Projeto cria grande centro de ciência fora do eixo Rio-SP
Fonte: folha.uol.com.br 13/02
Complexo idealizado por neurocientista no RN, que abrange de medicina a astronomia, tem apoio federal
Ministério da Ciência e Tecnologia, porém, terá corte de verba; cientista reclama da ausência do governo local
Um ambicioso projeto, com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, pretende transformar o Rio Grande do Norte em um dos maiores polos científicos nacionais.
Seria o maior complexo tecnocientífico fora do eixo Rio-SP: um parque tecnológico de ponta, com estudos avançados de neurociência, incluindo também centros de educação básica e de estudos de astronomia.
Além desses novos espaços, o projeto vai integrar também iniciativas que já existem ou que estão em fase de construção na região metropolitana de Natal.
O projeto está em fase de finalização dos detalhes e captação de recursos.
"Vamos trazer ao Brasil grandes pesquisadores internacionais para pensar projetos de futuro com mais liberdade e olhando lá na frente", disse à Folha o ministro Aloizio Mercadante.
O idealizador do complexo é o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, chefe do departamento de neurociência da Universidade Duke (EUA).
Ele também participou da concepção de dois projetos que já estão funcionando no Estado: o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, com estudos de ponta na área, e duas escolas de educação científica para estudantes da rede pública.
"A escolha do Rio Grande do Norte não foi à toa. Queremos desenvolver uma região que normalmente não tem oportunidade. É uma chance incrível para desenvolver tanto economia quanto ciência, cultura e educação", afirmou Nicolelis.
Boa parte do complexo ficará em um terreno doado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que ficou conhecido como "Campus do Cérebro".
Lá, já funciona um centro de saúde que, no ano passado, fez mais de 15 mil atendimentos às mulheres da região. Uma escola de ensino integral, com investimento de R$ 15 milhões, está em construção e deve ser inaugurada no ano que vem.
OBSTÁCULOS
Apesar de vários parceiros já terem demonstrado interesse, o financiamento para as obras do complexo, que deve custar R$ 2 bilhões, ainda não existe.
O MCT, que manifestou interesse em contribuir e atrair recursos, sofreu recentemente redução de cerca de 15% de seu orçamento.
No corte de gastos gerais de R$ 50 bilhões feito pela presidente Dilma Rousseff na semana passada, houve outra redução, superior a R$ 1 bilhão, nesse ministério.
Além da questão financeira, o projeto também vai ter de enfrentar a falta de infraestrutura na região.
Até hoje, parte do acesso ao Instituto Internacional de Neurociências não é asfaltada. Pesquisadores e autoridades por vezes precisam eventualmente enfiar o pé na lama para chegar até lá.
Nicolelis cobra enfaticamente mais ações do poder público local para resolver a questão, inclusive através de sua conta no Twitter.
"Entra e sai político e é tudo continua igual", diz. Apesar disso, ele se diz confiante que o complexo irá conseguir apoio público integral.
O interesse internacional, por outro lado, já chegou. Uma matéria na revista "Science", em dezembro do ano passado, abordou o projeto e destacou a iniciativa de tirar o foco científico exclusivamente do eixo Rio-SP.
"Depois da matéria, fui procurando por várias instituições internacionais que querem de alguma forma investir aqui", diz Nicolelis.
"É a prova de que é possível, sim, fazer ciência de alto nível e com inclusão social no Brasil", completa.
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Centro já tem computador de US$ 20 mi
Fonte: folha.uol.com.br 13/02
O futuro Instituto de Estudos Avançados do Cérebro Alberto Santos Dumont é a maior aposta do complexo do Rio Grande do Norte.
"O objetivo é fazer no Nordeste as pesquisas de ponta que nós já fazemos nos Estados Unidos e na Europa e ainda ir além", diz o neurocientista Miguel Nicolelis, idealizador do projeto.
O local é concebido para permitir análises em tempo real de grandes dados da atividade do cérebro. Algo que demanda investimentos altíssimos em equipamento.
Embora o instituto ainda esteja no papel, o seu supercomputador já está garantido. A Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, doou uma máquina com capacidade de processamento de 46 trilhões de operações por segundo.
O equipamento, que custou US$ 20 milhões (cerca de R$ 34 milhões) e pesa oito toneladas, já está no Rio Grande do Norte, à espera do início das atividades.
CÉREBRO-MÁQUINA
Nicolelis pretende usar o supercomputador para avançar em seus estudos sobre as interações cérebro-máquina.
O neurocientista é referência na área e já conseguiu fazer com que macacos controlassem um braço robô, além de outros dispositivos, usando a força da mente.
No Brasil, os estudos envolverão humanos, que participarão de um monitoramento indolor.
As pessoas se acomodarão em um dispositivo, parecido com os antigos secadores de cabelo dos salões de beleza, e controlarão um ambiente de realidade virtual apenas com seus pensamentos.
No plano virtual, poderão mexer em tudo.
Ao mesmo tempo, suas atividades serão recolhidas e processadas em tempo real pelo supercomputador.
"A quantidade de informação gerada será incrível. Acredito que teremos excelentes resultados", diz Nicolelis.
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MARCELO GLEISER
Defendendo a ciência
Fonte: folha.uol.com.br 13/02
Outros países educam seus jovens sobre a importância da ciência; no Brasil, há uma corrente contrária
PARECE NOTÍCIA VELHA, mas a ciência e o ensino da ciência continuam sob ataque. Por exemplo, uma busca na internet com as palavras "criacionismo", "escolas" e "Brasil" leva ao portal www.brasilescola.com. Lá, há um texto, de Rainer Sousa, da Equipe Brasil Escola, que discute a origem do homem.
O autor afirma que o assunto é "um amplo debate, no qual filosofia, religião e ciência entram em cena para construir diferentes concepções sobre a existência da vida".
No final, diz: "sendo um tema polêmico e inacabado, a origem do homem ainda será uma questão capaz de se desdobrar em outros debates. Cabe a cada um adotar, por critérios pessoais, a corrente explicativa que lhe parece plausível".
"Critérios pessoais" para decidir sobre a origem do homem? A religião como "corrente explicativa" sobre um tema científico, amplamente discutido e comprovado, dos fósseis à análise genética?
Como é possível essa afirmação de um educador, em pleno século 21, num portal que leva o nome do nosso país e se dedica ao ensino?
Existem inúmeros exemplos da tentativa, às vezes vitoriosa, da infiltração de noções criacionistas no currículo escolar. Claro, se o criacionismo fosse estudado como fenômeno cultural, não haveria qualquer problema. Mas alçá-lo ao nível de teoria científica deturpa o sentido do que é ciência e de seu ensino.
Um país que não sabe o que é ciência está condenado a retornar ao obscurantismo medieval. Enquanto outros países estão trabalhando para educar seus jovens sobre a importância da ciência, aqui vemos uma corrente contrária, que parece não perceber que a ciência e as suas aplicações tecnológicas determinam, em grande parte, o sucesso de uma nação.
Muitos dirão que são contra a ciência apenas quando ela vai de encontro à fé. Tomam antibióticos, mas rejeitam a teoria da evolução.
Se soubessem que o uso de antibióticos, que aumenta as chances de que os germes criem imunidade por mutações genéticas, é uma ilustração concreta da teoria da evolução, talvez mudassem de ideia. Ou não. Nem o melhor professor pode ensinar quem não quer aprender.
Os cientistas precisam se engajar mais e em maior número na causa da educação do público em geral.
Mas devemos ter cuidado em como apresentar a ciência, sem fazê-la dona da verdade. Devemos celebrar os seus feitos, mas ser francos sobre suas limitações e desafios (a teoria da evolução não é um deles!) Não devemos usar a ciência como arma contra a religião, pois estaríamos transformando-a numa religião também. Achados científicos são postos em dúvida e teorias "aceitas" são suplantadas.
Bem melhor é explicar que a ciência cria conhecimento por meio de um processo de tentativa e erro, baseado na verificação constante por grupos distintos que realizam experimentos para comprovar ou não as várias hipóteses propostas.
Teorias surgem quando as existentes não explicam novas descobertas. Existe drama e beleza nessa empreitada, na luta para compreender o mundo em que vivemos. Ignorar o que já sabemos é denegrir a história da civilização. O problema não é não saber. O problema é não querer saber. É aí que ignorância vira tragédia.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
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