sexta-feira, 21 de maio de 2010

Gestão de servidor precisa mudar, diz OCDE

Estudo recomenda que remuneração seja usada como prêmio por desempenho e que haja menos indicações políticas

Pesquisa destaca que 40% de funcionários têm mais de 50 anos e sugere criação de plano de aposentadoria complementar para eles

Joel Silva - 07.mai.10/Folha Imagem

Greve de servidores do Judiciário em São Paulo; estudo da OCDE diz que funcionalismo público brasileiro é caro e ineficiente

LORENNA RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil gasta mais com seu funcionalismo público que países como Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Espanha.
O servidor brasileiro custa mais em relação ao PIB que em 16 de 26 países da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, que reúne países ricos), segundo estudo divulgado ontem.
O número de funcionários públicos federais, estaduais e municipais no Brasil está abaixo da média dos países-membros da OCDE -12% do total de empregados, ante 22%. Mas o custo deles é um dos mais altos nesta comparação.
No Brasil, correspondia a 12% do PIB (a soma de todos os bens e serviços produzidos em um determinado período) em 2006, ano considerado no estudo, enquanto nos países da OCDE a média chegava a 11%.
O Brasil gasta menos que países onde tradicionalmente o serviço público tem grande peso, como França e Noruega.
O estudo diz que o funcionalismo brasileiro é caro e sugere que se foque mais em resultados e meritocracia, com menos cargos por indicações políticas.
A OCDE destaca o envelhecimento do funcionalismo público. Hoje, cerca de 40% da força de trabalho do governo federal tem mais de 50 anos e está prestes a se aposentar.
A organização cobra a implementação de esquemas de aposentadorias complementares para que o regime público de previdência seja sustentável. A criação de um fundo complementar para o setor público já era prevista na reforma da Previdência Social de 2003, mas ainda não foi regulamentada.
Segundo a OCDE, depois de ter diminuído entre 1995 e 2000, no governo FHC, o número de servidores públicos voltou a subir a partir de 2003, início do governo Lula. Dados do Ministério do Planejamento mostram que o total de funcionários públicos federais aumentou em mais de 125 mil entre 2002 e o ano passado.
No atual governo, os reajustes dos servidores públicos federais alcançaram até 255%, ante um congelamento quase generalizado no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A maioria dos reajustes foi alcançado depois de longas paralisações.

Número em alta
"Embora o emprego no governo federal represente apenas 15% do funcionalismo no Brasil, seus custos têm crescido rapidamente nos últimos anos, e essa tendência de crescimento deverá continuar no futuro próximo", alerta o relatório.
Uma das principais recomendações do relatório é a alteração no sistema de contratações de funcionários em cargos comissionados, que não precisam de concurso público.
De acordo com o documento, o governo poderia deixar a indicação política apenas para o nível mais alto da carreira.
Os cargos intermediários seriam preenchidos com base em uma lista em que os candidatos seriam ranqueados de acordo com a experiência, a competência e o desempenho.
Outra recomendação é racionalizar a remuneração dos servidores, vinculando salários a resultados alcançados. O estudo sugere a diminuição na quantidade das carreiras e a modificação em sua estrutura, que prioriza o tempo de casa e a idade na promoção dos empregados, e não a qualificação.
"É recomendável que o governo aumente as pressões para a busca de eficiência na gestão da força de trabalho. É altamente recomendável que as remunerações devam ser cada vez mais vistas como ferramentas para melhorar a gestão dos servidores públicos", avalia.

outro lado

Governo cobra desempenho de servidores

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento, Francisco Gaetani, admite as limitações do funcionalismo brasileiro, mas diz que o governo continuará fazendo "mais da mesma coisa".
Gaetani afirma que já existe uma atenção com o gasto com pessoal no governo federal e que o Executivo tenta implementar a remuneração por desempenho, mas que isso ainda é incipiente.
"A avaliação de desempenho é frágil, tem problemas e limitações, mas estamos procurando melhorar. Não são discussões simples e que serão resolvidas de uma hora para outra", diz Gaetani.
Durante a cerimônia de apresentação do relatório da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos), ele cobrou que os servidores têm que trabalhar para construir um Estado que funcione e que "estamos deixando a desejar".
"Não podemos usar o nosso provincianismo, a nossa ignorância como álibi dos nossos problemas", afirmou.
De acordo com Gaetani, o governo Luiz Inácio Lula da Silva compatibilizou os salários do setor público, mas não houve um salto de qualidade na administração pública correspondente.
Para o secretário-executivo-adjunto, a contratação de mais funcionários também teve um resultado muito pequeno e os concursos públicos "são péssimos" e não atendem a necessidade do serviço público.
"Temos uma massa crítica ainda bastante rarefeita e insatisfeita. Está se impondo ao país um custo inaceitável e de difícil explicação em um período de crescimento", concluiu.
O secretário pediu que o estudo seja utilizado além do calendário eleitoral, para pensar soluções de longo prazo.
De acordo com o secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Tiago Falcão, existem hoje 48 gratificações por desempenho criadas e que os pontos levantados no relatório serão considerados na regulamentação dessa remuneração.

entrevista

Funcionalismo é caro no país, diz especialista

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Especialista em formação de salários, o economista Nelson Marconi, que trabalhou na área de recursos humanos no governo FHC e hoje coordena o curso de economia da FGV-SP, concorda com o diagnóstico da OCDE de que o funcionalismo público no Brasil é caro.


FOLHA - A OCDE diz que o salário no setor público é muito alto. Está fora da realidade de mercado?
NELSON MARCONI -
Está se pagando um salário superior ao que se poderia pagar. De acordo com a última Pnad (pesquisa do IBGE), os salários do setor público são 100% superiores aos do setor privado. Na verdade está pagando recursos em excesso. Antes, a política de reposição estava desatualizada.
No atual governo, teve uma combinação da questão política, o Executivo resolveu criar uma estratégia de equiparação ao Legislativo e ao Judiciário, já fora da curva. Os sindicatos viram nisso uma chance. Vai criar problemas mais tarde.

FOLHA - Resultou em mais eficiência para a máquina pública?
MARCONI -
Você conseguiu contratar servidores mais qualificados. Mas esse incentivo que tem para a entrada no serviço público não vai necessariamente configurar em um bom desempenho.
As carreiras têm regras pouco definidas para o desenvolvimento, as diferenças salariais [entre o início e o teto da carreira] foram encurtadas. O estímulo para desempenho é muito pequeno.

FOLHA - É preciso reformar?
MARCONI -
Você tem que fazer mudanças ao longo do tempo. A reforma já foi feita há dez anos, mas há vários itens que têm que ser regulamentados, como a avaliação de desempenho, a comissão de remuneração, que seria formada por pessoas externas ao governo, e o fundo de pensão para a aposentadoria dos servidores federais.

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