Exposição revela um novo olhar sobre as favelas
FSP 08/04
Mostra na Casa Brasileira reúne estudiosos em torno do tema; reurbanização substituiu erradicação desses espaços
Mudança na forma de encarar as favelas começou no Rio, na década de 60; exposição terá ainda uma visita guiada a Paraisópolis
Há mais arquitetos de renome fazendo obras em favelas de São Paulo do que em qualquer outra área da cidade. De Ruy Ohtake a Marcelo Ferraz, do escritório Piratininga ao Elemental, do Chile, todos têm projetos em áreas que não têm esgoto nem rua.
O fenômeno pode ser visto como um comentário sobre o conservadorismo do mercado imobiliário. Mas a principal novidade parece estar na outra ponta: as favelas paulistanas estão mudando.
Uma exposição que abre hoje no Museu da Casa Brasileira, "Cidades Informais do Século 21", traz algumas pistas dessas mudanças. Ela mescla o que a Prefeitura de São Paulo mostrou na Bienal de Roterdã, na Holanda, com debates. O italiano Bernardo Secchi, um dos mais influentes estudiosos do urbanismo, e o americano Alfredo Brillembourg, que tornou-se conhecido por implantar teleférico num morro de Caracas, debaterão com brasileiros como Sérgio Magalhães, que atuou no mais bem-sucedido programa brasileiro nessa área, o Favela-Bairro, no Rio (veja a programação completa em www.mcb.org.br). Erradicação de favela, ação que PT, PSDB e Paulo Maluf apoiavam, virou palavrão. A nova ordem é reurbanizar. "O olhar do arquiteto sobre a favela mudou. A ideia da exposição é convidar o público a mudar esse olhar também", diz Marisa Barda, curadora da mostra.
Para ajudar a quebrar o preconceito, uma van sairá, às quartas-feiras, do museu para uma visita guiada à favela de Paraisópolis, no Morumbi. Paraisópolis é a favela paulistana que recebeu a segunda maior dotação de recursos da prefeitura, de R$ 400 milhões, logo atrás de Heliópolis (R$ 430 milhões).
Crise do modernismo
Magalhães tem dados históricos que apontam que essa mudança na forma de encarar as favelas começou no Rio de Janeiro. Em
O projeto de Carlos Nelson gerou em 1994 o Favela-Bairro.
Como ocorre hoje
O programa pioneiro de 1968 e o Favela-Bairro marcam o fim da influência do modernismo na urbanização, que previa um modelo único de cidade e encarava a favela como um desvio a ser corrigido, na visão de Magalhães. A própria paisagem do Rio, segundo ele, explica por que foi lá que a diversidade urbanística das favelas começou a ser aceita no país.
Em São Paulo, a crise do urbanismo modernista demorou mais tempo para empurrar bons arquitetos para as favelas.
O arquiteto Fernando de Melo Franco, do escritório MMBB, cita duas razões para esse descompasso: 1) o urbanismo paulistano só se preocupou com o trânsito por causa da ênfase na produção; 2) os que atuavam em favelas estavam mais ocupados com organização política do que com projetos. "
CIDADE INFORMAL DO SÉCULO 21
Quando: de ter. a dom., das 10h às 18h; até 9/5
Onde: Museu da Casa Brasileira (av. Faria Lima, 2.705, tel. 0/xx/11/3032-3727)
Quanto: R$ 4; grátis dom. e feriados
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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Uma viagem à China de hoje – FSP 09/04
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Ainda bem que a economia brasileira está ligada de forma muito forte ao desenvolvimento chinês
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A CABO DE chegar de uma viagem à China. Foram 15 dias conversando com autoridades do governo e visitando algumas fábricas de automóveis e caminhões na região sul do país de Mao. Não foi uma viagem de turista, mas a de um observador da dinâmica econômica desse incrível país.
Uma primeira observação é a de que, mesmo na capital, Pequim, podemos encontrar, lado a lado, a moderna e a velha China. No interior, esse contraste é ainda mais chocante. De um lado, as construções modernas e mesmo futuristas do boom imobiliário dos últimos anos. De outro, os velhos becos com suas casas modestas e empilhadas uma ao lado das outras. Junto aos modernos hotéis, administrados pelas cadeias internacionais mais famosas, podemos encontrar nos bairros mais afastados da milenar capital chinesa ainda os restaurantes populares que vi na minha primeira viagem, em 1984.
Mas, como disse anteriormente, o meu centro de atenção era a moderna economia chinesa e a forma como está organizada hoje. A presença do Estado é dominante. Em conversas com dirigentes de bancos e outras empresas estatais, isso fica muito claro. Todos estão amarrados a prioridades e metas dos Planos Quinquenais herdados da época do comunismo ortodoxo. E o respeito hierárquico ao quadro de dirigentes políticos do país é absoluto.
Mas aprendi também que, embora o Estado seja o controlador das empresas, existe entre elas uma profunda competição por mercados e eficiência, inclusive lucros. E os resultados obtidos na gestão das empresas é um dos mais importantes indicadores para subir na hierarquia do governo.
A geração atual de dirigentes chineses é quase toda formada por engenheiros que administraram com sucesso a implantação da gigantesca usina hidrelétrica de Três Gargantas. Essa característica de meritocracia -não baseada em bônus financeiros mas de poder na esfera política- talvez seja uma das causas mais importantes por trás do sucesso chinês nesta última década.
Por outro lado, percebe-se que o país de referência para a elite chinesa são os Estados Unidos. Um dos dirigentes com quem conversei longamente me perguntou por que a China é obrigada a comprar a soja brasileira de multinacionais americanas.
Procurei explicar as características especiais da relação comercial e financeira dessas empresas com os agricultores brasileiros, mas temo que não tenha sido entendido. E não por culpa do meu excelente tradutor chinês.
Outra surpresa foi encontrar nas empresas visitadas uma preocupação muito forte com a absorção de tecnologia ocidental e uma busca na melhoria de seus produtos. Fica claro que existe uma diferença muito grande na tecnologia usada nos produtos para exportação e para o mercado local. Mas, no longo prazo, o setor industrial vai superar o atraso atual em relação às economias mais avançadas e assumir a liderança em setores de ponta.
Outro motivo de espanto, em reunião com o dirigente de uma enorme fábrica de motores, foi saber que os operários trabalhavam oito horas por dia, 28 dias por mês. Lembrei-me de que, no Brasil, os sindicatos estão tentando aprovar no Congresso uma lei que limita em 40 horas a semana do trabalhador.
Ainda bem que a economia brasileira está ligada de forma muito forte ao desenvolvimento chinês. Essa vai ser uma das fontes mais importantes para nosso crescimento econômico na próxima década. É só ter juízo.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
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