quinta-feira, 20 de maio de 2010

Poesia para quem precisa

Correioweb 20.05

De São Sebastião a Ceilândia, de Taguatinga a Samambaia… os saraus cada vez mais ganham adeptos

A poesia não tem credo, sexo, idade, cor e, muito menos, lugar para acontecer. Se, nos séculos passados, ela se restringia a uma burguesia intelectual que promovia encontros em palácios e afins, hoje, ela se faz presente em casas, botecos, ruas e praças de todos os cantos. Por aqui, ela pulsa como nunca nas satélites do Distrito Federal. Taguatinga, São Sebastião, Guará, Samambaia, Ceilândia e tantas outras realizam saraus regularmente e conquistam cada vez mais um público cativo.

“Têm saraus em todas as regiões do DF. Mas as pessoas só ficam sabendo dos que acontecem no Plano Piloto. É uma questão de divulgação e de voltar os olhos também para lugares como Taguatinga, São Sebastião, Ceilândia. São cidades extremamente criativas e a maioria das pessoas desconhece isso. Temos muitos talentos por aqui”, destaca Cláudia Bullo, uma das integrantes do Coletivo Radicais Livres Sociedade Anônima, de São Sebastião, que há quase 7 anos dissemina a arte nas periferias da capital do país, promovendo um sarau democrático e gratuito numa cidade associada, quase que unicamente à violência.

Os saraus realizados DF afora não se diferem muito dos tradicionais e, além da finalidade literária, oferecem música, dança, teatro, artes plásticas, vídeos e debates, mas sobretudo, têm uma preocupação em levar arte para quem não costuma ter muito acesso. “Ainda estamos em processo de formação de público. A intenção é focar na população de São Sebastião. Mas isso não impede de ter outros poetas, artistas de outras vertentes, outros coletivos. A gente costuma reunir, 200, 300 até 400 pessoas em cada evento. Mas ainda estamos longe do ideal. A população daqui é de 100 mil habitantes, o caminho é longo”, acredita um dos componentes do Radicais Livres Thiago Alexander.

Atrações
Uma das maneiras de “popularizar” o sarau é oferecendo atrações mais próximas da população, como o hip-hop e o rap. É o que defende outro “radical”, Renato Hally: “Poesia ainda tem essa visão de ser algo elitizado, apesar de estar mudando. Acredito que esse grau de catequização cultural tem sido mais fácil, principalmente, por intermédio de manifestações culturais com uma abordagem mais social, menos elitizada. Isso tem envolvido mais a população.”

Um dos focos do sarau é justamente a juventude da cidade, até para revelar a eles um tipo de arte que não estão muito acostumados. Vinícius Borba, também integrante do Radicais Livres, destaca a realização das oficinas de iniciação que, esporadicamente, são ministradas pelo Coletivo, o que faz com que desperte um interesse maior do público jovem. “A gente estimula a produção, não só nas oficinas, mas no próprio sarau. Por isso, fazemos questão de trazer atrações diversificadas. E tudo feito com muito suor e amor pela arte”, lembra ele, que iniciou uma campanha de doações para a manutenção da sede do Radicais recém-inaugurada. Para ajudar basta entrar em contato pelos telefones 8169-8150 e 8551-1075 ou pelo e-mail radicaislivressa@gmail.com

A cidade de Samambaia também aderiu ao lirismo. No próximo 28 de maio realiza a 12ª edição do Sarau Complexo que visa, sobretudo, a implantação do complexo cultural da cidade, considerado pela comunidade artística da região de suma importância para o desenvolvimento artístico, cultural e turístico do Distrito Federal e Entorno. “O principal objetivo do nosso sarau é conscientizar e mobilizar sociedade e governo pela implantação do Complexo Cultural Samambaia, com teatro, cinema, galeria de arte, biblioteca, oficinas, anfiteatro, escola de artes. Ao mesmo tempo em que mostra o potencial artístico e cultural da cidade e região, seja de artistas, seja de público, o que justifica esse investimento”, defende o organizador do Sarau, Élton Skartazini.

Segundo ele, para se ter uma ideia, num raio de 20 quilômetros em torno do centro urbano de Samambaia, moram aproximadamente 1 milhão de pessoas praticamente sem nenhum equipamento público de qualidade destinado à arte, à cultura e ao turismo. Por isso, a luta pelo espaço. “Além do mais, o nosso sarau tem uma boa frequência de público e nossa programação se baseia na diversidade de linguagens e estilos artísticos, para todos os gostos”, afirma.

Taguatinga é referência

Por ser uma das principais cidades do Distrito Federal, é natural que Taguatinga reúna grupos e coletivos poéticos bem atuantes. Um dos mais conhecidos e antigos é o Tribo das Artes, que completa uma década em 2010 e acaba de se tornar um ponto de cultura.

Outro sarau que aos poucos começa a ganhar espaço na cena taguatinguense é o realizado pelo Coletivo Poeme-se, que acontece todas as segundas e quartas-feiras do mês no Blues Pub, em Taguatinga, um reduto já conhecido de poetas e escritores. Focando principalmente em uma poesia mais cotidiana, e abordando temas sociais, eles vêm desenvolvendo projetos também em escolas e faculdades. “A poesia é o mote, mas tem outras manifestações artísticas. E isso ajuda a agregar pessoas variadas que é o nosso maior objetivo. O público tem sido bem variado e ampliado a cada sarau, mas, infelizmente, poesia não tem ainda essa massificação. Mas muita gente se interessa, se emociona. E isso que acaba sendo o nosso salário”, comenta um dos fundadores do Poeme-se, Alisson de Andrade Lacerda.

Além do pessoal de Taguatinga, o grupo conta com Rêgo Júnior e Margô Oliveira, dois remanescentes do Quartas intenções, coletivo de poesia de Ceilândia. No entanto, por falta de um espaço para a realização dos saraus, as reuniões foram suspensas e, então, decidiram participar do Poeme-se. “A gente tem poucos locais de tradição voltados para os saraus. Por isso, tem que improvisar na casa dos poetas, em bares e pubs”, lamenta Rêgo Junior. Outro fundador do coletivo, o poeta Haroldo Porto ressalta, que apesar da ausência de points de poesia na cidade, Brasília deve focar na sua vocação para as artes e se unir. “ A capital tem que acabar com essa ideia de panelinha da poesia e virar um grande caldeirão poético, fazer um mexido de todas as manifestações. Seja do Plano, das satélites. Isso é a cara de Brasília e é assim que tem que ser”, resume.


Programe-se

Agenda dos próximos saraus

Sarau Coletivo Poeme-se
Dia: 9 de junho
Hora: 21h
Local: Blues Pub, CSA 01 lote 01 loja 06/07, Centro de Taguatinga na lateral das Lojas Americanas
Entrada: R$ 3
Informações: 3045-5173

Sarau Radical
Dia: 11/6
Hora: 20h
Local: Aquário Bar, Av. Central n°291, Bairro São José, São Sebastião
Entrada franca
Informações: 8169-8150

12º Sarau Complexo Samambaia
Pela implantação do Complexo Cultural Samambaia
Dia: 28/5
Hora: 20h
Local: na QR 401, conjunto 26, em frente à casa 10, Samambaia
Entrada franca
Informações: 9908-4963

Sarau Tribo das Artes com temática de forró
Dia: 8/6
Hora: 20h
Local: Teatro da Praça, Taguatinga
Entrada: R$ 5
Informações: ruiterlimacausos@yahoo.com.br

(in)dependente?

FSP 20.05

Discussão sobre patrocínio estatal a eventos independentes de música move de Petrobras a festivais tradicionais

Os festivais independentes de música, que pipocam pelo Brasil, conseguiriam se manter em pé sem o dinheiro de governos e empresas estatais?
A questão voltou à tona em texto do colunista da Folha Álvaro Pereira Júnior publicado anteontem no Folhateen.
Para Pereira Júnior, esses eventos tornaram-se dependentes de apoio da Petrobras, que seria direcionado por Claudio Jorge Oliveira, coordenador de Música, Patrimônio e Cultura Digital da Gerência de Patrocínios da Petrobras.
Para jogar luz sobre o funcionamento desse circuito, a Ilustrada ouviu a empresa, além de pessoas ligadas à produção desses festivais e artistas.
Por e-mail, a Petrobras afirma que quem decide quais projetos culturais recebem dinheiro da empresa são comissões "formadas por cinco a sete integrantes externos à companhia (realizadores, críticos, professores, acadêmicos, pesquisadores, imprensa)". Quem escolhe as comissões é a Petrobras, por meio da Coordenadoria de Música e Patrimônio, "em acordo com MinC e Secom [Secretaria de Comunicação Social]."
O Programa Petrobras Cultural foi criado em 2003. Anualmente, distribui verbas para festivais de música. Na edição 2008-2009, o investimento foi de R$ 2 milhões; na edição 2010, de R$ 3 milhões.
Atualmente, 44 festivais de música de todas as regiões do Brasil estão filiados à Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin).
Segundo Pablo Capilé, vice-presidente da Abrafin, apenas seis festivais ligados à associação receberam dinheiro via Petrobras neste ano.
"Sem apoio estatal, conseguiríamos fazer os festivais, mas não seria possível fazer circular muitas bandas", diz.
A opinião é compartilhada por Rodrigo Lariú, dono do selo Midsummer Madness, do festival Evidente (RJ) e integrante da Abrafin. Para Lariú, a questão que reúne os festivais indies e o dinheiro público se encaixa dentro de uma discussão mais ampla: a que envolve o uso das leis de incentivo no país.
"Hoje é quase impossível conseguir que um empresário privado patrocine diretamente um festival. Se ele pode deduzir o investimento do imposto de renda, por que ele botaria dinheiro sem leis de incentivo?"
Um dos eventos que fazem parte da Abrafin, o Goiânia Noise é dos mais conhecidos festivais indies do país. Em novembro de 2009, fez sua 15ª edição, com cerca de 60 bandas e público de 12 mil pessoas.
Segundo Leonardo Razuk, um dos organizadores do Goiânia Noise, o evento teve custo de R$ 700 mil em 2009. Eles captaram R$ 200 mil com a Petrobras via Lei Rouanet; R$ 200 mil com uma empresa de eletrodomésticos via lei de incentivo estadual; R$ 20 mil por meio de patrocínio municipal; R$ 8 mil de uma empresa de calçados; e R$ 6 mil do Sebrae.
"O resto veio com dinheiro de bilheteria e com os bares", afirma Razuk. "Nos nossos festivais, ainda dependemos de bilheteria para pagar custos."
Razuk ajuda a organizar, também em Goiânia, o Bananada, cuja 12ª edição acontece de hoje a domingo, com 45 bandas e custo de R$ 120 mil.
Segundo Razuk, foram captados R$ 70 mil via lei estadual e mais R$ 4 mil de apoio do Sebrae. Os ingressos custam R$ 20 por dia -espera-se 4.000 pessoas no total.

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