domingo, 30 de maio de 2010


Ensino de má qualidade atrapalha avanço da ciência e tecnologia

Para palestrantes da 4ª CNCTI e professores da UnB, formação de bons profissionais depende mais do ensino básico que das universidades
UnB 30/05

Os debates desta quinta-feira, 27 de maio, da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia foram marcados por críticas ao sistema de ensino brasileiro. Professores, pesquisadores e especialistas na área defenderam que a má qualidade do ensino básico dificulta e até emperra a formação de recursos humanos qualificados em ciência, tecnologia e inovação.

Mozart Neves Ramos, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) mostrou que apenas 23,7% das crianças que concluem a 4ª série do ensino fundamental realmente aprenderam matemática. Na 8ª série, apenas 14,5%. No ensino médio, o número é ainda menor, somente 9,8% dos alunos. “Como podemos esperar alguma coisa dessas pessoas que não aprenderam os conteúdos mínimos para ingressar na universidade”, questionou o professor.

Outros dados preocupantes apresentados por Mozart revelam que a má formação dos jovens brasileiros é culpa também de quem ensina. Apenas 58% dos professores de matemática no Brasil têm formação para lecionar a disciplina. “Imaginem se vocês levam uma pessoa querida para uma cirurgia e chega na hora o hospital diz que o cirurgião não poderá fazer o procedimento, mas que tem um pediatra ótimo. É isso que acontece com o ensino no nosso País”, disse indignado.

“O grande passo dessa conferência em relação às anteriores foi identificar que formar recursos humanos qualificados na área não é mais responsabilidade da universidade, e sim do ensino básico”, resumiu o professor Isaac Roitman, biólogo e secretário de comunicação institucional da Universidade de Brasília, que esteve presente no encontro.

ESTÍMULOS - Para a professora Solange Amorim e Amato, da Faculdade de Educação da UnB, valorizar os professores dando uma boa remuneração é a chave para o sucesso da educação no Brasil. “Só assim os docentes terão interesse em se manter na profissão, terão medo de perder o emprego e a consequência é correr atrás para ensinar de forma excelente”, afirma. Ela acredita que os baixos salários estão entre as causas da evasão de profeo serviço público. “Se o concurso paga R$ 6 mil, pague ao professor esse salário. Ele estará motivado.”

Marco Antônio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sustentou que o programa ABC na Educação Científica Mão na Massa - que ensina ciências desde as séries iniciais - é uma das experiências mais positivas hoje no Brasil para envolver crianças em pesquisas. “Se colocarmos esse projeto como uma política pública de responsabilidade do governo federal teremos no nosso país mão de obra muito qualificada no futuro. É assim que funciona com as nações emergentes que mais evoluem economicamente.”

Sônia Marise Salles Carvalho, professora do Departamento de Teorias e Fundamentos, explica que nessa fase, a criança precisa ser estimulada e o ensino de ciências é o caminho. “Precisamos aguçar a curiosidade. Depois que a criança aprende ciência tudo passa a fazer sentido. Ela aprende a problematizar e resolver”. Na UnB existe a disciplina Ensino de Ciência e Tecnologia I e II que prepara futuros professores para o ensino de ciências na pré-escola e na alfabetização.

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Biografia revela o dia a dia de Célia Helena

Livro e revista acadêmica reconstituem o legado da artista e educadora no teatro e na memória cultural do país

FSP 29/05
Escrita por Nydia Licia, "Célia Helena: Uma Atriz Visceral" reconstrói sua trajetória através de tons distintos. Por uma via mais intimista, alguns familiares e colegas de palco fazem depoimentos espontâneos ao relembrar anedotas mais atrevidas de coxia.
Numa vertente mais clássica, o livro combina relatos de grandes diretores com trechos de resenhas publicadas por críticos de teatro.
Recebem maior atenção suas participações no Teatro Oficina, com a histórica montagem nos anos 1960 de "Pequenos Burgueses", de Máximo Gorki, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, e nos anos 1970 de "Pano de Boca", dirigida por Fauzi Arap.
Com isso, o grande trunfo do livro é alinhavar passagens mais marcantes de sua carreira a fragmentos da memória cultural do país.
Ao se voltar para seu passado como educadora, porém, os generosos testemunhos de colaboradores que serviram como seu braço direito à frente da criação do Teatro-Escola Célia Helena focam mais as dificuldades do dia a dia, não possibilitando ao leitor acessar com clareza seu legado didático.

REVISTA
Esta pequena falha na biografia parece se redimir na bem-vinda revista "Olhares", uma fusão de estudos acadêmicos com textos voltados à prática teatral, publicada pela Escola Superior de Artes Célia Helena sob a editoria de Lígia Cortez e do convidado Luiz Fernando Ramos, também crítico da Folha.
Com conteúdo abrangente e sólido, este primeiro robusto número abre com uma reflexão dos diretores Renato Ferracini, Marcelo Lazzaratto e Marco Antonio Rodrigues sobre a pedagogia do ator.
O "processo colaborativo" é abordado por Antônio Araújo e Rosyane Trotta. Há uma brilhante discussão sobre o "trabalho de mesa" por profissionais da área, que culmina com uma bela entrevista com Maria Thereza Vargas e Nydia Licia sobre o desenvolvimento da prática de se debruçar sobre os textos nas décadas de 1940 e 1960.
Nas originais seções fixas, merecem destaque "Técnica", em que o iluminador Davi de Brito dá dicas sobre sua arte; "Dramaturgia Latino-Americana", com a peça "Mulheres Sonham Cavalos", do argentino Daniel Veronese; e "Retrato", um grande final com Cleyde Yáconis, por Oswaldo Mendes.
"Olhares" acaba por cristalizar o verdadeiro legado de Célia Helena, fundadora de um espaço de discussão que se tornou hoje um dos maiores núcleos de pesquisa em artes cênicas no país.


CÉLIA HELENA: UMA ATRIZ VISCERAL

AUTOR Nydia Licia
EDITORA Imprensa Oficial
QUANTO R$ 30 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom

RAIO X
CÉLIA HELENA

VIDA
Atriz paulistana (1936-1997) teve forte presença no teatro brasileiro nos anos 50 e 60.
Em 1977 fundou o Teato-Escola Célia Helena.


Filme acompanha a vida íntima de ex-guerrilheiro

"Em Teu Nome" baseia-se em história real do juiz João Carlos Bona Garcia

Ao recuperar a saga de Bona, o diretor Paulo Nascimento quis falar sobre o amor nos tempos da ditadura

FSP 29/05


De tanto ver filmes sobre a ditadura militar, Paulo Nascimento decidiu, ele próprio, fazer um filme sobre o tema. Ou melhor, um filme que não fosse sobre o tema. "Quis fazer um filme da época da ditadura sem ser sobre a ditadura", diz o cineasta gaúcho.
Nascimento lembra de uma porção de filmes que tratam da luta armada e pergunta: "Mas como era a vida pessoal desses jovens?".
É essa vida que Nascimento leva à tela em "Em Teu Nome". O filme origina-se na história de João Carlos Bona Garcia, 64 anos, hoje juiz no Rio Grande do Sul.
Bona ingressou no movimento estudantil aos 17 anos e, após o golpe militar, tornou-se guerrilheiro. Preso, foi torturado e, depois, banido para o Chile. O exílio estendeu-se ainda para Argentina, Argélia e França.
"Quando ouvi o relato do Bona e da mulher dele, vi que tinha um filme pronto", diz o diretor. "É também a história de uma mulher apaixonada que vai atrás do marido e tem filhos e uma vida no exílio."
Nascimento nasceu quatro dias depois do golpe, em 3 de abril de 1964. "Cresci ouvindo essas histórias. E sabia que um jovem, mesmo que fizesse parte da luta armada, tinha muitas dúvidas e conflitos. Tentei mostrar isso."
Quem também cresceu ouvindo essas histórias foi a atriz Júlia Feldens, sobrinha de Boni que, no filme, vive o papel da própria mãe, irmã do protagonista. "Minhas escolhas na vida passam muito pela história do meu tio. A geração dele era muito idealista e corajosa."

Filme “A Alma do Osso ” convida a experimentar e a observar a solidão

FSP 29/05

"A Alma do Osso" é o primeiro filme de uma trilogia sobre a solidão feita por Cao Guimarães. Na sequência, filmou "Andarilho" (2007).
O fecho da trilogia será uma ficção sobre a solidão nas grandes cidades, adaptação de "O Homem da Multidão", o conto de Edgar Poe, que Guimarães co-dirigirá com Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus").
Em "A Alma do Osso", o "personagem" é Dominguinhos, que aos 71 anos vive sozinho em uma gruta nas montanhas de Itambé do Mato Dentro (MG).
Durante mais de meia hora do filme, o ancião não emite uma palavra. O filme apenas registra seus hábitos, como o trabalho meticuloso de preparação do almoço e o percurso para buscar água.
Só no final ele solta o verbo. Mas não para explicar quem é, como e por que foi parar ali. Conta histórias avulsas, numa linguagem de nexos complicados.
Guimarães recusa todas as fórmulas do documentarismo convencional e os modos invasivos de investigação. O que pede ao espectador é que descubra, observe e experimente, por meio das imagens, a solidão, o silêncio e o delírio de Dominguinhos.


A ALMA DO OSSO

DIREÇÃO Cao Guimarães
ONDE no Cine UOL Lumière
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ótimo

Amigo poeta

Folha localiza correspondentes anônimos de Drummond em pesquisa de arquivo e conta como criaram relação com o escritor por meio de cartas

FSP 29/05

Num papel de carta decorado com adesivos de bichinhos, uma zootécnica de Rio das Ostras (RJ) escreveu, em 16 de fevereiro de 1987: "Querido Drummond, tenho certeza que você sabe o quanto me senti feliz em receber seu livro. Eu esperava que você me respondesse, mas não acreditava. Entende, né? Quase morri. Foi muito bom".
Ela então relata como a correspondência lhe deu sorte, fala do novo emprego na prefeitura, da mudança de casa, do namorado, das leituras. Abre o coração.
"Eu poderia te escrever melhor, mas é que que[neste ponto a escrita é interrompida pelo adesivo de um ursinho]ro te escrever como falo, senão não faz sentido. Aí, me perco." Ela se despede com "muitos beijos carinhosos" e deseja "tudo de bom".
A zootécnica de Rio das Ostras, que não foi localizada pela reportagem (assinava Soraia Leraik), é um dos 1.812 correspondentes de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) registrados no arquivo do poeta na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio.
É conhecida a sua correspondência com outros grandes escritores, como Bandeira, João Cabral e, especialmente, Mário de Andrade, já editadas em livro.
Menos notória é a relação que criou do nada, por carta, com dezenas, talvez centenas, de desconhecidos -leitores, aspirantes a poeta, professores, mineiros desterrados como ele, curiosos.
A Folha revirou os arquivos e, a partir da correspondência passiva, encontrou alguns desses interlocutores nem tão célebres.
Descobriu também um Drummond solícito e educado com qualquer remetente (costumava se penitenciar com esparro zombeteiro pela demora na resposta), quase sempre afetuoso. Conforme a demanda, assumia o papel de conselheiro sentimental, tutor literário, comentador das miudezas cotidianas.
Os que conheciam a fertilidade de Drummond no quesito têm certeza que há incontáveis cartas dele espalhadas por aí, prontas a semear acervos e estudos.
Na visão do neto Pedro Graña Drummond, responsável pelo espólio do avô, "para ter uma ideia mais ampla dessa correspondência, haveria que fazer um levantamento minucioso, e também anunciando a iniciativa em jornais, para tentar encontrar os destinatários das cartas que ele mandou".

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