segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

STF debate regra de eleição em tribunais

Fonte: folha.uol.com.br 28/02



Critério de antiguidade na escolha de presidentes é questionado; Judiciário teme disputas e politização interna

Regra da aposentadoria compulsória aos 70 anos tem levado cortes a eleições extraordinárias e mandatos-tampão

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) vão discutir as regras que determinam a ocupação da presidência dos tribunais do país pelos desembargadores mais antigos das cortes.
O tema é um dos pontos do projeto de lei do novo Estatuto da Magistratura, que após ser debatido no STF será encaminhado ao Congresso.
O relator do projeto no STF é o ministro Ricardo Lewandowski. Ele afirma que o texto está em fase final de elaboração, mas ainda não pode ser divulgado.
Um esboço do projeto já foi entregue ao presidente do STF, ministro Cezar Peluso, segundo Lewandowski.
Grande parte da magistratura defende que o critério da antiguidade seja extinto ou no mínimo atenuado, para que as eleições nos tribunais sejam mais democráticas.
Porém, muitos juízes são favoráveis à restrição do universo de elegíveis em benefício dos mais antigos, sob o argumento de que isso evita uma politização interna que pode ser danosa ao funcionamento do Judiciário.
Um dos problemas do critério da antiguidade é que muitas vezes os eleitos para os cargos completam o período para a aposentadoria compulsória, aos 70 anos, durante os mandatos.
Isso pode levar à necessidade de pleitos extraordinários e mandatos-tampão.
Foi o que ocorreu no TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo. O presidente eleito para o biênio 2010/2011, Antonio Carlos Viana Santos, morreu em janeiro, e os dois desembargadores na linha sucessória dele se aposentaram nas últimas semanas.
A nova eleição para a presidência do TJ-SP ocorre no dia 3.
O tribunal paulista já tentou em 2007, realizar uma eleição com uma lista de candidatos mais ampla.
Uma resolução da corte permitiu que integrantes do Órgão Especial do TJ pudessem ser escolhidos para os cargos máximos do tribunal.
Dos 25 componentes do Órgão Especial, 12 são escolhidos por um colégio eleitoral que reúne todos os desembargadores do TJ (355), e 13 passam a integrá-lo pelo critério da antiguidade.
Porém, o STF barrou a medida, sob o argumento de que ela violou a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), de 1979, que fixa as regras favoráveis aos mais antigos nas eleições.
Nesse julgamento Lewandowski foi voto vencido. Para ele, pelo menos os membros dos Órgãos Especiais deveriam ser elegíveis para os altos cargos das cortes.
"Em um TJ como o de São Paulo, com mais de 350 desembargadores, pessoas com grande experiência profissional e vivência na magistratura têm obstado o direito fundamental de se candidatar e ser presidente, vice e corregedor da própria instituição", afirma o ministro.

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CARLOS HEITOR CONY


Fonte: folha.uol.com.br 27/02


Biografia do leão

RIO DE JANEIRO - Muito antes de De Gaulle, eu já suspeitava de que o Brasil não era um país sério. Tinha motivos genéricos e pessoais para isso. No genérico, a certeza de que tudo é possível (ou impossível), dependendo do jeito e da hora do problema. No pessoal, as inúmeras vezes em que mudaram as leis, regulamentos e as posturas para o meu lado.
Já fui jornalista, repórter, redator e editor sem deixar de exercer a função tradicional a que me habituei e à qual estou ligado há 64 anos.
Há tempos, numa repartição, indagaram minha profissão e eu respondi: jornalista. O camarada levou um susto, pensando que ouvira "jornaleiro". Repeti que era jornalista, que escrevia em jornal, que era sindicalizado. O camarada foi consultar um chefe, o qual consultou outro chefe, ambos consultaram um diretor, abriram um livrinho de códigos e determinaram que eu era "comunicador social".
Outro exemplo: o imposto de renda. Nos países sérios, o cidadão leva hora e meia para ficar em paz com o fisco. Basta o cidadão ser honesto e o governo também.
No Brasil, todos os anos mudam os formulários -aliás, neste ano só vale declaração via internet-, as deduções, as alíquotas, o diabo.
Agora, o impasse: para aprovação do novo salário mínimo, o governo ofereceu uma correção de 4,5% na tabela do IR pelos próximos quatro anos.
A mecânica do fisco, nos países sérios, é a mesma e é simples: o cidadão ganha tanto, gasta tanto e deverá pagar tanto. Se fraudar, pode ser preso. No Brasil, tudo se complica e todos se estrumbicam.
Não adianta o cidadão tentar ser honesto: os cálculos são tão confusos e há tanta bi e tritributação que o cidadão fatalmente cometerá enganos ou contra si ou contra o erário. Não adianta ser sério: o país não é.

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FERREIRA GULLAR

O povo desorganizado Fonte: folha.uol.com.br 27/02

A fagulha que incendiou a nação egípcia foi o suicídio de um jovem, em resposta à repressão policial



O FIM da ditadura de Hosni Mubarak, no Egito, pode suscitar indagações acerca das consequências que podem advir dela, mas num ponto todas as opiniões parecem coincidir: foi o povo desorganizado que pôs abaixo o regime autoritário que durara 30 anos.
No Egito havia -e ainda há- numerosos partidos e organizações sociais que, de uma maneira ou de outra, vinham atuando na vida do país. Mas não partiu de nenhuma delas a mobilização popular que, concentrada na praça Tahrir, durante 18 dias, obrigou o ditador, obsessivamente apegado ao poder, a abrir mão dele. A fagulha que incendiou a nação egípcia foi o suicídio de um jovem, em resposta ao abuso da repressão policial.
Esse gesto desesperado despertou a revolta inicialmente de algumas dezenas de jovens, depois de centenas, de milhares e finalmente de milhões de cidadãos. Ignorando o poder repressivo do regime, foram para a rua, ocuparam a praça e receberam o apoio do povo egípcio. O povo desorganizado se mobilizou e através da internet passou a coordenar suas ações e seus objetivos. Parece um milagre? Pode parecer, mas não é. A razão disso é que o povo é, de fato, o detentor do poder, esteja ele organizado ou não.
Essa rebelião popular espontânea leva-me a refletir sobre o que chamo de "povo desorganizado". O que é, então, o povo organizado? Certamente aquelas parcelas da população que atuariam nos sindicatos e em outras entidades profissionais, estudantis e culturais. O objetivo de tais organizações, ao serem criadas, é defender os interesses das categorias e classes sociais que representam. A verdade, porém, é que isso nem sempre acontece e pode até mesmo ocorrer que tais organizações passem a se valer de sua suposta representatividade para atuar contra os interesses que deveriam defender.
Isso pode acontecer de várias maneiras, especialmente nos regimes autoritários. Por exemplo, no Brasil, quando os militares tomaram o poder, prenderam as lideranças sindicais e as substituíram por agentes do regime. A partir de então, essas entidades, que deveriam representar o povo organizado, agiam em sentido oposto, isto é, impedindo toda e qualquer manifestação contrária ao governo. Por isso que a primeira grande manifestação popular contrária à ditadura -a passeata dos Cem Mil- nasceu da mobilização espontânea de intelectuais e artistas que, em face da repressão policial, se concentraram num teatro e dali apelaram para a solidariedade da população, que aderiu a eles.
Mas essa noção da potencialidade política do povo desorganizado deveria ser acionada também no estado democrático, quando as entidades, que deveriam lutar pelos direitos da população, são cooptadas pelos que exercem o poder.
No Brasil, temos um péssimo exemplo: o de Getúlio Vargas, que, ao criar o imposto sindical, anulou a combatividade dos sindicatos de trabalhadores. Foi uma medida maquiavélica. Enquanto em outros países os sindicatos nascem da conscientização dos trabalhadores, que neles se organizam e os mantêm com sua contribuição mensal, os nossos, sustentados pelo imposto que é cobrado de todos os assalariados e controlado pelo governo, dispensam a participação efetiva dos assalariados.
Noutras palavras, são entidades-fantasmas, que não nasceram da necessidade dos empregados de se organizarem em entidades que defendam seus direitos. Por isso mesmo, poucos são os trabalhadores que delas participam, enquanto os oportunistas, com o apoio de minorais organizadas, passam a dirigi-las, impondo-se como lideranças fajutas.
Através delas, vinculam-se a partidos políticos, elegem-se deputados, tornam-se ministros e passam a atuar na vida política. Como a maioria dos trabalhadores ignora tudo ou quase tudo do que estou dizendo aqui, esses impostores passam por ser líderes de verdade e servem de "pelegos" para manter os trabalhadores submissos aos jogos de interesses.
Agora, mesmo esses falsos líderes apresentaram-se como defensores de um aumento do salário mínimo maior que o oferecido pelo governo, num jogo de cartas marcadas, demagógico, cujo resultado estava previsto.
E assim as coisas irão até que, um dia, o povo desorganizado perca a paciência e acabe com essas lideranças de araque e esses sindicatos de mentira.

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