domingo, 20 de fevereiro de 2011

Por memória de livreiro, filha quer recriar sebo de 62 anos

Fonte: folha.uol.com.br 20/02



No auge, foram mais de 300 mil. Em 2007, quando deu cabo ao negócio, todos os 15 mil entraram em liquidação. Restaram a Luiz de Oliveira Dias, que um dia foi dono de todos esses livros, cerca de 1.800, alguns que não conseguiu vender, outros que escolheu guardar.
Agora, seu acervo está com a filha, a psicóloga Elsa Oliveira Dias. Luiz, um português que teve por 62 anos uma livraria no centro de São Paulo, morreu no mês passado, aos 92, deixando à família não só uma biblioteca com raridades, como também a paixão pelos livros.
Para preservar a memória do pai, Elsa pensa agora em recriar a Ornabi, o sebo de Luiz que existiu até 2007 na rua Benjamim Constant.
Fundadora do Centro Winnicott de SP ao lado do marido croata, o filósofo e professor aposentado Zeljko Loparic, ela planeja abrir uma editora para publicar teses.
Antes da iniciativa, a filha e os três netos vão repartir entre si as obras que consideram mais importantes ou que possuem valor afetivo. Elsa, que vive num apartamento com as paredes forradas por livros, calcula que 20% do acervo do pai tem "peso".
Há pequenos catecismos com capas de marfim, de 1877, as obras completas de Voltaire, em coleção de 1836, e a primeira edição de "Fazendeiro do Ar e Poesia Até Agora" (1955), de Carlos Drummond.
Um dos favoritos da neta Sandra, designer, é uma obra francesa de 1949 que, apesar da idade, ainda tem as gravuras em cores fortes, algumas eróticas. O livro foi achado na seção religiosa do sebo.
O maior orgulho de Luiz era ter em seu alfarrábio, como gostava de chamar a Ornabi, o que o freguês há muito procurava. Caso vingue a ideia da filha, os clientes poderão garimpar novamente seu acervo. Se acharem livros faltando páginas, não haverá problema. "Melhor, lê-se mais depressa", ele diria.

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Filme iraniano confirma favoritismo em Berlim

Fonte: folha.uol.com.br 20/02



Júri marca posição política ao premiar longa mais comentado do festival

"Nader e Simin, uma Separação", de Ashgar Farhadi, leva o Urso de Ouro ao retratar crise de casal de classe média

As apostas estavam todas certas. A cerimônia de encerramento do Festival de Berlim, ontem à noite, consagrou o filme mais comentado e aplaudido da competição nesta 61ª edição: "Nader e Simin, uma Separação", do iraniano Ashgar Farhadi.
Ao dar ao título o Urso de Ouro e dois Ursos de Prata, prêmios coletivos aos elencos feminino e masculino, o júri presidido pela atriz italiana Isabella Rosselini premiou a excelência cinematográfica e, de quebra, posicionou-se politicamente.
O Irã, em razão da prisão do cineasta Jafar Panahi, condenado por "fazer propaganda" contra o governo, foi colocado no centro da Berlinale desde sua abertura.
Ontem, uma cadeira vazia, com o nome de Panahi, simbolizava sua ausência do júri para o qual havia sido convidado antes da condenação.
O próprio Farhadi dissera que havia telefonado para o colega e que havia ficado emocionado por saber que estava vindo, com seu filme, para um lugar onde Panahi também gostaria de vir.
Mas ele refuta a ideia de que as manifestações contra a censura no Irã tenham pesado na decisão do júri. "Acho que eles se detiveram nas qualidades do filme."
Farhadi manteve, porém, a política fora da tela. O filme fala da separação de um casal de classe média e focaliza, por meio de uma ação carregada de tensão, os dilemas morais da sociedade.

ESQUECERAM O URSO
Quase tão esperada quanto a consagração de Farhadi, que já havia recebido em Berlim o Urso de Prata de melhor diretor por "Procurando Elly", em 2009, era alguma menção ao cinema do húngaro Béla Tarr, que trouxe à Berlinale imagens e sensações únicas.
E coube, de fato, a "The Turin Horse" (o cavalo de turim) o Grande Prêmio do Júri. Tarr, que se esqueceu de carregar o troféu para a rodada de perguntas, disse que, apesar de estar feliz com o prêmio, não voltará atrás na decisão que havia confirmado aqui: deixará de filmar.
Já o Urso de Prata de melhor direção foi para as mãos do alemão Ulrich Köhler, cujo filme, "Sleeping Sickness" (doença do sono), não despertara maior atenção da crítica durante a mostra.
Já a "The Forgiveness of Blood" (o perdão do sangue), filme que, ao lado das produções iraniana e húngara, compôs a trinca de mais qualidade de uma competição não especialmente memorável, coube apenas o Urso de Prata de melhor roteiro.

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FERREIRA GULLAR


Fonte: folha.uol.com.br 20/02


Aqui: um outrora agora

Antes perambular pelas ruas que me deitar e ficar olhando a noite cair. O que me salvava era a poesia


É SÁBADO à tarde, cerca das 16 horas. Estou parado na esquina da avenida Rio Branco com a Araújo Porto-Alegre. Às minhas costas, o Museu Nacional de Belas Artes; à frente, à esquerda, a Biblioteca Nacional e, à direita, do outro lado da avenida, o Teatro Municipal.
Diante do teatro está a praça Deodoro, ladeada pelo prédio da Câmara Municipal e pelo bar Amarelinho e os edifícios da antiga Cinelândia. Fora o cine Odeon, os demais fecharam, como o Astória e um outro, o Vitória, que ficava lá atrás, na rua Senador Dantas.
Mas importa é que estou, ali, de pé, às quatro da tarde deste mês de fevereiro de 2011. E o que vejo diante de mim é exatamente igual ao que via em 1954. Passaram-se 57 anos e estou ainda aqui vendo os mesmos prédios, a mesma praça. E o passado inevitavelmente invade o presente e me arrasta com ele.
Estou, agora, num sábado de 1953 e cruzo a praça em direção à Biblioteca Nacional. Vim a pé da rua Carlos Sampaio, onde morava, próximo à praça da Cruz Vermelha. Sábado era um dia vazio. Nos dias comuns da semana, estava na Redação da "Revista do IAPC", ali perto, na rua Alcino Guanabara, onde passavam amigos que iam ali assinar o ponto, como Lúcio Cardoso ou Breno Acyoli. Lúcio era bom de papo e gostava de um chope; Breno, pirado, mastigava a ponta de um charuto no canto da boca. Além deles, apareciam ali Oliveira Bastos, Décio Victório e Carlinhos de Oliveira, todos entregues à aventura literária.
Mas, no sábado, ninguém aparecia e tampouco vinham, no final da tarde, para o encontro no Vermelhinho, que ficava em frente à ABI. Pior que o sábado só o domingo e dia feriado, quando nem a Biblioteca Nacional abria.
A BN era meu refúgio, meu amparo, minha salvação. Metia-me nela, buscava um livro, uma revista literária e entregava-me aos mais inesperados delírios. Nas revistas francesas, descobri Lautréamont, Antonin Artaud, André Breton, Paul Éluard, René Char. Ou eram seus poemas ou os ensaios sobre eles.
Mas, ao fim da tarde, quando saía de lá e daquele mundo feérico, encontrava-me de novo sozinho e desamparado em plena Cinelândia. Pessoas cruzavam a praça em direção aos pontos de ônibus, que os levariam não sei para onde. Flamengo, Botafogo, Copacabana? Só eu não tinha para onde ir, a não ser para o meu quarto, que dividia com dois desconhecidos e que só apareciam lá para dormir.
Antes perambular pelas ruas do que me deitar naquela cama estreita e ficar olhando, pela janela, a noite cair.
O que me salvava era a poesia, se ocorresse em determinado instante, se me surgisse um verso inesperado. Aí sim, entregava-me àquela viagem, esquecia o quarto, o mundo, a solidão. Pouco me importava, então, se anoitecia ou amanhecia.
Sucede que poema é coisa rara. No meu caso, sempre foi. Quem me dera escrever um poema por dia, alçar voo acima do vazio dos sábados, dos domingos e feriados! Sempre fui cismado com esses dias porque, além de me sentir sozinho, a poesia também preferia ir à praia a me visitar. Já nos dias normais, como disse, metia-me na BN, agarrava-me a uma "Nouvelle Revue Française" e valia-me dos poemas alheios.
Mas houve uma exceção. Foi numa Sexta-Feira da Paixão quando, ao me dar conta de que era dia feriado e por isso o Vermelhinho estava deserto e a Cinelândia também, encaminhei-me sem rumo para a rua do Catete e fui parar no Parque Guinle, entregue ao delírio de um poema louco, cuja erupção teve início exatamente quando cruzava a rua Santo Amaro: "Ô sôflu e luz ta pompa inova orbita". Naquele momento, em que violentava meu instrumento de expressão, vivia a ilusão de ter chegado ao inalcançável: fazer que a língua nascesse ao mesmo tempo que o poema. Só no dia seguinte, na Redação da "Revista do IAPC", ao passá-lo a limpo, dei-me conta de que ninguém o compreenderia e que, de fato, havia destruído minha linguagem de poeta... É nisso que dá fazer poema em dia santo.
Essa ocorrência, se não me engano, data de março de 1953. Depois daquele dia, muitas outras vezes me encontrei entre esses mesmos prédios -o teatro, o museu, a biblioteca, a câmara municipal- num sábado ou num domingo, sem ter o que fazer da vida. Exatamente como agora, nesta tarde de 2011.

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Evo aposta no lítio para ganhar fôlego

Fonte: folha.uol.com.br 19/02


Governo da Bolívia, acuado politicamente, faz plano para virar maior produtor da matéria-prima de baterias

Dificuldades podem impedir o objetivo, como qualidade inferior do lítio, exploração cara e falta de indústria

Enfrentando desgaste, o presidente da Bolívia, Evo Morales, aposta no lítio, metal usado para fazer bateria de celulares, para ganhar fôlego orçamentário e político.
O país, com 30% da população abaixo da linha da pobreza, traçou planos ambiciosos de exploração da sua reserva, a maior do planeta.
Evo assegura que o país será líder na produção mundial até 2014. "A Bolívia entrará no mercado internacional produzindo 30 mil toneladas por ano", disse à Folha o gerente nacional de Recursos Evaporíticos, Luis Alberto Echazú Alvarado.
O lítio é a matéria-prima utilizada em baterias de aparelhos eletrônicos, com destaque para celulares e notebooks, e de automóveis.
A maior parte da riqueza está no Salar de Uyuni, enorme lago de sal localizado entre o Departamento de Potosí e a fronteira com o Chile.
O professor de Ciências Políticas da Universidade da Califórnia David Mares, em entrevista à Folha, refutou a denominação "Arábia Saudita do lítio" para a Bolívia por não acreditar que o governo consiga fazer com que seu lítio seja o mais valorizado.
Cita como exemplo a Venezuela e seu petróleo. "A Venezuela tem mais petróleo do que os sauditas. Só que a qualidade inferior e a dificuldade de extração fazem com que o país não retire a commodity na intensidade que gostaria", analisou.
Apesar de estar atrás da Bolívia em termos de reservas, o Chile tem o metal em qualidade superior, além de ser de fácil exploração.
O professor também observa que a Bolívia não tem capacidade de transformar o lítio em carbonato de lítio, matéria-prima das baterias. Para isso, seria necessário investimento pesado em indústria de alta tecnologia.

NEGOCIAÇÕES
O presidente Morales não quer simplesmente exportar lítio, operação que renderia menos dinheiro e pouca visibilidade para seu mandato.
O governo insiste em dominar toda a tecnologia de adequação do lítio para que seja usado em baterias.
Embora ainda tenha popularidade relativamente alta, Evo, recentemente, enfrentou protestos de rua em razão de um plano de reduzir subsídio para combustíveis, o que lhe trouxe desgaste. Também continua enfrentando oposição dura de governadores do leste do país.
A Bolívia conversou com japoneses, sul-coreanos e até mesmo iranianos, com o objetivo de encontrar empresa interessada em abrir fábrica de transformação do metal.
"Por ser um governo de característica nacionalista, que tenta a todo momento reafirmar sua soberania, acredito que será uma negociação difícil", afirmou à Folha o cientista político Rafael Villa.

Metal é recurso estratégico para os próximos anos

DE SÃO PAULO

O lítio se tornou um valorizado recurso natural nos últimos anos. Analistas apontam que o metal será ainda mais necessário no futuro.
Entre 2000 e 2008, a demanda por lítio no mundo cresceu 6% por ano. A utilização do metal como bateria, principalmente de aparelhos eletrônicos, foi o grande responsável pelo crescimento.
O lítio substituiu o níquel nas baterias, o que possibilitou que todos os tipos de engenhocas eletrônicas, além de ficarem mais leves, permanecessem funcionando por muito mais tempo.
O objetivo dos pesquisadores de diversos países, com destaque para Estados Unidos, Japão, China e Alemanha, passou a ser descobrir novas maneiras de explorar e utilizar o metal.
A Coreia do Sul, por exemplo, anunciou, no fim de janeiro, a construção de uma usina que vai retirar o metal da água do mar.
Mas o grande desafio continua sendo tornar viável a utilização dos carros elétricos, o que possibilitaria a aposentadoria dos automóveis movidos à gasolina.
"Os carros elétricos serão populares quando a bateria durar mais tempo, ocupar um espaço menor e consumir menos tempo no processo de carregamento", disse David Mares, professor da Universidade da Califórnia.

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O trem-bala deve ser construído?

NÃO

Hoje, projeto não é prioridade

Fonte: folha.uol.com.br 19/02

MANSUETO ALMEIDA é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).



Não há dúvida de que é agradável viajar em trens de alta velocidade. Esse tipo de transporte é pouco poluente, rápido e confortável.
No entanto, sabe-se também que é ainda melhor morar em um país que possui escolas públicas de boa qualidade para qualquer criança, independente do local de nascimento ou do poder aquisitivo da família, como ocorre na Finlândia.
É também agradável morar em um país em que os hospitais são tão bons que não se sabe quais deles são públicos ou privados, como acontece na Alemanha.
O ideal seria morar em um país que possuísse boa infraestrutura, inclusive com disponibilidade de trens de alta velocidade, boas escolas, com professores capacitados, e excelente serviço de saúde pública.
Infelizmente, o Brasil ainda está longe de ser esse país; assim, não pode se dar ao luxo de embarcar em aventura de elevado custo, cujo retorno social é altamente incerto.
O projeto do trem-bala não é prioritário para um país que ainda sofre para melhorar a qualidade do seu ensino, melhorar os serviços de saúde e recuperar a infraestrutura que tira a competitividade do setor privado, devido à carência de investimentos em portos, aeroportos, energia e rodovias, como mostraram vários estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (comunicados nº 48, 50, 51, 52 e 54).
Projetos de trens de alta velocidade são caros em qualquer lugar do mundo, e o Brasil não é exceção. O projeto do trem-bala brasileiro está orçado em R$ 33 bilhões, mas nesse valor não está incluída a parcela de reserva de contingência para arcar com eventuais custos não programados do projeto.
Some-se a isso os fatos de o projeto envolver subsídios de até R$ 5 bilhões para as concessionárias e de a maior parcela do financiamento ser de recursos do BNDES, que não os tem e vai precisar de mais um empréstimo do Tesouro Nacional, como autorizado pela medida provisória nº 511, de 5 de novembro de 2010, que empresta R$ 20 bilhões para o BNDES financiar o projeto.
É bom olhar o exemplo dos casos dos trens de alta velocidade da Itália, que começaram como projetos de parceria público-privada e terminaram sendo absorvidos integralmente pelo setor público, devido a sucessivos aumentos no custo de tal projeto. Isso levou a um aumento da dívida pública e do deficit público em mais de um ponto percentual do PIB.
No Brasil, o custo do trem-bala é tão incerto que a medida provisória acima mencionada dá carta branca para que o ministro da Fazenda renegocie esse empréstimo para 20, 30, 40 anos ou mais para compatibilizar o fluxo caixa do banco ao financiamento do projeto.
Adicionalmente, o artigo 4º dessa mesma medida estabelece que, no caso de não pagamento, o BNDES será perdoado da dívida, que será arcada, integralmente, pelo Tesouro Nacional (leia-se nós, contribuintes).
Projeto de trens de alta velocidade têm elevado custo fiscal e não se sustentam sem elevados subsídios públicos. Esse não é um investimento prioritário para o Brasil neste e nos próximos anos, principalmente quando se reconhece que ainda precisamos avançar, além dos investimentos em saúde, educação e infraestrutura, na agenda de desoneração tributária da folha salarial e do investimento, que ainda não avançou por conta da impossibilidade de o governo abrir mão de receita fiscal.
Insistir no projeto do trem-bala é mais uma prova de que ainda sofremos um pouco da megalomania do "Brasil do futuro" da década de 70, que nos levou à década perdida.


MANSUETO ALMEIDA é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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