quarta-feira, 14 de abril de 2010

BRASÍLIA 50 ANOS - Preciosas páginas da história

Livro reúne farto material sobre a criação da capital, projeto à época considerado revolucionário

A notícia da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, correu o mundo. Com a proximidade do grande dia, dezenas de jornais internacionais destacaram a atitude do Presidente da República Juscelino Kubitschek em erguer a nova capital do Brasil em pouco mais de quatro anos. Alguns o trataram como corajoso e determinado. Outros o taxaram de louco. De uma forma ou de outra, a cidade que tomou forma em meio ao cerrado ganhou destaque nos grandes jornais do planeta. Cinquenta anos depois, o grupo de comunicação Santafé Ideias selecionou as 60 reportagens de maior destaque em um livro de 144 páginas intitulado Do concreto ao papel — o nascimento de Brasília na imprensa mundial. As pesquisas foram feitas em arquivos públicos nacionais e na British Library(1), em Londres (Inglaterra). Os exemplares serão lançados dia 20 próximo e distribuídos em escolas e bibliotecas públicas e aos chefes de estado do mundo.

Além do planejamento da cidade, os traços do urbanista Lucio Costa e do arquiteto Oscar Niemeyer chamaram a atenção dos estrangeiros. O jornal inglês The Times, por exemplo, deu destaque a algumas fotos em vez de produzir um texto corrido. Outros impressos publicaram o mapa de Brasília com a distribuição dos bairros da cidade — a rodoviária e o centro político no corpo do avião e as asas Norte e Sul tomadas por prédios de apartamentos. “É legal ver como os outros países enxergaram a construção de Brasília e o Brasil naquela época. É emocionante”, comemora a coordenadora do projeto, Flávia Gomes. “O Brasil era um país de pouca expressão internacional. Nos surpreendeu como a construção de Brasília ganhou espaço na mídia internacional”, disse o jornalista Etevaldo Dias, presidente da Santafé Ideias.

A capa colorida do livro se contrapõe ao preto e branco das páginas velhas de jornal. Os exemplares reunirão reportagens em 11 idiomas diferentes, traduzidas para português e inglês. Todas elas serão ilustradas com o fac-símile da página do jornal impresso publicado há 50 anos. E ainda disponibilizarão curiosidades sobre o veículo de comunicação. Grande parte desses jornais, como o britânico Financial Times, circula até hoje. Para contextualizar a época e a situação, os organizadores ainda reuniram os depoimentos de jornalistas que cobriram a festa de inauguração de Brasília. Entre eles, está o atual vice-presidente do Correio Braziliense, Ari Cunha. “O livro terá um valor didático. Poderá ser usado em aulas de história e geografia sobre a construção de Brasília”, acredita Etevaldo.

Rico acervo
Foram dois meses de trabalho. Como os jornais são velhos e foram digitalizados por microfilmagem, algumas páginas estavam ilegíveis. Ainda assim, é possível decifrar as informações. Uma matéria do jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, publicada em 21 de abril de 1960, enaltece a nova capital. “O Brasil amanhece em nova capital. No vasto Planalto Central, Brasília, o sonho acalentado desde os inconfidentes, surge no centro de gravidade do país para comandar a conquista do interior e trazer até ela a civilização que se espraia pelo Atlântico. Há pouco mais de três anos, ela existia apenas na imaginação de homens e era esboço sobre uma prancheta”, está escrito no primeiro parágrafo. Os jornais espanhóis criavam verdadeiras poesias em torno da cidade (veja quadro).

Durante a pesquisa, foram encontrados 150 jornais que citaram a inauguração de Brasília de alguma forma. Os coordenadores do projeto ainda procuraram exemplares da Rússia e da China. À época, porém, os dois países comunistas não tinham relações diplomáticas com o Brasil e ignoraram o fato. Etevaldo Dias acredita que muito da história de Brasília esteja espalhada pelo país. E, por isso, defende a unificação das informações em livros como este. “Foi difícil capturar informações dos primeiros 50 anos. Como serão os próximos 50, então? Brasília precisa de um trabalho sério para guardar a própria história”, defende.

Serão lançados, no dia 21, 15 mil exemplares do livro — sendo 5 mil na versão de luxo e 10 mil na standard. “Este livro é o mais amplo registro de nascimento de Brasília na mídia nacional e internacional. É o único produto sobre 21 de abril e os primeiros registros de Brasília para o aniversário dos 50 anos”, anuncia Etevaldo. A empresa idealizadora do projeto passou às mãos do Governo do Distrito Federal os direitos autorais do trabalho. Dessa forma, o governo poderá reproduzir as obras e utilizar o conteúdo da forma que desejar.

1 - Um superacervo
Abriga relíquias e tem uma das coleções mais ricas do mundo. Em 1971, o governo reuniu em um único prédio os acervos de diversas instituições do país, entre elas o Departamento de Livros Impressos do Museu Britânico, fundado em 1753. Inaugurado pela rainha Elizabeth II em 1998, a British Library abriga em seus 14 andares — seis estão no subsolo — cerca de 40 milhões de itens. O acesso às enormes salas de leitura, com capacidade para até 1.200 pessoas, é selecionado. O segundo andar abriga uma exposição permanente com os mais valiosos tesouros da coleção.

O que disseram

Jornal La Vanguardia Española — Espanha
Brasília, a nova capital do Brasil, foi construída em quatro anos, segundo os projetos de um único artista: o arquiteto Oscar Niemeyer. Tanto na sua arquitetura quanto na sua concepção urbanística, é o mais novo (projeto) que existe no mundo. É uma cidade de grandes espaços prevista para um trânsito muito intenso, cujas ruas, em vez de se cruzarem, passam umas em cima das outras mediante pontes, de onde os pedestres terão calçadas e rampas especiais para circular, com a concentração de atividades econômicas em determinados bairros. Com tudo isso, Brasília será um modelo para a construção das cidades do futuro, que se inspirará em suas normas urbanísticas próprias para fazer frente aos novos tempos.

L’unita – Itália
Esta manhã, às 8h, a capital do Brasil deixará de ser o Rio de Janeiro para ser uma nova cidade: Brasília, como havia decretado apenas cinco anos atrás o presidente da República Juscelino Kubitschek. (…) Mudar o centro político, fazer com que este coincida com o centro geográfico e nele concentrar a atividade econômica: esta é a explicação oficial de Brasília. Na realidade, agora, o Brasil precisa afirmar-se como nação frente ao capitalismo americano que, há muito tempo, pôs as mãos sobre boa parte da economia brasileira e do qual o capitalismo brasileiro tenta libertar-se. A Região Norte do país, com todos os seus recursos que serão, sem dúvida, algum dia, valorizados, é a mais próxima dos Estados Unidos, ao alcance da mão e das suas ambições; enquanto que o Rio, a capital, fica muito longe daquelas terras.


Um altar para a Esplanada

A Arquidiocese de Brasília montou um grande altar na Esplanada dos Ministérios. O símbolo maior sobre o espaço, um palco de celebrações, é uma hóstia partida sobre uma cruz. O monumento, que fica no local por cerca de dois meses e será palco de diversas missas ao ar livre, também vai receber o XVI Congresso Eucarístico Nacional, de 13 a16 de maio.

Nas comemorações católicas dos 50 anos, o arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, celebrará uma missa nos moldes daquela rezada na inauguração da cidade. A cerimônia, feita a pedido do Governo do Distrito Federal, será ao ar livre e terá início às 23h do dia 20 próximo. “Juscelino Kubitschek quis entrar no primeiro minuto do dia da inauguração da capital federal em uma missa. A celebração, na época, ocorreu em frente ao Palácio do Planalto”, lembrou o arcebispo.

No dia 22, uma nova missa será realizada, já na Catedral de Brasília. A celebração, que ocorrerá às 12h, será a primeira do templo após sua reforma, e comemorará os 50 anos da catedral. A missa de comemoração foi atrasada em um dia, para não chocar com as festas do aniversário da cidade. Coforme lembrou o monsenhor Marcony Vinícius Ferreira, pároco da catedral e vigário-geral da Arquidiocese de Brasília, 21 de abril será reservado para os shows. “O dia 21 será um evento de massa, e vamos deixar para os shows”, afirmou.

Muitos desafios
Para dom João, a Igreja Católica tem participação importante na história de Brasília, que ele chama de “um sonho que se realizou.” “Também acompanhamos diversos momentos políticos. Brasília, nesse sentido, tem a característica de ser intensa e imprevisível. E temos grandes desafios pela frente. Celebramos 50 anos com uma crise política como essa e fortes contrastes sociais. Acredito que o caminho para resolver isso é o diálogo, sem excluir nem duvidar da colaboração de todos”, falou.


Senado antecipa cerimônia


O Senado Federal comemorou o cinquentenário de Brasília antecipadamente. Em uma sessão deliberativa de quase três horas no plenário da Casa, 10 parlamentares subiram à tribuna para discursar. Havia 49 senadores presentes. A sessão lembrou também a data da morte de Tiradentes, inconfidente mineiro executado há 218 anos. A homenagem foi requerida pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), o primeiro a relatar, na cerimônia, a importância histórica da cidade.

O senador classificou como “as duas grandes epopeias brasileiras” as datas memoráveis — a morte do mártir e a inauguração da capital. “Mas um país não se faz apenas de heróis se esses heróis não ajudam a construir a história com a grandeza dos gestos nacionais. Não apenas o gesto de um indivíduo como Tiradentes, mas o gesto de uma nação inteira. E é aqui que entra a epopeia de Brasília”, completou.

De acordo com Buarque, a data de inauguração de Brasília não foi decidida de forma aleatória. “Juscelino Kubitscheck, ao escolher essa data, quis prestar uma homenagem a Tiradentes, para lembrar a todos do heroísmo de um homem e da epopeia de uma nação.” Em seguida, a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) destacou como a criação de Brasília impulsionou o crescimento econômico do país: “É inquestionável que a construção de Brasília mudou a fisionomia de todo o Centro-Oeste e, sem exagerar, podemos dizer que de todo o vasto interior brasileir”.

Os senadores relembraram histórias de JK e dos candangos. O primeiro a tocar no assunto do escândalo que recentemente envolveu o DF foi o senador Adelmir Santana (DEM-DF). Ele fez um apelo aos brasilienses para que não deixem de celebrar os 50 anos da cidade e que acreditem em uma renovação. “Brasília é modernidade, é empreendedorismo, é crença no futuro do Brasil. Brasilienses, vamos festejar a nossa cidade(...) . Ainda que não se faça presente a figura governamental nas comemorações que se processam nesta Casa, a iniciativa da comemoração merece os nossos aplausos”, concluiu. Correioweb.com.br 14/04

MARCELO COELHO

Leituras privadas, livros públicos FSP 14/04

O Kindle e os iPods tornam o ato de ler e de ouvir música muito mais secreto



IPOD, IPAD, iPhone, Bluetooth: não me perguntem a diferença entre uma coisa e outra. Quase nunca uso o celular e acho isso uma felicidade.
Minha reação varia entre pena, horror, medo e desprezo quando vejo aquelas filas de fanáticos esperando a abertura da loja onde comprarão o mais recente brinquedo eletrônico, que, daqui a pouco, estará completamente obsoleto. Esperar continua a ser uma grande virtude. Eu teria, sem dúvida, me dado mal se tivesse cedido ao impulso de comprar uma TV de plasma há alguns anos atrás; parece que não dá muito certo e, de todo modo, barateia com o passar do tempo.
Em matéria de eletrônicos, minha única política tem sido a de usar até que quebrem. Aí, é claro, não chego ao extremo de mandar para o conserto: isso seria xiita nos dias que correm.
Como meu velho toca-discos ainda funciona, posso até saborear a secreta vingança de ver o vinil voltando à moda; no túmulo, talvez, outros motivos existirão para quem me encontrar sorrindo. Leio, entretanto, meu horóscopo do dia e corrijo o andor deste artigo.
"Capricórnio. Hoje pode ser um daqueles dias em que você ri por dentro da miséria alheia, dos erros e das cabeçadas, que outros, mais empolgados, crentes e ingênuos, cometeram, tentando acertar e viver melhor. Tire esse dedo da cara dos outros e não seja chato achando que sabe tudo." Certo. Tiro o dedo da cara dos outros e deixo-o livre, quem sabe, para tocar algum dia a tela sensível de um iPad, se tal aparelho vier a cair nas minhas mãos.
Por enquanto, a única coisa que vi parecida foi o Kindle, que um amigo trouxe dos Estados Unidos. A vontade de comprar veio na hora; pouco tempo depois, sumiu. O livro eletrônico da Amazon me pareceu bonitinho, elegante, e suas vantagens práticas (em viagem, por exemplo) não me deixaram indiferente. Mas espero.
E, enquanto espero, topo com um novo argumento a favor do livro tradicional. Não aquelas elegias ao cheiro do papel, à rugosidade da encadernação etc., que tendem a esquecer as folhas que se rasgam, que se despregam da lombada, que indelevelmente registram (compro muito livro usado) as marcas de esferográfica, além da coriza de seus antigos donos.
Leio, na edição traduzida do "New York Times", que a Folha trouxe encartada na segunda-feira, um problema mais grave. Coisas como o Kindle e o iPad acabam com as capas dos livros.
Desaparece, diz Motoko Rich na sua reportagem, o prazer bisbilhoteiro de ver o que a outra pessoa está lendo no avião, no metrô ou na sala de espera.
Desaparece também a vaidade de mostrar ao próximo que livro você está lendo. A nova-iorquina Bindu Wiles, por exemplo, ostentou durante um bom tempo, em suas viagens no metrô, o romance "Anna Karenina", de Tolstói. Orgulhava-se disso, e não haverá Kindle folheado a ouro e cravejado de cristais Swarowski que substitua essa pequena pretensão.
Mas há soluções para tudo. Um site chamado "librarything" funciona como uma espécie de Facebook só para leitores de livros. Você põe ali a lista dos livros que andou lendo (o que é um bom registro, aliás, para depois de uns anos perceber o quanto esqueceu das próprias leituras).
A lista inclui automaticamente a capinha do livro e mostra quantas outras pessoas o leem também. É claro que daí surgem indicações de livros parecidos, salas de discussão, tudo o que você quiser.
O caso da americana Bindu Wiles, que gosta de aparecer com um Tolstói a caminho do trabalho, leva a pensar em outro fenômeno. Costumamos achar que toda novidade tecnológica contribui para dissolver a esfera da vida privada.
Celulares, como se sabe, não respeitam a intimidade de ninguém. Eis que o livro eletrônico e também os iPods tornam o ato de ler ou de ouvir música muito mais secreto do que era antigamente. Alguns séculos atrás, só se lia em voz alta; música era acontecimento público. Agora, também o cinema e a televisão se individualizaram em telas portáteis, como joguinhos eletrônicos.
Lamento pelas capas dos livros, tantas vezes lindas. Mas, da oração protestante à leitura de um gibi, é a vida privada que não cessa de se fortalecer ao longo do tempo; talvez todas as invasões de "reality shows" e bisbilhotices na internet não passem, na verdade, dos últimos gritos desesperados de uma coisa prestes a desaparecer: a vida em comum.

marcelofsp@uol.com.br

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