quinta-feira, 8 de abril de 2010

ELIO GASPARI - FSP 07/04

De Cazemiro@edu para Demóstenes.Torres@gov

Desde o século 19, o negro livre é uma encrenca para as nossas leis, eu que o diga


ILUSTRE SENADOR Demóstenes Torres,
Quem lhe escreve é Cazemiro, um Nagô atrevido. Faço-o porque li que o senhor, um senador, doutor em leis, sustenta que a escravidão brasileira foi uma instituição africana. Referindo-se aos 4 milhões de negros trazidos para o Brasil, vosmicê disse o seguinte: "Lamentavelmente, não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos, mas chegaram..."
Vou lhe contar o meu caso. Eu cheguei ao Rio de Janeiro em julho de 1821 a bordo da escuna Emília, junto com outros 354 africanos. O barco era português e o capitão, também. Fingia levar fumo para o Congo, mas foi buscar negros na Nigéria e, na volta, acabou capturado pela Marinha inglesa. Desde 1815, um tratado assinado por Portugal e Grã Bretanha proibia o tráfico de escravos pela linha do Equador.
Quando a Emília atracou no Rio, fomos identificados pelas marcas dos ferros. A minha, no peito, parecia um arabesco. Viramos "africanos livres". Livres? Não, o negro confiscado a um traficante era privatizado e concedido a um senhor, a quem deveria servir por 14 anos. O Félix Africano, resgatado em 1835, penou 27 anos. Doutor Demóstenes, essa lei era brasileira.
A turma da Emília trabalhou na iluminação das ruas e no Passeio Público. Algumas mulheres tornaram-se criadas. A gente se virou, senador. Havia senhores que compravam negros mortos, trocavam nossas identidades e não nos liberavam. As marcas a ferro nos ajudaram.
Alguns de nós conseguiram juntar dinheiro. Como estávamos sob a supervisão dos juízes ingleses, em 1836 compramos lugar num barco. Dos 354 que chegaram, talvez 60 retornaram à África.
Como doutor em leis, vosmicê sabe que o Brasil se comprometeu a acabar com todo o tráfico em 1830. Entre 1831 e 1856 chegaram 760 mil negros, os confiscados devem ter sido 11 mil, ou 1,5%. Aquela propriedade da Marinha, na Marambaia, onde às vezes o presidente brasileiro descansa, era um viveiro de escravos contrabandeados. Não apenas a escravidão do Império era uma instituição brasileira, como assentava-se no ilícito, no contrabando.
Outro dia eu encontrei o Mahommah Baquaqua, mais conhecido nos Estados Unidos do que no Brasil. Ele foi capturado no Benin, lá por 1840, vendido a um padeiro em Pernambuco e revendido no Rio ao capitão do navio "Lembrança".
Em 1847, o barco fez uma viagem ao porto de Nova York e lá o Baquaqua fugiu. Teve a proteção dos abolicionistas, razoável cobertura jornalística, estudou e escreveu um livro contando sua história (inédito em português, imagine). Fazia tempo que eu queria perguntar ao Baquaqua por que, em suas memórias, não contou que, de acordo com as leis brasileiras, o seu cativeiro era ilegal. Ele diz que esqueceu, mas que, se tivesse lembrado, não faria a menor diferença.
Senador Demóstenes, a escravidão foi brasileira, assim como é brasileira uma certa dificuldade para lidar com os negros livres. Eu que o diga.
Axé,
Cazemiro
P.S.: Há uma referência ao caso da Emília no artigo "A proibição do tráfico atlântico e a manutenção da escravidão", da professora Beatriz Gallotti Mamigonian, publicado recentemente na coletânea de ensaios "O Brasil Imperial". Que Xangô apresse a publicação de seu livro sobre os "africanos livres" no Brasil.

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CLÓVIS ROSSI

Subdesenvolvidos. E felizes – FSP 08/04

SÃO PAULO - Não deixa de ser uma cruel ironia que o Brasil seja tratado universalmente como potência emergente no momento em que sua cidade mais bonita submerge por inteiro.
Os patrioteiros de plantão dirão que qualquer cidade se afogaria com tanta chuva. É verdade, mas é só parte da verdade. Menos mal que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o governador, Sérgio Cabral, tiveram o bom senso de acrescentar "problemas estruturais" ao excesso de chuva como responsáveis por tamanho estrago.
"Problemas estruturais", do tipo ocupação selvagem de encostas, como afirmou Cabral, é uma maneira elegante de dizer que o Rio, como o Brasil, não é emergente, é subdesenvolvido.
Pena que Deus, ou a natureza, ou quem seja, vira e mexe envie lembretes a respeito. Hoje, no Rio; ontem, em São Paulo; anteontem, em Angra dos Reis; antes de anteontem, em Santa Catarina; amanhã, sabe-se lá onde.
No mesmo dia em que os jornais se ocupavam com a tragédia carioca, saía pesquisa de uma financeira que pretendia mostrar que estamos emergindo, mas que prova o inverso. Ficamos sabendo que a classe C (ou classe média) foi a que mais se expandiu em 2009, sinal de que já não somos tão pobres.
Não? Vejamos: a renda familiar (a familiar, não a individual) mensal da classe C é de R$ 1.276, o que dá um pouco mais do que dois salários mínimos e bem menos do que os R$ 1.995,28 que o Dieese considera o valor necessário (do mínimo, não da classe média, que, como o nome indica, deveria estar acima).
Comparemos agora com a Espanha, o país rico mais "comparável" com o Brasil: cada desempregado espanhol recebeu em fevereiro, na média, 900, equivalentes a R$ 2.110, ou 65% mais que a renda da classe média brasileira. E os desempregados espa
nhóis não são chamados de emergentes.

CARLOS HEITOR CONY

A condição humana FSP 08/04

RIO DE JANEIRO - O recente temporal que se abateu sobre o Rio, bem como as tragédias vividas pelo Chile, pelo Haiti e, em doses menores, por outras regiões deste mundo, demonstraram mais uma vez a dicotomia da condição humana em seus aspectos principais: o bem e o mal.
Em primeiro lugar, o bem. Foram comoventes os atos de solidariedade nas tragédias recentes. Para o Haiti e para o Chile, foram canalizados recursos substanciais de todas as partes do mundo. Aqui no Rio, aqueles que a mídia chama de "populares" arriscaram a própria vida para salvar os feridos. O mesmo ocorreu nas cidades atingidas pelos recentes terremotos. Ponto favorável para a condição humana.
Ao mesmo tempo, e nos mesmos cenários, despontou a selvageria com saques e assaltos, que demonstraram os dois lados da mesmíssima condição humana.
Aqui no Rio, os congestionamentos facilitaram assaltos. Os carros abandonados nos alagamentos foram saqueados, como saqueados foram os supermercados do Chile e do Haiti.
Garantem que em algum ponto do universo há um Senhor de barbas brancas que desde o início dos tempos toma nota dos atos humanos para posterior recompensa ou castigo. Foi assim que abriu as cataratas do céu para inundar a Terra com o dilúvio, salvando apenas um justo.
Esse Senhor de barbas brancas deve ter dificuldade para julgar a sua própria criação. Há justos que salvam vidas e dão exemplos de solidariedade e de amor ao próximo. Há vândalos que nada respeitam e aproveitam a tragédia, a aflição do instante para tirar vantagens, muitas vezes insignificantes, só pelo prazer ou pela obrigação de exercer o lado sinistro da condição humana. Um dilúvio não resolve a questão.

De graça
Vladimir vira Cineclube no Conic

Fonte: Correioweb.com.br 08/04


O Conic, que no passado reuniu importantes salas de cinema, volta a ter um espaço de exibição. Trata-se do Cineclube Vladimir Carvalho, que abre as portas amanhã, às 10h, no Espaço Cultural Arildo Dória,(SDS, Ed. Venâncio III, sbj. Brasília/DF). Integrante dos 50 anos da capital federal, o projeto exibe Brasília segundo Feldman, de Vladimir Carvalho; e o Cinema de Vladimir Carvalho; de Maria Maia. “O local será vitrine para lançamentos de filmes recentes e antigos, de ficção e documentários, de longas e curtas, seguidos de debates, contando sempre com profissionais da área para fomentarem a discussão”, conta Francisco Inácio de Almeida, um dos organizadores. O cineclube homenageia o cineasta Vladimir Carvalho (foto) “devido à influência de seu estilo de cinematografia documentária inovador e a ligação de amor que tem com Brasília”.

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