domingo, 16 de maio de 2010

"A Europa está criativamente esgotada, a América também, diz Robert McKee, consultor de roteiros americano

Uol Notícias 14/05

Se você não é roteirista, talvez não tenha ouvido falar de Robert McKee, autor do livro “Story”. Muitos consideram “Story” o melhor livro já escrito sobre os princípios que regem a arte de contar uma história para o cinema. Digamos que “Story” é para muitos roteiristas mais ou menos o que a Bíblia é para um cristão.

E Robert McKee está no Brasil justamente para realizar o seminário “Story”, uma das aulas mais famosas do mundo sobre a arte de contar histórias. Platéias lotam anfiteatros para assisti-lo nos quatro cantos do planeta. Julia Roberts já sentou humildemente em uma das cadeiras para ouvir McKee falar. Os maiores roteiristas da atualidade também. Até mitos do roteiro, como William Goldman (de “Butchy Cassidy” e “Todos os homens do presidente”) e tantos outros com Oscar em suas estantes pagam para ficar quatro dias ouvindo o que ele tem a dizer sobre estrutura narrativa, design de ato, composição, construção de personagem e mais. Steve Pressfield, romancista best-seller americano, disse: “McKee não é apenas o melhor professor de escrita, mas o melhor professor de qualquer coisa que eu já tive”.

A fama de McKee no meio cinematográfico é tanta que até personagem de filme ele já foi. Em Adaptação, roteiro do oscarizado Charlie Kaufman, há um momento em que o protagonista do filme -- um roteirista, vivido por Nicholas Cage -- vai ao seu famoso seminário e pergunta se ele poderia escrever sobre um personagem que “nada quer, que tem uma vida em que não acontece muita coisa, mais ou menos assim, como as pessoas normais”. O personagem McKee quase voa no pescoço de Cage enquanto enumera as razões para jogar essa ideia no lixo.

Entrevistei Mr. McKee em São Paulo. E pra minha sorte, ele é um sujeito muito mais simpático, doce e amável do que aquela cena mostra. Começo perguntando a mesma pergunta do personagem de Nicholas Cage: “É possível escrever sobre alguém que nada deseja?”. McKee sorri e responde: “Não. Mas você pode escrever sobre um personagem que ainda não sabe o que quer”. As frases de McKee tem esse tom de citação, daquelas que a gente anota num papel e prende na tela do computador.

Ele também estava animado com a expectativa para o seminário no Brasil: “Tenho a impressão de que os jovens da América do Sul tem essa sensação de que são o futuro. E provavelmente é verdade, porque a Europa está criativamente esgotada, a América também”. Evidente que McKee abre uma exceção para a já chamada “Golden Age” da televisão americana, que segundo ele “está na sua melhor fase de todos os tempos”.

Outra coisa que impressiona em McKee é sua vitalidade. Basta dar uma espiada em sua agenda de palestras ao redor do mundo para já se sentir cansado. Fico sabendo que além de todas as palestras ele também tem um contrato para lançar um livro por ano pelos próximos cinco anos. E adianta o assunto: “Três serão sobre gêneros: História de Amor, Comédia e, provavelmente, Policial. Os outros dois sobre técnica: um sobre Personagem e outro sobre Diálogos”.

McKee fica espantado quando digo que já vi diretores transformarem seus princípios em regras, e que muitas vezes tentam criar suas histórias a partir do que diz o seu livro -- invertendo um pouco a lógica da coisa toda. Alívio na resposta: “Eles estão completamente errados! Eu digo e repito, não é sobre Regras!”. Aproveita pra dizer que acha genial a solução do roteirista Akiva Goldsman, que foi seu aluno, em jogar o Incidente Incitante (que, segundo “Story” é o “primeiro grande evento da narrativa”) depois da primeira hora do filme “Uma mente brilhante”, algo impensável nas regras de roteiro. Goldsman ganhou o Oscar por esse filme e desde então cobra alguns milhões para escrever qualquer outro.

Mais uma curiosidade sanada foi saber de onde vem o conhecimento de McKee. “Trabalhei vinte anos em teatro. Como ator e diretor eu sempre estava analisando o que autores queriam dizer com suas histórias. Dividia os textos em partes e depois as cenas em partes menores”. Depois disso, fez uma tese acadêmica, onde investigou todas as tradições do ““Story”telling” e percebeu que, apesar das diferenças, todas falavam sobre a mesma coisa. Juntou todo esse conhecimento pessoal e um dia compartilhou suas ideias com outros 25 alunos. Na semana seguinte, havia 75 alunos em sua sala. Alguém em Nova York ficou sabendo de suas aulas e pediu que ele fosse realizar um curso por lá. Ele respondeu que não poderia passar um mês lecionando, já que tinha compromissos. Perguntou se poderia condensar tudo num final de semana. Nascia o “Story”: “E agora já faz mais de 20 anos que viajo pelo mundo falando sobre isso”.

Esse seminário chega agora ao Brasil pela primeira vez. A partir de sábado, boa parte da classe cinematográfica estará reunida no teatro para vê-lo falar. Pergunto se vale a pena, mesmo para quem já leu o livro, acompanhar o seminário. “Muitas pessoas só entendem algo depois de ouvir falar sobre o assunto, mesmo que já tenham lido”. Fora isso existe uma análise de Casablanca que não está no livro e que McKee considera o melhor roteiro de todos os tempos.

Eu já li e reli “Story” inúmeras vezes. Virou um livro de consultas. E mesmo assim, meu bilhete já está garantido. Dá pra passar horas ouvindo McKee falar.

O seminário "Story" começa neste sábado, 15. Os quatro dias de aula saem por R$ 1.250, e as inscrições podem ser feitas no site oficial.

* Thiago Dottori é roteirista. Escreveu a série "Trago Comigo", dirigida por Tata Amaral. É co-roteirista, junto com Bráulio Mantovani, do filme "Vips" dirigido por Toniko Melo, com Wagner Moura, que estreia no segundo semestre. Atualmente escreve uma série para o canal HBO.

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