O Brasil deve ter legislação que regulamente a prática do lobby?
FSP 18/09
NÃO
Combater a corrupção exige mais que leis
RAFAEL CLÁUDIO SIMÕES
No Brasil, o lobby, com razão e amparado na realidade, diria eu, tem sido identificado comumente como atividade de corrupção, de favorecimento, de ilegalidade, enfim.
Diante das denúncias formuladas pela revista "Veja", que culminaram com o pedido de demissão da chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, envolvendo além da agora ex-ministra também seu filho e outros parentes, ressurge a discussão sobre a regulamentação da atividade de lobby no país, afirmando-se a necessidade de legislação específica. Não concordo com essa visão.
Sustentados por uma lógica que procura substituir a inércia das instituições e da fraca cidadania por uma sempre mais específica norma, muitos defendem novas e duras leis para o lobby. Esse tem sido um padrão de nossa ação.
Sempre que confrontados com algum problema, vamos propondo, de imediato, mais e mais diplomas legais. A lei é vista, assim, como um fator de resolução para todos os nossos problemas e dilemas sociais, políticos e econômicos. Triste trópico, cheio de ilusões.
O combate à atividade ilegal de lobby, que podemos claramente determinar como tráfico de influências, pode muito bem ser feito dentro da atual legislação existente em nosso país. Se as instituições não a aplicam para fazer investigações, promover denúncias e determinar punições, o problema é outro.
Combater a corrupção, que tem entre uma de suas principais manifestações, dentro de um opaco e fechado poder público, o tráfico de influências, exige muito mais que uma mera legislação definidora e limitadora das possibilidades de ação do lobby.
Podemos com isso, na verdade, estar regulamentando um espaço da corrupção institucionalizada. A história do Brasil está repleta de exemplos que mostram como iniciativas destinadas a um fim acabam por causar efeito contrário.
Para exemplificar, podemos citar a redução do número de vereadores, que teria como objetivo a redução dos gastos com as Câmaras municipais, mas que acabou ocasionando o inverso.
É necessário estabelecer, entre outras coisas, uma efetiva integração entre os órgãos de combate à corrupção, ampliar a transparência pública, fortalecer os trabalhos dos órgãos de controle interno e, principalmente, externo.
É preciso capacitar o trabalho de investigação policial, definir e controlar novos mecanismos de doação para campanhas eleitorais, combater a lavagem de dinheiro e o "caixa dois" e, efetivamente, punir corruptos e corruptores, não só com a privação de liberdade mas também com a recuperação de ativos desviados.
A gravidez da corrupção política, como destacado pelo economista Luís Filipe Vellozo de Sá, acontece, via de regra, durante os processos eleitorais e é para lá, principalmente, que devemos voltar nossos olhares, se queremos combater essas incestuosas relações entre o público e o privado em nosso país.
A República democrática, para se tornar uma realidade efetiva no Brasil, precisa passar por um processo de valorização e aplicação das normas existentes.
Não nos adianta ficar nesse permanente processo de fuga para o futuro, em que a solução dos problemas é postergada pela necessidade de uma nova lei.
Somente com uma política de combate à corrupção, que combine prevenção e repressão e que atue com planejamento estratégico, é que poderemos construir instituições estatais, públicas e transparentes. Também é preciso definir claramente os limites das relações entre o público e o privado no país.
RAFAEL CLÁUDIO SIMÕES, historiador, é membro fundador da ONG Transparência Capixaba.
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OAB pede para Bienal de SP retirar obra polêmica
FSP 18/09
Série "Inimigos" retrata artista atentando contra a vida de figuras públicas
Ordem dos Advogados ameaça processar instituição caso quadros de Gil Vicente sejam mantidos
A Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo divulgou ontem nota pública pedindo para que os trabalhos do artista pernambucano Gil Vicente sejam excluídos da Bienal de São Paulo, que abre no próximo dia 25.
Os dez desenhos da série "Inimigos" retratam o próprio artista atentando contra a vida de figuras públicas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o papa Bento 16 e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por exemplo, aparecem sob a mira de uma pistola. O presidente Lula, por sua vez, com uma faca na garganta.
"Essas obras fazem apologia à violência e ao crime, revelam o desprezo do autor pelas figuras humanas e demonstram um desrespeito contra as instituições públicas", diz o presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D'Urso. "Se elas não forem retiradas, a curadoria da Bienal corre o risco de estar cometendo crime."
RISCO DE PROCESSO
Segundo D'Urso, o pedido ainda não é judicial. Mas, caso a curadoria da Bienal decida manter as obras, a OAB deve encaminhar solicitação de abertura de processo pelo Ministério Público.
Agnaldo Farias, um dos curadores desta edição da mostra, diz que as obras não serão retiradas. Segundo ele, a OAB-SP está incentivando um ato de censura.
"Esse trabalho é uma ficção, ela vem do imaginário. Na dramaturgia, também há inúmeros casos de representação de atentados contra instituições públicas. A OAB de São Paulo vai pedir para que esses autores não sejam mais exibidos também?", questiona Farias.
OPINIÃO TACANHA
"A representação artística deve ter limites. Se as figuras retratadas não fossem reconhecíveis, aí sim poderíamos tratá-las na esfera da ficção", rebate D'Urso.
O criminalista Alberto Zacharias Toron considera "tacanha" a opinião do presidente da OAB. "Falar em incitação ao crime é de uma grande incompreensão sobre o papel da arte", argumenta o advogado, doutor em direito penal pela USP, ex-diretor do conselho federal da própria OAB.
Segundo Toron, a liberdade de expressão do artista é garantida pela constituição do país.
Segundo o autor das obras, que tem 2 m por 1,5 m e são feitas com carvão, elas não foram pensadas para incitar a violência.
"Eu não mataria ninguém, nem quero que outras pessoas façam isso. A violência que eu retrato parte do próprio mundo político contra um país inteiro", explica Vicente.
O trabalho, reitera o artista, fala diretamente sobre uma insatisfação. "Nada muda na mão de políticos. O país continua cheio de miseráveis. A morte que eu apoio dessas pessoas é simbólica."
Gil Vicente diz que não comparece às urnas desde que iniciou a criação da série "Inimigos", em 2005. "Eu tenho consciência de que ter esperança nessas figuras é bobagem. Não vou mais cair nessa", afirma.
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