NOVO CÓDIGO DEVERÁ REDUZIR RISCO JURÍDICO PARA EMPRESAS
"CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SERÁ REVOLUCIONÁRIO" Valor Econômico - 05/09/2011
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O novo Código de Processo Civil vai reduzir expressivamente o risco jurídico brasileiro e diminuir as chances de que o passado seja, como é hoje, uma fonte de surpresas desagradáveis para as empresas em suas relações com o Fisco. Segundo o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), duas mudanças vão afetar diretamente a vida das empresas. A primeira é que as companhias que têm os mesmos pedidos na Justiça tenham a mesma decisão. A segunda é que as mudanças de entendimento do Judiciário, que trazem inesperados custos adicionais de impostos e de produção às empresas, só podem valer a partir de posição definitiva dos tribunais superiores.
Essas duas mudanças estão previstas na reforma do Código de Processo Civil (CPC) e podem transformar-se em realidade a partir de 2013. O texto já foi aprovado no Senado e, se passar na Câmara, vai impedir que empresas que contam com decisões judiciais para não pagar determinados tributos tenham de fazê-lo, caso o Judiciário mude de posição, arcando inclusive com custos por anos anteriores à nova orientação. "Os empresários precisam de previsibilidade", disse Fux. "Todos precisam saber o dia de amanhã e o CPC vai prever isso", afirmou o ministro, em entrevista ao Valor.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir em outubro se a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos que foram condenados pela Justiça, deve ser aplicada às próximas eleições. "Temos que discutir a Lei antes do fim do ano para orientar os eleitores", afirmou o relator do processo, ministro Luiz Fux.
Em entrevista, ele revelou que não se sentiu incomodado ao dar o voto decisivo contra a aplicação da Ficha Limpa para as eleições de 2010, pois seguiu a Constituição que, segundo ele, é a vontade do povo. Agora, a discussão será mais profunda. O STF vai ter que verificar onde está a soberania popular: em milhões de pessoas que deixaram as suas assinaturas para a aprovação da lei ou nos milhões de votos que elegeram políticos com "ficha suja" para o Congresso.
Fux avaliou que não é o STF que está interferindo no Congresso ao decidir sobre Ficha Limpa, titularidades de mandatos políticos e formas de coligações partidárias. Para ele, são os políticos que estão provocando o tribunal para que ele decida essas questões.
O ministro acredita que cabe ao STF tomar atitudes para cumprir a Constituição, como definir quantos dias tem o aviso prévio.
Até o fim do ano, Fux vai levar a julgamento o regime diferenciado de contratações para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Mais novo ministro no STF, Fux propôs mudanças na forma dos julgamentos do STF. Ele acha que cada ministro poderia resumir o seu voto em 15 minutos.
A seguir os principais trechos da entrevista, que foi realizada na casa do ministro no Lago Sul, em Brasília.
Valor: O STF está atuando além da lei, quando se propõe a definir critérios para a concessão de aviso prévio?
Luiz Fux: Essa é uma crítica indevida pelo seguinte: o Judiciário não age de ofício. Só age mediante provocação. Uma vez provocado, ele não pode se recusar a agir. Então, isso que se denomina ativismo judicial é um pseudoproblema. Na verdade, o tribunal é provocado e não pode se omitir.
Valor: Mas, no caso do aviso prévio é o STF que vai definir critérios, e não o Congresso.
Fux: Diante da lacuna da lei, o juiz não pode deixar de decidir. Num primeiro momento, estabelecemos prazo proporcional ao número de anos trabalhados. Eu levei alguns tratados internacionais firmados pelo Brasil que se compromete a esses prazos e alguns exemplos do que ocorre em outros países. Daí, teve início um debate e isso gerou dever de cautela para que pensássemos nesses prazos, pois o Congresso tem uma série de projetos sobre o tema.
Valor: O STF não está legislando, quando acrescenta regras a serem cumpridas em suas decisões?
Fux: O STF só age quando provocado. Há casos em que estamos regulando uma determinada situação e o objetivo maior é que se faça Justiça completa. Vamos supor que o Estado intervenha na economia e cause prejuízo a algum segmento, como já aconteceu. O Judiciário pode entender que aquela intervenção estatal passa no teste da razoabilidade, mas, ao mesmo tempo, verifica que é preciso ressalvar alguma indenização para o segmento prejudicado. A Constituição prestigia esses princípios. Ela coloca o homem como centro de gravidade da ordem jurídica. Ela defende, de um lado, o princípio da livre iniciativa e, de outro, o da propriedade. Temos que conciliar esses valores.
Valor: E quando há dúvida sobre qual valor privilegiar?
Fux: Nessa ponderação, temos que fazer alguns testes para verificar o que é razoável. O poder público, por exemplo, tem o dever de prestar serviços de saúde. É um direito de todo cidadão. Mas há princípios que protegem a Administração Pública de gastos indevidos. Numa cirurgia para retirada de retinose pigmentar (doença que leva à perda de visão), por exemplo, eu devo questionar: quantas pessoas necessitam fazer essa cirurgia? Qual o custo social disso? No caso, é mínimo. Numa infinidade de brasileiros, há um ou outro que sofre dessa doença gravíssima.
Valor: E se a decisão atingir muitas pessoas?
Fux: Nesse caso, deve-se ponderar entre a reserva do possível e o mínimo existencial. Temos que fazer um balanço entre as duas coisas para ver o que vai prevalecer. Em breve teremos que julgar as cotas raciais. É um tema difícil. O STF hoje julga com muito mais recorrência "hard cases" do que antes.
Valor: Qual será o grande desafio ao julgar as cotas para negros nas universidades?
Fux: Vamos ter que aplicar o princípio da isonomia à luz da regra de que os desiguais vão ter de ser tratados de maneira desigual.
Valor: E no julgamento sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as próximas eleições?
Fux: Temos que discutir a Lei da Ficha Limpa antes do fim do ano para orientar os eleitores. Quem pode ser votado e quem não pode? Vários candidatos que teoricamente não tinham a Ficha Limpa receberam milhões de votos. O atual Congresso está se movendo (deputados e senadores estão perdendo os mandatos por causa da lei). E há a discussão de soberania popular. Quem é o povo? Aquele que apresentou milhões de assinaturas para a aprovação da lei ou o que deu esses milhões de votos para políticos sem Ficha Limpa?
Valor: O STF não vai acabar sofrendo novamente com aquele debate de interferir na classe política?
Fux: Mas, o tribunal é sempre provocado. No caso das coligações partidárias, queriam saber se o voto era para a legenda ou para a coligação. Os partidos e os políticos levaram a questão para o Judiciário. O mesmo aconteceu com a Ficha Limpa: eles é que entraram no STF. Agora, por exemplo, o governo estabeleceu uma regra de contratação para a Copa e a Olimpíada. Eles entraram novamente. Judicializaram essa questão. E nós vamos ter que dizer se pode fazer obra pelo regime diferenciado ou não. Na verdade, a exacerbação do sentimento de cidadania e a gama de direitos contemplados na Carta levaram a um acesso mais constante à Justiça. Partidos e OAB têm entrado com muitas ações.
Valor: Foi difícil chegar ao STF e dar o voto decisivo sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010?
Fux: Aquilo me motivou muito. Não me angustiou e não me amedrontou, muito embora eu soubesse que havia uma opinião da mídia, da classe jurídica e a classe política. Na classe jurídica, a decisão foi muito bem acolhida. Agora, em termos de anseio popular, a Lei da Ficha Limpa é muito boa. É a lei do futuro. Mas não pode ser aplicada no mesmo ano em que foi votada.
Valor: Por quê?
Fux: Há uma proteção na Constituição, proibindo a alteração das regras no mesmo ano da eleição. Por quê? Porque as maiorias poderiam perfeitamente inviabilizar a candidatura de outras. A divisão foi imensa.
Valor: E agora, o desafio é maior?
Fux: Agora, é o cerne da lei e o espectro da discussão é mais amplo. Vamos discutir a ponderação de valores da presunção de inocência e a questão da irretroatividade da lei. Se ela é condição de inelegibilidade ou se é uma sanção penal. O julgamento deve ocorrer em outubro.
Valor: Mesmo com quorum reduzido?
Fux: Quem sabe teremos onze ministros até lá. No meu caso entrei com grande expectativa, pois peguei vaga aberta há sete meses (pela aposentadoria de Eros Grau, em agosto de 2010). O gabinete estava parado. Não tinha ministro para dar orientação sobre os processos. Isso me deu trabalho extra.
Valor: Mas o senhor veio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde julgam mais processos do que no STF.
Fux: Isso contou muito. A carreira toda contou. Tenho 35 anos de magistratura. Fiz isso a vida inteira.
Valor: O senhor acha que a presidente Dilma Rousseff deve indicar um juiz para o STF?
Fux: Eu acho que deve ser uma pessoa que já tem ou teve experiência jurídica. Acho que uma parcela das vagas deveria ser de magistrados, mas de carreira. De preferência, alguém do STJ, pois ali é um pré-vestibular para o STF.
Valor: Ao derrubar a aplicação da Ficha Limpa às eleições de 2010, o senhor se incomodou em decidir contra a maioria?
Fux: Eu achei que era uma posição muito sustentada. Seria uma demonstração de fraqueza não seguir a regra constitucional para agradar a opinião pública. Isso me descaracterizaria como homem público. Fui promotor. Fiz concurso para juiz. Eu não aceito a ideia de que o STF seja contra-majoritário, pois, na verdade, o STF sufraga a opinião pública, a vontade do povo que está na Constituição. Ali está a vontade fundante de um novo Estado.
Valor: Qual avaliação o senhor faz da Constituição hoje?
Fux: A Constituição conjuga valores inerentes a um Estado Democrático de Direito. Ela consagra a livre iniciativa, os direitos dos trabalhadores, dos empresários. Ela faz um balanço bastante equilibrado de todos esses interesses que por vezes colidem e, aí, a Corte é chamada para dar a melhor solução.
Valor: Ela não é muito extensa? São 250 artigos.
Fux: Eu entendo que a Constituição é um ordenamento que legitima toda a legislação infraconstitucional e não pode ficar sempre na dependência de uma lei para entrar em vigor. Como o nosso sistema contempla, através do princípio da inafastabilidade da Justiça, que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, esse direito pode ser pinçado do Código Civil, do Comercial e da Constituição.
Valor: Por que a reforma do Código de Processo Civil é necessária?
Fux: Ela vai trazer para o país uma performance da Justiça que reduzirá sobremodo o denominado risco Brasil. Nós vamos ter uma Justiça ágil e previsível.
Valor: Como assim? Como será na pratica?
Fux: Nós detectamos três fatores muito expressivos que influem na morosidade da prestação da Justiça: excesso de formalidades, de recursos e de demandas. A criação de contenciosos de massas é terrível. Hoje, há um milhão de ações de poupadores de cadernetas que vão se transformar em um milhão de recursos nos tribunais. Como enfrentar esses casos? Primeiro, reduzimos as formalidades do processo. Fizemos uma amostragem de que a cada cinco decisões do juiz, eram possíveis 25 recursos ainda na 1ª instância. Reduzimos esses recursos.
Valor: Como a reforma do CPC vai afetar as empresas?
Fux: Ela é importantíssima sob o ângulo empresarial. Hoje, os advogados orientam as empresas com base na jurisprudência (entendimento consolidado dos tribunais). Se a jurisprudência tem essa presunção de legitimidade, a sua mudança não pode ser abrupta. Senão, ela pega os empresários de surpresa.
Valor: Essas mudanças são constantes?
Fux: Imagine que a Justiça estabeleça que um tributo não é devido. Mas, depois a jurisprudência se altera. Ora, a empresa não está preparada para essa mudança. Ela não provisionou. Então, criamos a modulação de jurisprudência. A nova orientação passa a valer daquele momento em diante.
Valor: Isso também vai valer para o governo?
Fux: Sim. O Estado também sofre com isso. Se ele cobra um tributo, que vem a ser declarado inconstitucional anos depois, ele já gastou aquela receita. Como ele vai devolver? Mas, imagine isso com as empresas. Os empresários precisam de previsibilidade. Todo mundo precisa saber o dia de amanhã. O novo CPC vai prever isso.
Valor: Como?
Fux: Quando houver essa mutação, o tribunal será obrigado a dizer a partir de quando a mudança valerá. Estamos dando à atividade empresarial a segurança jurídica de que ela tanto necessita.
Valor: E nos casos em que uma empresa ganha na Justiça para se livrar de um tributo e a sua concorrente não consegue a mesma decisão?
Fux: Se várias pessoas veiculam a mesma tese jurídica, qual é o ideal de Justiça? É que elas tenham uma solução igual. Se todas tiveram perdas inflacionarias, por que uma recebe a diferença e outra não? É uma questão de Justiça.
Valor: Como isso vai acontecer na prática?
Fux: Para resolver esses casos criamos um instrumento do direito alemão que é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Se num determinado Estado surge uma controvérsia e o juiz verifica que ela poderá surgir mais vezes, ele pode suscitar esse incidente. Ele vai para o tribunal local, que julga. Como esse incidente vai firmar jurisprudência nacional, ele terá que passar necessariamente pelo STJ ou pelo STF. Ele tem o pré-requisito de passar por esses tribunais para dar orientação nacional. Aí, os tribunais superiores vão decidir essa questão jurídica, que vai ser absorvida por todas as ações individuais que tramitam no país.
Valor: Quais casos vão ser decididos por essa sistemática?
Fux: Há casos interessantíssimos. Hoje, se discute se uma loja de shopping center pode abrir um estabelecimento de rua fazendo concorrência direta ao shopping. Se essa cláusula for legitimada, ela terá que valer para o Brasil todo. Senão, os lojistas de São Paulo vão poder abrir lojas perto de shoppings e os do Rio, por exemplo, não. Esse caso chegou ao STJ e estava comigo. Quer ver outro interessante: todo posto de gasolina tem loja de conveniência. Pode a loja vender remédios anódinos, como novalgina, vitamina C? Se todas puderem vender, não deve haver exceção.
Valor: As empresas não vão ter que esperar muito para ter essa orientação nacional?
Fux: O incidente tem prazo de um ano e meio para ser julgado. Então, em um ano e meio você mata vários coelhos com uma cajadada. Vai ser um instrumento revolucionário. Vamos decidir de uma vez só várias questões sem proibir que a pessoa ingresse na Justiça. Depois, ela absorve a decisão no processo dela e vai perseguir perdas e danos, honorários e assim por diante.
Valor: A partir de quando o STF vai poder tomar essas decisões com orientação nacional?
Fux: Estou com esperança de que o Código seja aprovado até dezembro. Depois, haverá um ano para entrar em vigor.
Valor: O novo CPC vai reduzir o número de processos na Justiça?
Fux: Ele vai evitar um número grande de ações e os tribunais superiores vão trabalhar num nível de racionalidade nunca visto. A Suprema Corte norte-americana julga 77 processos por ano. O STF decide 88 mil processos. Alguma coisa está errada. E o STJ que tem 260 mil processos por ano?! No longo prazo, os tribunais vão trabalhar num nível de racionalidade capaz de permitir uma Justiça de ótima qualidade. Os tribunais vão ajudar os juízes e os juízes vão ajudar os tribunais. Os tribunais vão dar a solução para os juízes e esses terão tempo para se dedicar aos seus processos.
Valor: O STF deve ser mais ágil nos julgamentos?
Fux: Estamos preocupados, pois temos muitos temas com repercussão-geral e que acabaram por estagnar os outros tribunais que esperam pela definição desses litígios. Vamos debater uma metodologia de julgamentos mais rápida. Podemos definir que o relator tenha 15 minutos para apresentar o caso.
Valor: A transmissão pela TV Justiça leva a votos mais longos?
Fux: Eu confesso que passei a entender "reality shows" a partir do STF. Não sei nem onde fica a câmera da TV Justiça e sou partidário de votos orais e sintéticos. Procuro sintetizar com profundidade. Meu voto sobre a Ficha Limpa tem 70 páginas, mas não vou ficar lendo tudo aquilo.
Valor: Como o senhor acha que deveriam ser os julgamentos?
Fux: Em primeiro lugar, eu acho que temos que dar prioridade para as questões de repercussão-geral e criar uma metodologia prática para cada ministro sintetizar o máximo possível. Isso faria render o julgamento. Vou te dar o meu exemplo. Eu sou o primeiro a votar, com o maior prazer, pois realizei o meu sonho de magistrado de chegar ao STF. Acho que temos que criar uma metodologia de cada ministro ter um prazo para falar, de sintetizar o ponto de vista em 15 ou 20 minutos e depois juntar o voto ao processo.
Valor: Alguns ministros já fazem isso.
Fux: Rui Barbosa disse, na Oração aos Moços, que, se escolhessem a magistratura, não procurassem mostrar quanto direito sabem, mas sim, o direito que a parte tem. Isso faz sentido, não?!
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11/9/2001 O DIA QUE MARCOU UMA DÉCADA
ENTREVISTA MADELEINE ALBRIGHT
EUA têm dever de ajudar no progresso de outros países
EX-SECRETÁRIA DE ESTADO AMERICANA NEGA PERCEPÇÃO DE DECLÍNIO DO PAÍS E PEDE A DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES. FSP 05/09
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Dez anos após os atentados de 11 de Setembro, em meio à crescente percepção de que os americanos estão se tornando cada vez mais fracos no cenário internacional, Madeleine Albright, a primeira mulher a ser secretária de Estado dos EUA, vai contra a corrente.
Os EUA não estão em declínio e mantêm sua função de intervir em países ao redor do mundo para garantir que não se tornem Estados falidos, acredita Albright, que liderou a política externa americana no governo Clinton, de 1997 a 2000. "Mas nós não vamos fazer isso sozinhos -também brasileiros vão se beneficiar muito se não formos mais cercados por Estados falidos", disse Albright em entrevista exclusiva à Folha.
"Nossos países, que sabem como liderar democracias funcionais, precisam trabalhar juntos para ajudar outros países."
A ex-secretária, que hoje é sócia da consultoria Albright Stonebridge Group e dá aulas na Universidade Georgetown, virá ao Brasil em outubro. Ela é uma das melhores amigas da atual secretária de Estado, Hillary Clinton.
Abaixo, trechos da entrevista, feita por telefone, de Washington.
Folha - De que maneira duradoura os atentados de 11 de Setembro mudaram a forma como os EUA veem o mundo?
Madeleine Albright - O 11 de Setembro foi um dos acontecimentos mais significativos para o povo americano. Eu nasci na Europa, na escalada para a Segunda Guerra Mundial (Albright nasceu na então Tchecoslováquia, em 1937, mas é cidadã americana). Eu sei o que é se sentir vulnerável.
A maioria dos americanos nunca havia se sentido vulnerável, foi um choque enorme. O efeito desse choque é muito duradouro, e é importante que os americanos não fiquem dominados pelo "fator medo".
Existe uma discussão entre analistas sobre a suposta decadência dos EUA no cenário global e o fato de esse declínio ser inevitável.
Eu não concordo com essa discussão. Eu vejo o mundo de forma muito diferente. Vejo muitos países ganhando poder no mundo, mas isso é bom. E isso ocorre porque as grandes questões de hoje -proliferação nuclear, terrorismo, pobreza, energia, ambiente, crise financeira- exigem a participação de vários países para resolvê-las, não podem ser abordadas apenas por uma potência.
Isso não é um sinal do declínio dos EUA. Nós achamos que isso é bom, celebramos a ascensão do Brasil, o fato de existir outro país com o qual podemos compartilhar responsabilidades.
Na discussão para elevar o teto do endividamento, haverá redução do deficit que atinge em cheio o Pentágono. Mas acredita-se que muitos cortes virão do Departamento de Estado também. Com redução em ajuda internacional e número de diplomatas, a senhora acha que o chamado "smart power" dos EUA pode ser afetado?
Essa é uma grande preocupação. Como cidadã americana e ex-secretária de Estado, estou muito preocupada com o que está ocorrendo com o orçamento.
Uma democracia vibrante como os EUA tem responsabilidades globais. É dever do nosso governo ajudar no progresso social de outros países e por isso fico tão perturbada com corte no Departamento de Estado. Os EUA não podem fugir de seu papel global. E por isso estamos procurando parceiros, como o Brasil.
A senhora acha que haverá grandes mudanças na política de defesa dos EUA?
Os EUA estão passando por duas guerras. Mas o presidente Obama está acelerando a retirada do Iraque e Afeganistão, com compromissos e calendários. Então, obviamente, teremos um Pentágono muito diferente, em um país que não está envolvido em duas guerras simultaneamente.
De qualquer maneira, o que mudou desde o 11 de Setembro é que há uma cooperação muito maior entre as agências de inteligência e um reconhecimento do fato de que o Departamento de Estado precisa desempenhar um papel muito maior, baseando-se na experiência que tivemos nos últimos anos.
Ficou claro que é essencial um grande número de diplomatas, civis, nesses países em conflitos, para melhorar as condições políticas e econômicas, e ter esse pessoal envolvido em reconstrução. Também é importante ressaltar o papel crescente das aeronaves não-tripuladas (drones), que foram muito eficientes nas missões para desmantelar a Al Qaeda.
No novo cenário global, onde se encaixa o Brasil?
A visita do presidente [Barack] Obama ao país demonstra que, para os EUA, o relacionamento com o Brasil é muito importante. Os Brics são um agrupamento meio peculiar, mas, dentre os países Brics, o Brasil é único porque é uma democracia forte, com a qual nós queremos trabalhar.
O presidente Obama está muito animado com a vinda da presidente Dilma Rousseff aos EUA -ela será a primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU. Eu estou muito animada com a minha ida ao Brasil, em outubro. Fui várias vezes ao Brasil, quando era secretária de Estado, mas faz 11 anos que não vou ao país. Servi nas Nações Unidas ao lado do atual ministro da Defesa, Celso Amorim.
Analistas decretam que missões de ajuda humanitária e reconstrução, como as que os EUA fizeram na Somália, no Haiti, em Kosovo e no Afeganistão, estão condenadas a desaparecer.
Há uma infinidade de jeitos de ajudar outros países a terem uma infraestrutura e se tornarem sociedades funcionais. Mas nós não vamos fazer isso sozinhos -também brasileiros vão se beneficiar muito se não formos mais cercados por Estados falidos.
Nossos países, que sabem como liderar democracias funcionais, precisam trabalhar juntos para ajudar outros países.
Então vocês estariam dividindo com outros países a responsabilidade nas intervenções humanitárias?
Sim, lidero uma força-tarefa sobre "a responsabilidade de proteger" e o que a comunidade internacional deve a cada país. Os EUA, como o Brasil, estarão em uma situação muito melhor se houver estabilidade no mundo, sem Estados falidos, então precisamos achar métodos de colaborar para que não tenhamos Estados falidos.
O que muda com a morte de Osama bin Laden? Os EUA terão mais tempo para se focar em aspectos que haviam sido um pouco negligenciados, como a ascensão da China?
A morte de Bin Laden decapitou a Al Qaeda, que não conseguiu reconstituir completamente sua liderança. Claramente ainda há células da Al Qaeda em vários lugares, então não podemos falar em derrota do terrorismo.
E, em relação a negligenciar outros aspectos, eu discordo -uma das características dos EUA é que nós conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo. Temos observado a China, temos pontos muito positivos na relação, e outros que deixam alguns nervosos, como as intenções do país no mar do sul da China e em relação a Taiwan.
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Minimecenas propõe 'mesada' para músicos continuarem criando
Site de financiamento colaborativo criado pela cantora Lulina entra no ar nesta semana FSP 05/09
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Partindo do mesmo princípio de financiamento colaborativo usado em sites como Catarse e Embolacha, o Minimecenas (www.mimimecenas.com.br) deve entrar no ar ainda nesta semana.
O foco principal também é a música. A diferença aqui é que, em vez de bancar um projeto concreto (gravação de CD, produção de show etc.), o investidor adota o músico.
Depois de cadastrado, o fã escolhe um valor fixo, a partir de R$ 5, com o qual vai contribuir mensalmente. O contrato vale por um ano.
"A intenção é que o artista tenha estabilidade financeira durante sua fase de criação", diz a cantora Lulina, criadora do site. "Se eu pudesse dar US$ 5 por mês para o Lou Reed só para ele nunca parar de criar..."
O primeiro Lou Reed do Minimecenas é Arnaldo Baptista. Em contrapartida às possíveis adesões que terá pela frente, o criador dos Mutantes promete sortear um de seus desenhos todo mês.
"Em casos como o dele, a troca é mais emocional mesmo", afirma Lulina.
Entre os "adotáveis" do Minimecenas, estão a banda carioca Do Amor e os paulistas Bárbara Eugênia, Dudu Tsuda, Bluebell e Kiko Dinucci.
Tsuda promete gravar e enviar um compacto de vinil com canções próprias para contribuições acima de R$ 50. Bluebell fará, todo mês, pocket shows on-line exclusivos para seus minimecenas.
O dinheiro, diz Lulina, é movido de fã a artista por sistema de pagamento digital. Sai todo mês, em débito automático, da conta do primeiro e cai na do segundo. Um pequeno percentual é descontado automaticamente para a manutenção do site.
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EDUCAÇÃO »Faculdades investem pesado fora do Plano
Seis de cada 10 câmpus de instituições de ensino superior instaladas no DF estão espalhados pelas cidades. Só Taguatinga já conta com 18 unidades. Ceilândia e Gama têm sete cada uma, e Guará e Águas Claras, seis FSP 05/09
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A saturação no Plano Piloto e a ascensão de milhares de brasilienses para a classe média fizeram as instituições de ensino superior se proliferarem pelas cidades do Distrito Federal. Ao longo dos últimos quatros anos, em especial, os empresários da educação descobriram o potencial dessas regiões. Levantamento feito pelo Correio com base em dados do Ministério da Educação comprava a descentralização: quase 60% do total de câmpus universitários do DF estão localizados fora de Brasília, incluídos o Plano Piloto, os lagos Sul e Norte e o Sudoeste.
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O avanço da economia mexeu com o sistema de ensino em todo o país. Com o aumento da renda, os brasileiros passaram a frequentar os bancos escolares por mais tempo e provocaram uma demanda até então inexistente. A descentralização do acesso aos cursos superiores no DF ocorre de maneira tão intensa quanto, por exemplo, a expansão do mercado imobiliário. Das 98 unidades de ensino cadastradas no MEC, 57 funcionam em cidades fora do Plano Piloto.
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Desde 2007, após 10 anos de crescimento a taxas exponenciais, a procura por ensino superior nos grandes centros se estabilizou, forçando novas estratégias educacionais. Tornou-se necessário migrar para outras regiões e conquistar públicos diferentes. Taguatinga virou o principal alvo. Hoje, a cidade concentra 18 instituições, seguida de Ceilândia e Gama, ambas com sete. Guará e Águas Claras oferecem seis opções cada. Na área central, onde ficam quatro em cada dez faculdades, a Asa Sul abriga o maior número de unidades de ensino: 25. Há um ano e meio, o Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), já consolidado nas asas Sul e Norte, inaugurou a unidade de Ceilândia. Os cursos contam com praticamente a mesma infraestrutura e o mesmo corpo docente, mas com preços até 40% inferiores.
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O investimento na cidade mais populosa do DF é considerado um estudo de caso por consultorias de educação. Em Ceilândia, somente o curso de administração do Iesb possui 1,2 mil alunos, 500 a mais do que o total de matriculados na mesma graduação no Plano Piloto. “Foi uma aposta acertada. Estamos exercendo um papel social extremamente importante”, afirma a diretora do Iesb, Eda Coutinho. De acordo com ela, muitos estudantes gostariam de dar continuidade aos estudos, mas não tinham condições de se deslocar até Brasília para frequentar as aulas.
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Novos alvos
Os planos de expansão das universidades não incluem mais o Plano Piloto. E o motivo não é apenas a falta de espaço. “A tendência do ensino superior é a descentralização. Temos que caminhar para as regiões periféricas, onde há um deficit histórico de acesso ao ensino”, diz Gustavo Castro, um dos diretores do Instituto Processus. Em dois anos de funcionamento, o total de alunos na unidade de Águas Claras cresceu 146%: de 264, em 2009, para 650 neste segundo semestre de 2011.
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A oportunidade de estudar perto de casa mudou os planos profissionais de Luiz Cláudio Matias de Sousa, 44 anos. Ele largou a iniciativa privada para cursar gestão financeira e se preparar para concursos públicos. “Como não preciso ir mais até o Plano, tomei a decisão de voltar a estudar”, diz Sousa, que mora em Samambaia e está matriculado em uma faculdade em Águas Claras. Os dois filhos fazem o mesmo curso que ele. A família tem desconto de 20%: cada mensalidade sai por R$ 309.
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Os preços mais acessíveis e a proximidade de casa também seduziram Jordano Domingos Gonçalves, 21 anos, morador de Taguatinga. Ele paga cerca de R$ 400 no curso de secretariado. “Pago mais barato do que em muitos cursos do Plano e não preciso ir tão longe”, afirma o jovem, que cursa sua primeira graduação. “Estou buscando uma melhor qualificação para enfrentar o mercado de trabalho.”
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As instituições perceberam a necessidade de se aproximar de uma clientela de renda inferior a que estavam acostumadas a tratar como público-alvo. Ryon Braga, presidente da Hoper Consultoria, especializada em educação, avalia que, ao se instalarem nas demais cidades do DF, as universidades cumprem um importante papel de inserção social. No entanto, ele estima que em cinco anos pelo menos 10 escolas não consigam se manter no mercado. “Algumas crescerão muito, mas outras desaparecerão.”
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No caso do Centro Universitário Unieuro, o salto fora do Plano surpreende. O câmpus de Águas Claras abriu as primeiras turmas em 2005. Na época, 320 moradores da região sul do DF garantiram vagas. O semestre iniciado no mês passado começou com 3 mil alunos: um crescimento, no período, superior a nove vezes. “O crescimento era esperado, mas não imaginávamos que ele ocorreria tão rapidamente”, conta o diretor da unidade, João Bacelar.
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Confiante em uma demanda aquecida nos próximos anos, a Unieuro está construindo mais um prédio com dois andares e capacidade para 16 salas em Águas Claras. A intenção é atingir a meta de 5 mil matriculados. No ano que vem, deve ser inaugurada a unidade de Sobradinho. “As novas classes C e D estão tendo a possibilidade de fazer boas faculdades fora do Plano. Essa expansão é uma tendência”, afirma.
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Erudito, íntimo e pop
Em turnê por cinco cidades brasileiras, o compositor Philip Glass fala sobre música contemporânea, cinema e criatividade popular FSP 05/09
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Para o americano Philip Glass, influente compositor de música clássica há décadas, visitar o Brasil deixou de ser um passeio exótico a uma terra estranha. Ele vem ao país desde 1986 e sempre se sentiu “confortável aqui”. Até arrisca algumas frases na nossa língua em entrevista ao Correio, com um sotaque americanizado, como é de se esperar, mas sem atropelar a gramática. “Falando português um pouquinho. Mais ou menos. Um tantinho”, diz entre risos. O músico, natural de Baltimore, estado de Maryland, escreve peças para artes plásticas, ópera, poesia, dança, teatro e também para cinema — indicado ao Oscar pelas trilhas sonoras de Kundun (1997), As horas (2002) e Notas sobre um escândalo (2006). A atual jornada pelo país começa no dia 10, durante a oitava edição da Mostra Internacional de Música em Olinda (MIMO), evento gratuito com pernas em Recife e João Pessoa, que começa hoje e termina dia 11. Em seguida, faz paradas em São Paulo (13 e 14), no Rio de Janeiro (15), em Salvador (17) e em Porto Alegre (19).
Na turnê brasileira, Glass toca piano ao lado do jovem violinista Tim Fain, 34 anos, uma revelação da música erudita nos Estados Unidos. A estrela ascendeu quando figurou numa ponta no filme Cisne negro, como um solista que acompanhava os movimentos da bailarina Nina Sayers (a vencedora do Oscar Natalie Portman). Os instrumentistas executam o concerto Uma noite de música de câmara, composto de solos e duetos, dentro da Igreja da Sé. Um dos mestres do minimalismo, Glass conta que a colaboração tem sido frutífera. “Ele é carismático e talentoso. São músicas recentes, que fizemos especialmente para esses shows”, detalha. E diz que está acostumado a se apresentar em ambientes como igrejas ou catedrais. “Quando era mais novo, viajei pela Europa tocando em lugares assim”, acrescenta.
Alma brasileira
Glass é parceiro habitual de artistas brasileiros. Compôs trilhas para filmes de Monique Gardenberg (Jenipapo) e Wagner de Assis (Nosso lar), embrenhou-se nas artes plásticas de Carlito Carvalhosa e gravou disco com os mineiros do Uakti, Águas da Amazônia (1999). Ele reverencia a produção nacional como a mais importante do planeta. “Acho que o país criou uma tradição de poetas músicos, em que a letra se torna poesia. Quando escutamos, as palavras soam muito contundentes. De um ponto de vista global, não há dúvida de que a música popular mais forte está no Brasil. A harmonia é mais ampla que na América do Norte ou na Europa”, avalia.
Erudito, mas aberto a outros timbres — criou sinfonias inspiradas em Brian Eno e David Bowie e, por outro lado, também influenciou a música ambiente e eletrônica —, Glass acredita que a tecnologia possibilita facilidades e oportunidades para os iniciantes. “Faço minimalismo há mais ou menos 30 anos. Minha geração quebrou convenções. Foi um momento importante, aquele dos anos 1960 e 1970. Hoje, não pensamos mais que você possa fazer um estilo de música. É um tempo em que as pessoas têm permissão para experimentar”, comemora.
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Literatura transforma jovens de comunidade
Autor(es): Ocimara Balmant O Estado de S. Paulo - 05/09/2011
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Aos sábados, as vielas e becos da favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo, se transformam em uma biblioteca a céu aberto. Por cada cantinho, livros e mais livros vão ganhando espaço e despertando a atenção da população. Todos ao redor estão interessados na contação de história.
"O que fazemos é promover a leitura em situação de crise", explica Márcia Lica. Ela é uma das sete fiandeiras, como são chamadas essas contadoras de história que atuam também com os moradores da favela Panorama, na mesma região da cidade.
Mais do que apenas uma experiência lúdica ou exercício literário, o trabalho das fiandeiras é feito a partir da convicção de que a literatura é capaz de ajudar as pessoas a se apropriarem de sua própria trajetória - até mesmo em situações e momentos de crise.
E, no entendimento delas, as situações de crise não acontecem só em momentos de risco social, como nas regiões onde a população enfrenta conflitos armados ou pobreza extrema.
Ler um conto de fadas ao lado do leito de uma criança com câncer ou organizar sessões de contação de histórias em uma comunidade rural que perdeu suas tradições também é atuar em situação de crise.
"Há 15 anos, nos diziam que o problema das crianças era a fome. Claro, elas precisam comer, mas também necessitam de cultura", afirma a psicanalista Patricia Pereira Leite, diretora de A Cor da Letra, organização não governamental que treina pessoas para atuar em projetos de intervenção. "Hoje, após 15 anos, vejo outras ações se desenvolverem muito criativamente nessa área", relata a diretora.
Extensivo. Para os especialistas, a literatura tem um poder de disseminação singular e as crianças, muitas vezes, são a porta de entrada para a reconstrução da história da família toda.
"Quando a criança lê para a mãe analfabeta, a tendência é que essa mulher decida se alfabetizar. Ao mesmo tempo, compartilhar as histórias com o filho faz com que essa mãe também se lembre de sua própria história e consiga perceber seus valores de conduta. Reaviva coisas adormecidas. Inicia-se, assim, uma nova cultura de transmissão", explica Patrícia.
Essa reconstrução da história é o que acontece no trabalho das fiandeiras. "Lemos um conto da Paraíba, por exemplo, e a pessoa se reconhece. Daí, ela se lembra de coisas que viveu e conta a sua história", diz Márcia.
Assim, uma leitura leve, mas não despretensiosa, pode se tornar um marco na vida de alguém. Tanto que, dentre os adultos, as literaturas de cordéis são as preferidas. "Ele reafirma sua identidade e aumenta a autoestima", conclui Márcia.
Tradição. Em uma fazenda na região de Poços de Caldas (MG), onde vivem cerca de 70 pessoas, a convicção de que a vida era cuidar de café e morar na roça mudou desde que um centro cultural foi instalado, em 2000, e os professores foram treinados para atuar na mediação da leitura.
O espaço, com um acervo de 1,8 mil livros, tem uma área reservada para mães, que podem levar seus bebês para que tenham o primeiro contato com a literatura. Há também espaço para os idosos que, ao participarem da roda de prosa, conseguem perpetuar a tradição.
Os jovens, além de aprenderem sobre os hábitos dos ancestrais, começaram a enxergar novas perspectivas com os encontros. "Tinha gente que achava que literatura era só diversão. Mas, quando se deram conta, estavam mudando suas vidas", conta Renato Donizetti de Carvalho, educador cultural.
Ele diz que, antes do projeto, a maioria dos jovens não tinha ensino fundamental completo. Hoje, muitos terminaram o ensino médio e alguns ingressaram e estão cursando a faculdade. E estudar não significa ter um passaporte para dizer adeus ao campo.
"Depois de formados, eles não querem sair da roça porque há trabalho especializado aqui também. Precisamos de profissionais gabaritados para o manuseio de máquinas e controle de qualidade do produto que exportamos", diz Carvalho.
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