terça-feira, 18 de maio de 2010

“Enquanto se enxergar arte como futilidade e diletantismo de quem tem posses, e não como um processo de humanização do indivíduo, não vamos mudar a realidade. Não há artista ou galerista que possa fazer algo. “ Artista plástico e professor da Faculdade de Artes Visuais da UFG, Carlos Sena. Fonte: opopular.com.br 16.05.10

Coletânea resgata lado poeta de Machado de Assis

FSP 18/05

Livro corrige erros tipográficos cometidos em edições anteriores e revela paródia de Dante atribuída ao autor

Para especialistas, a comparação com os contos e os romances de Machado prejudicou a avaliação crítica da poesia do escritor


Mesmo quem não é especialista em literatura conhece frases como "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis" ou "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria", ambas de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Muito mais difícil é achar quem saiba um verso do mais importante escritor brasileiro. Também no meio acadêmico a pesquisadora Rutzkaya Queiroz dos Reis constatou essa situação quando começou a estudar as poesias de Machado de Assis (1839-1908) em 1999.
Tal "estranheza" motivou sua tese de mestrado e ganha as páginas de livro com o lançamento de "A Poesia Completa". O livro traz 214 poemas, entre obras originais e traduções feitas por ele, além da recepção dos críticos da época.
Há ainda uma paródia da "Divina Comédia", de Dante, atribuída a Machado e publicada só agora em livro. Recuperada em 2008 pelo pesquisador Eugêncio Vinci de Moraes, a poesia foi escrita em 1874 na revista "Semana Ilustrada".
Outra preocupação da pesquisadora foi corrigir os inúmeros erros dos quais a produção poética de Machado foi vítima em edições anteriores. Segundo ela, é comum encontrar poemas com versos suprimidos e palavras trocadas. Apesar de relegada a um segundo plano na obra de seu autor, o "lado poeta" foi constante na carreira de Machado. Em 1854, aos 15 anos e muito antes de escrever os primeiros romances, publicou um soneto no "Periódico dos Pobres".
Dez anos e muitos versos depois, surge o primeiro livro de poemas, "Crisálidas". Os elogios, se não foram unânimes, foram os melhores que o Machado poeta recebeu em vida: havia ali, segundo um crítico da época, "robustas esperanças da poesia nacional".
Os seguintes, "Falenas" (1870) e "Americanas" (1875), porém, não corresponderam às expectativas. Eram tidos como de estilo "tardio e inadequado". Os elogios só voltariam em maior número no último volume poético de Machado, "Poesias Completas" (1901), que, aos livros anteriores, acrescentava as obras de "Ocidentais", hoje tidas como suas melhores.
Mesmo assim, com sérias restrições. Em texto da época, Múcio Teixeira disse que Machado encheu 376 páginas de versos "sem poesia" e de "uma monotonia soporífera". "Pelos parâmetros da crítica", avalia Reis, "Machado, de um modo geral, ficou com a imagem de ser, além de mau poeta, um poeta conservador". Antonio Carlos Secchin, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras, diz que o Machado poeta foi eclipsado pelo "peso arrasador" do prosador.
"Ele tem apuro técnico, faz uma poesia mediana. Acontece que os poemas são sempre medidos pelos romances e, aí, a comparação é imensamente desfavorável aos poemas." Valentim Facioli, professor da USP e dono da editora Nankin, é um dos raros defensores dos versos machadianos.
"Machado não embarcava nos valores nacionalistas ou paisagistas. Como nos romances, era mais um poeta do pensamento do que da emoção. Por isso não foi compreendido". Acrescenta ainda que a poesia machadiana é rica em formas, rimas e metáforas. "No século 19, apenas Gonçalves Dias e Cruz de Souza foram maiores que ele na poesia brasileira".

A POESIA COMPLETA

Autor: Machado de Assis
Organização: Rutzkaya Queiroz dos Reis
Editora: Nankin/Edusp
Quanto: R$ 100 (752 págs.)

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LITERATURA

Angústias de uma geração

Fonte: opopular.com.br 18.05

Leon Zaguer é um quarentão inseguro, frustrado no casamento, incapaz de manter um diálogo com a única filha e que deixou qualquer tipo de ideologia para trás a fim de ganhar dinheiro em um trabalho burocrático. Como se essas frustrações não fossem suficientes, ele ainda não consegue resolver a relação conflituosa com o pai, um judeu de convicções comunistas à beira da morte, que a todo momento se questiona onde foi que errou ao criar um filho incapaz de demonstrar qualquer sinal do que ele considera ser a verdadeira hombridade.

Ao colocar no papel esta história, o escritor e jornalista Bernardo Ajzenberg lança em seu sexto livro, o romance Olhos Secos, um olhar sobre uma geração que cresceu sob a repressão da ditadura militar (1964-85) e no caminho até hoje perdeu sonhos e perspectivas. Mais que um relato sobre as angústias particulares desse protagonista, o livro também pode ser encarado como uma súmula do que ocorreu a essa geração. Trazendo aspectos autobiográficos à obra, Ajzenberg nos coloca diante de um homem cético, que, passada a juventude, torna-se um legítimo representante do pragmatismo anti-ideológico que hoje impera soberano.

Dividido entre o passado e o presente, Leon rumina os resquícios do jovem que um dia foi, esforçado pela busca do autoconhecimento e disposto a defender qualquer tipo de ideologia, fosse qual fosse. Na São Paulo de 1998, tempo presente do romance, o escrevente de cartório pouco lembra esse jovem que, antes de ceder às pressões da família para ingressar na universidade, ainda nos anos 1970, resolveu conhecer os kibtuzim em Israel e de lá partiu para uma expedição cultural pela Europa, que funcionaria, esperava ele, para ajudá-lo a encontrar seu lugar no mundo.

Permeados pela narração da vida do homem desiludido em que se converteu Leon, Ajzenberg nos apresenta também os trechos esperançosos do diário da viagem do jovem Leon. Em contraponto, o Leon atual tenta descobrir quando foi que tomou o rumo a sua atual situação. Perdido entre o que foi e o que é, e diante de uma adversidade concreta no trabalho, ele ainda tem de lutar contra uma de suas características mais marcantes: a passividade. Com a necessidade de reagir às ameaças que passa a sofrer de um cliente do cartório, para o qual recusa ajuda em um esquema corrupto, Leon precisa tomar uma decisão que poderá mudar a sua vida.

Sem lágrimas

A bonita sugestão do nome do título do romance aos poucos vai sendo entendida pelo leitor: por uma incapacidade emocional ou física – disto não poderemos ao certo saber –, Leon sempre foi incapaz de chorar, por qualquer motivo, nem mesmo diante da morte da mãe. Um homem que não tem a capacidade física de verter lágrimas consegue resolver suas questões mais íntimas? Sob este questionamento, Ajzenberg nos leva também a reflexões caras sobre nossa incapacidade, cada vez mais forte, de nos sensibilizar, por causa da objetividade e do pragmatismo que a vida moderna impõe.

Para compor a passagem de tempo entre o passado e o presente, nas idas e vindas da narração, Ajzenberg lança mão ainda de um estilo enxuto, que traz do trabalho jornalístico em veículos como Veja, Gazeta Mercantil e Folha de S. Paulo, do qual já se afastou (hoje se dedica só à carreira de escritor e livreiro em São Paulo). Alternando-se entre a narrativa onisciente em terceira pessoa e os relatos em primeira pessoa do jovem Leon, o autor mostra em paralelo duas personas que parecem teimar em não coexistir ao mesmo tempo, no mesmo corpo.

A percepção não se confirmará, porém, ao leitor que se propuser a um tom otimista na leitura. “Gosto da ideia de que sempre se pode buscar dentro daquilo que fomos algo que nos inspire”, diz Ajzenberg. Embora declare que a intenção era partir de uma história específica, Ajzenberg admite ainda que a leitura sobre a situação da geração que seu protagonista representa também é possível. Nessa perspectiva, sua obra se assemelha – obviamente guardadas as saborosas diferenças de estilo – a uma incursão do norte-americano Philip Roth ao universo das angústias de judeu americano.

É inevitável não traçar um paralelo (há críticos que o fazem também em outras obras) entre o judeu paulistano Leon de Ajzenberg – infinitamente mais melancólico, é necessário ressaltar –, com o protagonista lamentoso e hilário de O Complexo de Portnoy (Companhia da Letras), de Roth. Dono de um humor ácido diante de uma existência vazia e atrapalhada pelo medo e pela culpa, Portnoy tem pontos em comum com o personagem do escritor brasileiro. A comparação vem a calhar, a propósito, para relembrar um fato evidenciando pelo novo livro de Ajzenberg: o de que ele se consolida entre os bons romancistas brasileiros em atividade.

Força da natureza

Com biografia incomum e amplo reconhecimento, a candidata Marina Silva representa a reciclagem da política verde no Brasil

Editorial FSP 18/05

O LANÇAMENTO da candidatura da senadora Marina Silva à Presidência é um sinal de amadurecimento das propostas ambientais no país.
Em 1986, a fundação do Partido Verde refletia, no Brasil, um movimento da política europeia. No final dos anos 1970, militantes pacifistas e ex-simpatizantes de organizações de esquerda, frustrados com os rumos teóricos e práticos do socialismo, encontraram na causa ecológica uma nova perspectiva de militância radical.
Tratava-se, àquela altura, de contrapor-se à ameaça nuclear e ao modo como o desenvolvimento técnico e industrial era concebido tanto no Ocidente quanto na esfera de influência soviética. Não por acaso, a versão brasileira do PV nasceu da iniciativa de ex-exilados políticos, ligados à luta armada, que viram de perto a experiência da Europa.
Sem envergadura para voos próprios, o partido e os primeiros simpatizantes das teses verdes acabaram por se tornar uma espécie de ornamento ecológico das agremiações de centro-esquerda -como o PSDB e, sobretudo, o PT. A identificação entre reivindicações ambientalistas e militância petista não era difícil de acontecer num país marcado por conflitos fundiários e desigualdades na economia rural.
Propostas como reforma agrária, apoio à agricultura familiar e preservação das florestas facilmente enquadravam-se na lógica primitiva do confronto entre representantes arcaicos do poder agrário, habituados a seguir sua própria lei, e a massa de despossuídos do campo, submetida a condições precárias, quando não sub-humanas, de vida.
O país no entanto mudou. Não superou as assimetrias e não se tornou um perfeito exemplo de equilíbrio nas relações entre economia e natureza. Mas certamente avançou em diversos aspectos e adquiriu um tipo mais sofisticado e amplo de entendimento da questão ambiental.
Da mesma forma que na Europa o movimento verde abandonou posições isolacionistas, dispôs-se a fazer política e conseguiu atrair o apoio de governos e empresas, no Brasil, a sociedade vai se habituando à pauta ambiental como algo que não diz respeito apenas a esta ou àquela área ou doutrina.
É o que a candidata Marina Silva, com seu léxico característico, costuma chamar de "transversalidade". Sua presença na disputa eleitoral, depois de atritos com o que se poderia chamar de "desenvolvimentismo de alto carbono" do governo Lula, na figura da tocadora de obras Dilma Rousseff, representa a reciclagem da proposta verde no Brasil.
Pela biografia incomum e pelo reconhecimento que conquistou, Marina reúne condições de obter apoio de empresários, encampar bandeiras como a reforma do Estado e influenciar a agenda das demais candidaturas.
Seja qual for o resultado da eleição, não poderá ser ignorada. Terá, ao menos, exercido papel relevante para retirar a política ambiental de seu antigo gueto.

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