A Brasília que não foi
FSP 20/04
Na véspera do cinquentenário da capital, obra e mostras revisitam vanguardismo dos projetos finalistas do concurso que elegeu plano piloto e herança deixada para o urbanismo no país
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MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Poderia ter sido uma cidade do Flash Gordon, com torres de 300 metros de altura (ou cem andares) e ruas aéreas ligando os blocos. Ou uma volta à cidade mais cordial, com pequenos núcleos de 30 mil habitantes.
Ou ainda a cidade moderna de Le Corbusier transplantada para os trópicos. Brasília poderia ter sido tudo isso e um pouco mais, como mostram uma exposição e um livro.
Ambos tratam dos sete projetos finalistas no concurso de 1957 que elegeu o plano urbano de Brasília. Só o plano foi objeto do concurso, já que o então presidente Juscelino Kubitschek já havia escolhido Oscar Niemeyer para criar os prédios.
Curiosamente, não há qualquer revisionismo sobre o plano no momento em que a cidade faz 50 anos. Desde que o arquiteto britânico sir William Holford, que presidiu a comissão julgadora, disse que Lucio Costa (1902-1998) fizera "a maior contribuição urbanística do século 20", o plano sofreu ataques de conservadores e pós-modernos, mas não há dúvidas de que é uma das raras invenções urbanas brasileiras.
Até derrotados se orgulham de ter perdido para Costa. Um dos sobreviventes do concurso, o engenheiro Boruch Milman disse à Folha que foi "uma maravilha ser o segundo colocado num concurso vencido por Lucio Costa".
Não era só o plano de Costa que trazia inovações, segundo o arquiteto Milton Braga, autor do livro "O Concurso de Brasília", que tem lançamento previsto para a segunda quinzena de maio. Para ele, há inovações no projeto de Rino Levi e no dos irmãos Maurício Roberto e Marcelo Roberto, que ficaram empatados em 3º lugar.
Segundo Braga, Levi antecipa o movimento das megaestruturas dos anos 1960 ao prever as torres de 300 metros que funcionam como máquinas. Já os irmãos Roberto fazem uma crítica ao urbanismo modernista ao proporem uma volta à cidade tradicional.
"O concurso de Brasília foi o ápice do urbanismo brasileiro", afirma Braga. A opinião é compartilhada pelo arquiteto Jeferson Tavares, cuja pesquisa serviu de base para a exposição que começa hoje no Museu da Casa Brasileira. "É o ápice e o começo do declínio", emenda.
Brasília magnetizou uma geração de arquitetos, ajudou a projetar o Brasil como um país moderno e foi tão importante quanto a bossa nova e o cinema novo, mas deixou herança esquálida para o urbanismo. Ou, como diz o arquiteto e crítico Guilherme Wisnik, autor da introdução ao livro de Braga, o urbanismo gerou uma "herança degradada" em condomínios suburbanos como Alphaville.
A culpa pela ausência de heranças, se há um culpado, é dos tempos de inflação e juros elevados, diz Braga. Foi ela que ajudou a matar a cultura do projeto urbano e arquitetônico no país. "O dinheiro não podia esperar o tempo do projeto."
Ele é otimista sobre os frutos que Brasília pode gerar. Acha que o plano de Costa tem qualidades que serão reaproveitadas no futuro. A maior delas, diz, foi a capacidade de criar infraestrutura (avenidas, superquadras, praças) sem engessar o futuro do espaço.
"Por isso você consegue criar novas áreas." Para ele, a capital tem o que falta nas degradadas cidades brasileiras: identidade e coesão criadas a partir da infraestrutura urbana.
O CONCURSO DE BRASÍLIA: SETE PROJETOS PARA UMA CAPITAL
Autor: Milton Braga
Editora: Cosac Naify/Imprensa Oficial/Pinacoteca
Quanto: R$ 89 (288 págs.)
OUTROS PLANOS: BRASÍLIA
Quando: abre hoje para convidados; de terça a domingo, das 10h às 18h; até 16/5
Onde: Museu da Casa Brasileira (av. Brigadeiro Faria Lima, 2.705, tel. 0/xx/11/3032-3727)
Quanto: de R$ 2 a R$ 4; grátis aos domingos e feriados
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Políticas públicas no ensino superior FSP 20/04
ELLIS WAYNE BROWN
O ensino superior público poderia ser pago, deixando de privilegiar os que não precisam, gerando com isso um fundo de bolsas
A PRIMEIRA lição que tive do meu antigo professor de políticas públicas foi a de que a maior parte delas, e suas regulações subsequentes, deixa de reconhecer e contemplar efeitos colaterais nocivos e restritivos em outras frentes.
Na educação superior brasileira não tem sido diferente.
Com base no discurso isolado da qualidade, tem-se adotado o ideário da universidade pública como hegemônico, sem considerar seus efeitos colaterais em termos de acessibilidade, ascensão social e desenvolvimento socioeconômico.
Naturalmente, a qualidade é uma variável fundamental, mas precisa ser compatibilizada com as demais.
O modelo vigente é por natureza corporativo e elitista, contemplando mais os pressupostos dos meios do que os fins a serem atingidos.
Isso onera os custos e prejudica sensivelmente a acessibilidade financeira da esmagadora maioria da população jovem, excluída da rede superior pública por limitação de vagas e de formação de base.
Não é por acaso que a meta de contemplar 30% da população entre 18 e 24 anos cursando o ensino superior até 2010 não foi atingida, ficando em apenas 13,7%, ou seja, menos da metade do esperado.
Alguns desses pontos foram discutidos em dois artigos anteriores publicados neste espaço de debate. Agora, vamos a um breve enunciado de ações de política educacional que consideramos prioritárias para o ensino superior.
O primeiro ponto é a forma de custeio da pesquisa acadêmica. Hoje, ela representa um custo elevado e desproporcional, que não deveria ser incorporado e camuflado no orçamento da educação e subsidiado com as mensalidades dos alunos da graduação, muito menos afetar os resultados de sua avaliação.
A verba pública poderia ser concentrada em fundos de fomento e disponibilizada para programas e projetos de pesquisa em razão da justificativa e da qualidade das propostas, independente de origens institucionais.
Em segundo lugar, pensemos na ampliação de recursos didáticos.
Recursos de apoio didático, como laboratórios e acervos bibliográficos, poderiam ser custeados pelo Estado não só para a rede pública mas também entregues em comodato à rede privada, na forma de parcerias público-privadas (PPPs), a fim de alavancar a qualidade e reduzir o ônus desses investimentos sobre os valores das mensalidades.
O terceiro ponto corresponde a dotações públicas para bolsas de estudos. O ProUni (programa do governo federal que dá bolsas a alunos carentes em instituições particulares) é excelente iniciativa, mas ainda limitado em função da demanda.
O ensino superior público poderia ser pago, como na maioria dos países, deixando de privilegiar os que não precisam, gerando com esses recursos um fundo de bolsas para os que carecem de meios de custear estudos.
O quarto enunciado refere-se ao sistema de avaliação da qualidade educacional. Estes deveriam focar os resultados da formação profissional, e não se concentrar nos meios.
Apenas 30% do CPC - Conceito Preliminar do Curso, fartamente explorado pela mídia como nota do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) contempla a real qualificação do egresso para o exercício da profissão, o que distorce e penaliza injustamente os alunos e as instituições formadoras.
A linha de corte entre a graduação e a pós-graduação é o nosso quinto tópico. Com o avanço do conhecimento e das especialidades, os cursos de graduação e suas cargas horárias estão excessivamente carregados e fragmentados, em prejuízo da qualidade.
A graduação deveria ficar dedicada a formações profissionais básicas, transferindo-se as especialidades para a pós-graduação, como já vem ocorrendo na Europa.
O sexto item refere-se à educação continuada. É de se estranhar que, com tanta intervenção regulatória em nome da qualidade do ensino da graduação, não haja qualquer obrigatoriedade de atualização para que se mantenha a validade dos diplomas, sendo cada vez mais curtos os ciclos de obsolescência do conhecimento.
Nesse caso, a iniciativa fica por conta do profissional, e a regulação das competências, pelo mercado.
Por fim, uma consideração sobre a qualificação docente. O atual critério de qualificação do corpo docente resume-se à titulação acadêmica. Por importante que seja, esse critério indica apenas o conhecimento dos conteúdos, e não a capacidade didática.
Muitos docentes titulados nunca exerceram a profissão, o que prejudica a qualificação dos conteúdos nas disciplinas aplicadas e sugere cautela no regime de dedicação integral.
Em conclusão, existem questões e alternativas a serem debatidas, se as paixões corporativas puderem ser contidas e prevalecer uma visão mais inclusiva, que promova o desenvolvimento sustentável do país.
ELLIS WAYNE BROWN, formado em ciências sociais e mestre em comunicação social, é vice-reitor da Uniban Brasil.
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