A ilha se move
Editorial FSP 16/09
Regime castrista anuncia corte de funcionários e tenta copiar modelo chinês de capitalismo de Estado com regime de partido único
Embora Fidel Castro diga ter sido mal interpretado ao afirmar a um jornalista norte-americano que o modelo econômico cubano não funciona mais, o inédito corte no quadro de funcionários públicos anunciado pelo governo de seu irmão Raúl mostra que a ditadura castrista está convencida de que precisa promover mudanças na economia para garantir a sua sobrevivência política.
Desde que substituiu o convalescente irmão mais velho, Raúl promove uma série de pequenas reformas no sentido da desestatização da economia. A mais radical é a anunciada demissão de 500 mil servidores estatais -ou 1 em cada 8 funcionários públicos cubanos- até abril do ano que vem.
Pelo plano de Havana, esses trabalhadores deverão ser incorporados pelo incipiente setor privado, em cooperativas dedicadas a serviços como criação de animais e companhias de táxi.
A medida se soma a outras tomadas desde 2008, como a distribuição de terras ociosas estatais a pequenos produtores privados; a permissão para a abertura de negócios familiares particulares; e a eliminação dos tetos salariais aliada à ampliação de prêmios por produtividade aos funcionários.
As mudanças foram impulsionadas pela deterioração econômica verificada desde o chamado período especial, que se sucedeu à desintegração da União Soviética, patrocinadora histórica da experiência desse Estado socialista a 150 km da costa norte-americana.
Cuba conseguiu respirar com o estímulo à indústria do turismo, que se tornou responsável por 7% do PIB, e o auxílio de Hugo Chávez, no papel de mecenas do socialismo do século 21. Em meio a ganhos propiciados pela elevação do preço do petróleo, o líder venezuelano passou a subsidiar o fornecimento de combustível à ilha.
A chegada de Raúl ao poder, porém, coincidiu com a crise econômica mundial, que criou dificuldades para a Venezuela, agravadas por seus problemas internos, e golpeou a indústria do turismo, cujos ingressos recuaram 11% em 2009 em relação a 2008.
Há dois anos, Cuba foi atingida por furacões que causaram prejuízo de US$ 5 bilhões, o equivalente a 10% do PIB. Sofreu também com a derrocada do preço do níquel, o principal produto de exportação.
A série de más notícias obrigou o país a apertar ainda mais o cinto. Veio o racionamento de eletricidade e combustível e fecharam-se os restaurantes que ofereciam alimentação subsidiada. Providências paliativas -e também impopulares- como essas parecem dar lugar agora a medidas mais profundas de reorientação de rumos.
A "perestroika" cubana inspira-se na abertura chinesa, país onde o comunismo foi gradualmente substituído pelo capitalismo de Estado com a manutenção de um sistema político autoritário de partido único.
Ao abrir a economia, o regime castrista espera atenuar as pressões por reformas na esfera política e obter novas concessões dos EUA, que sob Barack Obama eliminaram restrições a viagens e remessas financeiras por cubano-americanos.
Tramita no Congresso norte-americano projeto que autoriza qualquer cidadão do país a viajar a Cuba e facilita a venda de alimentos à ilha. Caso aprovado, os irmãos Castro ganharão um pouco mais de oxigênio para -mal interpretados ou não- promover as mudanças que são inevitáveis.
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PASQUALE CIPRO NETO
"Anatomia semelhante à de macacos"
O leitor certamente notou a presença do acento grave, indicador de crase, não? E por que ocorre esse acento?
EM SEU ÚLTIMO VESTIBULAR, a Fuvest apresentou uma questão baseada num fragmento (adaptado) da edição 157 da revista "Fapesp". Transcrevo a seguir a passagem do fragmento que nos interessa para a resolução dessa questão: "Anteriormente, houve outras descobertas arqueológicas, como, por exemplo, as feitas na Tanzânia, em 1978, que revelaram pegadas de 3,7 milhões de anos, mas com uma anatomia semelhante à de macacos. Os pesquisadores acreditam que as marcas recém-descobertas pertenceram ao Homo erectus".
Vamos à questão: No trecho "semelhante à de macacos", fica subentendida uma palavra já empregada na mesma frase. Um recurso linguístico desse tipo também está presente no trecho assinalado em: a) A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo às futuras gerações; b) Recorrer à exploração da miséria humana, infelizmente, está longe de ser um novo ingrediente no cardápio da tevê aberta à moda brasileira; c) Ainda há quem julgue que os recursos que a natureza oferece à humanidade são, de certo modo, inesgotáveis; d) A prática do patrimonialismo acaba nos levando à cultura da tolerância à corrupção; e) Já está provado que a concentração de poluentes em área para não fumantes é muito superior à recomendada pela OMS".
Como se nota, a banca não pediu o nome do recurso linguístico, mas o reconhecimento dele, o que, sem dúvida, é mais importante. Já sabe onde está a resposta, caro leitor? Vamos direto ao ponto: a resposta está na alternativa "e", mais precisamente na passagem "muito superior à recomendada pela OMS".
No caso abordado pela Fuvest, pode-se pensar que ocorre a omissão de palavras ou expressões citadas anteriormente. Na frase da resposta, evitou-se a repetição, ou seja, houve a omissão da expressão "concentração de poluentes" ("a concentração de poluentes em área para não fumantes é muito superior à concentração de poluentes recomendada pela OMS"). Na frase que está no enunciado da questão (do fragmento da revista "Fapesp"), evita-se a repetição de "anatomia" ("...com uma anatomia semelhante à anatomia de macacos").
Nos dois casos, a operação desse processo se dá com o emprego do pronome demonstrativo "a", que retoma, respectivamente, "concentração de poluentes" e "anatomia". Pois era aí que eu queria chegar. O caro leitor certamente notou a presença do acento grave, indicador de crase nos dois casos, não? O acento apareceu tanto nas frases originais como nas "desdobradas", ou seja, naquelas em que não se evita a repetição dos termos subentendidos, certo? E por que ocorre esse acento?
Vamos lá. Como se sabe, a palavra grega "crase" significa "fusão", "mistura". Em "com uma anatomia semelhante à de macacos", ocorre fusão (ou seja, crase) da preposição "a", regida por "semelhante" (se algo é semelhante, é semelhante a), com o pronome demonstrativo "a", que retoma o termo "anatomia".
Justamente por retomar um termo já citado, esse demonstrativo funciona como "anafórico" (guarde esse termo, presente em enunciados de muitas questões de vestibulares e concursos públicos).
Na frase da resposta ("concentração de poluentes superior à recomendada pela OMS"), o processo é análogo. A preposição "a" é regida por "superior" (se algo é superior, é superior a). O pronome demonstrativo "a" (anafórico) retoma a expressão "concentração de poluentes") e funde-se com a preposição "a", regida por "superior". É isso.
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Estudos sobre Aids esquecem os subtipos de HIV de país pobre
Faltam dados sobre diversidade genética do vírus e dos doentes
FSP 16/09
A resposta ao tratamento da Aids depende da variante do vírus que causa a infecção e das características genéticas do próprio paciente. Mas os estudos sobre a doença estão focados apenas nos genes das pessoas e dos subtipos de HIV de países ricos.
O alerta veio de cientistas que participaram ontem de uma discussão sobre os aspectos genéticos da infecção pelo HIV, no 56º Congresso Brasileiro de Genética, que acontece no Guarujá (SP).
O grande problema é que o subtipo C da doença -o menos estudado- equivale à metade das infecções no mundo. Na Europa e no continente americano, que produzem cerca de 90% das pesquisas sobre a Aids, prevalece o subtipo B do vírus.
"A maioria dos estudos feitos com design de drogas anti-HIV hoje é para o subtipo B. Mas diferentes subtipos do vírus HIV têm comportamentos distintos em relação ao coquetel de drogas", explica o biólogo Marcelo Alves Soares, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Os subtipos "não-B" são os que prevalecem em todo mundo. "Agora, estão se espalhando para os países desenvolvidos", afirma ele.
O Brasil também é afetado. Há um aumento da incidência de vírus tipo C, principalmente no Rio Grande do Sul.
Os cientistas têm tentado entender como a ascendência, o sexo e outros fatores genéticos dos portadores de Aids podem afetar a sua resposta à medicação.
Novamente, predominam estudos sobre a população europeia e masculina. "É preciso incluir afrodescendentes e mulheres", diz a farmacêutica Vanessa Mattevi, da UFCSPA (Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre).
Ela estuda cerca de 600 pacientes para avaliar a predisposição genética para a lipoatrofia, efeito colateral da medicação anti-HIV que leva à perda de gordura no corpo.
Mattevi notou que fatores como idade (adulta) e origem (europeia) são importantes na origem do problema.
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Falta rede aos tribunais de contas
FSP 16/09
MARCELO HENRIQUE PEREIRA
Há necessidade de profundas mudanças no sistema dos tribunais de contas, de modo a permitir a equalização das diferenças técnicas e práticas
Tribunais de contas são instituições longevas. Seu aparecimento, no sistema jurídico-constitucional-legal brasileiro data de 1890.
Porém, foi somente na República, por obra de Rui Barbosa, que o Tribunal de Contas ganhou corpo, materializado no decreto-lei n.º 966-A, inclusive com a delimitação de sua atuação, prerrogativas e funções, na Carta de 1891 (art. 81).
Hoje, temos em nosso país um sistema de controle externo, compreendendo a existência de 34 tribunais de contas, da União, Estados, Distrito Federal e municípios.
O curioso nesta questão é que os tribunais de contas não atuam "em rede", ou seja, como verídico e legítimo sistema, guardando, tão-somente, uma correlação em relação às funções que executam no contexto democrático e republicano, como controlador e fiscalizador das contas públicas e atos de gestão.
Iniciativas recentes, como a da discussão de uma lei processual única para os tribunais de contas, demonstram, inequivocamente, a existência de diferenças entre as cortes de contas, não só na questão de sua disciplina processualística como na atuação fiscalizatória.
A Federação Nacional das Entidades de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc) tem percebido, de modo flagrante, a ausência de uniformidade e isonomia no trato das questões de controle dos gastos públicos no país.
Assim, há tribunais que privilegiam a auditoria operacional; outros ainda cingem-se, em sua maior parcela de atividade, ao exame de legalidade e pertinência. Uns estão muito avançados no controle das obras públicas, outros privilegiam o exame de editais de licitação.
Alguns têm sistemática inovadora na apreciação dos atos de admissão e aposentadoria, outros, nem tanto. Uns realizam, ano a ano, um quantitativo visivelmente superior de inspeções e auditorias "in loco".
Como atividade técnica especializada, a realização de auditorias e inspeções compete a servidores concursados, bem treinados e capacitados, que prescindem das necessárias valorização profissional e financeira e independência funcional para darem respostas à sociedade, que anseia pela erradicação dos vícios e das irregularidades administrativas.
Em paralelo, a contestação dos meios de provimento das vagas de julgadores (ministros e conselheiros), em sua imensa maioria (dois terços) egressos das posições político-partidárias ou de indicações de cunho pessoal de governantes, começa a ganhar corpo no sentido de rever os princípios e as regras constitucionais vigentes.
Assim, discute-se amplamente a adoção de novos critérios, seja para reduzir o espectro de liberdade e de influência política hoje existente, seja para compor um novo quadro de seleção que premie a meritocracia, a competência e a especialização de atores que, notadamente, têm se dedicado à tarefa do controle externo, público e de qualidade.
Isso tudo confirma a necessidade de profundas mudanças no sistema dos tribunais de contas, permitindo a equalização das diferenças técnicas e práticas e a busca da excelência em todas as instâncias.
MARCELO HENRIQUE PEREIRA é presidente da Federação Nacional das Entidades de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc).
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