quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Especialistas dizem que só lei pode fixar valor

Fonte: folha.uol.com.br 24/02


A regra que prevê o aumento real do salário mínimo por decreto presidencial é inconstitucional, dizem especialistas ouvidos pela Folha.


De acordo com eles, a Constituição é clara ao estabelecer, no artigo 7º, que o salário mínimo será fixado por lei, e não por outro ato normativo, como o decreto.
"O valor do salário mínimo depende de lei e é competência do Congresso, não do Executivo. Não há outra interpretação possível do texto constitucional", afirma André Ramos Tavares, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais.
O projeto de lei que fixa o salário mínimo em R$ 545 foi aprovado na Câmara na semana passada e foi votado ontem no Senado.
O ponto polêmico é a previsão de que o governo fixe o valor do mínimo por meio de decreto até 2015, e não por lei aprovada no Congresso. Pelo mecanismo, o aumento obedeceria a uma regra: reposição da inflação mais o índice de crescimento da economia de dois anos antes.
A oposição promete entrar com uma ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) contra essa parte do projeto.
O deputado Roberto Freire (SP), presidente do PPS, pediu à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) uma análise da constitucionalidade do mecanismo. A entidade pode entrar com uma ação no STF.
"A medida deve ser declarada inconstitucional, porque há aumento real, e não simples reposição", diz o constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins.
Marcus Orione, professor de direito previdenciário da USP, concorda: "Não existe autorização constitucional para fazer essa delegação de poder. A competência é exclusiva do Legislativo".
Para o governo, porém, o mecanismo seria defensável por prever uma regra clara, que não dá ao Executivo margem para arbitrar o valor. O constitucionalista Octávio Luiz Motta Ferraz concorda com o argumento: "Isso enfraquece a tese da inconstitucionalidade".
Para ele, a leitura da Constituição não deve ser tão "formalista". Além disso, o Planalto ensaia uma analogia com mecanismo semelhante do projeto de lei prevendo aumento do salário dos ministros do STF, para R$ 30.675,48.
O ministro Marco Aurélio Mello diz, porém, que são situações diferentes. "No caso do STF, trata-se de reajuste para recuperação do valor de compra. O que não pode haver é aumento real."

Ajuste indefinido

Fonte: folha.uol.com.br 24/02 (editorial)



Cortes do Orçamento não foram, até agora, detalhados pelo governo, que parece não ter um plano coerente para ajustar as finanças públicas

Já se passaram 15 dias desde que o governo federal anunciou um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento de 2011 -mas até aqui muito pouco se sabe sobre como esse bloqueio de despesas será realizado. A decisão de tornar público o tamanho do ajuste, no dia 9 passado, foi precipitada pelos sinais de que a inflação começara o ano em forte tendência de alta.
Com o intuito de esfriar as expectativas e indicar que a nova gestão iria conter a escalada de gastos verificada nos últimos anos do governo Lula, a equipe econômica anunciou a contenção sem ter concluído os estudos sobre os setores que seriam atingidos.
Saltou aos olhos, além disso, que algumas medidas em pauta precisariam ser revistas, pois iam no sentido contrário de um programa de redução do deficit público. Se a ideia era segurar gastos e ampliar a poupança, seria incongruente acenar, ao mesmo tempo, com reduções de tributos sobre a folha de pagamentos -por mais que fossem bem-vindas, dado o já excessivo peso dos impostos.
Outras decisões, como uma nova injeção de recursos no BNDES, também ajudaram a difundir a impressão de que o governo não tinha e, ao que se vê, ainda não tem um projeto suficientemente amplo e detalhado para implementar o ajuste e tornar menos acentuado o aumento da taxa de juros para controlar a inflação.
O próprio ministro da Fazenda contribuiu para alimentar incertezas. No anúncio, preferiu o eufemismo "consolidação fiscal". E, num malabarismo conceitual, tentou dissociar os cortes da intenção de reduzir o crescimento neste ano -quando se esperava a constatação inequívoca de que seria preciso, sim, desaquecer a economia para enfrentar as pressões inflacionárias.
Previsto para a semana passada, o decreto que indicaria as áreas afetadas foi adiado. O governo ainda parece buscar uma fórmula para fazer seu omelete sem quebrar os ovos. Quer poupar do ajuste -ou pelo menos dar a impressão de que irá fazê-lo- compromissos assumidos nos últimos anos, como obras do PAC e programas sociais.
Como era de esperar, a proposta de contenção repercutiu de forma negativa em setores do PT que associam responsabilidade fiscal a "neoliberalismo", agora com o objetivo de desgastar a crescente influência de Antonio Palocci Filho, chefe da Casa Civil.
De concreto até aqui, apenas algumas pastas, como Defesa e Ciência e Tecnologia, indicaram oficialmente os cortes.
Em meio a essas hesitações e ambiguidades, fica a sensação de que o governo começa com boas intenções, mas ainda sem a necessária coordenação e firmeza para definir um plano de reformulação das despesas públicas -que não pode mais ser adiado.

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