar, já que, nesse campo, contava com as três forças armadas e mais as polícias militares estaduais.
Os guerrilheiros foram facilmente derrotados, o que, de certo modo, fortaleceu a posição dos que haviam optado pela luta no plano político. Por sua vez, os ex-guerrilheiros e seus simpatizantes, tendo aprendido a lição, decidiram também disputar o poder politicamente. E nasceu o PT. Enquanto isso, no seio do partido de oposição também as contradições se aguçavam, uma vez que a consistência do regime militar -além de suas imposições e artimanhas, como o AI-5 e a criação de senadores biônicos- levou a uma divisão no seio do partido oposicionista, dando nascimento ao PSDB. Estavam formadas, assim, as duas forças políticas que iriam disputar o governo do país após o fim da ditadura militar, em 1985.
Embora, no início, esses dois partidos tenham tacitamente formado uma frente de luta contra o regime, eles eram essencialmente diferentes, como se confirmaria mais tarde. É que, enquanto o PSDB optara por uma esquerda moderada que preservaria o processo político democrático, visando apenas restaurá-lo e reformá-lo de acordo com as necessidades e possibilidades da sociedade brasileira, o Partido dos Trabalhadores continuava a alimentar anseios revolucionários, já que a maioria de seus fundadores inspirava-se na revolução cubana e via nela o exemplo a ser seguido pelo Brasil.
O PSDB chegou ao poder em 1995 e, de certo modo, esgotou seu papel. O PT chegou lá em 2003 mas, para isso, teve que abrir mão de seu revolucionarismo de palavra, substituído pelo pragmatismo de Lula, que agora tenta sobreviver travestido de Dilma Rousseff. Muda-se o sonho cubano, agonizante, em uma espécie de neopopulismo. Já o PSDB, sem o vigor original, tenta, com José Serra, uma sobrevida; se ele perder, acaba também. Será então a vez de Aécio Neves e Sérgio Cabral que, de outra geração, ignoram a opção entre direita e esquerda.

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