Na África do Sul, novas escolas estão reinventando a educação
The New York Times
Gcobani Mndini, um jovem magro e tímido de 17 anos, disse que já era um gângster quando deu início à nona série. Sua pequena gangue, que chamava a si mesmo de Tomates, roubava pessoas, brigava por garotas, se embriagava com Jack Daniels e se entorpecia com maconha.
“Eu ingressei na gangue porque queria me sentir parte de algo”, ele disse.
E é o que aconteceu quando ele se encaixou no último lugar em que poderia esperar – em um colégio particular que está reinventando a educação para os adolescentes dos bairros negros da África do Sul.
Gcobani deixou a vida de gangue e despontou como um estudante de ciência talentoso buscando ingresso nas melhores universidades do país. Um professor espiou recentemente para uma classe de alunos, estudando até tarde certa noite e perguntou: “Está tudo bem?” Gcobani sinalizou positivo com os polegares.
À medida que muitas escolas públicas da África do Sul reprovavam a geração pós-apartheid de crianças dos bairros pobres e áreas rurais, um movimento de educadores, filantropos e pais desesperados está cada vez mais buscando por alternativas.
Por uma década, bancos e fundações daqui têm patrocinado os alunos promissores do interior para frequentarem escolas de elite, frequentadas principalmente por alunos brancos. Mas agora novas escolas particulares estão surgindo para atender as crianças negras pobres e de classe operária, dando ao ainda dominante sistema público uma nova concorrência e talvez até mesmo concebendo modelos que acabarão a influenciando.
Os 500 alunos em três escolas conhecidas como Leap, representam uma abordagem. Todos os alunos, incluindo Gcobani, vêm de bairros negros. Eles estão imersos em um ambiente educacional que lembra algumas das escolas mais bem-sucedidas nos Estados Unidos.
Em outro empreendimento, líderes cívicos estão tentando reviver as escolas missionárias rurais que educaram muitos dos heróis da libertação da África do Sul, mas foram em grande parte destruídas pelas leis da época do apartheid que exigiam que as instituições seguissem as instruções de um sistema racista ou cedessem seu controle ao Estado. A escola de Nelson Mandela, a Healdtown, e o Seminário Inanda, o primeiro colégio para meninas africanas na África do Sul, fundado por missionários americanos em 1869, estão entre as primeiras reformadas.
E em um pequeno domínio rico em platina próximo de Johannesburgo, o rei da tribo Bafokeng, Leruo Tshekedi Molotlegi, construiu uma escola particular de US$ 72 milhões para 800 crianças, a maioria delas meninos e meninas locais, que estudarão com bolsa de estudos. Mas um crescente número de famílias, mesmo sem apoio filantrópico e cansado dos professores desmotivados das escolas públicas, está levantando dinheiro com dificuldade para enviarem seus filhos para escolas particulares despojadas, situadas em fábricas abandonadas, shopping centers, galpões e prédios, como apontou um novo estudo a respeito das comunidades rurais e urbanas em três províncias.
De fato, os pesquisadores descobriram bem mais destas escolas particulares baratas do que as estatísticas oficiais sugerem e apontaram surpreendentemente que os professores das escolas públicas, insatisfeitos com seus próprios locais de trabalho, estavam entre os pais que estão enviando seus filhos para essas escolas. Apesar de estudos nacionais serem necessários para avaliar a amplitude plena do fenômeno, disseram os pesquisadores, a evidência sugere que essas escolas estão cada vez mais populares.
“Alguns perguntam: ‘Por que os pais não estão protestando a respeito do estado aterrador do ensino público?’” disse Ann Bernstein, diretora executiva do Centro para o Desenvolvimento e Empreendimento, com sede em Johannesburgo, que conduziu o estudo. “Eles estão agindo com seus pés.”
Nas escolas Leap, os alunos têm aulas prolongadas durante a semana, das 8h15 até as 17h15, além das manhãs de sábado. Eles dedicam tempo extra para matemática, ciência e inglês. Os alunos do último ano, que se preparam para os exames do ensino médio que moldarão seu futuro, permanecem até as 20 horas três noites por semana.
Mas as escolas incutem mais do que apenas uma forte ética de trabalho. Todo dia os estudantes têm aulas de orientação de vida, ou LO como a chamam, onde conversam sobre seus problemas pessoais que podem atrapalhar o ensino –um padrasto que espera que a garota limpe a casa em vez de fazer seu dever de casa, um estudante tentando estudar no barraco onde sua família vive e mantém um bar, outra estudante que vai para a escola com fome, porque o salário de empregada doméstica de sua mãe é insuficiente para as despesas mensais.
Após um ano negando que era membro de uma gangue, Gcobani disse que foi apenas na LO que ele começou a se deparar com as consequências de suas escolhas, apesar de seus amigos estarem morrendo em brigas de facas. “Às vezes toda a classe o confrontava”, disse uma colega, Lucinda Plaatjie.
O trabalho duplo de rigor acadêmico e honestidade emocional deu resultado. Os estudantes da Leap têm superado em muito a média nacional no exame nacional do ensino médio. Nove entre 10 passaram nas provas nos últimos cinco anos e a maioria ingressou no ensino superior.
Nacionalmente, o desempenho nos exames tem caído anualmente por seis anos, com apenas seis entre 10 passando no ano passado. As escolas públicas, muitas delas atrapalhadas por professores mal treinados, estão deixando na mão muitas crianças negras pobres, dizem os especialistas.
As escolas Leap são uma criação de John Gilmour, um técnico e educador que deixou uma posição confortável como diretor de um colégio de maioria branca para lançá-las. Gilmour disse que antes acreditava que os esportes seriam a resposta. No final dos anos 80 e 90, ele foi técnico da equipe de críquete da cidade de Langa, que produziu astros que jogaram por seleções nacionais. “Então comecei a ir a funerais”, ele disse. Os jogadores estavam morrendo de Aids, álcool, crime e violência.
Nos anos 90, como diretor de um colégio público branco no subúrbio de Pinelands, ele deu início a um programa de ensino intensivo para crianças da cidade vizinha de Langa. Mas após mais de uma década, as notas dos alunos em matemática e ciência pouco mudaram.
Em 2003, um ano antes dele lançar a primeira escola Leap em Pinelands, para atender Langa, apenas seis dos 650 estudantes que participaram do exame nacional do ensino médio obtiveram nota suficiente para ingresso na universidade.
Àquela altura, Gilmour tinha concluído que as crianças dos vastos bairros da Cidade do Cabo precisavam de mais do que uma equipe esportiva ou algumas poucas horas extras de estudo. A Leap foi o resultado. As escolas –duas na Cidade do Cabo e uma em Johannesburgo– são estruturas utilitárias com pisos gastos e funcionários dedicados que trabalham longas horas por um salário modesto. Grande parte do custo anual de US$ 4 mil por aluno é levantado de forma privada. O governo contribui com aproximadamente US$ 800.
As escolas ainda são obras em progresso, conduzidas sob espírito de experimentação. Nos últimos três anos, a Leap tem colaborado com um grupo de San Francisco sem fins lucrativos, a Teach With Africa, que neste ano enviou 22 professores americanos, com seus próprios métodos criativos, como voluntários.
Em uma manhã recente, um ônibus da Leap percorreu as ruas ainda escuras dos distritos de Crossroads, Gugulethu e Nyanga. Grupos de estudantes ainda sonolentos, em saias e calças cinza e camisas brancas, embarcavam.
A primeira aula de Gcobani no dia era a sua favorita. Este é seu terceiro ano de ciência com Ross Hill, 31 anos, um filho de pastor anglicano e professor colegial de biologia que conhece os privilégios de ter crescido branco na África do Sul, que sente uma responsabilidade em ajudar a corrigir as distorções.
Quando Gcobani entrou pela primeira vez na aula como aluno do primeiro colegial, Hill disse que conhecia a reputação do menino e se preparou para briga, que não ocorreu. “Ele adora ciência”, disse Hill.
Nesta manhã em particular, a aula teve início com uma revisão chata e teórica do efeito fotoelétrico. Os estudantes pareciam virtualmente em coma. Então a conversa entre Hill e Jamie Brandt, um professor de física de Marin County, Califórnia, despertou todos.
Brandt, 36 anos, um voluntário da Teach With Africa, imitou um efeito fotoelétrico em ação, fingindo caminhar em meio a um raio laser e fazendo com que os estudantes descrevessem o que aconteceu quando seu corpo cortou a corrente.
Hill então instruiu a classe a imitar um efeito fotoelétrico. Os estudantes fótons ricocheteavam em uma placa de zinco (um amontoado de adolescentes), fazendo com que os elétrons (mais estudantes) saltassem para fora.
“Venham, fótons!” exclamava Hill. “Apenas uma leve trombada! Uma trombada carinhosa!”
Uma garota fóton provocou os estudantes zinco. A classe caiu na gargalhada e Hill disse: “Que doce”.
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Brasileiros levam dança da periferia à França
Fsp 09/09
Dois grupos do RJ e um de MG vão à 14ª Bienal de Lyon, que começa hoje
Para o curador, Guy Darmet, brasileiros "têm prazer de dançar que não existe nas companhias europeias"
A 14ª edição da Bienal de Dança de Lyon, que começa hoje, faz um recorte peculiar da dança do Brasil. Dos três grupos que representarão o país na França, dois são formados por bailarinos oriundos de comunidades pobres.
São eles o Projeto Social do Centro de Movimento Deborah Colker (RJ) e a Cia. Balé de Rua (MG). O outro grupo é a Focus Cia. de Dança (RJ).
O primeiro, com bailarinos dos morros cariocas, leva a Lyon três obras de dança contemporânea. O segundo, saído da periferia de Uberlândia, faz um mix de dança de rua com ritmos africanos.
Estreando no exterior, os 13 jovens do Projeto Social buscam projeção. O projeto tem fim em dezembro e esta é a chance de eles conquistarem lugar fixo em alguma companhia. "Esperamos que curadores de outros festivais os chamem", afirma o coordenador Miguel Colker.
A expectativa tem precedentes. Em 2002, após se apresentar na Bienal, a Cia. Balé de Rua estourou no exterior. Em 2008, fez temporada de três meses, em Paris.
Este ano, é a atração que fecha o evento, em 9/10. "Lutamos e conquistamos respeito", afirma um dos diretores, Fernando Narduchi.
Mas, afinal, o que faz esses grupos se destacarem tanto na Europa? "Um prazer de dançar que não existe em toda companhia europeia", responde Guy Darmet, curador da Bienal. "[O Projeto Social] não tem o nível técnico de um Grupo Corpo, mas nós o vemos mais com o coração do que com os olhos", diz.
A Bienal -que em 1996 teve o Brasil como tema- reúne 40 grupos de 17 países numa salada de gêneros. Destacam-se a alemã Wuppertal Tanztheater, de Pina Bausch (1940-2009), o russo Ballet Bolshoi e a americana Trisha Brown Dance Company.
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As novas viúvas do neoliberalismo
FERNANDO FERRO
FSP 09/09
Com o PT, são três décadas de construção da democracia no Brasil, em trajetória marcada pela defesa de direitos sociais e dos interesses nacionais
A queda do Muro de Berlim ainda deixa sequelas em gente que se dizia comunista. Parece que os tijolos que separavam dois mundos continuam desabando e provocando desorientação mental, política e ideológica.
Com as pesquisas apontando vantagem da candidata do PT, crescem o desespero e as tentativas de manipulação e distorção da realidade. Prática do período stalinista que encontra espaço na atual oposição brasileira, que reúne tucanos, demos e antigos esquerdistas.
Só assim se explica o texto do ex-deputado Roberto Freire publicado nesta Folha ("Não ao "dedazo" de Lula", 25/8), no qual abusa de uma retórica conservadora e incorpora o linguajar de parte da mídia e das cassandras que anunciam o fim da democracia no Brasil.
Repete mantras da oposição, com a tentativa de colocar a eleição de Dilma como suposto risco à democracia, o "perigo" de instalação de "partido único" e a criação de "república sindical". Isso relembra as bandeiras dos golpistas de 1964 e as vivandeiras de quartel.
Ora, o processo de consolidação da democracia no Brasil relaciona-se com o papel da nova esquerda no Brasil e sua participação na construção do PT. Um partido surgido diante da incapacidade do PCB de criar uma perspectiva consistente de representação para os trabalhadores do Brasil.
Na origem, o PT se caracterizou pela adoção de métodos democráticos de organização, em contraposição ao velho e acomodado "peleguismo" e à burocracia sindical da qual o PCB era cliente.
Com o PT, são três décadas de construção paulatina da democracia no Brasil, numa trajetória marcada por defesa dos direitos sociais, dos interesses nacionais, do desenvolvimento e da integração latino-americana.
O tempo, os acertos táticos, a capacidade de elaboração e de articulação confirmaram a importância histórica do projeto do PT. No período, o PT refletiu e mudou, mas nunca mudou de lado, como mostram as conquistas do governo Lula.
O PT não é dono do movimento sindical, como diz o ex-comunista.
No país, há pelo menos seis centrais sindicais que disputam entre si a hegemonia do movimento.
Nosso partido faz parte de um campo democrático e popular, com partidos de esquerda, do centro e até partes de legendas de direita, que, por sinal, foram acolhidas pela articulação política que ele defendia como aliado no Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo.
Quando tucanos falavam que teriam três décadas de poder, o articulista não se preocupou com o teor mexicanizado da proposta.
Diferentemente da visão míope da oposição, o Brasil se consolida como emergente democracia, com distribuição de renda, melhorias sociais e fortalecimento das instituições. Atuam com independência o Ministério Público, o Poder Judiciário e a máquina de Estado.
Tristemente, parcela de um partido que um dia propôs transformações sociais hoje se tornou coadjuvante da direita brasileira. Transformou-se o velho PCB em sigla de aluguel, que atende pelo nome de PPS e passou a viver de sinecuras na burocracia do governo tucano.
É um fim melancólico das novas e recentes viúvas do neoliberalismo, que, incapazes de apresentar um projeto para o Brasil, se dedicam ao ofício de caluniar e difamar um governo bem-sucedido, que tem o apoio de esmagadora maioria da população e um reconhecimento internacional unânime. Está na hora do surgimento de uma oposição democrática no Brasil conduzida por pessoas mais qualificadas.
FERNANDO FERRO, 59, engenheiro eletricista, deputado federal pelo PT-PE e candidato a novo mandato, é líder do partido na Câmara dos Deputados e vice-presidente da Comissão de Energia e Minas do Parlamento Latino-Americano (Parlatino).
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