quinta-feira, 8 de setembro de 2011

LIVRO » Fragmentos do cinema autoral

Coletânea Os filmes que sonhamos reúne críticos e cineastas para um voo livre sobre a producão autoral Fonte: correioweb 08/09

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-“No que me concerne, não faço concessões aos espectadores: essas vítimas da vida, que pensam que o filme é apenas para o deleite e o prazer, e que não sabem nada sobre a própria existência”. O tom raivoso de citação atribuída ao diretor polonês Andrey Zulawski, no capítulo que examina o filme Diabel, levanta muito da bandeira autoral defendida pelos longas esmiuçados em 58 artigos, no livro Os filmes que sonhamos — Volume I, recém-chegado ao mercado. A visão de mundo radical, levada às telas em 1972, por Zulawski, foi banida da Polônia só tendo reencontrado o público em 1988. Muitos dos títulos comentados na coletânea, aliás, deixaram o limbo, por causa do lançamento em DVD. “São filmes muito falados, mas pouco vistos. Estão presentes em livros, mas que ninguém via, porque, mesmo com a pirataria, não eram acessíveis nem na internet”, explica o crítico Paulo Henrique Silva, um dos convidados na produção do livro organizado por Frederico Machado.

No “texto de fôlego” encomendado, Paulo Henrique analisa O conformista (Bernardo Bertolucci), depois de ter feito para si a pergunta: “O que eu poderia escrever que já não tenha sido dito sobre um filme com quase 40 anos?”. Decifrar o frescor da obra levou o autor à noção cômica embutida em O conformista. “Jean-Louis Trintignant faz um tipo retraído e visivelmente desconfortável por sua posição de funcionário público comum, como muitos losers das comédias americanas”, assinala no texto. “O lado cômico persegue a narrativa criada ao redor do personagem meio patético. É uma característica que provoca estranhamento, por se tratar de um tema muito pesado como é o fascismo italiano”, comenta o entrevistado, há 16 anos dedicado à crítica.

As remissões a elementos cômicos, na publicação, povoam os textos em torno de Bang bang (Andrea Tonacci), “road movie tupiniquim com personagens que parecem ir de um lugar a outro de maneira errante”, como descreve Fabio Carmaneiro. Personagens antropofágicos, “que arrotam um filme completamente inventivo”, foram a base para reforçar o parentesco com o tropicalismo. Mesmo pisando o nonsense, pelo que indica o texto, o diretor brasileiro encontra terreno para reflexão. “Na ausência de linguagem, nas fronteiras da civilização, reaparece o recalque de violência e irracionalidade da civilização”, comenta o autor, ao descrever o efeito calculado e caótico da sobreposição de sons e ruídos no filme realizado há quatro décadas.

Filme de juventude

Também, à época da realização, um estreante em longa, David Lynch tem o projeto Eraserhead (1978), viabilizado com módicos 20 mil dólares, examinado por Marcelo Miranda, em Os filmes que sonhamos. “É um filme da juventude, ele ainda fez na faculdade, mas concluiu depois. A produção é baseada na vida real dele, envolvendo uma gravidez indesejada da namorada”, conta Miranda. Até a irmandade física entre personagem e cineasta, pelo “cabelo esculpido”, não passa despercebida. “Pelas próprias angústias, cinematograficamente, Lynch chegou a algo rico, complexo e arriscado. Mostro, no texto, como o longa foi fundamental para os filmes posteriores dele”, explica o crítico.

A capacidade de contextualizar também figura na análise de Kafka, destrinçado por Daniel Feix. “Tendo lido boa parte da obra do Franz Kafka, a gente percebe que todo o universo dele está lá. No capítulo que escrevi, quis posicionar o filme na obra de um diretor reconhecido como é o Steven Soderbergh. Um filme que deu prejuízo e não foi nada bem de carreira —, obtendo menos de 10% do custo revertido em bilheteria, nos Estados Unidos”, ressalta Feix. Vale a lembrança de que, com a estreia (no anterior Sexo, mentiras e videotape), Soderbergh “havia causado muito impacto, pelas premiações”, como relembra o crítico que atenta para “qualidades esquecidas” de Kafka. Da mesma fonte literária, sai outro capítulo dedicado aos elementos kafkianos: O castelo, ponto vigoroso ainda no texto de Daniel Feix.

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Fogo destrói teatro Villa-Lobos, um dos principais do Rio

Incêndio começou no final da noite de anteontem; prédio pode ter de ser demolido Fonte: FSP 08/09

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O teatro Villa-Lobos, um dos mais importantes do Rio, foi totalmente destruído por um incêndio que começou no final da noite de anteontem.

Não houve feridos, já que o teatro, situado em Copacabana (zona sul), estava fechado para reforma e nenhuma equipe trabalhava no local.

O fogo só foi controlado no início da manhã de ontem, já que, por causa da reforma, havia bastante material inflamável no teatro. Participaram do combate às chamas 38 bombeiros de cinco quartéis.

Segundo o Corpo de Bombeiros, as estruturas do prédio, de quatro andares, foram abaladas, e a edificação pode ter que ser demolida.

Não foi descoberto o que causou o fogo. Mas a suspeita é que tenha sido causado por explosões na caixa de transformadores que fica no terceiro andar. Um vigilante relatou ter ouvido três estouros por volta das 23h, antes do início do incêndio.

Em abril, o teatro já tinha sofrido um princípio de incêndio, originado na sala de máquinas.

O Villa-Lobos, pertencente à rede estadual, estava em reforma desde dezembro, e o governo do Estado já havia investido R$ 1,58 milhão na obra. A reinauguração estava prevista para março de 2012.

Além do próprio teatro, com capacidade para 463 lugares, o prédio abrigava as salas Monteiro Lobato e Arnaldo Niskier. Era definido pela Secretaria de Cultura como "um dos mais modernos e confortáveis teatros do Rio".

Inaugurado em março de 1979, o Villa-Lobos teve na estreia a peça "Pato com Laranja", protagonizada por Marília Pêra e Paulo Autran (1922-2007). Recebeu ainda clássicos como "Ligações Perigosas", "Ópera do Malandro", "Mary Stuart" e "Macbeth".

O prédio passará agora por avaliações de engenharia para que seu destino seja definido.

"Ainda é cedo para fazermos uma avaliação. O palco já estava reformado, mas a parte onde fica a plateia estava sem revestimento e sem as poltronas", afirmou a secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes.

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Coleção Folha traz grandes nomes da arquitetura

Frank Lloyd Wright e Renzo Piano estão nos dois primeiros volumes

No domingo, os dois livros de estreia saem pelo preço de um; na próxima semana, série traz Oscar Niemeyer www.folha.com/arquitetos Fonte: FSP 08/09

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A Coleção Folha Grandes Arquitetos, dedicada a apresentar a obra dos principais nomes da área desde o século 19 até hoje, chega às bancas neste domingo, dia 11.

Na estreia, o leitor leva os volumes um e dois -sobre o americano Frank Lloyd Wright (1867-1959) e o italiano Renzo Piano, respectivamente- pelo preço de um livro, R$ 16,90.

Considerado um dos arquitetos mais influentes do século 20, Wright é autor dos célebres projetos do museu Guggenheim, em Nova York, e da Fallingwater (Casa da Cascata), na Pensilvânia.

Nesse segundo projeto, o autor coloca em prática os princípios da arquitetura orgânica -da qual é o maior representante-, integrando a obra à natureza que está em seu entorno. Há, por exemplo, uma cachoeira que passa por baixo da casa.

Nascido em outra geração, e ainda atuante, Renzo Piano é o autor do famoso Centro Georges Pompidou, em Paris, e do aeroporto internacional de Kansai, em Osaka.

Seus projetos são marcados pelo uso de tecnologia avançada e materiais sofisticados, o que o faz ser considerado um dos maiores representantes da chamada arquitetura high-tech.

Cada um dos 18 volumes da coleção trará obras selecionadas de um grande arquiteto, com infográficos, fotos, desenhos e textos. Toda semana um novo título chegará às bancas de todo o país, até o dia 1º de janeiro de 2012.

O terceiro volume, no dia 18, é dedicado à obra de Oscar Niemeyer, mais influente arquiteto brasileiro.

Cada livro avulso, com 80 páginas, custará R$ 16,90; a coleção completa, R$ 287,30. Assinantes Folha, Edição Digital e UOL têm descontos nos lotes.

NESTE DOMINGO

Chegam às bancas os volumes um e dois, sobre as obras do americano Frank Lloyd Wright (1867-1959), um dos mais influentes arquitetos do século 20, e do italiano Renzo Piano, representante da arquitetura high-tech. Na estreia, os dois livros serão vendidos pelo preço de um.

Pela internet www.folha.com/arquitetos

ATENDIMENTO

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PASQUALE CIPRO NETO '...preferem português à matemática'

Diversos meios de comunicação mostraram que também tropeçam no trato com a língua Fonte: FSP 08/09

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HÁ DUAS SEMANAS, foram divulgados novos dados sobre o desempenho dos nossos estudantes. Os resultados foram comentados à exaustão nos jornais, sites etc. Solidários, diversos meios de comunicação se aliaram aos alunos, ou seja, demonstraram que também tropeçam no trato com a língua.

Comecemos por um título (de um site), que terminava assim: "...preferem português à matemática".

O problema não está no verbo "preferir", que no registro culto é usado com a preposição "a" ("Prefiro um asno que me carregue a um cavalo que me derrube"). No título, usou-se a construção formal, mas...

Mas o velho hábito de eliminar dos títulos os artigos definidos talvez tenha feito o redator se perder. Explico: para manter a simetria, quem escreve "preferem português" deve terminar a construção com "a matemática" ("...preferem português a matemática"). Por quê? Porque "à" resulta de "a" + "a", em que o segundo "a" (nesse caso) é artigo. Ora, se não se usou artigo antes de "português", ou seja, se não se escreveu "preferem o português", por que é que se vai empregar artigo antes de "matemática"?

Conclusão: ou se escreve "...preferem português a matemática" ou se escreve "...preferem o português à matemática". Não custa lembrar que costumamos usar essas disciplinas sem artigo. Dizemos que alguém gosta de português ou de matemática (em vez de "do português"/"da matemática") ou que alguém vai bem em português ou em matemática (em vez de "no português"/"na matemática").

Em outras palavras, a construção que vai ao encontro do que é mais usual (quanto ao artigo) é "...preferem português a matemática", o que não significa que a outra é inviável.

Sei muito bem que o inocente emprego do indevido acento indicador de crase no título citado não altera o preço do feijão, mas a noção de paralelismo ou simetria pode ser importante para a construção de frases bem acabadas, claras e, sobretudo, estilisticamente aceitáveis.

Assim, quem escreve "Funcionários cogitam nova greve e isolamento do governador" se sai melhor do que quem opta por "Funcionários cogitam nova greve e isolar o governador" (a segunda frase é da Fuvest; pedia-se ao candidato que a reescrevesse, "fazendo apenas as adaptações necessárias para que se estabeleça o paralelismo").

Além da construção que aparece no início do parágrafo anterior, seria possível esta: "Funcionários cogitam fazer nova greve e isolar o governador". Como se vê, ou se opta por dois verbos ("fazer" e "isolar") ou se opta por dois substantivos ("greve" e "isolamento").

Bem, por falar em "preferir", veja só este outro título, também publicado num site e também relativo ao desempenho dos nossos alunos: "Escolas privilegiam alfabetização do que o ensino da matemática". Agora o bicho pegou de vez! Por acaso alguém privilegia uma coisa do que outra? Parece que não.

O que temos aí é um fenômeno muito comum na língua: o emprego de um verbo com a regência de outro (do mesmo campo semântico). O redator empregou o verbo "privilegiar" com o sentido e a regência (informal) de "preferir" ("preferir uma coisa do que outra").

No padrão culto (e também no informal), não há registro de "privilegiar uma coisa do que outra", muito menos de "privilegiar uma coisa a outra". Parece que o que se queria dizer era algo como "Escolas privilegiam alfabetização em detrimento do ensino da matemática" ou "Escolas privilegiam alfabetização e deixam em segundo plano o ensino da matemática". É isso.

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Turista enfrenta 'via-crúcis' e o abandono na capital maranhense..Centro de São Luís tem casarios do século 19 em ruínas e ruas esburacadas e mal iluminadas

Cidade, que completa 399 anos hoje, recebe 2 milhões de visitantes/ano, mas não conservou o seu centro histórico Fonte: FSP 08/09

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Viajar para a cidade de São Luís é exercício de devoção. A capital do Maranhão, que recebe cerca de 2 milhões de turistas anualmente, maltrata aquele que se aventura por suas calçadas históricas.

De casarios quase ruindo a ruas esburacadas e inseguras, o descaso se torna mais impressionante se lembrarmos que a cidade completa 400 anos daqui a 12 meses, em 8 de setembro de 2012.

A via-crúcis começa no embarque: preparado para longas horas de voo, não raro com escalas, o turista chega à capital maranhense num aeroporto com instalações improvisadas, consequência de uma obra que começou em março deste ano e não dá sinais de que vá acabar logo.

Biombos fazem as vezes das paredes e um toldo plástico cobre a sala de embarque, onde as pessoas se apinham sob um calor que facilmente ultrapassa os 30°C nessa época do ano.

O "devoto" que se arriscar a conhecer o centro histórico verá cenas de ainda maior provação. Boa parte dos casarios dos séculos 18 e 19 está caindo aos pedaços.

Sem segurança, mal iluminadas e cheias de buracos, as ruas ficaram perigosas. Azulejos franceses e portugueses praticamente só são vistos em suvenir -isso se o turista encontrar uma loja aberta no centro, uma vez que o comércio segue o suplício.

'QUE CAIA DE PODRE'

"Isso aqui está numa desolação de dar pena", comenta Antonio França, pescador e morador da cidade. Segundo ele, muitos casarões são particulares, e os donos não fazem questão de arrumá-los.

"Fecham portas e janelas e querem que o negócio caia de podre", conta ele.

A observação não passa despercebida dos turistas. Em viagem com a mulher e o filho, o brasiliense Erasmo Rodrigues Fernandes comenta: "É lamentável que um homem culto e inteligente, nascido aqui, que foi presidente da República. governador e que é presidente do Senado, deixe sua terra natal nessa degradação".

Dinheiro não falta: o Maranhão lidera a lista de Estados destinados a receber recursos do Ministério do Turismo, pasta nas mãos do maranhense Pedro Novais (PMDB).

Só de convênios já assinados neste ano, o Estado já foi beneficiado com R$ 22,8 milhões, segundo informa a assessoria de imprensa do Ministério do Turismo.

Para efeito de comparação, o Rio de Janeiro, sede da Copa do Mundo de 2014, tem R$ 4,3 milhões de recursos em convênios aprovados.

Com a capital do Estado vivendo um martírio, haja fé para crer que esse dinheiro se converterá em uma cidade mais piedosa com seus moradores e que não mais excomungue seus turistas.

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Comissão da Verdade será votada após aval de militares. Governo quer aprovar projeto na Câmara dos Deputados na próxima semana

Forças Armadas pediam garantias de que Celso Amorim não mudaria acordos feitos pelo ex-ministro Nelson Jobim Fonte: FSP 08/09

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O governo quer votar na Câmara na próxima semana o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade, grupo governamental que fará a narrativa oficial das violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.

Uma necessidade de novo aval ao texto pelos chefes militares havia surgido com a chegada de Celso Amorim ao Ministério da Defesa, no início do mês passado, mas o governo superou o obstáculo.

As Forças Armadas e os partidos da oposição queriam ter certeza de que o atual texto, com o qual já haviam concordado ainda na gestão de Nelson Jobim, não sofreria modificações.

Chegou-se a dizer que as negociações voltariam à "estaca zero" com Amorim.

O maior temor dos militares é que a comissão leve a condenações de agentes estatais envolvidos com as mortes e torturas cometidas durante a ditadura militar. O governo, porém, garantiu que isso não acontecerá.

Com isso, os militares deram o aval para que o texto siga para votação na Câmara.

Mas o governo ainda precisa resolver mais uma dificuldade. Partidos de oposição queriam que o Congresso Nacional indicasse outros dois membros da comissão, além dos atuais sete previstos que serão nomeados pela presidente Dilma Rousseff.

Uma última reunião com líderes do DEM e do PSDB deve ocorrer na terça ou na quarta-feira que vem.

O governo tenta convencê-los de que as indicações abrem brecha para contestações judiciais: sendo do Executivo, a comissão não pode ter membros de outro Poder.

Se após essa última reunião não houver novas discordâncias, a matéria poderá ser votada na Câmara imediatamente depois.

URGÊNCIA

Com as promessas e garantias dadas, o ex-deputado e atual assessor da Defesa José Genoino afirmou que os militares referendaram com Amorim a aprovação do texto para que vá logo à votação.

O plano é aprovar o regime de urgência urgentíssima para o projeto, impedindo discussões em comissões parlamentares. A combinação é feita simultaneamente com deputados e senadores.

A aprovação sem debates incomoda pessoas ligadas ao combate à ditadura.

Em defesa da tática, o governo argumenta que, se o projeto começar a ser discutido em profundidade no Congresso, as opiniões poderiam se radicalizar, colocando em risco sua aprovação.

Segundo Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Câmara, se a pauta da Casa impedir a votação na próxima semana, ela ocorrerá na semana seguinte.

Enquanto a comissão não é instalada, organizações da sociedade civil criaram mais de 20 "comitês da verdade" pelo país para discutir o tema, pressionar o Congresso e levantar informações que possam subsidiar o futuro grupo governamental.

Em julho, o Ministério da Justiça deu a um grupo de 12 familiares de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar (1964-1985) acesso irrestrito a todos os documentos do Arquivo Nacional. O trabalho deles também deve ajudar a comissão.

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MINHA HISTÓRIA MAHER ARAR, 40. TORTURA É PARA SEMPRE

Vítima da Guerra ao Terror, canadense passou 12 meses preso na Síria após ser entregue por autoridades americanas, sob a acusação de terrorismo; inocentado, relembra seu "pesadelo" Fonte: FSP 08/09

RESUMO Maher Arar foi preso em 2002 no aeroporto JFK, em Nova York, ao fazer escala na volta das férias. Casado, com dois filhos, o engenheiro canadense nascido na Síria seria interrogado por suposto laço com a rede terrorista Al Qaeda. Acorrentado, posto em um avião e levado à Síria, sua rotina alternaria solitária e tortura. Nunca houve acusação formal. Solto após o Canadá intervir, provou-se inocente.

(...) Depoimento a

A maior parte dos flashbacks que eu tenho é com o som das mulheres na cela ao lado e com o choro do bebê que estava lá com a mãe. Toda a vez que ouço um bebê chorar, ainda hoje, me lembro disso.

O resto é com a reação das pessoas enquanto eram torturadas. Mesmo no porão, quando a tortura era intensa, dava para ouvir. Algumas vezes nos levavam para o interrogatório e, enquanto você esperava sua vez, ouvia os outros sendo torturados.

Eu me lembro da tortura alheia, e é assim com muita gente nessa situação.

Minha única lembrança da minha é o começo: o interrogador entrava, mudo. Fazia um sinal para eu abrir a palma da mão, batia com um cabo, repetia com a outra.

Mas quando você está sozinho na cela, você tem todo o tempo do mundo para prestar atenção no que está acontecendo ao lado.

Por anos, minha mulher e eu tentamos evitar esse assunto com as crianças. Agora, porém, meus dois filhos já têm idade para perguntar.

Meu filho, hoje com 9 anos, tem muito medo quando eu saio de casa. Se saio à noite, quer saber aonde eu vou. Tem medo que eu não volte.

Minha filha lida melhor, talvez porque tivesse seis anos quando isso aconteceu -meu filho tinha meses. Ele ainda me pergunta como era a prisão, o que acontecia lá.

Esse é o tipo da coisa que as pessoas não entendem.

Vejo comentários sobre a minha história na internet, gente que diz "queria eu ter sido enviado para a Síria por um ano, para poder receber milhões em indenização".

Ou "foi só um ano". As pessoas não percebem que dura sua vida toda.

Quando voltei ao Canadá [em 2003], enfrentar o inquérito, fazer campanha [para levar o assunto a debate] foi, muitas vezes, tortura maior do que o que passei na Síria.

Um ano, ok, termina. O resto continua. Os primeiros cinco anos foram um pesadelo, um pesadelo. A melhor forma de descrever é "inferno".

Não sei quando vai passar.

E o estrago que isso faz na sua reputação, você convive com ele todos os dias. Mesmo quando as coisas não têm base em fatos, psicologicamente, você está destruído, sempre vai ver o mundo dessa prisão que é ter sido acusado de terrorismo.

PRECONCEITO

As pessoas às vezes acham que, porque o inquérito provou que eu era inocente, posso apertar um botão e mudar de fase. Na real, eu também acreditava nisso, ingenuamente. Não é assim.

Vou ser honesto: a minha relação com as pessoas hoje é de amor e ódio.

Recebo apoio, mas são só palavras. Pensam duas vezes antes de me contratar. Dói. Sempre me identifiquei pelo meu trabalho, minha carreira era meio mundo para mim.

No começo, vivemos de assistência social -algo humilhante para um casal que estudou. Depois, minha mulher arrumou um emprego.

Já eu perdi a esperança, apesar de ter qualificações, apesar de minha área [engenharia de comunicação] estar em expansão. Decidi voltar a estudar. Acabei o doutorado há um ano e meio.

Mas não quero mergulhar na depressão de procurar emprego de novo. Por ora, com a indenização, a gente se vira. Toda vez que eu era rejeitado, ficava mal, sem comer, sem dormir, sem falar. Não gosto nem de lembrar.

É isso que a minha vida virou. A minha, da minha mulher, dos meus filhos.

Recebi um pedido de desculpas do governo canadense, mas nunca do americano. E nunca houve uma acusação formal contra mim.

No ano passado, comecei uma revista [sobre segurança e direitos civis], a "Prism".

Não culpo os ativistas por estarem descrentes. O trabalho deles na última década foi enorme, e as mudanças parecem tão pequenas, mesmo sob [Barack] Obama.

Mas eu acredito em pessoas, não em governos. Quem diria, um ano atrás, que a população no Oriente Médio ia se levantar?

Esquecem que ditaduras não nascem da noite para o dia. Somos nós que temos de fazer valer nossos direitos.

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CONTARDO CALLIGARIS. Grandeza das "futilidades"

Numa sociedade livre, as "futilidades" são gênero de primeira necessidade, parte da cesta básica Fonte: FSP 08/09

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NO COMEÇO de agosto, jovens londrinos foram às ruas (e aos saques) apoderando-se de bugiganga eletrônica e roupa de marca; mencionei esse fato na coluna da semana passada.

Alguns leitores entenderam que eu desaprovava a revolta pela futilidade de seus motivos, um pouco como Luiz Felipe Pondé ao apresentar a turba como um recém-nascido MSI, Movimento dos sem iPad (na Folha de 22 de agosto).

Os mesmos leitores atribuíram aos manifestantes uma motivação "mais nobre". Por exemplo, @blogsessao, no Twitter, afirmou que os jovens não arriscariam suas vidas por bugiganga: eles deviam estar protestando contra desemprego, violência policial etc. -coisas mais sérias.

Pois bem, contrariamente a @blogsessao, acho que os jovens queriam mesmo os objetos que roubaram. E, contrariamente a Pondé (e também a @blogsessao), acho que os objetos que eles roubaram não têm nada de fútil: na modernidade, as aparências e os objetos de consumo são atributos constitutivos da subjetividade e da liberdade. Explico.

Até o século 18, um nobre poderia chegar a uma festa a pé e, mesmo assim, ele seria recebido com a honra devida à sua condição. Seus eventuais apetrechos (roupa, aparato) eram seu direito exclusivo (alguém que não fosse nobre não poderia usar os mesmos), mas a honra era devida ao seu berço, não ao seu aparato.

Hoje, chegando a uma boate, seu carro, seu estilo ou sua roupa podem fazer que você seja admitido ou barrado. Será que nos tornamos escravos dos objetos e do aparato?

Ao contrário, os objetos e o aparato são a condição de uma liberdade inédita, porque, hoje, ninguém será barrado na festa porque nasceu num berço humilde -só se ele tiver escolhido o aparato errado.

Alguém dirá que o aparato custa dinheiro: os direitos conferidos pela riqueza teriam substituído os conferidos por nascença. É possível, mas, em tese, todos podem enriquecer e, hoje, o estilo vale tanto quanto a riqueza (há festas nas quais só se entra de meia furada e calçado ortopédico velho).

Mas voltemos a algo que talvez não tenha ficado claro quando falei do aparato que era direito exclusivo do nobre. Com a modernidade, acabaram as leis suntuárias, que serviam para colocar ordem nos costumes e na sociedade. Por exemplo, as prostitutas deviam se vestir de um certo jeito -sempre, não só no exercício da profissão. E os artesãos e comerciantes não podiam imitar as vestimentas e os aparatos dos nobres. Desde a Idade Média, essas leis eram uma tentativa de a nobreza frear o consumo e o prestígio dos burgueses, que estavam ficando cada vez mais influentes. Ou seja, eram maneiras de resistir a um mundo em que o acesso ao poder não dependeria mais da nascença.

Em suma, objetos, aparato e aparências, em sua suposta futilidade, são a chave de nossa liberdade para circular na hierarquia social, entrar em grupos diferentes do grupo no qual nascemos.

Alguém dirá: tudo isso é muito bom, mas será que a necessidade não deveria ser mais importante do que as futilidades de aparato e aparência, por mais que elas nos prometam liberdade?

Nos anos 70, na Índia, numa campanha de controle da natalidade, os indigentes podiam escolher: em troca de sua esterilização, receberiam um saco de arroz ou um rádio de pilha. Muitos escolhiam o rádio (embora não tivessem chance alguma de, um dia, comprar pilhas novas).

Hoje, no Rajastão, entre os que aceitam a esterilização, são sorteados televisores, liquidificadores, motocicletas, e um Tata Nano, o carro mais barato do mundo ("BBC Mobile", 1/07/11).

Tenho carinho pelos indigentes que preferiam o rádio e hoje sonham com o carro: a cultura à qual pertenço começa quando ter desejos e ser reconhecido pelos outros se torna tão importante quanto silenciar o ronco da fome.

Conclusão: lugar de saqueador é na delegacia. Agora, quem rouba iPads não é mais culpado do que aquele que rouba pão, porque, numa sociedade livre, em que a vida depende tanto do olhar dos outros quanto de mil calorias diárias, as pretensas "futilidades" (objetos de consumo e de aparato) são gênero de primeira necessidade, parte da cesta básica.

Para ler mais: o clássico "The Social Life of Things", de A. Appadurai (Cambridge University Press). Acaba de sair o ótimo "Sumptuary Law in Italy 1200-1500", de C. Kovesi Killerby (Oxford).

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