LIVROS
Flip testa veia literária de Lou Reed
FSP 15/04
Poeta do rock marginal nos anos 60, americano vai participar da festa de Paraty e terá lançado livro com suas letras
Ex-estudante de poesia, roqueiro já escreveu peça baseada em Edgar Allan Poe e disse ter obra suficiente para concorrer ao Nobel
Lou Reed, escritor? É a pergunta que se faz diante da confirmação da presença do músico na próxima Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), de 4 a 8 de agosto.
Pois são as canções do roqueiro e fotógrafo -imortalizado, nos anos 60, ao criar a banda Velvet Underground- que justificam a sua participação no festival pop literário.
Em julho, a Companhia das Letras traz ao Brasil "Atravessar o Fogo", que reúne 310 músicas. Lançado em inglês em 2000, foi tido pela mídia americana como o endosso da importância de Reed como poeta.
Mas o autor de clássicos como "Walk on the Wild Side", "Heroin" e "Perfect Day", hoje com 68 anos, demonstrou outros vínculos com a literatura ao longo de sua carreira.
No mesmo ano do lançamento da coletânea que chega agora ao Brasil, Reed revisitou as histórias de mistério do escritor americano Edgar Allan Poe (1809 -1849) para escrever a peça "POEtry", em parceria com o diretor Robert Wilson.
Mais tarde, transformou o texto teatral no álbum-conceito "The Raven" (2003), em que gravou com convidados como Steve Buscemi e David Bowie. E as músicas, de novo, viraram livro, acompanhadas de fotos do cineasta Julian Schnabel.
"Eu amo a linguagem de Poe", disse, em 2001, ao "New York Times". "Combina perfeitamente com a minha ideia do que o rock poderia ser: o ritmo, o sexo do rock e o seu impulso físico, com o verdadeiro poder da linguagem."
A mescla de literatura e música, segundo o compositor, não é uma tentativa de legitimar o rock ou ensinar uma lição a adolescentes iletrados, apenas a recusa de separar dois meios de que gosta.
"Não vejo nenhuma razão pela qual você não possa gostar de rock e ser inteligente. Podemos engajar nossas mentes dentro da música", afirmou.
O "rock inteligente" de Reed começou nos anos 60, depois de estudar poesia com Delmore Schwartz (1913-1966), a quem chama de "mestre", na Universidade Syracuse.
Entre 1965 e o início dos anos 70, Reed aplicou seus conhecimentos literários a letras realistas sobre vícios, sexo e amores problemáticos, no auge da banda Velvet Underground, cujo nome foi inspirado no título de um livro.
Fora do grupo, o roqueiro se voltou mais uma vez à poesia, chegando a participar de recitais com a presença de Allen Ginsberg -ícone da geração beatnik- e a proclamar que nunca voltaria a cantar.
Desde então, não largou nem o rock nem a poesia, na tentativa de levar "sensibilidade literária ao rock and roll".
Questionado pelo jornal "El País", no fim de 2008, se imaginava o seu nome como candidato ao Nobel de Literatura, Reed, que foi à Espanha naquele ano participar de um recital de poesias, respondeu: "A pergunta é se acho possível? Não, Bob Dylan já preenche a cota de candidatos no setor dos cantores/compositores judeus. Se acho que mereço? Tenho obra suficiente".
E, nesta semana, Reed anunciou o seu próximo projeto musical, "Music for Dogs" (música para cães), em parceria com sua mulher, Laurie Anderson.
O concerto para ouvidos caninos está marcado para 5 de junho, como parte de um festival australiano que terá a curadoria do casal. Segundo a mulher de Reed disse a um jornal de Sydney, eles têm mais de dez anos de experiência em fazer música para o seu rat terrier.
&&&&&&&&&&&&&&
Para especialistas, o Brasil deverá ser condenado na OEA
FSP 15/05
Debate promovido pela Folha na última quarta discutiu a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Anistia
Debatedores afirmam que o caso do Araguaia motivará decisão negativa na Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos dias 20 e 21
Especialistas reunidos na quarta para debater a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Anistia divergiram quanto ao acerto da posição adotada pelo Judiciário, mas concordaram que, por causa dela, o Brasil deverá ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O país é réu em ação que será julgada na corte da OEA (Organização dos Estados Americanos) nos próximos dias 20 e 21. O processo foi motivado pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento durante a ditadura militar (1964-1985) de 70 pessoas ligadas à Guerrilha do Araguaia e camponeses que viviam na região.
"A jurisprudência da Corte Interamericana é consolidada. Não há nenhuma decisão em que a lei de anistia a repressores, a ditadores, tenha sido considerada legítima ou aplicável", afirma Beatriz Affonso, diretora do Cejil (Centro pela Justiça e Direito Internacional).
O Cejil, ONG dedicada à promoção dos direitos humanos, é uma das entidades que processaram o Estado brasileiro no caso do Araguaia. As outras duas são o Grupo Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.
"Nosso interesse não é ganhar o caso no sistema interamericano, mas entendemos que esse é um meio, quando foram esgotadas as possibilidades internas, de alcançar uma mudança estrutural no país. Infelizmente, com a decisão do STF, o Brasil perdeu a oportunidade de fazer essa mudança", diz a diretora do Cejil.
No final de abril, o Supremo decidiu por 7 votos a 2 que a interpretação da Lei da Anistia, de 1979, não pode ser alterada para permitir a punição de agentes do Estado que praticaram tortura durante a ditadura.
"A Corte Interamericana vai ser muito incisiva, porque nenhum país que recebeu uma decisão a esse respeito tinha passado tão perto de tomar a decisão de modificar [a sua lei de anistia]", afirma Affonso.
Cilada jurídica
O advogado Roberto Delmanto, autor, entre outras obras, de "Código Penal Comentado", concorda que o Brasil acabará condenado pela Corte Interamericana, mas não por fruto da decisão do STF, que considera correta.
"Não cabe criticar o STF, já que ele produziu uma decisão preso a uma cilada histórico-jurídica. A Lei da Anistia, quando foi promulgada, tinha a intenção de ser ampla. Ela queria beneficiar ambos os lados. Não podemos agora voltar atrás nessa interpretação sem ferir princípios que também foram conquistados a duras penas."
Delmanto afirma que a reinterpretação da anistia para permitir a punição de torturadores passaria por cima de dispositivos assegurados na Constituição, como as garantias de que a lei penal não poderá retroagir para prejudicar o réu e de que nenhum fato poderá ser considerado crime se não houver lei que o defina dessa maneira.
Para o advogado Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, não é correta a interpretação de que a Lei da Anistia tenha sido fruto de amplo acordo social.
"A anistia pleiteada, ampla e irrestrita, não foi concedida. (...) [A Lei da Anistia] não foi um acordo popular, mas um acordo entre políticos e militares comprometidos. Pretender encontrar no minguado resultado de uma luta popular o que se encontra na lei promulgada pelo presidente de turno é falsear a história."
Nesse sentido, Bicudo considera que a decisão do STF "vai na linha equivocada de [entender] que foi perdoando algozes e suas vítimas que conquistamos a sonhada democracia, pacificamente e sem novos confrontos. Lamentável engano".
No entanto, argumenta Bicudo, "esse episódio não se esgota na decisão do STF". Ele afirma que a Corte Interamericana não considera que possa existir "autoanistia a autores de crimes contra a humanidade, que são imprescritíveis".
Abertura dos arquivos
O professor de direito da USP Guilherme Guimarães Feliciano também discorda da decisão do STF, que, para ele, "perdeu a última porta da história para fazer justiça" nesse caso.
"Eu tenho dito que não seria possível revogar a Lei da Anistia. Outra coisa é reinterpretar a lei, o que faria um grande sentido, inclusive na perspectiva de um tratamento isonômico daqueles que participaram daquelas lutas. A lei não tratou igualmente os polos do embate político", diz Feliciano.
Para o professor da USP, no entanto, ainda é possível "conhecer a verdade e reparar os que foram vitimados sem que esse conhecimento e essa reparação venham a ferir cláusulas constitucionais". Para ele, "é absolutamente imprescindível que os arquivos sejam abertos".
Segundo Feliciano, a abertura dos arquivos da ditadura é importante inclusive para o presente. "Não sejamos hipócritas. A tortura ainda existe. E acho que isso tem que ser combatido com tanta veemência quanto têm sido combatidos os casos do Araguaia e os relativos a torturas durante a ditadura."
Nenhum comentário:
Postar um comentário