domingo, 5 de setembro de 2010

A Ficha Pública e as eleições proporcionais

Fsp 05/09

CELINA MARRONE, GUILHERME CARVALHO e SORAIA MORAIS

É fundamental que os atores envolvidos nas eleições aos cargos proporcionais adotem iniciativas para qualificar a discussão nessa esfera

Estamos a pouco mais de um mês das eleições, e os jornais estão repletos de manchetes sobre os candidatos a presidente e a governador. Pouca atenção, no entanto, tem sido dada a dois cargos de subestimada relevância: deputado estadual e deputado federal.
Não surpreende que, em um regime fortemente presidencialista, tenham maior visibilidade os cargos majoritários; todavia, não se pode esquecer a importância de nossos parlamentos, sob pena de agravarmos a crise institucional que abala o Legislativo.
A escolha de bons representantes nas Casas legislativas é essencial para o futuro do Brasil. É de seu interior, espera-se, que sairão as reformas necessárias ao desenvolvimento do país. Como fazer, no entanto, uma boa escolha? Que critérios utilizar no momento de eleger nosso candidato?
Hoje, mesmo o eleitor mais informado tem dificuldades em descobrir as propostas dos candidatos à Câmara Federal e às Assembleias. Na imprensa, o cidadão pouco encontra que o auxilie na fundamentação de seu voto. Nas ruas, milhares de cartazes tentam conquistá-lo apenas pelo apelo visual.
Nesse contexto, acaba votando nos políticos cujo trabalho já conhece, impedindo a renovação.
Poder-se-ia atribuir aos candidatos a pobreza de ideias que reina na campanha a deputado. No entanto, não se trata apenas da boa vontade do candidato. O quociente eleitoral do Estado de São Paulo aproxima-se dos 300 mil votos. Esse elevado número acaba por massificar a campanha, tornando-a extremamente superficial.
Além disso, o pouco espaço destinado à apresentação de suas propostas é disputado por milhares de candidatos. Somente no Estado de São Paulo, são quase 2.000 candidatos a deputado estadual e mais de mil ao cargo federal.
A ausência de debate em torno desses cargos, portanto, não é consequência da má vontade dos candidatos, tampouco do desinteresse do eleitorado. Trata-se, antes, de um problema sistêmico, cuja solução exige uma profunda reforma da estrutura político-eleitoral.
Enquanto essa reforma não se concretiza, é fundamental que os atores envolvidos nas eleições aos cargos proporcionais adotem iniciativas para qualificar a discussão.
É nesse sentido que surge o site Ficha Pública(www.fichapublica.org.br). Iniciativa de diversas entidades da sociedade civil, o endereço virtual concentra informações a respeito de candidatos a deputado estadual e federal pelo Estado de São Paulo.
Os dados são preenchidos pelo próprio candidato. Assim, todos saem ganhando: de um lado, o candidato passa a ter um espaço gratuito, no qual pode dar visibilidade a suas ideias e propostas; de outro, o eleitor aproxima-se do candidato, podendo construir seu voto de maneira mais consciente e informada.
Iniciativas dessa natureza, que envolvem todas as partes do processo eleitoral, contribuem para combater a desinformação e a ausência de ideias que, infelizmente, predominam em nossas eleições.
É necessário que os discursos vão além da crítica vazia, transformando-se em propostas concretas que contribuam para um debate de qualidade.


CELINA MARRONE é presidente do Movimento Voto Consciente.
GUILHERME CARVALHO é diretor do Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade representativa dos alunos da Faculdade de Direito da USP.
SORAIA MORAIS é gerente-executiva do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais).

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FERREIRA GULLAR

Vamos errar de novo?

Ao chegar à Presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio

FAZ MUITOS ANOS já que não pertenço a nenhum partido político, muito embora me preocupe todo o tempo com os problemas do país e, na medida do possível, procure contribuir para o entendimento do que ocorre. Em função disso, formulo opiniões sobre os políticos e os partidos, buscando sempre examinar os fatos com objetividade.
Minha história com o PT é indicativa desse esforço por ver as coisas objetivamente. Na época em que se discutia o nascimento desse novo partido, alguns companheiros do Partido Comunista opunham-se drasticamente à sua criação, enquanto eu argumentava a favor, por considerar positivo um novo partido de trabalhadores. Alegava eu que, se nós, comunas, não havíamos conseguido ganhar a adesão da classe operária, devíamos apoiar o novo partido que pretendia fazê-lo e, quem sabe, o conseguiria.
Lembro-me do entusiasmo de Mário Pedrosa por Lula, em quem via o renascer da luta proletária, paixão de sua juventude. Durante a campanha pela Frente Ampla, numa reunião no Teatro Casa Grande, pela primeira vez pude ver e ouvir Lula discursar.
Não gostei muito do tom raivoso do seu discurso e, especialmente, por ter acusado "essa gente de Ipanema" de dar força à ditadura militar, quando os organizadores daquela manifestação -como grande parte da intelectualidade que lutava contra o regime militar- ou moravam em Ipanema ou frequentavam sua praia e seus bares. Pouco depois, o torneiro mecânico do ABC passou a namorar uma jovem senhora da alta burguesia carioca.
Não foi isso, porém, que me fez mudar de opinião sobre o PT, mas o que veio depois: negar-se a assinar a Constituição de 1988, opor-se ferozmente a todos os governos que se seguiram ao fim da ditadura -o de Sarney, o de Collor, o de Itamar, o de FHC. Os poucos petistas que votaram pela eleição de Tancredo foram punidos. Erundina, por ter aceito o convite de Itamar para integrar seu ministério, foi expulsa.
Durante o governo FHC, a coisa se tornou ainda pior: Lula denunciou o Plano Real como uma mera jogada eleitoreira e orientou seu partido para votar contra todas as propostas que introduziam importantes mudanças na vida do país. Os petistas votaram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao perderem no Congresso, entraram com uma ação no Supremo a fim de anulá-la. As privatizações foram satanizadas, inclusive a da Telefônica, graças à qual hoje todo cidadão brasileiro possui telefone. E tudo isso em nome de um esquerdismo vazio e ultrapassado, já que programa de governo o PT nunca teve.
Ao chegar à presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio. Não obstante, para espanto meu e de muita gente, conquistou enorme popularidade e, agora, ameaça eleger para governar o país uma senhora, até bem pouco desconhecida de todos, que nada realizou ao longo de sua obscura carreira política.
No polo oposto da disputa está José Serra, homem público, de todos conhecido por seu desempenho ao longo das décadas e por capacidade realizadora comprovada. Enquanto ele apresenta ao eleitor uma ampla lista de realizações indiscutivelmente importantes, no plano da educação, da saúde, da ampliação dos direitos do trabalhador e da cidadania, Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo que sabe muito bem enganar a plateia.
A possibilidade da eleição dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa sobre a competência e a dedicação à coisa pública. Foi Serra quem introduziu no Brasil o medicamento genérico; tornou amplo e efetivo o tratamento das pessoas contaminadas pelo vírus da Aids, o que lhe valeu o reconhecimento internacional. Suas realizações, como prefeito e governador, são provas de indiscutível competência. E Dilma, o que a habilita a exercer a Presidência da República? Nada, a não ser a palavra de Lula, que, por razões óbvias, não merece crédito.
O povo nem sempre acerta. Por duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada -Jânio e Collor. O resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?

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