quarta-feira, 20 de outubro de 2010

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Entrevista: Para ex-presidente argentino, novo papel internacional brasileiro traz novas responsabilidades

Fortalecer a região beneficia o próprio Brasil, diz De la Rúa

Fonte: valoronline.com.br 20/10

O Brasil decolou e a Argentina não por dois motivos básicos, na opinião do ex-presidente argentino Fernando de la Rúa. Em primeiro lugar, o Brasil obteve apoio do FMI em 1998, não quebrou, não teve de dar calote na sua dívida; já a Argentina, para ele, foi sacrificada pelo FMI. O segundo fator é o "grande progresso na política brasileira", que gerou previsibilidade e confiança.

De la Rúa admite que a situação argentina no início desta década era pior que a brasileira, principalmente por causa da convertibilidade, a política de câmbio fixo que cotava o dólar a um peso. Ele diz que queria abandonar essa política, "que eu herdei", mas o contexto econômico desfavorável, marcado pela recessão, alto endividamento, juros altos e baixo preço das commodites, não permitia fazer isso ordenadamente. A Argentina pediu ajuda, mas o FMI negou.

"Para a Grécia, o FMI ofereceu € 30 bilhões agora. Para mim, recusaram US$ 1 bilhão", lamenta.

De la Rúa governou a Argentina por pouco mais de um ano, entre 10 de dezembro de 1999 até 20 de dezembro de 2000, quando renunciou em meio a protestos reprimidos violentamente em Buenos Aires. Ele se diz vítima de um golpe civil, orquestrado pelo então governador de Buenos Aires, o peronista Eduardo Duhalde, a quem derrotara na eleição e que em seguida assumiria a Presidência. "O peronismo não deixou terminar nenhuma governo de outro partido", dos anos 60 até hoje.

"Me pergunto todos os dias se eu fiz bem ou mal em renunciar, mas era isso que o golpe queria."

Afastado da política desde sua renúncia, De la Rúa, de 73 anos, participou ontem, em São Paulo, de seminário de relações internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco. Ele falou sobre o novo papel do Brasil no Século XXI. "Na Argentina seguimos com interesse o que se passa no Brasil, com simpatia e até com orgulho de latino-americanos, de ver que um país da região pode fazer isso."

Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por De la Rúa ontem ao Valor.

Valor: Qual é o novo papel do Brasil nas relações internacionais?

Fernando de la Rúa: O extraordinário desenvolvimento do Brasil significa grandes possibilidades e grandes responsabilidades em relação à região. Uma delas é retomar o caminho do Mercosul, que hoje não é prioridade na agenda e tem de voltar a ser. Em relação aos países do Bric, o Brasil tem grandes vantagens: é uma democracia estável, não tem os problemas sociais da Índia, não se limita a exportar armas e petróleo, como a Rússia. Mas tem outra vantagem: integra uma região de países emergentes produtores de alimentos e recursos naturais, o que aumenta o seu potencial. Por isso, acho que o Brasil deve olhar mais para a região.

Valor: O Brasil não faz isso?

De la Rúa: Há gestos amáveis, amistosos, e nada mais. Já nos esquecemos do processo de integração. O Mercosul não é tema da campanha eleitoral no Brasil. Isso significa perder uma oportunidade, pois juntos podemos crescer mais. Fortalecer a região fortalece o Brasil. O Brasil está sendo a grande locomotiva do crescimento regional. A importação de carros e autopeças feitos na Argentina ajuda o nosso PIB, de modo que o Brasil tem uma grande importância para todos os países da América Latina. O Brasil quer dar um salto para ocupar uma posição mais preponderante no plano internacional. Pelo seu modelo, baseado na democracia, na previsibilidade, na inclusão social, é um exemplo.

Valor: Esse salto internacional reduz o interesse pelo Mercosul?

De la Rúa: O problema do Mercosul vem de antes. É uma grande ideia, mas resumir-se numa união aduaneira trouxe dificuldades. Ficamos parados em disputas de autopeças e frangos, e não avançamos na integração política, cultural, institucional. Falto ao Mercosul um marco institucional. E sobretudo falta uma maior vontade integradora.

Valor: Da parte de quem?

De la Rúa: Dos dois países. Criaram-se situações de desconfiança por problemas práticos de comércio, mas agora a grande expansão brasileira diminui o fator concorrência que nos afetava antes e permite avançar mais rapidamente. Essa situação excepcional do Brasil marca a hora em que se deve reforçar o Mercosul. Na prática, estamos superando essa barreira pela iniciativa privada. Mais de 400 empresas brasileiras investiram já na Argentina, e muitas empresas argentinas investiram no Brasil.

Valor: O Mercosul é um tema importante na Argentina?

De la Rúa: Quase não se fala do Mercosul na Argentina. Fala-se mais da Unasul, que é uma ferramenta política criada pelo Brasil para uso do Brasil, para resolver problemas políticos passando ao largo do Mercosul. Em maio falou-se muito, pois tivemos um problema aduaneiro, quando a Argentina anunciou restrições a importações brasileiras. Isso foi superado, mas esse tipo de conflito é um tema menor em relação ao grande desafio do crescimento. Esta é uma época excepcional para a América Latina. A crise nos países mais ricos faz crescer os fluxos de capitais para os emergentes. E nisso, a presença do Brasil, a situação do Brasil joga um papel importante. A imagem do Brasil reforça a confiança no resto da América Latina. Se o Brasil está bem, estamos bem todos. Mas se algo acontecer ao Brasil, criaria problemas para todos.

"O FMI apoiou o Brasil, mas negou apoio à Argentina. Isso foi fundamental, marca os caminhos e as diferenças"

Valor: Este novo papel do Brasil é visto com naturalidade na Argentina, após décadas de desconfiança mútua e concorrência?

De la Rúa: Sim, com admiração e até com orgulho, pois o Brasil é parte da América Latina e somos associados no Mercosul. Fico feliz por ver esse enorme crescimento do Brasil. O Brasil era uma potência contida, mas 15 anos de estabilidade política e econômica permitiram esse desenvolvimento. Há grandes desafios: precisa acabar com o trabalho infantil, resolver o problema das favelas, da violência. E, com a Argentina, temos desafios comuns: a luta ao narcotráfico, ao terrorismo, à lavagem de dinheiro.

Valor: O sr. vê o risco de um excesso de triunfalismo no Brasil?

De la Rúa: Alguns dizem que sim. O Brasil tem de dar o grande salto, mas se o fizer com soberba e triunfalismo, pode saltar no vazio. Acho que o Brasil vem crescendo com sensatez, com políticas gradualistas, sem choques abruptos, sem dar passos para trás. Isso significa que avançará bem.

Valor: Existe na região a percepção de imperialismo brasileiro?

De la Rúa: Não percebemos isso. Por anos, houve uma concorrência entre Argentina e Brasil pela primazia. Na crise de 2001, quando jogaram contra nós todos os fatores internacionais adversos, o FMI negou apoio à Argentina, mas deu apoio ao Brasil. Isso foi fundamental, é o que marca os caminhos e as diferenças [entre os dois países].

A Argentina teve a crise política e declarou default, o que condicionou depois a confiança internacional para investir no país. O Brasil não teve crise política, evitou o default e virou um grande receptor de investimentos. Por isso, o Brasil atrai hoje 60% dos investimentos que chegam à América Latina, e a Argentina atrai só 3%.

Mas liderança tem um preço, quem exerce a liderança tem a responsabilidade de ajudar os outros. Não creio que haja uma reivindicação de liderança, mas sim um efeito positivo do crescimento do Brasil que ajuda o resto da região.

Valor: Qual é essa responsabilidade para o Brasil?

De la Rúa: Não obstruir as importações dos outros países. Abrir caminhos de cooperação tecnológica - Brasil e Argentina precisam de desenvolvimento tecnológico e poderiam fazer acordos para isso. O Brasil pode facilitar, com investimentos, o desenvolvimento dos outros países do Mercosul, em vez de competir com eles. É a atitude. O Brasil, com seu grande poder econômico, se competir com os outros países [da região] e fizer uma política contra eles, está renegando o seu papel latino-americano. Por outro lado, se ajudar no desenvolvimento e no crescimento, beneficia a si mesmo. Ser a oitava economia mundial e estar numa região em crescimento é o melhor cenário possível para o Brasil.

Coordenar os programas de infraestrutura com os outros países é outra forma de integração. É preciso avançar nos mecanismos para compensar as diferenças, sobretudo entre Brasil e Paraguai.

Valor: A eleição no Brasil muda alguma coisa para a Argentina?

De la Rúa: Nada sugere uma mudança abrupta das políticas em andamento no Brasil. Haverá continuidade, ainda que não continuísmo, mesmo que um possa ser mais estatista, o outro mais liberal.

Prova disso é que o debate neste surpreendente segundo turno, que ninguém esperava, deslocou-se para o aborto, para a questão religiosa. Não se discutem temas econômicos. O governo que vier terá de tomar algumas medidas sobre a taxa de câmbio, a taxa de juros, mas nada que provoque sobressaltos. Haverá definições sobre o que fazer a respeito da "guerra cambial", como definiu o ministro Guido Mantega. Isso gera tensões no comércio internacional.

Valor: O câmbio preocupa?

De la Rúa: No Brasil, após as eleições, haverá mais pressão do setor produtivo e dos exportadores para uma correção da taxa de câmbio. Isso é delicado. De um lado pode favorecer a produção, mas de outro vai afetar o poder de compra. Uma desvalorização no Brasil não é indiferente ao resto da região. Muitas vezes é necessário levar em conta esses interesses e se comunicar. Tivemos o grave problema da desvalorização do Brasil, em janeiro de 1999, que condicionou muito a situação da Argentina.

Há também preocupação na região por causa da grande entrada de capitais no Brasil, devido às taxas de juros. Se isso não for administrado adequadamente, pode criar uma situação de bolha.

Valor: Os Kirchner são favoritos na eleição na Argentina?

De la Rúa: Falta um ano e ainda não podemos dizer. As pesquisas só indicam a percepção positiva ou negativa em relação aos possíveis candidatos, mas não se sabe a intenção de voto. O dado hoje mostra que há uma opinião negativa [dos Kirchner]. Se isso se traduzirá em voto, eu não sei. Não parece, porém, que eles ganhariam no primeiro turno. Mas o governo gasta muito em publicidade, ocupa muito espaço nos meio de comunicação, e isso tem efeito. Além disso, os indicadores econômicos deste ano são positivos. O maior crescimento de toda a região e o empurrão dado pelo Brasil criam uma boa situação econômica.

Valor: Por que Brasil e Argentina seguiram rumos tão diferentes?

De la Rúa: A Argentina, como o Brasil, foi favorecida pelos preços altos das commodities a partir de 2003. Eu tive isso contra no meu governo. A soja na época estava em US$ 70, US$ 80, e hoje passou para US$ 300. Se eu tivesse a soja a esse preço, a história teria sido diferente. Eu ainda sofri com a desvalorização no Brasil. Quando renunciei, estava começando a participação maior da China nos mercados. Menos de um ano depois, o cenário era outro.

Teria sido diferente se a Argentina tivesse evitado o default, um erro enorme contra o qual lutei fortemente e que foi o esforço principal do meu governo, até me derrubarem, pois sofri um golpe civil. Aí veio o default e a desvalorização. Isso ainda conspira contra a confiança na Argentina. Já o Brasil, que não foi ao default, teve toda a confiança dos mercados para se desenvolver. Quando tivermos novamente a confiança internacional, os investimentos voltarão.

Valor: A atuação do governo hoje ajuda a volta da confiança no país?

De la Rúa: Há um esforço nesse sentido, com o pagamento da dívida, ainda que com o forte desconto. Depois se questionou a dívida com o Clube de Paris e há um conflito com o FMI, pois o governo se opõe a que o FMI faça auditoria da economia como parte do processo de acerto da dívida com o Clube de Paris. Estamos travados por isso, um conflito que freia os investimentos dos principais países credores, como a Alemanha. A administração mais conflituosa dessa questão inibiu o desenvolvimento. Já o Brasil, com Cardoso e com Lula, se moveu por consenso. Quando Cardoso terminou o seu mandato, havia uma grande dívida externa, havia problemas internacionais, mas não houve ruptura com Lula. No meu caso, o Partido Justicialista atuou para me derrubar.

Valor: Por que o sr. renunciou?

De la Rúa: Porque levaram a violência às ruas; porque a oposição tinha maioria no Congresso e havia anunciado a rejeição ao Orçamento, sem o qual eu não tinha argumentos para a defesa financeira internacional; e para evitar a saída da Argentina de fóruns internacionais que exigem a continuidade democrática. Pergunto-me todos os dias se fiz bem ou mal, mas era isso que o golpe queria. Não havia possibilidade de resistir a isso sem grande sofrimento para o país.

Valor: Quem deu o golpe?

De la Rúa: Já disse muitas vezes: o Partido Justicialista da província de Buenos Aires [chefiado por Duhalde], alguns do meu próprio partido e o FMI. O FMI estava decidido, com a sra. Anne Kruger, representante dos republicanos americanos. Ela levantava a teoria do risco moral, queria dar um exemplo ao mundo, e a Argentina foi a cobaia. O próprio Kirchner diz isso. Se os EUA tivessem tido outra atitude, por meio do FMI, não teríamos passado o que passamos.

Eu estava tentando remediar uma situação que não havia criado. Reduzi o gasto público em US$ 3 bilhões em 2000, mas 2001 era um ano difícil, pois havia muitos vencimentos da dívida e todos os fatores da economia jogavam contra. Jogavam contra todos, mas nós tínhamos problemas maiores.

A recessão, com a situação em que estava o governo, não podia ser superada. Isso foi se agravando. E o povo, você sabe, tem grandes demandas. Às vezes você consegue convencer que é preciso paciência, mas às vezes não. Em menos de um ano, a situação seria outra, e teríamos evitado o sofrimento que tivemos depois. Teríamos evitado o default, e a desvalorização não seria tão brusca como acabou sendo, com forte queda de PIB e salários.

Há também o fator político interno. O peronismo não deixou terminar nenhum governo de outro partido, de Frondisi [no começo dos anos 60] até o meu. Isso é um forte sinal de instabilidade.

No Brasil, ao contrário, consolidou-se um sistema bipartidário, apesar de fortes disputas e do ardor das campanhas. Houve um grande progresso na política, na democracia brasileira. Isso traz nitidez e transparência, traz previsibilidade, o que aumenta a confiança. Na Argentina também temos um sistema bipartidário, mas com um partido muito agressivo em termos de chegar ao poder. Se não está no governo, ele exerce grande poder por meio dos sindicatos.

Valor: O sr. lamenta alguma decisão do seu governo?

De la Rúa: Em geral, em situação de crises ou emergência, um presidente está diante de alternativas forçadas. É muito difícil em vez de uma coisa fazer outra, porque, se não se faz o que a realidade exige, as consequências são tremendas. Mais que lamentar decisões, dói em mim certas decisões que não queria ter tomado. Ninguém quer uma corrida bancária. Mas, se o FMI diz que a Argentina pode ir a default, as pessoas vão aos bancos e querem sacar seus dólares. Nesse caso, o dever de um governante é parar a corrida bancária, o que é uma decisão muito dolorosa. Mas eu evitei me apropriar dos depósitos, justamente o que Duhalde fez, quando assumiu em seguida.

Valor: A convertibilidade era sustentável? Aqui, dizia-se que não.

De la Rúa: Era sustentável porque tínhamos reservas para isso. Acontece que a convertibilidade era uma atadura, que vinha do governo Menem. Para supera-lá, era preciso uma condição econômica mais favorável, senão aconteceria o que aconteceu quando Duhalde desvalorizou: aumentam a pobreza e o desemprego, e os salários ficam bem abaixo da inflação.

Eu queria criar as condições para sair da convertibilidade. Uma condição importante era a renegociação da dívida externa, o que teria evitado o default reduzindo os elevadíssimos juros que pagávamos. Isso ficou difícil nas condições em que recebi o governo, com dívida alta, recessão, preço baixo das commodities. Era uma tempestade perfeita, como se falou.

Valor: Como atuou o Brasil?

De la Rúa: Queria ter visto mais solidariedade na crise de 2001, quando o FMI atuou contra a Argentina e preservou o Brasil. Tivemos pouco cooperação do Brasil. O Brasil recebeu apoio, sabia que o FMI atuaria contra a Argentina e não nos transmitiu isso. Compreendo que cada um estava cuidando do seu lado, mas se nos unimos para preservar a democracia, para desenvolver nossas economias, não é desejável que num momento crítico que cada um atue por si.

Valor: A crise argentina tem semelhanças com a atual crise grega?

De la Rúa: Sim, muitas. Eles até têm a convertibilidade, que é o euro, que não permite desvalorizar. A diferença é que o FMI não os agrediu, não se colocou contra. Depois da crise argentina, o FMI mudou e não voltou a fazer isso. Agora, o FMI deu total apoio à Grécia, com € 30 bilhões, mais o apoio da UE. A mim, me recusaram US$ 1 bilhão, o que poderia ter evitado a crise.

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Esporte é o que mais bem representa cultura brasileira

Fonte: folha.uol.com.br 20/10

Em pesquisa feita em São Paulo, 15% citam futebol e outros esportes como a maior referência cultural do país

Principal atividade cultural é ouvir música; ir ao shopping aparece em terceiro lugar no ranking de hábitos

DE SÃO PAULO

Teatro? Dança? Cinema? Nada disso. Para os paulistas, o que mais bem representa a cultura brasileira é o esporte, segundo pesquisa realizada no Estado de SP.
O resultado aponta que, embora tenha começado a ser percebida como um "direito", a cultura ainda desperta sentimentos difusos.
Quando questionados sobre o que mais bem representaria a cultura brasileira, 15% dos entrevistados citaram algum esporte. Isoladamente, a música vem em primeiro lugar (13% das respostas), o Carnaval em segundo (12%) e o futebol em terceiro (10%).
Os números, vistos a seco, indicam que o estereótipo estrangeiro apenas replica a autoimagem nacional.
"Resolvemos fazer a pergunta de maneira aberta, então tínhamos mesmo muita dúvida sobre o que daria", diz João Leiva, idealizador do projeto. Deu no que deu.
"Muita gente relaciona cultura a tradição e hábitos. Mas as respostas são mais embaralhadas quando a pergunta é sobre o que caracteriza o Estado", afirma Leiva.
São Paulo, a julgar pelos dados, não tem uma feição cultural. Dentre os entrevistados, 36% não sabem o que caracterizaria a cultura local.

BOLA DIVIDIDA
A predominância do esporte como referência é seara que divide os especialistas. Cultura, na dimensão antropológica, é tudo o que o homem produz -material ou simbolicamente.
"A economia da cultura entende como bem cultural todo bem ou serviço que manifesta ou caracteriza a identidade nacional", diz Marcos Fernandes, da Escola de Economia da FGV. "O futebol tem essa dimensão. A resposta é também uma reação à ideia de cultura como algo pertencente à elite."
Do outro lado da mesa, Teixeira Coelho, professor da USP e curador do Masp, considera tal leitura vaga e arriscada. "Os exemplos de selvageria são tantos no futebol que não se pode, com tranquilidade, definir isso como cultura, quando se quer pensar em políticas culturais."
A própria população parece negar sua percepção quando confrontada com seus desejos para a política pública. Mais de 80% dos paulistas gostariam que suas cidades tivessem mais espaços para atividades culturais.

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STJ derruba incentivo fiscal concedido por Goiás

Fonte: valoronline.com.br 20/10

O Estado de Minas Gerais venceu ontem uma disputa no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pode sinalizar a posição dos ministros em relação à guerra fiscal. A 2ª Turma negou, por unanimidade, um recurso ajuizado pela Brasil Foods contra uma execução fiscal que tramita em Contagem (MG). A empresa obteve, como incentivo do Estado de Goiás, um desconto de 2% no ICMS sobre o transporte de mercadorias entre a cidade goiana de Rio Verde e Contagem. No entanto, o Estado de Minas Gerais não permitiu que o crédito fosse aproveitado integralmente na etapa seguinte, ou seja, na saída da mercadoria para outro Estado.

Desde 1975, os benefícios fiscais precisam ser aprovados por unanimidade em reuniões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Como é difícil haver consenso, Estados acabam adotando políticas de incentivos sem o aval do órgão. No caso da Brasil Foods, o Estado de Goiás permitiu que a companhia pagasse 10% de ICMS sobre os produtos transportados até Contagem, ao invés dos 12% exigidos. Na saída subsequente dos produtos, da cidade de Contagem para outros Estados, a empresa tentou se creditar de 12% de ICMS, o que foi negado pelo Estado de Minas, que autorizou apenas 10%.

A execução fiscal se refere a saídas de mercadorias entre julho de 2001 e agosto de 2002. De acordo com a sustentação oral feita pelo advogado Eduardo Pugliese Pincelli em defesa da Brasil Foods, o Estado de Minas Gerais teria feito uma "retaliação". "Uma coisa é o imposto devido, outra é a regra de apuração do tributo na origem", diz Pincelli. A Fazenda mineira defendeu, no entanto, que a empresa não poderia se creditar de um imposto que não foi recolhido, e que a proibição do aproveitamento de crédito em caso de benefício concedido à revelia do Confaz está prevista na Lei Complementar nº 24, de 1975. Os ministros da 2ª Turma acataram o entendimento do Fisco.

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TST beneficia portadores do vírus HIV

Fonte: valoronline.com.br 20/10

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou jurisprudência favorável aos portadores do vírus HIV que sofreram demissões consideradas discriminatórias. O tema foi pacificado em julgamento na Seção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), realizado em novembro de 2007. O caso, relatado pela ministra Rosa Maria Weber, tem servido de precedente para situações semelhantes.

Foi o que ocorreu em uma recente decisão da 1ª Turma do TST, publicada em setembro. Os ministros condenaram a Meridional Companhia de Seguros a reintegrar um ex-funcionário com o vírus HIV. Segundo os autos, ele foi pressionado a rescindir o contrato após ser divulgado seu estado de saúde. Como a empresa estava encerrando suas atividades e o trabalhador não tinha interesse em atuar em outra empresa do grupo, o TST condenou a Meridional a pagar indenização equivalente a 46 salários, com reflexos sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), férias, 13º salário, vale-refeição e cesta básica. A reportagem do Valor não conseguiu localizar um representante da companhia para comentar a decisão. (AA)


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O despertar da consciência

Fonte: correioweb.com.br 20/10

Estudante de Sobradinho é uma das três selecionadas entre alunos de ensino médio do Brasil inteiro pelo concurso Câmara Mirim, que incentiva o interesse dos jovens pela política e estimula-os a criar projetos de lei para futura avaliação

Política é coisa de gente grande. Não necessariamente no tamanho físico. Nesse caso, gigante quando se trata de boas intenções. Para incentivar o envolvimento das crianças com a política e a democracia, a Câmara dos Deputados promove, todo ano, o concurso Câmara Mirim. Nele, alunos que cursam do 5º ao 9º ano do ensino fundamental do Brasil inteiro enviam projetos de lei a serem avaliados. Os melhores são inseridos no banco de dados da Câmara e ficam à disposição de qualquer parlamentar que queira bancar a ideia. Neste ano, uma estudante do Distrito Federal ficou entre os três escolhidos.

Lorena Gomes, 13 anos, estuda em Sobradinho, no Centro de Educação Nery Lacerda. Ela sugeriu que todos os ônibus urbanos tenham cadeirinhas para crianças de até cinco anos. “Só os pais que têm carro precisam de segurança para os filhos?”, questionou Lorena. A ideia agradou os avaliadores do Câmara Mirim por ter utilidade pública e expressar um pensamento democrático.

Lorena usou a própria vivência para elaborar o projeto de lei. “Eu ando de ônibus com minha irmã menor, que tem 4 anos. As pessoas não dão lugar, ela viaja em pé, se desequilibra. Eu quis evitar transtornos com essa lei; proteger as crianças, que são frágeis, em caso de acidentes ou freadas bruscas”, explicou Lorena, com ares de maturidade. Com seu jeito de menina-moça, ela surpreende ao servir de exemplo para os parlamentares. Ensina o que deve ser levado em consideração na hora de propor uma lei. Algo que nem todos os políticos parecem entender.

Nesta quinta-feira, Lorena vai defender sua proposição, no Plenário da Casa, ao lado de outros dois estudantes escolhidos, um deles de São Paulo e o outro do Rio de Janeiro. Deve enfrentar os questionamentos de outros jovens, treinados para fazer o papel da bancada opositora. Tudo para aumentar o realismo. A primeira vez em que Lorena esteve na Câmara foi na última segunda-feira, acompanhada pela equipe de reportagem do Correio, para uma sessão de fotos. “Eu nunca tinha vindo aqui. É tudo lindo demais”, elogiou Lorena, inocente.

Ela nunca havia se envolvido com política. “Nunca tinha parado para pensar nesse assunto. A professora (que também se chama Lorena) sugeriu que a gente bolasse uma lei para o projeto. Todo mundo achou que ia ser muito chato. Mas acabou sendo legal demais”, relatou.

Os projetos de lei na escola onde Lorena estuda foram escritos como manda a regra formal. Com direito a artigos e justificação. No artigo I, ela defendeu que todos os ônibus deverão ter cadeirinhas com cinto de segurança para crianças até cinco anos. No II, começa a explicar suas intenções. Por fim, estipula multa de R$ 100 a R$ 1 mil para empresas de ônibus que não cumprirem a determinação. “A gente aprendeu sobre os nossos direitos. E que nós podemos participar sempre”, relatou a jovem.

Empolgação
Quem estimulou a participação dos alunos no concurso foi a professora de português Lorena de Moura. Em ano de eleição, ela levou o tema para sala de aula, na disciplina de redação. “Nós lemos, em sala, bulas de remédio, e os alunos aprenderam a preencher, por exemplo, um bilhete de passagem de avião. Enfim, coisas que vão usar no dia a dia. Pensei então em apresentar a eles o texto de uma lei, mostrar como e por quem ela é feita”, explicou a professora.

No início, houve resistência. “Esse assunto é muito chato. Eu odeio política”, muitos disseram. “Os pais transmitem aos filhos essa descrença, o ojeriza quanto à política. Dizem que todos os políticos são iguais, o que não é verdade”, destacou a educadora. Aos poucos, os meninos e as meninas passaram a ver o jogo político com outros olhos. Entenderam a importância da lei e, mais ainda, a relevância da participação do cidadão comum no processo democrático.

Empolgaram-se. Todos queriam deixar sua contribuição. Há os que pleiteiam mais proteção para os animais, com punições mais severas para quem os tratar mal. Tem também gente preocupada com o bullying, prática que incluiu a violência física ou psicológica contra os colegas. Outros foram mais longe: querem acabar com os impostos na compra de bicicletas. Alguns tentaram emplacar ideias inusitadas, como o Dia do Adolescente, data na qual as pessoas dessa faixa etária poderiam fazer tudo que quisessem.

A maioria, porém, pensou com seriedade. “O mais difícil foi convencê-los de que as punições previstas nas leis deveriam ser razoáveis. Alguns queriam cinco anos de cadeia para delitos leves, outros falaram de pena de morte. Foi uma boa oportunidade para eles conhecerem a nossa Constituição, saber o que pode ou não ser feito no nosso país. Afinal, eles serão os nossos futuros deputados, senadores e até presidentes”, afirmou a professora.

A iniciativa evoluiu e foi além da Câmara Mirim. “Foi superdifícil escolher quem ia representar a escola no concurso. O sucesso dessa iniciativa foi tão grande que criamos uma eleição para o deputado da escola. Eles gravaram propaganda eleitoral, distribuíram santinhos, defenderam seus compromissos de campanha”, explicou a professora. Desinibida, Lorena, a aluna vencedora, candidatou-se. “Mas eu não fiz promessa nenhuma. Só defendi meu projeto de lei. Acho melhor assim, com uma proposta e não com uma promessa”, definiu.

Lorena foi uma das três escolhidas entre 857 inscritos na competição, vindos de 290 escolas públicas e particulares de todo o país. O número superou a edição de 2009, quando 582 estudantes tentaram ver seus projetos selecionados. Os outros dois escolhidos tratavam da construção de canis de adestramento para cães-guia — projeto de Milena Rodrigues, do Rio de Janeiro — e da instalação de bicicletários em prédios e áreas públicas, ideia desenvolvida pela aluna da rede pública Patrícia Bezerra, de São Paulo.

A principal preocupação dos inscritos foi a escola, tema de 24% dos projetos apresentados neste ano ao Câmara Mirim. Outros temas de destaque foram meio ambiente (16%), família e assistência social (11%) e tratamento de lixo e reciclagem (9%). Também não ficaram de fora temas polêmicos, entre eles a descriminalização do aborto, a diminuição da maioridade penal para 16 anos e a proibição do fumo em locais públicos.

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Empregados com doenças graves obtêm estabilidade

Fonte: valoronline.com.br 20/10

Um portador de doença cardíaca conseguiu provar na Justiça do Trabalho que sua demissão pelo Banco Bradesco foi discriminatória e, além de sua reintegração ao emprego, obteve o direito a uma indenização por danos morais no valor de R$ 55 mil. Apesar de a instituição financeira ter alegado que a dispensa nada teve a ver com a fragilidade da saúde do empregado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve o entendimento favorável ao trabalhador. Embora não exista previsão legal, a Corte tem assegurado estabilidade aos portadores de doenças graves.

Inicialmente, o benefício era conquistado apenas por portadores do vírus HIV. Agora, a Justiça do Trabalho tem garantido estabilidade a trabalhadores com doença cardíaca, câncer, doença de chagas, diabetes, depressão e alcoolismo. Para garantir o tratamento dos doentes durante a tramitação dos processos, os juízes têm, inclusive, expedido liminares para obrigar as empresas a manter os planos de saúde dos ex-empregados.

No caso envolvendo o Banco Bradesco, o relator do recurso na a 1ª Turma do TST, ministro Vieira de Mello Filho, observou que, apesar de não existir legislação que assegure a permanência do empregado portador de cardiopatia grave, a reintegração determinada pela Justiça viria em resposta ao que ele chamou de "dispensa arbitrária e discriminatória". Para o ministro, o direito de demitir do empregador encontra limitações, quando desrespeita valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição. Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Bradesco informou que cumpre estritamente as disposições legais trabalhistas e em momento algum procedeu dispensa discriminatória. Também afirmou que a instituição financeira respeita a decisão, que será cumprida assim que não couber mais recurso.

O número de ações que discutem demissões de portadores de doenças graves tem crescido nos últimos anos, segundo o advogado Geraldo Baraldi, do Demarest & Almeida, que defende empresas. "Na maioria das vezes, o empregador não tem ciência do problema de saúde do trabalhador e , portanto, não há discriminação na demissão. Ele apenas exerce o seu direito legal de rescindir o contrato de trabalho" , diz.

Para demonstrar que não houve discriminação por causa de doença, as empresas têm aberto, nos processos, os motivos que levaram à demissão, segundo o advogado. Apesar das condenações, Baraldi acredita que ainda não há uma jurisprudência consolidada. "Há juízes que entendem não haver previsão legal para a estabilidade e outros que acreditam que a demissão atentaria contra a dignidade da pessoa humana", afirma.

Em outro caso julgado pelo TST, os ministros da 6ª Turma entenderam que a manutenção do trabalhador no emprego seria parte do tratamento médico. De acordo com a decisão, "revela-se, ademais, discriminatória tal ruptura arbitrária, uma vez que não se pode causar prejuízo máximo a um empregado (dispensa do emprego) em face de sua circunstancial debilidade física causada pela grave doença". Assim, a turma reintegrou um funcionário portador de câncer na faringe à Remac Transportes. Os ministros também determinaram que a empresa arcasse com todos os salários vencidos entre o período da demissão e o da reintegração. Nesses mesmos moldes, a 1ª Turma do TST manteve decisão de segunda instância que determinou a reintegração de um antigo funcionário da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), atual América Latina Logística do Brasil (ALL), que contraiu doença de chagas e foi demitido. Procuradas pelo Valor, Remac e ALL não deram retorno até o fechamento da edição.

Apesar de não haver jurisprudência consolidada, "há uma tendência em prestigiar a função social da empresa e a preservação da dignidade humana nesses casos", segundo o advogado Túlio de Oliveira Massoni, do Mascaro & Nascimento Advogados. No entanto, essa estabilidade não está prevista na legislação trabalhista, que não impede demissões. Como o Brasil a rigor não é signatário da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que veda a dispensa sem justa causa, as empresas, na prática, estão agindo dentro da lei, de acordo com o advogado. "Essa tendência em transferir toda a responsabilidade para a iniciativa privada faz com que o Estado possa eximir-se de sua obrigação de propiciar assistência médica decente a seus cidadãos", afirma Massoni. Já para o advogado Ranieri Lima Resende, do Alino & Roberto e Advogados, que defende trabalhadores, o Brasil está vivendo um momento histórico de inclusão de trabalhadores portadores de deficiências e doenças graves. "Estamos avançando progressivamente", diz.

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Desânimo

Fonte: folha.uol.com.br 20/10

Pesquisa revela que razão para baixa frequência de paulistas a teatros e cinemas é falta de interesse

Desta vez, os entrevistados não tergiversaram. Questionados sobre as razões que os deixam do lado de fora de cinemas, teatros e museus, os paulistas miraram, em bloco, uma resposta capaz de embaralhar algumas teses sobre o consumo cultural.
Os números reforçam, primeiro, o que se intuía: 40% dos paulistas não costumam ir ao cinema, 60% não costumam ir ao teatro e 61% não costumam ir a museus. O que chama a atenção é a justificativa para a inércia: "Não me interesso/ não gosto/ não me sinto bem fazendo", respondem os entrevistados.
No caso do cinema, enquanto 29% alegam falta de interesse, apenas 8% citam o preço do ingresso como empecilho. A piadinha "Vá ao teatro, mas não me chame" também ganhou torneado estatístico: 32% dizem não ver peças, simplesmente, porque não têm vontade.
A pesquisa é fruto de projeto da consultora J.Leiva Cultura & Esporte, realizado em parceria com o Datafolha e a Fundação Getúlio Vargas. Foram ouvidas, entre 25/8 e 15/9, 2.400 pessoas, acima de 12 anos, em 82 cidades.
O objetivo da pesquisa era mapear e compreender os hábitos culturais da população. Os resultados serão apresentados e analisados amanhã, durante um seminário na Pinacoteca -com vagas já esgotadas.

BEABÁ
"O que surpreende é o fato de essa resposta aparecer. A pressão por ser culto, consumir cultura é tão grande que, em geral, as pessoas dão desculpas como falta de tempo ou dinheiro", diz Teixeira Coelho, curador do Masp e professor da USP.
"Isso aponta para uma certa sinceridade", observa Teixeira Coelho. "Mas a gente também sabe, por pesquisas internacionais, que, à medida que melhora o nível econômico, melhora o consumo cultural. É claro que o fator econômico pesa, até porque, na cultura, o hábito é fundamental. Falta oportunidade para que as pessoas tenham a cultura introduzida em suas vidas."
O diretor Antonio Araújo, do Teatro da Vertigem, pondera que consumir cultura é abrir-se a uma experiência. "Quem nunca foi exposto a uma ópera pode ter raiva dessa experiência. Voltamos sempre à questão da formação de público", diz Araújo.
O cineasta Domingos Oliveira recorre aos adjetivos "estonteante e deprimente" para falar da pesquisa. Como todos os ouvidos para esta reportagem, ele desvia os olhos dos palcos para as escolas.
"Precisamos cuidar desse um terço [que consome regularmente cultura], porque quem não gosta de arte bom sujeito não é. A doença em geral é a falta de educação", diz Oliveira. "O contato com as artes deveria ser obrigatório no ensino primário."
Paradoxalmente, os "desinteressados" dizem que gostariam de gostar de cultura. Os entrevistados que custam a tirar o pé de casa para consumir cultura dizem ter gosto por "realizar atividades culturais". O "sim", nesse quesito, teve índice de 68%.

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Empresas falham nos direitos humanos

Fonte: valoronline.com.br 19/10

No Brasil, os direitos humanos ainda não são prioridade para as empresas. O assunto recebe menos atenção do que ações nas áreas social e ambiental. A percepção de que é preciso "olhar para dentro" como complemento das iniciativas de sustentabilidade foi um dos temas discutidos no seminário "Direitos Humanos nas Empresas", realizado ontem na BM&FBovespa. No evento, organizado pela entidade em parceria com o Instituto Norberto Bobbio, foram apresentados os resultados de uma pesquisa realizada com mais de 800 funcionários de empresas de médio e grande porte.

No estudo, que analisou o respeito aos direitos humanos nas empresas, a indústria foi o setor com os melhores resultados. A área de serviços não financeiros teve a pior colocação.

A pesquisa apontou que 31% dos entrevistados sofreram violações graves de seus direitos no trabalho nos últimos dez anos. São situações como racismo, roubo e assédio sexual que afetam, principalmente, negros, mulheres e pessoas com menor renda. Outras violações como maus-tratos são realidade para 20% dos trabalhadores. (ver quadro anexo).

Durante a apresentação da pesquisa, foi discutido o fato de as empresas valorizarem cada vez mais itens como governança corporativa e responsabilidade social - 65,5% delas possuem programas permanentes nessa área - e não avançarem na mesma medida na questão do respeito aos direitos humanos.

Esta também é uma percepção dos trabalhadores. Os entrevistados deixaram claro que sabem que os direitos humanos são uma obrigação das empresas, enquanto a responsabilidade social é vista como uma opção. O levantamento mostrou, porém, que empresas com iniciativas relacionadas à sustentabilidade registram melhores resultados também em relação aos direitos humanos. "Agora é a vez das empresas darem atenção aos direitos humanos e à democracia", afirma o presidente do Instituto Norberto Bobbio e ex-presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho.

Magliano chegou a sugerir a criação de um "Índice de Direitos Humanos" nas empresas, a exemplo do que acontece com o ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial, criado em 2005 pela Bovespa para elencar as empresas com práticas sustentáveis.

O diretor-presidente da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, avalia que o papel indutor da instituição funcionou na promoção à governança corporativa. O novo desafio é debater os direitos humanos dentro das companhias.

Segundo os empresários ouvidos pelo Valor, é importante que as organizações deem o mesmo peso a ambos os temas em suas políticas internas. O conselheiro e ex-presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, acredita que a leitura da pesquisa revela que a questão não está tão presente nas empresas como a da sustentabilidade. No entanto, elas estão enfrentando melhor alguns temas do que outros. A desigualdade de gênero, por exemplo, já é menor do que a de raça. "Ainda assim, avançamos pouco nos últimos anos", afirma.

Para a sócia do escritório Mattos Filho Advogados, Flávia Regina de Souza, a sustentabilidade está diretamente ligada aos direitos humanos. "A sociedade está começando a questionar as empresas, e elas ainda não estão dando a atenção devida ao assunto".

Os empresários concordam, porém, que a abertura da discussão já é um grande passo para a mudança do cenário de desrespeito com as pessoas. "É preciso despertar essa reflexão para que, aos poucos, o respeito aos direitos humanos faça parte do DNA das companhias", diz Marcelo Madaraz, gerente de desenvolvimento de relações e time da Natura.

O professor e pesquisador de relações do Trabalho da Universidade de São Paulo, José Pastore, acredita que os resultados da pesquisa são um alerta para a sociedade brasileira, e não somente para as companhias.

Pastore aponta as deficiências da lei como causa dos problemas relacionados a direitos humanos. "A CLT consegue garantir proteção para metade da força de trabalho que atua no mercado formal. Os terceirizados, informais e outros trabalhadores não são contemplados e ficam sem proteção básica", afirma.

Na opinião do professor, existe um lado positivo na discussão dos direitos humanos dentro das empresas. "Há um movimento crescente de conscientização da sociedade. O número de reclamações trabalhistas nesse campo tem aumentado e o Ministério Público e os sindicatos têm atuado de uma forma direta no sentido de evitar esses maus-tratos".

Pastore percebe uma postura mais alerta da parte dos trabalhadores. Eles estão sentindo necessidade de atuar e participar mais nas discussões sobre seus direitos. "No Brasil, o empregado totalmente subordinado e que não questiona está em vias de extinção. É claro que as variações são enormes e há grandes diferenças setoriais e regionais, mas a sociedade está caminhando", diz.

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Pesquisadores propõem novos desafios da comunicação

Fonte: UnB.br 19/10

Em palestra realizada na Faculdade de Comunicação (FAC), Cremilda Medina, Barbara Freitag e Ciro Marcondes Filho discutiram as tendências de pesquisa na área

Três dos principais estudiosos da Comunicação no Brasil reuniram-se na Universidade de Brasília para traçar um panorama do pensamento atual da área. Os professores Ciro Marcondes Filho, Cremilda Medina e Barbara Freitag destacaram a importância de se trazer para a área conceitos como solidariedade, mediação, transformação e razão. “Hoje é um dia de alegria para a Faculdade de Comunicação", disse a professora Zélia Leal Adghirni, chefe do departamento de Jornalismo. "Temos a honra de reunir os nomes mais importantes da pesquisa em Comunicação do Brasil”.

Em tempos de novas tecnologias, os pesquisadores falaram de suas expectativas para o futuro. A professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Cremilda Medina, acredita na volta de um viés humanístico, da comunicação direcionada ao outro. “Um dos principais artífices da dialogia é o repórter”, afirma. A comunicação digital ajudaria a redescobrir a importância da autoria. “O repórter permanece como autor mediador, que cria as condições de um ambiente dialógico, semelhante ao que acontece com o educador e o educando”, diz.

Para a professora, o jornalista ainda tem papel fundamental na construção de uma narrativa “eticamente solidária” do mundo. Para isso, é preciso que ele entre em contato com o outro, daí a importância de “ir a campo”. “O jornalista precisa usar os cinco sentidos. O dia em que a tecnologia conseguir proporcionar isso, me curvo a ela”, afirma.

Segundo ela, os estudantes que entram no curso de comunicação desejam alcançar a emancipação pela literatura, têm jeito de poetas. “O laboratório numa escola de comunicação não fornece mero aprendizado técnico para os suportes tecnológicos. Eles fazem a passagem do eu para o tu, do poeta para o jornalista”, explica.

TRANFORMAÇÃO - O professor Ciro Marcondes Filho, também da USP, defende que é preciso diferenciar informação de comunicação. “O jornalismo normalmente opera com a informação. O indivíduo compra um jornal para acrescentar dados ao seu repertório”, explica. O professor propõe que a comunicação seja algo mais: a capacidade de transformar alguém ou um estado de coisas. “Quando assisto a um filme ou leio um livro, é possível que uma luz se acenda e isso me transforme de alguma forma. Isso é comunicação”, diz.

Marcondes Filho afirma que os estudos em comunicação não discutem como a informação é apropriada pelos indivíduos. “Em princípio, somos todos comunicadores. Mas até que ponto estamos fechados para o outro ou temos a capacidade dessa alteridade?”, indaga. O professor também afirma que há estudos históricos, psicológicos e sociológicos sobre a comunicação, mas não se analisa o fenômeno comunicacional. “Ainda não se começou a pesquisa em comunicação no país”, afirma. “Muita gente não entende, mas a comunicação não é uma coisa, mas uma relação entre pessoas”, diz.

A professora emérita do departamento de Sociologia da UnB, Barbara Freitag, levantou o debate sobre o papel da comunicação diante das inovações científicas. “Estamos numa encruzilhada: ninguém está discutindo como deveria a manipulação genética do ser humano”, afirma. “Esse é um debate público, que não será resolvido em uma disciplina ou cátedra de ensino”, diz. A professora citou a obra do filósofo alemão Peter Sloterdijk, “Crítica da razão cínica” (1983), que causou furor ao adotar uma postura cética diante da possibilidade do uso positivo da razão.

Barbara é considerada a maior especialista na obra do filósofo alemão Jürgen Habermas, que defende o uso da linguagem com vistas ao entendimento, a chamada razão comunicativa. “Para Habermas, a linguagem pode impor limites ao uso perverso da tecnologia”, afirma. “Já Sloterdijk acredita que não há como controlar os produtos do saber científico. Podemos dizer que ele é uma espécie de anti-Habermas”.

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