domingo, 24 de outubro de 2010

Andar com fé eu vou

O universo religioso do Brasil, sociedade formada com base no catolicismo, que enfrenta perda importante de seu rebanho para outras religiões.

Fonte: valoreconomico.com.br 25/10

No dia 12 de outubro, Maria do Carmo de Oliveira alterou um roteiro que durante anos seguiu religiosamente. No dia da padroeira do Brasil, em vez de vestir a calça comprida e o par de tênis para embarcar em uma excursão para Aparecida, a dona de casa de 51 anos optou pelo salto moderadamente alto, uma saia cinza e uma blusa azul-marinho. Seu destino? A Assembleia de Deus do Bom Retiro, bairro na região central de São Paulo. "Não preciso mais ir tão longe para encontrar a paz de espírito. Só agora descobri a paz, e ela estava ao meu lado."

Desde o início do ano, essa baiana, separada e mãe de dois filhos casados, define-se como evangélica convicta. "Sou crente mesmo. Uma amiga me apresentou a palavra. Aqui existe mais união entre os irmãos. Se tem um doente, oramos; se tem uma pessoa desempregada, ajudamos. Aqui tenho outra família."

Maria do Carmo é um dentre os muitos rostos que dão contorno ao universo religioso do Brasil, sociedade formada com base no catolicismo, que enfrenta perda importante de seu rebanho para outras religiões, também cristãs. A maioria é de orientação pentecostal e neopentecostal, vertentes do protestantismo surgidas de dissidências em igrejas históricas americanas no fim do século XIX. Seu crescimento tornou-se mais visível nos anos 1960, até que nos anos 1980 o país assistiu a uma explosão pentecostal.

Projeções indicam que há 46 milhões de evangélicos no Brasil. Sua expansão foi cerca de cinco vezes mais rápida do que a da população total em 1970, quando havia menos de 5 milhões de fiéis espalhados principalmente pelas igrejas conhecidas como históricas (luteranos, anglicanos, calvinistas) e de missão (batistas, metodistas, presbiterianos). O catolicismo foi a fonte principal de novos fiéis para as igrejas pentecostais (Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Evangelho Quadrangular) e neopentecostais (Igreja Universal do Reino de Deus, Deus é Amor, Renascer).

Há 40 anos, os católicos declarados eram 92% dos brasileiros (86 milhões), mas em 2000 essa proporção tinha caído para 74%, ou 125,5 milhões de pessoas. Pesquisa eleitoral do Datafolha, realizada no início do mês, estima a população católica atual em 62% e a evangélica em 24% - 18% pentecostais e 6% históricos ou de missão.

O sucesso dos movimentos evangélicos no Brasil e na América Latina foi tão grande que já nos anos 1980 havia pesquisadores nos EUA se perguntando se o continente se tornaria protestante, segundo o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo Antônio Flávio Pierucci. Na Guatemala e em outros países da América Central, projeta-se que a população evangélica pode já rivalizar com a católica. No Chile e em países andinos, as igrejas evangélicas participam de decisões políticas de forma mais direta do que no Brasil.

A questão religiosa ganhou nova força no país com a disputa presidencial. A subida vertiginosa de Marina Silva (PV) no primeiro turno revelou que demandas sociais de parcelas significativas da sociedade escapam às propostas dos maiores partidos do país. As equipes de ambos os candidatos associaram o fenômeno eleitoral a um voto religioso e conservador que teria migrado da candidata petista Dilma Rousseff para Marina em virtude da polêmica do aborto.

As respostas de Dilma e José Serra (PSDB) foram quase as mesmas: acordos com organizações religiosas para bloquear esses temas polêmicos, um forte apelo à emoção nas campanhas e afirmações reiteradas de "defesa da vida". Ambas as campanhas do segundo turno associaram o voto antiaborto ao catolicismo conservador e ao já célebre "voto evangélico". Essa categoria eleitoral estreou na política brasileira com uma bancada de 33 deputados na Assembleia Constituinte de 1987, depois chegou a expressivos 15 milhões de votos com Anthony Garotinho, então no PSB, em 2002. A partir de 2011, a presença evangélica no Congresso será ainda mais expressiva. De 43 membros, a bancada chegará a 63 deputados, aos quais se somam três senadores, dois reeleitos (Magno Malta, PR-ES, e Marcelo Crivella, PRB-RJ) e um novato (Walter Pinheiro, PT-BA).

Mas o caminho escolhido pelos candidatos à Presidência é cheio de curvas sinuosas, avaliam especialistas em religião: "Trazer para o centro da discussão política a questão religiosa é perigoso porque reverte todo o processo moderno de laicização da coisa pública", diz Pierucci. "Nesse ordenamento, cabe ao Estado definir para os cidadãos a ordem do crime, enquanto as igrejas definem para seus fiéis a ordem do pecado. A ordem moral, não a ordem jurídica. Outro nome que podemos dar ao Estado moderno é democracia. O que estamos vendo de positivo é que as religiões não atacam mais a democracia."

É duvidoso que o "voto evangélico" seja um bloco tão fechado quanto muitos creem. Para o professor da USP, o rigor de conduta dos evangélicos não é mais acentuado do que o dos católicos. Além de as religiões evangélicas serem formadas por correntes muito diferentes, como no catolicismo, a norma e a prática não coincidem. "Também há muitos evangélicos que têm um distanciamento e um pé atrás com relação a seus pastores e suas igrejas semelhante ao dos católicos. De perto, ninguém é o que parece", afirma o sociólogo.

Pesquisa Datafolha realizada no dia 8 revela que apenas uma pequena parcela (3%) dos que declaram ter religião receberam orientação da igreja para não votar em algum dos candidatos à Presidência. Luiz Fernandes, por exemplo, afirma que sua igreja é apolítica. "A orientação é votar de acordo com sua vontade", diz o advogado de 66 anos e frequentador da Congregação Cristã do Brasil. No primeiro turno, Fernandes optou por Marina Silva. "Tinha pensando em anular, mas na minha casa quem faz a minha cabeça é a minha mulher, que não deixou. No segundo turno, ela quer que eu vote na Dilma. Deseja que uma mulher seja eleita." A 10 metros de Fernandes, na entrada do templo no bairro da Lapa, a dona de casa Aparecida dos Santos, 51 anos, diz ter votado em Marina no primeiro turno, mas revela que vai de Serra no dia 31.

Migração religiosa

A transferência religiosa no Brasil não se deu de maneira homogênea. Apoiado em mapas desenhados a partir dos dados do Censo, o cientista político Cesar Romero Jacob mostra que há áreas do país onde a proporção de católicos chega ainda a 92%, enquanto em determinadas áreas metropolitanas há regiões que ultrapassam os 30% de evangélicos. A história recente da religião no Brasil está contada nesses mapas, segundo Jacob, autor de "Atlas da Filiação Religiosa e Indicadores Sociais no Brasil".

Uma grande faixa que se estende do interior do Nordeste até o sul de Minas corresponde à área de maior predomínio católico. O sul do país também é fortemente católico, apesar da presença considerável de protestantes históricos, herdeiros dos imigrantes europeus do século XIX. São regiões de colonização antiga e população bem assentada, onde o Estado e a Igreja Católica, ou ao menos um dos dois, são presentes e atuantes.

Os evangélicos são numerosos sobretudo nas periferias das grandes cidades e numa grande faixa que se estende de Mato Grosso ao Amapá e à maior parte da Região Norte. Jacob aponta em particular as regiões que acompanham o traçado da rodovia Belém-Brasília, que atravessa Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, a rodovia Transamazônica e as margens do rio Amazonas. Essas áreas com forte concentração de populações evangélicas, coincidindo com as zonas de ocupação mais recente, são as chamadas "fronteiras agrícolas", receptoras de fluxos migratórios desde os anos 1970, quando o regime militar queria "levar os homens sem terra à terra sem homens", nas palavras do general Médici.

Os migrantes, observa Jacob, saíam católicos de suas casas no Nordeste. Alguns anos depois, muitos já estavam convertidos. O mesmo fenômeno ocorreu nas regiões periféricas das grandes cidades, sobretudo Rio e São Paulo. À medida que os novos operários chegavam para trabalhar em fábricas e na construção civil, os subúrbios inchavam e perdiam seu aspecto de casas tristes com cadeiras na calçada. As populações recém-instaladas, ao recriar seu cotidiano, abandonavam em muitos casos a religião tradicional para abraçar a fé evangélica.

O caso de Maria do Carmo Oliveira ilustra alguns dos fatores de atração das religiões pentecostais sobre pessoas desiludidas com o catolicismo. O caráter comunitário de muitas dessas denominações, em que se pratica a ajuda mútua e o cuidado com o próximo, foi fundamental para a instalação dos recém-chegados, enquanto o Estado brasileiro, falido durante toda a década de 80 e parte da década de 90, não tinha condições de atender às demandas sociais das periferias urbanas e da fronteira agrícola.

"Aqui as pessoas são mais próximas umas das outras. Há uma grande disposição para a solidariedade", afirma a dona de casa Neusa Alves Vieira Silva, de 45 anos e frequentadora da Congregação Cristã do Brasil, em São Paulo. "Fui batizada na Igreja Católica, mas não frequentava, pois não me sentia confortável. Há 14 anos eu me converti e virei crente. A casa de Deus é a minha casa."

Uma ampla pesquisa feita pelo Datafolha, em 2007, explicitou a imagem que as religiões têm umas das outras no país. Os católicos são considerados mais relaxados em sua fé e menos obedientes às instruções de seus sacerdotes e do Vaticano. Já o evangélico é visto como alguém que segue à risca as orientações dos pastores. As regras comportamentais evangélicas são consideradas mais rígidas do que as católicas, e os fiéis também as respeitam mais.

O padre Antonio Aparecido Pereira, porta-voz da Arquidiocese de São Paulo, aponta que a Igreja Católica se preocupou tanto em batizar que se esqueceu de evangelizar seus filhos, o que ajuda a explicar o êxodo de fiéis para igrejas evangélicas nesse período. Para o sacerdote, as religiões pentecostais "encontraram na massa de católicos não praticantes um campo para lançar suas redes. E a pesca tem sido muito grande".

O brasileiro segue uma tendência de outros momentos históricos, quando territórios foram redesenhados e igrejas protestantes se expandiram. Já no século XVIII, quando a Revolução Industrial dava seus primeiros passos no Reino Unido, espalhou-se rapidamente entre os operários britânicos o movimento pietista, dissenso do luteranismo cujo argumento era que o pastor deveria libertar-se dos muros das igrejas para ir pregar nas ruas. Desse movimento derivou-se o metodismo de John Wesley, que se espalhou pelo mundo.

O mesmo se deu, afirma o historiador da religião André Egg, no período da "marcha para o Oeste" nos EUA. Os pioneiros avançavam por terras inóspitas e abraçavam novas formas de religiosidade. São formas mais imediatas de acesso ao divino: "Elas propõem uma leitura muito direta da 'Bíblia'. Qualquer doutrina teológica é entendida como nociva, porque barra a comunicação direta com Deus", afirma. "A 'Bíblia' é entendida como a fala de Deus com o fiel no instante mesmo. Uma mensagem direta, sem intermediários."

Jacob chama a atenção também para a forma como coincidem as áreas de maior concentração evangélica com as áreas com forte presença de pessoas que se declaram sem religião. Essa coincidência não é sem motivo. Os migrantes partiam de suas terras, em geral no interior do Nordeste, e não encontravam estrutura estatal ou eclesiástica que os acolhesse. Com isso, deixavam a religião e, algumas vezes, entregavam-se ao alcoolismo ou até mesmo ao mundo do crime. "É mais fácil converter pessoas que estão sem religião", afirma Jacob. Na maior parte dos casos, a passagem do catolicismo para o evangelismo é indireta, com escala na ausência de filiação religiosa. É por isso, sugere o pesquisador, que o índice de queda percentual do catolicismo no Brasil equivale à soma do crescimento das religiões pentecostais com o crescimento dos sem-religião.

A Igreja Católica, por sua vez, não teve agilidade para se instalar nessas áreas. No maior período de migrações, no início dos anos 1980, o Vaticano estava ocupado com a luta contra o ateísmo da União Soviética, por escolha do papa João Paulo II. O esvaziamento das Comunidades Eclesiais de Base, consideradas próximas do comunismo, foi simultâneo à explosão das igrejas evangélicas no Brasil. O processo foi tão veloz que, em meados da década de 90, o sociólogo e professor da USP Reginaldo Prandi afirmava que não havia bairro periférico que se prezasse sem "a igreja evangélica, a loja de umbanda e a academia de musculação".

Quem primeiro busca o consolo das igrejas evangélicas é, na maior parte das vezes, as mulheres. Elas exercem o papel de esteio familiar, diante de um mundo novo e abertamente hostil. Nas periferias e nas áreas abertas pela expansão agrícola, as mães de família sentem o risco que correm os seus. "Não querem que o marido vá para a bebida, o filho para o tráfico de drogas, a filha para a prostituição, então procuram refúgio num grupo onde todos olham por todos", diz Jacob. O sentido de união e o rigor moral oferecidos pelas igrejas evangélicas é quase uma garantia de estabilidade para as famílias.

Fidelidade religiosa

Embora 80% dos evangélicos pertençam a apenas quatro denominações (Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, Igreja Universal do Reino de Deus e Evangelho Quadrangular), são raros os casos em que um fiel frequente exclusivamente os templos de uma igreja. Um fiel evangélico se sente livre para mudar de culto ou mesmo de denominação de acordo com a mensagem que ouça. Essa abertura para a migração interna é consequência da própria história do pentecostalismo, em que o contato direto com Deus é considerado mais importante do que a intermediação por um sacerdote. Com isso, o fiel pode buscar a palavra de Deus onde sentir que ela o toca mais internamente. "Eu gosto da Assembleia de Deus e da Congregação. Não sou batizada em nenhuma, mas costumo ir às duas", afirma Aparecida Borges Bonassi, aposentada de 70 anos. "Fui católica e espírita, por causa dos meus pais, mas mudei de religião depois que fiquei viúva."

Para André Egg, a migração interna entre igrejas evangélicas é mais relevante do que o diálogo ecumênico entre elas. Ele cita como exemplo sua experiência. Nasceu presbiteriano, transferiu-se, ao casar, para a igreja da mulher. Depois, ambos frequentaram ainda outra igreja pentecostal. Mais tarde, sentindo que a mensagem estava se perdendo nessa denominação, decidiram-se pela fé batista e, hoje, aproximam-se da igreja anglicana, porque consideram sua teologia mais apta a lidar com o mundo contemporâneo.

Naturalmente, a migração não é uma característica visível em todas as igrejas evangélicas. Na verdade, o perfil varia muito entre as históricas, as pentecostais e as neopentecostais. As igrejas históricas são mais estáveis e homogêneas. Igrejas de missão como a batista e a metodista tendem a agregar fiéis de classes B e C, em áreas de urbanização mais antiga e nível educacional mais elevado. As redes de hospitais adventistas e escolas batistas, por exemplo, têm como público principal essas classes sociais. A transferência de fiéis dessas igrejas para as pentecostais e neopentecostais tende a ser mais fraca. "Fui católica, mas não penso em voltar, pois todos os padres e bispos são inacessíveis. Além disso, aqui o pastor está disponível o tempo todo e o culto tem menos liturgia e é mais dinâmico", afirma a executiva Vivian Passos, de 35 anos, formada em fonoaudiologia e frequentadora da Igreja Batista da Água Branca, com o irmão, o empresário Daniel Passos, de 30.

Já as igrejas pentecostais tradicionais, que, segundo Jacob, professam uma "teologia da austeridade", realizam um trabalho mais próximo às populações desfavorecidas, isto é, as classes D e E, e crescem localmente, por contiguidade e vizinhança. Isso significa que o princípio dessas denominações é conquistar novos fiéis pelo exemplo, sobretudo um exemplo de seriedade religiosa e rigor comportamental. Esse é o motivo pelo qual algumas denominações pentecostais proíbem às mulheres o uso de calças e cabelos curtos, ou o álcool e o jogo aos homens.

Teologia da prosperidade

Por outro lado, as igrejas neopentecostais investem na chamada "teologia da prosperidade", que valoriza o sucesso pessoal e profissional. Voltada majoritariamente para a classe C, essa estratégia foca problemas típicos de uma classe média ascendente: emprego, posse de bens, entretenimento. O crescimento dessas denominações, segundo Jacob, é mais heterogêneo e se apoia fortemente sobre o poder midiático que advém da posse de emissoras de rádio e redes de televisão. A circulação de fiéis entre as diversas denominações é mais forte nessa categoria evangélica.

O fenômeno de migração interna entre as denominações evangélicas leva muitos sociólogos da religião a abordar a religiosidade contemporânea por meio de um vocabulário microeconômico. Segundo essa perspectiva, a preferência religiosa decorre de escolhas racionais e as diferentes igrejas agem estrategicamente como empresas para atrair fiéis e os manter, numa relação típica de consumo. O que uma igreja oferece são bens simbólicos, uma espécie de "produto" que satisfaz necessidades humanas mais profundas do que o bem-estar material. Isto é, dão consolo, sentido para a vida, esperança, conforto, um norte moral.

"Com a República, institui-se a liberdade religiosa, a separação da igreja e do Estado. Considerando o funcionamento das igrejas como empresas, vemos como elas têm a liberdade de divulgar suas doutrinas e disputar fiéis umas com as outras. Ou seja, a liberdade religiosa vira livre concorrência", diz Pierucci. "O Estado não regula mais esse campo. Se regulasse, seria um monopólio, como era antigamente e continua sendo na maior parte das repúblicas islâmicas. Não tendo mais monopólio, a concorrência dá certo. Nenhuma igreja é contra o Estado laico, porque ele lhes dá liberdade de crescer."

A abordagem microeconômica das religiões esclarece o crescimento do chamado "mercado da fé". Fenômenos como música gospel, pastores televisivos e a fragmentação das denominações religiosas (cujo número é incerto, mas estima-se que já passe da centena) figuram como exemplo da necessidade de talhar um produto espiritual para suprir a demanda de fiéis que têm preferências díspares. Não por acaso, as igrejas neopentecostais são as mais preparadas para "competir" nesse mercado e tiveram um crescimento considerável nas últimas décadas. "Ao contrário de muitas outras igrejas, não fazemos propaganda nem divulgação", afirma Luiz Fernandes, que frequenta a Congregação Cristã do Brasil. "Nossos fiéis são sempre trazidos por outros fiéis. A gente nem gosta de sair em fotos."

Embora exista uma ligação entre a expansão das igrejas evangélicas e a ascensão social de grupos que costumavam pertencer às classes menos favorecidas da sociedade brasileira, os pesquisadores negam que haja relação estrita, atualmente, entre um modo de vida econômico e uma escolha religiosa precisa. Embora a ideia tenha sido apontada por Max Weber, ao escrever sobre o desenvolvimento do capitalismo europeu no século XVI, esse raciocínio dificilmente poderia ser transposto para as condições atuais. "As religiões novas têm características muito diferentes do protestantismo histórico. A experiência religiosa mais importante para o pentecostal é um êxtase recebido do Espírito Santo. O protestantismo das origens era voltado para a ação, ficava no campo da conduta. A experiência religiosa era a experiência profissional. Trabalhar era cumprir a vontade de Deus", afirma Pierucci.

A maioria dos pesquisadores considera que a curva de crescimento das igrejas pentecostais no Brasil deve ter sofrido uma inflexão. Assim, nas próximas décadas, é provável que a proporção de evangélicos se estabilize no país em torno de 25%.

Estudo realizado em 2007 pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, estimou uma estabilização na proporção de católicos no país, embora a porcentagem de evangélicos tenha continuado a crescer. Para o economista, a melhora da vida econômica das populações mais pobres, sobretudo no Nordeste, estancou nas pessoas a busca por novas religiões, além de reverter o processo migratório que vigiu no Brasil durante a maior parte do último século.

Outros argumentos também são evocados para sustentar a hipótese de uma acomodação na distribuição de fiéis entre as igrejas. Segundo Pierucci, existe um teto para a quantidade de católicos que podem se dispor a mudar de religião. Para o sociólogo, o brasileiro tampouco é tão disposto a fazer parte de religiões que exigem fé exclusiva. Com isso, o catolicismo se torna mais confortável, por não tomar medidas enérgicas contra o sincretismo e o flerte com outras religiões. "Se você for evangélico, não pode ser espírita. O católico, de forma extraoficial, pode continuar indo a centro espírita, umbanda e por aí vai. A Igreja Católica não aprova, claro, mas também não interfere muito, como fez o confucionismo dos mandarins com o taoísmo, na China. Conheço pessoas que são muito espíritas e ao mesmo tempo muito católicas. Isso, no pentecostalismo, não pode", diz. Por esse raciocínio, a sobrevivência do catolicismo como religião dominante no Brasil viria de seu caráter mais maleável.

"Trazer para o centro da discussão política a religião é perigoso porque reverte o processo moderno de laicização da coisa pública", diz Pierucci

"Aqui as pessoas são mais próximas. Há mais disposição para a solidariedade", afirma Neusa Silva, da Congregação Cristã do Brasil

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