quarta-feira, 13 de outubro de 2010

DIREITOS HUMANOS

Quando teremos um Baltasar Garzón no Brasil?

Fonte: UnB.br 11/10

Se a Argentina não é capaz de processar os seus generais por crimes contra os direitos humanos, a Espanha teria a jurisdição para fazê-lo? Essa questão foi levantada por um grupo de procuradores públicos de Madrid em 1996. Eles concluíram que a lei espanhola - combinada com precedentes da lei internacional que remontavam aos julgamentos dos nazistas em Nuremberg - permitia que acusações fossem feitas na Espanha, desde que os crimes implicados pudessem ser considerados crimes contra a humanidade.

Em outras palavras, se um Estado não pode ou não deseja levar perante a justiça os chamados crimes de lesa-humanidade, e os criminosos que os praticaram, qualquer outro Estado tem o poder de fazê-lo. Para testar a teoria, os procuradores espanhóis redigiram e apresentaram uma denúncia de genocídio e terrorismo contra os membros da Junta Militar que implantaram a ditadura na Argentina (1976-1983). Listaram dez vítimas de nacionalidade espanhola. O caso foi designado para a Audiência Nacional, um tribunal penal de máxima instância na Espanha. Baltasar Garzón, então com 40 anos, foi indicado como juiz investigativo do caso.

Garzón tinha a reputação de juiz combativo e homem corajoso. Havia movido processos implacáveis sobre abusos policiais contra separatistas bascos e também sentenciado narcotraficantes, que o juraram de morte. Os carros blindados e a escolta policial com os quais passou a conviver não o impediram de comandar investigações importantes sobre lavagem de dinheiro e derrame de dinheiro falso no litoral espanhol.

Com a ajuda de outro jurista espanhol, Joan Garcés, ex-assessor do presidente chileno Salvador Allende (1970-1973), Garzón ligou os crimes ocorridos na Argentina a outros acontecidos no Chile. Colocou inclusive os governos dos dois países como parceiros em uma conspiração criminosa sobre a qual pouco se sabia à época, a não ser o nome: Operação Condor. Foi a maior organização terrorista de Estado de que já se teve notícia e, além do Chile e Argentina, envolvia diretamente quatro outros países sul-americanos: Uruguai, Paraguai, Brasil e Bolívia.

Garzón identificou o general Augusto Pinochet como participante da Condor e como responsável pela tortura, sequestro e desaparecimento de sete cidadãos espanhóis residentes no Chile. Em 1998, já fora do governo chileno, o ex-ditador foi a Londres para fazer um tratamento de saúde. Garzón aproveitou para pedir sua prisão e extradição para a Espanha. O caso teve repercussão internacional e Pinochet ficou em prisão domiciliar durante 503 dias na capital britânica.

A iniciativa do juiz espanhol incentivou a discussão sobre a revisão das leis de anistia que se auto-concederam os governos militares quando ainda no poder no Cone Sul. Os líderes militares negociaram a transição para a democracia sob a condição de que não seriam responsabilizados por crimes passados. No Brasil, com um Congresso controlado pela dócil maioria governista da Arena, o partido de sustentação da ditadura, os militares redigiram uma lei de anistia que perdoava os crimes de sangue, assim beneficiando os guerrilheiros da luta armada e, ao mesmo tempo, os torturadores do aparato repressivo, que se manteriam impunes ao longo do tempo. Essa impunidade, que acabaria revogada no Uruguai, Argentina e Chile, foi reafirmada em abril de 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que sustentou os termos complacentes da auto-anistia imposta pelos militares.

Em 2001, o próprio Baltasar Garzón já havia declarado ser difícil que um país, qualquer que seja, tivesse a possibilidade de julgar crimes de tortura, genocídio e terrorismo enquanto ainda estivesse vivo o regime político que os permitira. "Agora, quando termina essa situação, abre-se a possibilidade de fazê-lo. Se o novo sistema jurídico e político garante o princípio de independência e imparcialidade dos juízes, a possibilidade se torna concreta", declarou o magistrado espanhol.

Acreditando nisso, Garzón resolveu também investigar os crimes cometidos na Espanha do general Francisco Franco. Os crimes do período franquista (1939-1976) estão cobertos pela existência de uma lei de anistia e Garzón, por seu atrevimento, acabou punido em seu próprio país com a suspensão de suas funções pelo Conselho Geral do Poder Judicial, o órgão superior da magistratura em Espanha.

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) lembra que, ao longo de 21 anos de regime militar no Brasil (1964-1985), o sistema repressivo prendeu cerca de 50 mil brasileiros e torturou algo em torno de 20 mil pessoas, com uma média de três torturas a cada dia de ditadura. "O esquecimento da história é o berço da impunidade. E a impunidade é ancestral da violência", disse o senador gaúcho.

Baltasar Garzón, que atualmente trabalha como assessor do Tribunal Penal Internacional em Haia, concorda: "A impunidade – ou antes, a auto-impunidade - é uma ameaça constante aos cidadãos".

A Universidade de Brasília recebe agora esse homem inspirador que escavou o passado para iluminar o presente, investigando os crimes de terrorismo de Estado que assombraram a América do Sul nos anos 1970. No Brasil que se recusa a revisar sua história, ao contrário de seus vizinhos, a visita desse magistrado espanhol sugere uma questão constrangedora: quando teremos um Baltasar Garzón para revisar os crimes da ditadura brasileira?

*Maria Jandyra Cavalcanti Cunha, lingüista, é pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UnB.

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Encontro clássico de titãs das cordas é desafio aos ouvidos

Fonte: folha.uol.com.br 13/10

No final da década de 1970, os fãs da guitarra foram surpreendidos com a inusitada reunião de três virtuoses das cordas: o inglês John McLaughlin, o espanhol Paco de Lucía e o americano Larry Coryell. O que sairia do encontro de músicos de perfis tão distintos?
O resultado pode não ter agradado a todos, mas não se pode negar que os músicos encontraram raro equilíbrio no palco, como demonstra a apresentação registrada em 1979, no Royal Albert Hall, em Londres.
A princípio, a opção do "guitar trio" em explorar apenas a sonoridade acústica do violão cria a impressão de que o violado flamenco de Lucía irá dominar e conduzir a cena. Mas, felizmente, isso ocorre apenas em algumas passagens, como no tema de abertura do concerto ("Entre dos Aguas").
Mesmo que não haja espaço para o toque eletrificado que consagrou McLaughlin, o guitarrista inglês consegue protagonizar o melhor momento do show, reservado para uma de suas clássicas composições, "Meeting of the Spirits".
A faixa-título faz parte do repertório do Mahavishnu Orchestra, grupo seminal de jazz-rock criado por McLaughlin no início da década de 1970, quando deixou de tocar com o trompetista Miles Davis. É nessa faixa, que se estende por longos 23 minutos, que o músico inglês encontra o terreno ideal para exibir sua pegada.
O domínio instrumental dos músicos é indiscutível e a música criada tem momentos realmente belos. Mesmo assim, para apreciar esse "Meeting of the Spirits" é preciso estar disposto a encarar três violões em ação, com os músicos transpirando virtuosidades em dedilhados infinitos. O que irá decepcionar os fãs é a baixa qualidade de imagem do DVD.
Uma apresentação considerada clássica para muitos e que levou tanto tempo para ganhar versão digital merecia ter recebido um tratamento mais cuidadoso.

MEETING OF THE SPIRITS
ARTISTAS John McLaughlin, Paco de Lucía e Larry Coryell
DISTRIBUIÇÃO Wet Music
QUANTO R$ 31, em média
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO regular

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