Justiça define futuro de bairros planejados
FSP 28/04
STJ analisa caso que põe em xeque respeito a regras estabelecidas por loteamentos, como limitar a construção de prédios
Resultado de julgamento sobre edifício levantado em desacordo com regras da City Lapa, zona oeste de SP, pode influenciar futuras decisões
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Está nas mãos do STJ (Superior Tribunal de Justiça) uma decisão que pode mudar o futuro dos bairros e loteamentos planejados em todo o país.
Em jogo, está o respeito ou não às regras criadas por particulares especificamente para esses lugares, como, por exemplo, limitar a altura de prédios ou proibi-los, independentemente das leis de zoneamento definidas pelo poder público.
O caso do STJ é o de um prédio de oito andares na City Lapa, zona oeste paulistana, onde a Companhia City implantou o conceito de "bairro-jardim", com ruas sinuosas, arborizadas e livre de grandes edifícios.
A associação de moradores e o movimento Defenda SP pedem a demolição do prédio, esqueleto embargado em
Falta só o voto de um ministro para o tribunal decidir. Em março, o julgamento foi suspenso -estava empatado em dois a dois. A sentença deveria sair ainda em abril, mas, diz o STJ, não há um prazo definido.
Legislações
O edifício desrespeitou as regras do loteamento na City Lapa para se instalar, segundo os moradores. Legislação municipal determina que as regras dos loteamentos devam ser respeitadas desde que sejam mais restritivas que as municipais.
Embora haja essa restrição, construtoras muitas vezes conseguem alvarás da prefeitura, baseados no zoneamento municipal menos restritivo. Foi o que ocorreu
Agora, se a decisão for favorável à construtora, abre-se precedente para modificar as regras de loteamentos antigos semelhantes, o Pacaembu, os Jardins América e Europa e o Alto de Pinheiros, todos em áreas nobres de São Paulo -a City Lapa não será afetada pois foi tombada, em 2009, pelo conselho do patrimônio municipal.
A mudança "implicaria a desconstituição de todas as restrições urbanístico-ambientais no Brasil, em especial no município de São Paulo, abrindo à especulação imobiliária ilhas verdes da cidade", disse o ministro Herman Benjamin, relator do caso e responsável por um dos votos pró-demolição.
Defesa
Eliana Calmon, que votou a favor da construtora, argumenta haver legitimidade no alvará.
"A obra chegou à oitava laje com alvará da prefeitura. Esse tipo de construção era possível na região", afirmou o advogado Ruy Carlos de Barros Monteiro, que defende a CCK. "O argumento do precedente é o único que sobra para eles, porque juridicamente não há como sustentar essa demolição", disse.
Calem-se - reportagem especial
Brasília amordaçada
Na última parte da série sobre as restrições à música brasileira durante a ditadura militar, compositores da cidade revelam que partiam até para o corpo a corpo a fim de liberar suas obras. Muitas vezes, eram recebidos aos gritos pelos censores
Carlos Marcelo
Ao folhear pela primeira vez as cópias dos documentos da Divisão de Censura de Diversões Públicas obtidas pelo Correio, Aldo Justo Fagundes balança a cabeça e cerra o rosto. “É um negócio absurdo.” Refere-se ao parecer de 18 de maio de 1973, assinado pelo técnico João Camelier, recomendando a “não liberação” da música Quem semeia e quem semente, por conta da “mensagem negativa”, da crítica ao “status quo vigente” e do tema: “crítica política”.
Quem semeia toda a guerra e dita a luta, mostra um rumo só Sobre esta via a fome se aflita, baixa a fronte Sem poder a verdade acrescentar…
Há 37 anos, Aldo Justo era um estudante que saiu do Rio Grande do Sul para a capital federal com um violão embaixo do braço e um desejo imenso: participar dos festivais promovidos por colégios, febre da juventude brasileira no começo dos anos 1970. Ceub, Elefante Branco, Objetivo, Pré-Universitário… “Os festivais eram a principal forma de canalizar a produção musical de quem estava começando”, lembra o compositor, que depois montaria o Liga Tripa, referência cultural da cidade por fazer “guerrilha musical”, com apresentações ao ar livre por ruas e bares como o Beirute.
Aldo Justo lembra que, para se inscrever nos festivais, era necessário entregar uma fita cassete com a gravação, acompanhada da letra. Depois, duas triagens: da comissão julgadora e da censura. “Era um procedimento rotineiro e a gente apelava com requerimentos, tentando liberar nossas composições”, detalha o músico. Para conseguir cantar Quem semeia e quem semente, Aldo fez o de praxe: alterou versos, suprimiu outros. Então, a música foi aprovada.
Por conta da proximidade da sede da Polícia Federal, Aldo Justo e outros músicos locais tentavam pessoalmente a liberação de suas canções. Não havia advogados nem gravadoras para fazer a intermediação; frente a frente, o compositor e o censor. Às vezes, surgia a possibilidade de diálogo: “Tira essa parte que a gente analisa de novo…”. Mas outras vezes…
Ao lembrar à reportagem os gritos que ouviu do censor, Aldo desanuvia a expressão facial e ironiza: “Inocente útil, eu? Fiquei até lisonjeado…”. Conta que, assim como Chico Buarque, ao menos uma vez conseguiu driblar a censura. Foi com as referências à situação política da América do Sul que embutiu em letra sobre uma garota, Meire, que vivia “levando golpes dos meirineiros”: “A Meire cá do Sul/ Di Alendê/ A Meire caladinha/ Di arendê”. Deu certo: a música, com citação ao líder chileno Salvador Allende, foi classificada para o festival do Objetivo. “Essa foi a fase mais nacionalista da música brasileira. Muita tensão gera criatividade”, acredita Aldo Justo.
Cariello: “Ofensa à ordem pública”
No início dos anos 1970, Antônio Carlos Vieira Cariello morava em uma casa na 712 Sul. Filho de funcionário público, tinha chegado de Vitória em 1963. “Brasília me alargou os horizontes”, reconhece. Assim como o irmão mais velho, Orlando (candidato a governador pelo PSTU em 1998 e 2002), Antônio Carlos (conhecido também pelo apelido Toninho) estudou no Ciem, depois foi para a UnB. Aluno do professor Raul Santiago, na Escola de Música, gostava de Chico Buarque e, “em especial”, de Geraldo Vandré. Dizia que suas composições refletiam o interesse por questões sociais e políticas. Uma delas, O anjo, foi inscrita em festival do Ceub. Por conta de versos como “eles pensaram em liberdade, mas as ruas da cidade eram becos sem saída” e “farei prisão virar liberdade em cada coração para isso só preciso de minha voz e meu violão e um coro imenso cantando o que penso”, a música foi censurada. Motivo: ofensa à ordem pública.
O parecer 2971/73, que aponta a tal “ofensa” em O anjo, foi assinado em 11 de maio de 1973 pelo técnico José do Carmo Andrade. Quatro dias depois, a avaliação ganhou endosso de F.V. de Azevedo Netto, chefe da SCTC-SC/DCDP. Assim, O anjo ficou de fora do festival. Outras músicas politizadas de Cariello não passaram incólumes. Engajado no movimento estudantil, ele fazia música assumidamente revolucionária. “Eu botava pra quebrar”, reconhece. E botou para quebrar quando ignorou os rumores dominantes (“quem vai lá corre o risco de não voltar”) e foi até a sede da Censura, na Polícia Federal. Em conversa com um técnico da PF, tentou a liberação de três músicas. O diálogo foi interrompido pelo chefe do censor, que questionou a menção a Jesus Cristo em uma das composições. “Esse Jesus da sua letra não passa de um comunista disfarçado!”, criticou, à época, o censor.
A rispidez aumentou – e foi devolvida na mesma moeda. O chefe, então, encerrou a conversa com um soco na mesa e uma ameaça.
E assim Cariello fez. Continuou, ainda por algum tempo e de forma clandestina, cantando os seus versos e os de compositores cubanos como Carlos Puebla: “Aqui se queda la clara, la entrañable transparencia / de tu querida presencia, Comandante Che Guevara!”. Mas, em retrospecto, Antônio Carlos Cariello acredita que as intervenções da censura comprometeram as pretensões musicais que alimentava: “A censura desanimou a minha carreira como letrista comprometido. Foi um período muito ruim, muito sofrido. Passamos por momentos extremamente perigosos”. Conta que sua vida passou por “reviravolta radical”: depois de morar
Acervo de raridades
A burocracia da repressão provocou efeito colateral que nem músicos nem censores imaginavam quando ocupavam lados opostos do ringue: a preservação de músicas que se perderam no tempo e na trajetória da música brasiliense. Em requerimentos apresentados à Polícia Federal em 22 de outubro de 1981 pelo estudante André Mueller, por exemplo, surgem algumas das primeiras composições da Plebe Rude, como Fascinação (“Então eu saio a cem na contra-mão/ Só eu, meu carro azul e a solidão/Por que faço tudo isso? Só pra chamar tua atenção!”) e uma música com o nome da banda (“Plebe pobre, plebe podre, plebe suja, plebe ignara, saiam do escuro, saiam da sombra, apareçam”), jamais gravadas pelo grupo. O mesmo ocorre com o Capital Inicial: Eu tenho medo de me divertir, música da dupla Flávio Lemos/Loro Jones com letra do baterista Fê Lemos (“Vou tentar uma jogada/Meio louca alucinada/ Levantar uma bolada/ E alugar uma namorada”), examinada e liberada em novembro de 1985, nunca foi registrada
A consulta ao acervo da Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal (CRDF) permite acompanhar a diversidade da produção brasiliense dos anos 1970. De Paulo Tovar, morto ano passado aos 54 anos, o Correio encontrou a música Regresso dos barcos, submetida e liberada em setembro de 1977. Mesma sorte não teve, quatro anos antes, Ita Catta Preta (também já falecido), posteriormente integrante do Liga Tripa. A censura implicou com Guerrilera: “Sugiro devolução da letra ao interessado para correção no último verso, uma vez que contrária (sic) os interesses nacionais”, recomendou a censora Vilma Duarte do Nascimento, em 17 de abril de 1973.
Nas centenas de caixas de papelão que guardam as composições apresentadas à censura na década de 1970, há letras de outros nomes conhecidos na cena cultural da cidade: Vicente Sá, Sérgio Duboc, TT Catalão, Clésio/Climério Ferreira, Rosa Passos (três parcerias em 1980 com Fernando de Oliveira), Antônio de Pádua Gurgel, Mangueira Diniz, Oswaldo Montenegro, Rênio Quintas (11 músicas, entre elas Sul ou norte e Caminhos da cidade), Clayton Aguiar (Chorinho do funcionário público). Parte da cultura brasiliense acabou preservada, quem diria, por conta da eficiência burocrática da unidade repressora oficial.(CM)
Os duelos de Renato
Em 1981, quatro anos antes do início do sucesso nacional com a Legião Urbana, o jovem Renato Manfredini Jr. submeteu à censura algumas de suas composições da época de Aborto Elétrico. Ganhou seu primeiro veto por conta dos versos niilistas de Heroína (“Eu não quero mais viver, eu quero ser um vegetal”). Tempos depois, já contratado pela gravadora EMI-Odeon, Renato Russo voltaria a ter embates com a censura. Baader-meinhof blues e O reggae, duas faixas do primeiro disco da Legião, tiveram a radiodifusão proibida. E Dado viciado, submetida em 1984, mas gravada apenas no álbum Que país é este 1978-1987, foi vetada por três censores diferentes.
Em 1987, Faroeste caboclo também ganhou três condenações por “linguagem vulgar e grosseira” e “expressões empregadas por viciados e traficantes de drogas”. A Emi-Odeon, então, utilizou recurso maroto: substituiu no recurso os trechos considerados problemáticos, mas os manteve no disco e no encarte. Meses depois, a artimanha foi notada e a gravadora, multada. “A referida melodia vem sendo veiculada através de organismos de radiodifusão locais em sua versão integral”, alertou a censora federal Telma Maria de Melo Costa. Tarde demais: mesmo com 9 minutos de duração, a saga de João de Santo Cristo já era uma das músicas mais executadas em todo o país. (CM) .
Fonte: correioweb 28/04
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