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Editoriais
Fonte: folha.uol.com.br21/10
Ofertório eleitoral
O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, nunca comungou com os tucanos ortodoxos que conduziam a economia no governo FHC. Na campanha de 2002, porém, jurou sobre o cânone de responsabilidade fiscal do cardinalato do Plano Real, em nome da continuidade. Agora, pela mesma razão, mostra-se pronto a abjurar o credo com ímpetos de iconoclasta.
Multiplicam-se as promessas de aspecto populista na campanha tucana. O Bolsa Família se estenderia a mais 15 milhões de famílias (hoje são 13 milhões) e contemplaria idosos e mais vulneráveis com um 13º benefício mensal.
O salário mínimo subirá para R$ 600 já no ano que vem. Pensões e aposentadorias do INSS terão aumento de 10%.
A motivação eleitoral parece óbvia. Serra enfrenta o desafio de concorrer com a candidata petista, Dilma Rousseff, ungida pela popularidade inédita de um presidente que, em oito anos, de fato logrou transferir renda para as camadas mais pobres e incluir milhões no mercado. Além disso, a candidata não faz por menos: promete simplesmente erradicar a miséria do país.
O tucano optou por apresentar-se como continuador e amplificador pragmático das políticas sociais do lulismo. Pouco importa de onde sairá o dinheiro. São R$ 46,2 bilhões adicionais já em 2011, como demonstrou ontem reportagem nesta Folha: R$ 17,1 bilhões para o mínimo, R$ 15,4 bilhões para aposentadorias e R$ 13,7 bilhões para Bolsa Família.
Ora, isso representa uma vez e meia tudo o que a União investiu em infraestrutura -estradas, portos, aeroportos e outras obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)- em 2009. Ou, em outros números, 2,5% do orçamento federal para este ano.
Trata-se de comprometer fatias crescentes da receita com medidas que podem retirar capacidade de investimento do Estado e pressionar as finanças públicas. Não é o que se espera de um político como Serra, que em sua vida pública tem se comprometido com o desenvolvimento e a responsabilidade fiscal.
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As eleições e a expansão da universidade
Fonte: folha.uol.com.br21/10
HERMAN JACOBUS CORNELIS VOORWALD
Os dois candidatos deveriam considerar que o desafio de ampliar o acesso ao ensino superior não deve ofuscar o da geração de conhecimento
A poucos dias de o Brasil eleger o futuro presidente da República, os candidatos que concorrem no segundo turno abordaram o tema da educação superior, limitando-o, porém, à inclusão social e à formação de recursos humanos qualificados para o mercado de trabalho.
Em face dos desafios do atual cenário global e da importância estratégica que projeta para a pesquisa científica, as duas candidaturas deveriam explicitar as propostas para a expansão da universidade, pois o desafio de ampliar o acesso ao ensino superior não deve ofuscar a necessidade de gerar conhecimento.
Ainda que a autonomia prevista na Constituição vigorasse de fato para todas as universidades públicas, competem ao governo políticas diretamente relacionadas a essas instituições, não só por meio de fomento, mas também para a expansão delas, muitas vezes sob a pressão quase que exclusiva para o aumento de vagas na graduação.
Não faltam dados para comprovar a estreita correlação entre o desenvolvimento econômico de um país e sua geração de conhecimentos. Muito antes do desempenho das nações que mais investiram em pesquisa nas últimas décadas, vários pensadores já haviam apontado a ciência como uma importante força produtiva.
No Brasil, grande parte da produção de estudos nas ciências, nas artes e na tecnologia é desenvolvida nas universidades, principalmente nas públicas, nas quais deve vigorar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Essas considerações remetem às conclusões extraídas de pesquisa que fiz em 31 de maio deste ano com cerca de 1.100 reitores de diversos países presentes à minha conferência "Desafios da universidade ibero-americana diante de um mundo em mudança", em Guadalajara, no México, no 2º Encontro Internacional de Reitores Universia.
Entre os 30 objetivos submetidos à escolha dos reitores, o de maior priorização (57,7%) foi o de "adequar os métodos de ensino e aprendizagem ao objetivo de aquisição de competências dos estudantes".
Esse ponto está diretamente associado à necessidade de bibliotecas bem servidas de livros e periódicos, laboratórios bem equipados e constante adequação dos currículos.
O objetivo com segundo maior índice de priorização (46,9%) foi o de "determinar que tipo de universidades se pretende desenvolver nos próximos anos (objetivos, captação de estudantes, relações com a sociedade, áreas de investigação, estrutura de governo)".
Como já dissemos em outro artigo neste espaço ("O desafio da universidade pública brasileira", 16/ 1/2009), investir em ciência e tecnologia não é luxo de países ricos, pois investimentos expressivos nessa área têm sido a opção estratégica dos que estão colhendo vitórias incontestáveis na competitividade e no comércio exterior.
Mas a geração de conhecimento é essencial também para que o desenvolvimento não se restrinja ao mero crescimento da economia.
Ela deve atuar também em vista da melhor qualidade de vida, da conservação ambiental e da erradicação da miséria.
Desse modo, por mais legítima e prioritária que seja a demanda social pelo maior acesso ao ensino superior, é necessário termos clareza da distinção entre esse tema e o da ampliação da universidade pública. Sem isso, correremos o risco de promover no Brasil uma expansão universitária completamente alheia aos presentes desafios para a produção do conhecimento.
HERMAN JACOBUS CORNELIS VOORWALD, 55, é reitor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e professor titular da Faculdade de Engenharia do campus de Guaratinguetá.
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No violento sul tailandês, a poesia encontra um lugar
Fonte: folha.uol.com.br21/10
O número de mortos neste conflituoso canto no sul da Tailândia continua crescendo. Seis anos de ataques insurgentes e batalhas com as forças armadas tailandesas deixaram 4.400 mortos e contando, cobrindo de constante medo as plantações de arroz e de seringueiras desta região.
O conflito é um dos mais intratáveis da Ásia. Mas a identidade dos perpetradores e quais são seus objetivos permanecem tão vagos que a violência às vezes é melhor expressada pela poesia.
Eu ouço a paz soluçando
E gritos que ressoam
Por estradas diversas,
Ao redor da torre do relógio,
Nas mesas de jantar, nas casas de chá.
Estes são versos de Zakariya Amataya, um poeta de 35 anos que cresceu em um dos distritos atualmente despedaçados violentamente pelo antigo ressentimento em torno de língua, religião e nacionalismo. Os insurgentes são muçulmanos e de etnia malasiana, e as unidades do exército tailandês enviadas para cá para combatê-los são na maioria budistas. Zakariya, um poeta muçulmano em uma terra budista, está pego no meio do fogo cruzado.
No próximo mês, Zakariya receberá formalmente o principal prêmio literário da região, por seu primeiro livro publicado de poesia. O Prêmio dos Escritores do Sudeste Asiático é um feito incomum para o filho de agricultores analfabetos. Também notável é o fato de a língua da poesia de Zakariya, o tai, não ser sua língua natal. Ele cresceu falando um dialeto malasiano falado pela maioria das pessoas que vivem nas três províncias mais ao sul da Tailândia, ao longo da fronteira com a Malásia. Essas diferenças étnicas e linguísticas, assim como a sensação entre os malasianos de dominação cultural por parte dos tailandeses, são o combustível para a insurreição.
Zakariya passou grande parte de sua vida adulta em Bancoc, e muitos de seus poemas não têm ligação com a violência. Mas entre suas obras mais comoventes estão os lamentos sobre aquilo em que se transformou a terra bucólica de sua infância, e os poemas sobre outros conflitos ao redor do mundo. Ele escreve sobre exércitos de ocupação, incluindo dois poemas sobre o Iraque, um pelos olhos de um atirador atormentado por sua consciência, outro pelo ponto de vista de uma criança.
Oh, pai, por favor, apague o fogo que queima nossa terra.
Pai, pegue todos os baldes de água que temos e os despeje
Sobre as sementes de cerejeiras para que possam crescer de novo
Das cinzas e escombros da cidade.
Borboletas voarão por nossas florestas de novo.
E se a água não apagar o fogo frenético,
Pai, use minhas lágrimas.
Neste mês, Zakariya voou para sua província natal, sua primeira viagem de volta desde que ganhou o prêmio.
Durante dois dias dirigindo pelo que é conhecido como sul profundo, ele se encontrou com outros escritores e conversou com os comandos do Exército tailandês, que por acaso buscaram refúgio em sua velha escola primária. Ele também se reencontrou com a professora que lhe ensinou a língua tai. A violência o seguiu: uma hora após Zakariya ter comido frango com curry em um restaurante na sede provincial de Narathiwat, um mecânico foi assassinado a poucas quadras de distância. Duas horas após ter percorrido uma “zona vermelha” conhecida pela violência constante, três vendedores que entregavam frangos na zona foram mortos a tiros em sua picape.
Os números diários da violência no sul são tão insensibilizadores que cada nova decapitação, explosão ou morte a tiros cada vez tem menos espaço nas páginas da imprensa tailandesa. A minoria de etnia malasiana daqui por séculos se irritou com o controle da área por Bancoc, mas os especialistas não conseguem explicar plenamente por que nos últimos anos os ataques sofreram tamanha escalada. Diferente de outros movimentos rebeldes ao redor do mundo, os insurgentes daqui raramente reivindicam a responsabilidade por seus ataques.
A obra de Zakariya retira o nacionalismo do conflito e dá uma medida de humanidade ao terror e às vítimas sem face. Por meio de sua obra, ele busca ir além das questões de identidade. “Com minha mente e pensamentos eu posso decidir quem quero ser”, ele disse. “Eu quero valorizar os seres humanos mais do que grupos étnicos e nacionalidades.”
O chefe do júri que concedeu o prêmio disse que etnia e política não tiveram um papel.
“Nós não sabíamos quem ele era ou de onde vinha”, disse Adul Chantarasak, o presidente do júri de sete membros, que chamou os poemas de Zakariya de “poderosos e intensos”.
O anúncio oficial descreve sua obra como “sem fronteira”.
“Ela viaja pelo tempo e espaço”, disse o anúncio. “Ela é provocante e encoraja nossa imaginação a pensar e repensar.”
O título do livro de Zakariya, “Sem Mulher na Poesia”, tira seu nome de um dos poemas. Ele escreve em versos livres, algo apropriado, talvez, já que o sul parece um local sem regras.
A decisão de dar o prêmio a Zakariya marcou a primeira vez nos 32 anos de história do Prêmio dos Escritores do Sudeste Asiático que o júri tailandês foi unânime. (Os comitês de nove outros países do Sudeste Asiático decidiram separadamente os seus respectivos prêmios.)
Eu estou viajando na poesia
A poesia viaja em mim
Nós estamos seguindo ao mesmo destino.
As memórias da infância de Zakariya são em grande parte pacíficas: plantações de seringueiras e caminhadas por montanhas para vislumbres do mar e caçar passarinhos. Bacho, o distrito onde ele cresceu, agora é considerado um dos locais mais perigosos no sul.
Em setembro, um aldeão budista octogenário em Bacho e sua esposa de 76 anos, além de dois outros membros da família, foram mortos a tiros à queima-roupa por um grupo de homens com armas de assalto. Suas casas foram incendiadas. As mortes faziam parte de um padrão de aparente limpeza étnica; os aldeões estavam entre os últimos budistas na região.
Mas os muçulmanos daqui costumam ser as vítimas mais frequentes, especialmente professores, soldados, funcionários públicos e qualquer um associado ao Estado tailandês.
“Há medo em toda parte”, disse Terdsak Thawornsut, o diretor de uma escola pública em Narathiwat, onde um casal, ambos professores, foi assassinado em setembro.
“Nós nunca sabemos quando o onde algo acontecerá”, disse Terdsak.
Esta é a Tailândia que os turistas não veem.
Zakariya passou grande parte de seus dois dias de viagem em escolas ou arredores. Ele falou com um grupo de duas dúzias de professores de língua tai na escola de Terdsak e pediu para que encorajassem seus alunos a escrever. Ele se ofereceu para participar de uma oficina de redação.
Ele fez uma visita à sua velha escola primária, um prédio com estrutura de madeira à beira da estrada principal. Os alunos estavam em férias, mas o pátio estava repleto de soldados que tinham acabado de retornar de três dias na selva caçando insurgentes.
Os soldados, em uniformes de camuflagem e com rifles de assalto M-16 pendurados no ombro, tinham olhares vidrados de homens que não dormiam há várias noites. Eles estavam entre os murais coloridos usados para ensinar o alfabeto para as crianças.
Zakariya enfiou a mão em sua bolsa, retirou uma cópia de seu livro e dedicou a eles. Enquanto circulava pela escola, ele notou em um quadro de avisos o nome de sua primeira professora primária, a mulher que o ensinou a ler e falar tai.
Era a primeira vez em três décadas que ele via sua professora, Tantima Saeaui, atualmente com 57 anos. Uma mulher budista magra com maneirismos gentis, Tantima disse que reconheceu imediatamente Zakariya, que tem tez de chocolate, cavanhaque e cabelo até seus ombros.
“Eu fico feliz em ver meu aluno tão bem-sucedido”, ela disse. “Você era inteligente e aprendia rápido.”
Zakariya elogiou a paciência de Tantima. “Era muito difícil nos ensinar”, ele disse. “Nós não falávamos nenhuma palavra de tai quando iniciamos a escola.”
Ao partir, o poeta muçulmano se virou para a mulher budista que lhe ensinou aquelas que agora são as ferramentas de seu ofício: “Eu vim aqui para dizer, ‘Obrigado, professora’”.
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